I - Introdução
Alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova foram alterados pela Lei 11.690, de 9 de junho de 2008 (DOU de 10.6.2008), com vigência a partir de 9 de agosto do mesmo ano. Dentre as modificações, neste trabalho, dar-se-á ênfase apenas àquelas que tratam das “disposições gerais” sobre a prova, mediante a apresentação de uma análise crítica alicerçada na principiologia perfilhada pela Constituição Federal de 1988.
II - Conceito de prova e sistema de apreciação
Prova é qualquer elemento produzido em juízo ou a ele submetido, observados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, destinado à formação do convencimento do dirigente processual ou de quem faz as vezes do julgador (ex: jurados) e aptos a servirem de amparo a alguma deliberação. Portanto, os elementos de conteúdo informativo formalizados ilegalmente não constituem verdadeiras provas, conforme a conceituação formulada, assim como aqueles colhidos na fase inquisitorial, apesar de chamados comumente de ‘provas’, enquanto não jurisdicionalizados, como se verá adiante, não se enquadram naquela definição.
A prova é chamada de direta quando for capaz de demonstrar o fato alegado sem qualquer interferência. A indireta resulta do alcance do “fato principal por meio de um raciocínio lógico-dedutivo, levando-se em consideração outros fatos de natureza secundária, porém relacionados com o primeiro”. (CAPEZ, 2005, p. 271)
O atual art. 155 do Código de Processo Penal guarda certa correspondência com o anterior art. 157 que previa: “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”. Enuncia o dispositivo que inaugura o capítulo referente às “disposições gerais” da prova:
“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.” (NR)
O sistema do livre convencimento motivado[1] foi mantido pela modesta reforma legislativa, porém agora conta com a sustentação expressa de que somente os elementos de convicção submetidos ao contraditório em processo judicial é que poderão corroborar a decisão do magistrado, o que reflete a tendência do processo penal pátrio em assegurar ao acusado a efetiva participação nos atos destinados à instrução do feito, pois, afinal, é seu direito de liberdade que está em jogo e somente poderá ser restringido se observado o devido processo legal.
A regra é de que os elementos informativos colhidos na investigação não são aptos a servirem, com exclusividade, de fundamentos para a decisão final, pois na fase preliminar da persecução penal o investigado não tem oportunidade para apresentar sua defesa, indicando ou produzindo elementos de convicção ou, ainda, contrariando os existentes.
A exceção feita às provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas deve ser interpretada de modo a não ferir nenhum dos princípios constitucionais já citados. É evidente que todas essas ‘provas’ devem ser trazidas ao crivo do contraditório a fim de que tenham validade. Assim, o exame de corpo de delito, além de outras perícias realizadas na zetética inquisitorial e ante a característica de irrepetíveis, cumprirá seu objetivo de fornecer sustentáculo ao provimento jurisdicional somente se for possível a análise, impugnação ou manifestação pelas partes sobre qualquer ponto que o compõe.
No que tange à prova emprestada, admite-se seu emprego desde que o elemento formalizado em processo distinto se refira às mesmas partes (Ministério Público ou querelante e acusado) e, após o traslado, seja dada oportunidade para eventuais objeções. Somente dessa forma haverá observância ao contraditório e à ampla defesa. Vale observar que na hipótese de, originalmente, a prova a ser objeto de empréstimo apresentar-se eivada de vício, este não poderá ser convalidado nos autos de destino, exceto se tratar de mera irregularidade.
A regra esculpida no parágrafo único do atual art. 155 constava no antigo caput do mesmo dispositivo. O estado da pessoa refere à sua qualificação no contexto individual (capaz, incapaz etc.) ou perante a família (casado, solteiro, filho, pai etc.). Assim, v.g., o estado de casado comprova-se com a respectiva certidão do matrimônio.
