Era uma vez..., as aventuras do pensamento e do “saber penal”. A origem da hipocresia, a história do homem e do poder, o controle social, a demagogia, os engodos e enganos do direito penal universal.
Contos e cantos de sereias, dragões dos mares azuis e imensas serpentes engolindo caravelas, naus e galés, ao meio os piratas dos 7 mares em busca de novos mundos; guerras, lutas, assaltos e mortes violentas, graves crimes e muita impunidade, esta são histórias e estórias do terror, do passado, do presente e talvez do futuro.
E então, no séc. xvi, neste lado do mundo, ano de 1500, o Brasil foi descoberto (apossado ou invadido), dando inicio a repressão e aos abusos do direito penal do Monte Pascoal, da Terra de Vera Cruz, da Terra de Santa Cruz, da Ilha de Vera Cruz, da Terra dos Papagaios (ver Bueno, Eduardo, in “A viagem do descobrimento”; ed. Objetiva, Rio de Janeiro, vol I, 1998), do Brasil Colônia, do Brasil Império, do Brasil Estado Novo, do Brasil Militar e do Brasil República Democrática de Direito (art. 1º CF, 1988).
No direito penal indígena, ou consuetudinário, prevaleciam as regras naturais de conduta e de relacionamento. Consta na Carta Magna brasileira que o Estado reconhece os índios e sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições (art. 231 “caput” CF), onde “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º “caput” CF), em nome à dignidade da pessoa humana. E assim continuam as demagogias, as “letras mortas” e as “constituições de papel”.
No Brasil colônia a legislação do Reino Unido de Portugal tinha como núcleo a crueldade para embutir o máximo terror possível. Primeiro, as Ordenações Afonsinas, de 1500 à 1515, na seqüência as Manuelinas, as Filipinas, de 1603, com vigência inclusive durante a dominação holandesa; posteriormente, o Código de Don Sebastião. Proclamada a independência (1822) Dom Pedro I manda observar as Ordenações, mesmo após a promulgação da 1ª Constituição brasileira (do Reino Unido do Brasil, 1824), assim a originalidade, a legalidade e a soberania da lei penal brasileira, de acordo com o tempo e espaço caracterizam-se, desde os primórdios, como um verdadeiro mito.
Aprovado o Código Criminal do Império (1830), quando surge a 1ª legislação penal genuína do Brasil e do continente latino-americano; obviamente naquele momento histórico não se falava no princípio da representação popular, nos termos do art. 22 da atual Carta Magna nacional, pela preeminência do Poder Executivo e Moderador, frente ao Legislativo e Judiciário.
Destacamos na legislação criminal brasileira o Regulamento nº 120 (Código de Processo, de 1841), o Código Penal da República, de 1889, o Decreto-lei nº 16.665/1924, a Consolidação das Leis Penais, de 1932, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei das Contravenções Penais de 1942, os Projetos de Código Penitenciário de 1933, de Execução Penal, 1955, a Lei nº 3.274/57, o Anteprojeto de Código Penal Nelson Hungria, e de Execuções Penais, de 1963, as Leis de Segurança Nacional de 1969, 1972 e 1983, o Anteprojeto de Código Penitenciário de 1970, a Lei nº 6.416/77, e as Leis nºs. 7.209/84 e 7.210/84 (Código Penal - parte geral, e Lei de Execução Penal, respectivamente); sem mencionarmos tantas normas importantes que compõe a “inflação legislativa penal” e a nossa chamada “colcha de retalhos” legais.
Direito Penal nada mais é do que a repressão oficial servindo ao controle social, oprimindo e excluindo a classe economicamente mais carente, configurando a injustiça social. É a lei dos mais forte da dominação e do poder político-econômico. O direito penal não passa de disciplina teórica repleta de exemplos terrificantes, mitos, ficções, lendas, fábulas, folclores e superstições, onde serve para fazer com que o sistema penal se encontre em agudo desprestígio popular, aumentar as cifras negras e a impunidade, bem como o descrédito pelas instituições públicas.
“O mais inviolável dos deveres do homem público é o dever da verdade: verdade nos conselhos, verdades nos debates, verdade na tribuna, na imprensa e em tudo verdade”, disse o Águia de Haia, Rui Barbosa, um dos maiores juristas e oradores do mundo; também o ex-deputado federal paraense Hélio Duque, com excelência asseverou: “a mentira passou a ser consagrada como ato de inteligência” (in “Verdade e ética”, Jornal O Estado do Paraná, Curitiba-PR, 01.05.05).
Pode-se, então afirmar que o delito de estelionato, como ato de iludir, enganar, dissimular e falsear a verdade, constante no art. 171 do código penal brasileiro e também tipificado em todos os códigos penais do mundo, há muito tempo se encontra descriminalizado de fato, ante a carência de moral e de ética nos meios ou nos setores públicos.
É tamanha e tacanha a demagogia da política criminal universal, através da linguagem de seus operadores, na grande maioria, horripilante e importada, noticiam-se diariamente condenações antecipadas, em total desrespeito aos princípios da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência, ofendendo flagrantemente a dignidade da pessoa humana, como se fosse natural, normal, legítimo e legal, difamar, injuriar e caluniar (arts. 138 a 145 CP), sem qualquer responsabilização civil, criminal ou administrativa.
De um lado, as academias, os institutos e centros de letras jurídicas, as universidades; de outro, a política emocionando a sociedade ao longo dos séculos e conseguindo deturpar o conteúdo das ciências penais, criminológicas, vitimológicas e penitenciária.
Caluniosa invenção velha e ficção sempre moderna. O direito penal ideal não desconhece e não desconsidera a realidade e o científico, faz aparecer o estado de direito real, e não trabalha com a negação de justiça, com a ilusão ou com uma dogmática incorreta.
No passado e no presente, talvez também no futuro esta construção de conceitos falsos serve para acomodar e fazer parecer racional e funcional o sistema ante a opinião pública – neokantismo e o tecnicismo jurídico – com discursos burocráticos recheados como acadêmicos e judiciais fossem, montados inteligentemente para estabelecer e justificar a opressão legal criminal, em desencontro com a filosofia (nesse sentido ver o ódio à filosofia penal, de Vicenzo Manzini), e com os princípios democráticos do direito penal.
Carneluti já se referiu sobre “as misérias do processo penal”; Lola Aniyar de Casto, diz “a criminologia é da miséria, porque só trata dos crimes dos miseráveis”.
Pura inautenticidade dos burocratas obsessivos ou da ignorância crescente funcional que não equilibra o sistema e só faz aumentar o poder e o seu uso e abuso (Lei nº 4.898/56 de Abuso de Autoridade) . Aceitam-se teorias sem se perguntar: por que ? ou para que ? Daí a prova da operacionalização distraída e alienada dos profissionais do direito.
As teorias penais repressivas não tomam os dados da realidade, embutem na opinião pública que são funcionais; e se assim não for o sistema de segurança perderá sua funcionalidade. Em outras palavras, é um discurso jurídico penal demagogo, verdadeiramente falso, sem eficácia operativa e sem razão.
O direito penal anti-democrático se legitima porque é aceito, através de teorias impostas aos inconscientes operadores ou pouco conhecedores da história do direito penal, da pena, da prisão, do poder, dos abusos e arbítrios contra a humanidade.
A ficção do estado funcional e a demagogia da política criminal das últimas décadas, se reste em realidade, através do oportunismo da globalização penal quebrando de vez com a soberania estatal, da lei, da cultura, das tradições e dos costumes dos povos.
A norma penal como propaganda eleitoral – Poder legislativo e executivo - das ações estatais em nome do controle da violência, faz surgir o direito penal promocional, ao lado do direito penal subterrâneo. O Estado e a justiça pelas próprias mãos, impunidades e cifras negras.
O sistema penal opera através de cifras negras e douradas da criminalidade, é um direito penal artificial que trabalha contra-direitos, atua seletivamente e de maneira desigual, com muita impunidade e imunidade.