III - Ônus da prova e questões afins
Admite o caput do art. 156 do Código de Processo Penal, sem qualquer novidade em relação à previsão anterior, a distribuição do ônus da prova entre acusação e defesa: quem alegar o fato incumbirá prová-lo[2]. Além de não representar a melhor escolha dentre as infinitas formas de distribuição do ônus da prova, é inconstitucional deixar a cargo da defesa o - pesadíssimo - ônus de demonstrar a veracidade de qualquer alegativa, seja impeditiva, modificativa ou extintiva do direito da acusação, quando se tratar de ação penal de propensão condenatória.
Dispõe o precitado dispositivo legal:
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (NR)
Os princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência não permitem que recaia sobre o acusado o ônus de provar a ausência de culpa. Ora, “lançar o encargo de o acusado provar a não-autoria de um delito significa indicá-lo como verdadeiro culpado, sendo sua condenação o reflexo imediato na hipótese de não se desincumbir satisfatoriamente de tal ônus.” (CARVALHO, 2008)
Ainda que se refira às teses tipicamente defensivas, especialmente as excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, inadmissível sustentar que caberá ao acusado o encargo de prová-las. Neste mote resplandecem os ensinamentos de Badaró (2003, p. 436):
“Embora sejam elementos negativos do delito, as excludente de ilicitude são fatos negativos determinados e definidos, cuja inocorrência pode ser perfeitamente demonstrada pela comprovação de fatos positivos com eles incompatíveis. Se houver dúvida sobre a ocorrência de qualquer das excludentes, o acusado deve ser absolvido.”
Destarte, é plenamente possível à acusação repelir a tese defensiva sobre a presença de justificantes ou exculpantes, bastando laborar sobre os requisitos e elementos que as compõem.
As mesmas lições são válidas para o tema “inversão do ônus da prova” em sede de ação penal de conhecimento:
“O processo penal é o meio necessário para que o Estado faça valer o jus puniendi e representa ao acusado a garantia de que somente poderá ser punido após o decurso de uma ação penal própria, o que, de certa forma, limita a atuação estatal, dificultando o abuso e o exercício arbitrário do poder.
“Na ação penal de cunho condenatório o ônus subjetivo da prova é todo da acusação, ainda que imperfeito, visto que pode ser suprido pela atividade de terceiros, como, por exemplo, a juntada de laudos periciais sem a sua requisição e o reconhecimento do princípio da comunhão das provas.
“O princípio da presunção de inocência, expressamente consignado na Constituição Federal de 1988, não permite a alteração daquela regra, isto é, que se opere a inversão do ônus da prova.” (CARVALHO, 2008)
Boa parte da doutrina comunga a idéia de que o magistrado não só pode como deve atuar complementarmente à atividade probatória das partes, permitindo a produção de dados persuasivos com o fim de orientar a atividade jurisdicional. Para os defensores desta postura tanto o princípio da verdade real quanto a admissão, pelo direito processual penal pátrio, de um sistema acusatório impuro justificariam a atividade complementar do juiz. Contudo, impossível admitir o comportamento ativo do dirigente processual na iniciativa pela busca de elementos de convicção. Isto se deve porque qualquer dúvida que circunda sua mente deve ser traduzida em provimento favorável ao acusado ante o princípio do in dubio pro reo.
Neste aspecto, preferiu-se manter no dispositivo em comento o clássico paradigma no sentido de autorizar o juiz a proceder à colheita de provas em atividade suplementar.
Apesar de imperfeito, como registrado alhures, o ônus subjetivo da prova, na ação penal de tendência condenatória, pertence à acusação e não pode ser suprido, ainda que supletivamente, pelo juiz, tendo em vista: a) a adoção de um real sistema penal acusatório compatível com as diretrizes constitucionais; b) o referido postulado do in dubio pro reo; e, c) a manutenção da imparcialidade do julgador.
No concernente à produção antecipada de provas a pedido da parte não restam dúvidas sobre sua possibilidade, bastando observar os requisitos legais. Deve, portanto, restar demonstrada: a) a urgência e relevância, ou seja, a situação excepcional apresentada (ex: enfermidade grave da testemunha) e que a prova possa influenciar no deslinde do caso (evitar a busca por elementos supérfluos); b) a sua necessidade, isto é, que a ausência da prova não posse ser suprida por outra; c) que ela seja adequada legal e moralmente e que não careça de esforços extraordinários para a produção quando cotejada com o resultado que se busca, é dizer, que haja proporcionalidade entre a iniciativa de sua execução em momento diverso do ordinariamente previsto e o resultado pretendido. Apesar de o dispositivo sob análise se referir à determinação judicial independente de manifestação das partes (atuação de ofício), os requisitos traduzem-se em imperativos que devem ser analisados pelo magistrado quando da avaliação do pedido de produção antecipada de provas, pois somente assim será possível a tomada de uma decisão justa de acatamento ou rejeição.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal indeferiu ordem de habeas corpus (HC 93.157) em que se questionava a ilegalidade do ato de juiz que determinou a produção antecipada de provas sem apresentar imediata fundamentação:
“De acordo com o relator, ministro Ricardo Lewandowski, logo que citou o acusado (foragido) por edital e decretou sua prisão preventiva, o juiz decidiu antecipar a produção de provas, sem justificar. O magistrado só fundamentou sua decisão mais tarde, quando solicitado a dar informações de sua atitude às instâncias superiores que julgaram pedidos de habeas corpus ajuizados pela defesa. Na ocasião, o juiz explicou que os fatos criminosos investigados teriam ocorrido há mais de seis anos, e que se corria o risco de as testemunhas esquecerem os detalhes.
“Para o ministro Ricardo Lewandowski, mesmo que o Código de Processo Penal permita a produção antecipada de provas, não se pode permitir o automatismo. Assim, por falta de fundamentação específica do juiz a justificar o procedimento, Lewandowski votou pela concessão da ordem para anular os interrogatórios. O ministro fez questão de frisar que seu voto tinha um viés pedagógico, no sentido de alertar os magistrados para que não tornem esse tipo de conduta automatizada.
(...)
“Os demais ministros da Primeira Turma, contudo, divergiram do entendimento do relator. Para eles, o juiz agiu bem. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito revelou que, de acordo com os autos, o que o juiz fez foi aceitar um pedido de antecipação de provas. O juiz tem o poder de determinar essa produção antecipada de provas, “está ao seu alvedrio”, disse o ministro, iniciando a divergência e votando pelo indeferimento do pedido.
“O Código de Processo Penal, em seus artigos 225 e 366 dão respaldo ao juiz, emendou o presidente da Turma, ministro Marco Aurélio. Para Cármen Lúcia Antunes Rocha, em certos casos o magistrado deve agir nesse sentido, para assegurar que se cumpra o dever do estado. O ministro Carlos Ayres Britto completou a corrente que definiu o resultado do julgamento, pela rejeição do pedido.” (EDITORA MAGISTER, online)
A fundamentação é requisito inerente a qualquer decisão judicial (art. 93, IX, CF), não podendo o magistrado simplesmente acatar o pedido de produção antecipada de provas com base nos argumentos apresentados pelo postulante. Portanto, verifica-se estar correta a postura do ministro relator no que tange à ausência de fundamentação na decisão do magistrado como causa suficiente para a concessão da ordem.
A produção antecipada de provas por determinação ex officio, como destacado, é inadmissível, apesar de o texto legal consignar o contrário e o corroborar a maioria dos tratadistas nacionais. Dessa forma, para os que vislumbram estar em consonância com os ditames constitucionais o presente art. 156, o magistrado estaria legitimado a determinar de ofício a produção antecipada de provas desde que presentes os requisitos acima mencionados.
Também é óbvio que, seguindo a mesma trilha de raciocínio, não há de se aceitar a atuação ex officio do dirigente processual no sentido de ordenar a realização de diligência para elucidação de pontos duvidosos, obscuros, e relevantes para o julgamento como pretende o art. 156, inc. II. Ora, admitir o contrário é relegar do ordenamento processual penal brasileiro o princípio do in dubio pro reo. A hesitação na mente do julgador sobre a (in)existência de elementos suficientes para condenar o acusado determina que se proceda de modo favorável a este, é dizer, a absolvição é a medida que se impõe, pois o acusador não conseguiu desincumbir-se de seu ônus. Sob perspectiva diversa, é aceitável que o ponto duvidoso seja esclarecido por intermédio de diligência requerida pela acusação ou pela defesa.