Não olvidemos o direito penal de risco ou a teoria da sociedade de risco, de um estado preventista que afoga o estado de direito confundindo-se com a prevenção policial, convertendo os delitos de lesão em delitos de perigo, eliminando o “in dúbio pro reo”, o devido processo legal, o onus probandi, a ampla defesa, o contraditório, etc.
As vezes se minimiza normativamente ou se descriminaliza de fato para maximizar a repressão juridicamente, com o fim de demonstrar a eficácia do direito penal e tranqüilizar a opinião pública. Até os operadores do sistema não acreditam nas suas próprias funções, deixando ansiosas as vítimas e a sociedade como um todo.
Que envergonha que devemos sentir de Jean J. Rousseau (+ 1778), de Voltaire (+ 1768), do Barão de Montesquieu (+ 1755), de Cesar Beccaria (+ 1794), e de outros tantos filósofos que no passado rogaram por reformas penais e processuais, especialmente quanto a práxis policial-forense; e ainda hoje, após 3 séculos, os ditos profissionais do direito continuam propondo exatamente o mesmo, como se fossem teorias modernas e avançadas, são apenas e na verdade mudanças terminologias ou “jogos de palavras”. Já no séc. xviii denunciava-se a crueldade dos suplícios, as injustiças, a tortura, as penas desproporcionais que se traduziam em vingança pública, rogava-se também pela igualdade da lei penal, pela prevenção do crime e pelo devido processo legal. E hoje, o que se está fazendo ? O mesmo ou quase nada ?
Com todas garantias individuais, notamos que cada vez mais aumentam os crimes de abuso de poder ou de autoridade, assistimos a proliferação de acusações e investigações secretas, prevalecendo as condenações anunciadas e a presunção de culpabilidade, quando ainda se fala em presunção de periculosidade, é o máximo do máximo dos absurdos. Estamos diante de uma grande onda - “tsunami jurídico-penal” - que vem tomando proporções incalculáveis para a desgraça futura da humanidade. No passado, até nos regimes mais autoritários não se cometiam tantos abusos e excessos como se está presenciando hoje, de maneira camufluda ou maquiada.
Outro equívoco é falar de um direito penal preventivo, este nunca existiu e não nunca existirá, o direito penal é repressivo por natureza, posto que os órgãos da administração da justiça – polícia, ministério público, poder judiciário - atuam repressiva e nunca preventivamente. O direito penal sempre foi a potestad estatal de punir, com ou sem razão, com ou sem lógica, como ou sem utilidade.
O poder político e as bajulações que rodeiam as agências penais infantilizam e desacreditam a administração pública. Ademais da ganância financeira que também se encosta no direito penal, daí os crimes de corrupção, contra o patrimônio, falências fraudulentas, quebras no sistema financeiros, etc., muitos insolúveis e impunes, propositadamente, ou melhor, acobertada e disfarçadamente.
As mudanças necessárias são lentas e tímidas, o sistema é ortodoxo, radical e arcaico, muitos de seus operadores estão inconscientemente comprometidos com um discurso falso e que acreditam ser verdadeiro. Note-se a lentidão para rever e reformar as leis, a este exemplo a extinção do exame criminológico, e a participação das partes no interrogatório do réu onde somente no ano de 2003, apesar da existência de dispositivos constitucionais já em vigor desde 1988 (inc.LXIII, art. 5º CF), o artigo 186, parágrafo único do Código de Processo Penal, expressa na lei infra-constitucional o que era permitido na Carta Magna – com a mesma redação -, reafirmando ainda os princípios da ampla defesa e do contraditório (inc. lV do art. 5º CF). Mas como o discurso repressivo é cego, foi preciso repetir o mesmo texto da norma superior para os juristas darem o real e verdadeiro valor a norma infra-constitucional, como se o princípio da hierarquia, validade e soberania vertical das leis não imperassem no sistema democrático de justiça criminal.
De outro lado, o contingenciamento das políticas sociais reflete diretamente na política criminal do país, a falta de liberação de verbas para o setor, nos termos do contido no art 302 da LEP, é um exemplo de “letra morta” e de utopia autêntica.