IV – Provas ilícitas
Por vezes a expressão ‘provas ilícitas’ compreende as ‘ilícitas em sentido estrito’, que ferem regras de direito material, e ‘ilegítimas’, que descartam as normas de direito processual, todas respaldadas na Constituição Federal. A doutrina tradicional, acertadamente, ensina que provas ilícitas e ilegítimas são espécies do gênero provas ilegais. Poderia, então, o legislador ter acatado a lição doutrinária e consignado que são inadmissíveis as provas ilegais, mas preferiu aludir que:
“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4º (VETADO)”
Na Constituição Federal, o inciso LVI, do art. 5º, reza que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Contudo, é unânime o entendimento de que o texto constitucional adotou o sentido amplo da nomenclatura ‘provas ilícitas’, pretendendo abranger todas aquelas que são vedadas no ordenamento jurídico. (LIMA, 2003, p. 41)
A regra consignada no § 1º, do art. 157, do Código de Processo Penal, prima por expungir as provas obtidas através da produção ilegal de outras (ilícitas por derivação). É a positivação da conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada[3]. O dispositivo, entretanto, admite exceções. A primeira delas refere-se às provas alcançadas graças ao envide de esforços para a produção de outras consideradas ilícitas (sentido amplo), mas que não guardam nexo de causalidade entre umas e outras. Tal situação é muito difícil de ser verificada na prática. Se as provas derivam de outras, como evidenciar a ausência do nexo de causalidade entre elas? Não parece haver uma contradição na proposição legal?! Por ora urge registrar que a inexistência do nexo causal dependerá da averiguação realizada sobre cada caso concreto. Neste contexto ressalta-se apenas que o dispositivo elenca a inexistência ab initio do liame causal, sendo que a hipótese de seu rompimento está configurada na próxima exceção por ele feita.
A segunda ressalva refere-se à possibilidade de as provas derivadas contaminadas puderem ser provenientes de fonte diversa não poluída. Pretendeu o legislador resguardar os elementos probatórios então decorrentes de uma fonte contaminada mas que seriam trazidos ao processo, “seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou da instrução criminal”, por intermédio de uma nascente límpida. A inevitabilidade de proveniência lícita, que “seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”, deverá se demonstrada pelo acusador quando a prova desfavorece o acusado. Se favorecê-lo, é evidente que aquele cuja intenção está direcionada à condenação não terá interesse em demonstrar que a prova seria obtida por fonte hígida independente. Nesta hipótese, arcaria o acusado com o ônus da prova? Para aqueles que enxergam a constitucionalidade do art. 156, se o acusado alegasse que a prova ilícita por derivação iria advir do trâmite processual de praxe teria de comprovar sua tese. Todavia, como se tem defendido neste despretensioso estudo, não há encargo probatório algum que recaia sobre o acusado. Se sua alegativa é plausível, caberá ao acusador demonstrar que tal prova não seria adicionada ao caderno processual se fosse seguido os trâmites “típicos e de praxe”, pois, se assim não o fizer, assumirá o risco de ser prolatada uma decisão contrária aos seus desejos.
Cabe ressaltar a existência de julgados admitindo a plena validade da prova ilícita por derivação capaz de beneficiar o acusado. Louva-se este posicionamento porque nenhuma ilegalidade pode sobrepor ao jus libertatis do indivíduo.
Já o § 3º deste art. 157 apenas prevê que não basta o desentranhamento da prova ilícita, deve-se proceder à sua inutilização, vale dizer, à destruição total para jamais servir ao feito ou a outro eventual processo.
No projeto que culminou na Lei 11.690/08 estava prevista a seguinte redação para o § 4º do art. 157: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou o acórdão”. O Chefe do Poder Executivo apresentou as seguintes razões para o veto do presente dispositivo:
“O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser, eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso.
“Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.”
Vê-se, portanto, ser o veto parcial motivado pela contrariedade ao interesse público (veto político), não se reconhecendo qualquer inconstitucionalidade na redação proposta.
V – Considerações finais
Os artigos 155 usque 157 do Código de Processo Penal, inaugurados pela Lei 11.690/08, não refletem verdadeiro avanço em matéria de prova na seara criminal. O legislador, apesar de registrar o que já vinha sendo observado por parte dos juristas no que tange à inadmissibilidade das provas ilícitas e derivadas, perdeu a oportunidade contornar o tema (prova) conforme a índole garantista da nossa Carta Republicana de 1988.
Cediço que as atividades legislativas de reformulação do Código de Processo Penal não se resumem em alterações pontuais, como ocorreu com o advento da Lei 11.690/08, sendo que há intenso movimento direcionado ao implemento de um novo diploma. A comunidade jurídica, que anseia por novas orientações embasadas na principiologia constitucional orientadora de um Estado Democrático de Direito, aguarda que a timidez não reine no espírito do legislador e que em nosso próximo Código de Processo Penal haja hialina adoção de um sistema acusatório puro - referente à fase processual é evidente - o que permitirá o desencadeamento de suas conseqüências inarredáveis, quais sejam: a) poderes instrutórios do juiz afastados da possibilidade de produção probatória ex officio; b) observância ao integral sentido fornecido pelo princípio da presunção de inocência quanto à matéria atinente ao ônus da prova; e, c) manutenção da imparcialidade do julgador como postulado máximo de uma efetiva prestação jurisdicional.
Notas:
[1] Por este sistema, “o juiz, apesar de estar livre na apreciação das provas, só pode utilizar aquelas encontradas no processo, sendo estas admitidas pela lei e sujeitas a um prévio juízo de credibilidade, não podendo ser ilícitas ou ilegítimas, e, feita a opção, deverá sempre motivar sua decisão, proporcionando, assim, impugnação pela parte insatisfeita.” (LIMA, 2003, p. 74)
[2] Ao comentar a redação anterior dada ao art. 156, Fauzi Choukr (2007, p. 317) observava que “a disciplina constitucional exige a releitura do artigo em comento a fim de adequá-lo à estrutura da CR (Constituição da República) e da CADH (Convenção Americana e Direitos Humanos), sob o risco de, em não o fazendo, tornar-se letra morta a presunção de inocência, fundamento maior do relacionamento do acusador público para com a prova”.
[3] “A Suprema Corte dos Estados Unidos da América formulou a fruit of the poisonous tree doctrine, ou seja, a teoria da árvore dos frutos proibidos, que basicamente consiste em que, havendo uma origem ilícita, v.g., uma investigação eivada de inconstitucionalidade, toda prova decorrente desta, mesmo que não ilícita em si, não poderá ser admitida, pois já estaria contaminada.” (LIMA, 2003, p. 65)
Referências bibliográficas:
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT, 2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
CARVALHO, Thiago Amorim dos Reis. Inversão do ônus da prova na ação penal condenatória. Artigo científico apresentado à Coordenação de Pós-Graduação da Universidade Católica de Goiás e Academia Estadual de Segurança Pública – Gerência de Ensino Policial Civil. Fev. de 2008.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
EDITORA MAGISTER. Juiz pode antecipar produção de provas. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/noticia_ler.php?id=31475>. Acesso em: 24.9.2008.
LIMA, Marcellus Polastri. A prova penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
Advogado em Anápolis-GO. Especializado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Católica de Goiás e Secretaria de Segurança Pública e Justiça de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Thiago Amorim dos Reis. Aspectos gerais sobre a prova no processo penal e as orientações promovidas pela Lei 11.690/08 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2009, 10:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17647/aspectos-gerais-sobre-a-prova-no-processo-penal-e-as-orientacoes-promovidas-pela-lei-11-690-08. Acesso em: 23 dez 2024.
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