Depois de 16 anos, com muita propriedade e coragem se detecta, o “Brasil é um país inconstitucional” (discurso de posse do Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal - STF, Nelson Jobim, proferido pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Roberto Busato, em junho/2004), pela falta de cumprimento e respeito à Lei Maior, especialmente quanto as garantidas fundamentais do individuo.
É tragicômico, hiper e multi patético o discurso penal do poder político pelo poder de controle social a todo custo, numa espécie de koctel de frutas de teorias penais e criminológicas aplicadas em desacordo com o tempo e espaço, o que forma uma verdadeira miscelânea acientífica.
Existem professores que insistem com seus alunos para acreditem em um direito penal cada vez mais repressivo, em nome da diminuição e controle eficiente da delinqüência. Que absurdo ! Que barbaridade ! Que coragem !. Que hediondo ! Neste sentido, destaco a difusão do direito penal expansionista em total descompasso com o regime de governo do Estado democrático de direito. O direito penal nesse sentido é tirano e demagogo, pois não cumpre com as promessas doutrinárias ou teses que diz servir e ser científicas. O direito penal expansionista é a própria inquisição moderna com outra roupagem, é o direito penal do inimigo (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Inquisição e Justiça Penal Contemporânea. Tribunais do Santo Ofício e as Heranças da Repressão. Estado Democrático versus Regime Ditatorial”; Revista Pratica Jurídica – Consulex, Ano III – nº 32, 30/11/2004, pg. 16/26, Brasília-DF).
Direito penal do inimigo, direito penal emergencial, com a teoria dos roles de Jakobs, ademais das teorias da sociedade de risco, da responsabilidade, das penas sem delito, os tipos de perigo, abstratos e difusos; assim se concluí que nada foi e nunca foi funcional ou sistêmico.
Além do direito penal ser histérico, há o problema gerado pelos profissionais do direito penal que vão além da lei ou além da imaginação, em total descompasso com os princípios gerais do chamado direito penal democrático, são interpretações e aplicações histéricas da lei, além do racional, do lógico e do plausível. Tal compreensão errônea do direito penal faz com que o direito criminal se torne ainda mais repressivo, do que já é – legislado - , onde a jurisprudência assume primazia se tornando mais hedionda do que a lei penal (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in "Jurisprudência Criminal Democrática: Correta Aplicação da Hermenêutica, dos Princípios de Direitos Humanos e da Teoria Geral do Ordenamento Jurídico à luz do Garantismo Penal”, Revista Prática Jurídica, ed. Consulex, Bsb-DF, ano III, no.23, 29 de fevereiro/2004; Revista Jurídica UDC Faculdade de Direito/Foz do Iguaçu; Vol. 1; Nº 1; Editora Juruá; Curitiba/2004).
O direito penal não é estudado academicamente, são raras as investigações ou pesquisas científicas sérias, as estatísticas por exemplo e os dados de informações oficiais, produzidas ou armazenadas nas agências de segurança pública, são desvirtuados, modificados e escondidos, através de discursos políticos sem compromissos com a verdade.
De outro lado, fala-se vulgarmente que os presos ou os condenados não são seres humanos e não merecem respeito e proteção dos Direitos Humanos; então perguntamos, porque a Justiça Criminal atua nestes casos, deveriam ser os veterinários, profissionais que tratam dos animais ou os médicos psiquiatras que cuidam das pessoas insanas. Ademais, se os delinqüentes não são pessoas ou gentes, mas animais perigosos, como falar em intenção, se os autores dos ilícitos são pessoas que não pensam ou irracionais, assim, concluímos que não poderiam ser condenados ante a ausência de dolo e de culpa – teoria finalista da ação-.
Devemos ser positivistas, sim, mas no contexto de reconhecer e aplicar o princípio da hierarquia vertical das normas, para a devida validade e soberania dos instrumentos de Direitos Humanos e da Constituição federal.
Positivistas sim, no sentido de estar e de ter mente aberta, pensar positivo, em favor do devido processo legal e não contra os direitos fundamentais e as garantias constitucionais dos processados, dos presos e dos condenados, aplicando os princípios reitores do “in dúbio pro reo” e da interpretação restritiva e favorável. Jamais positivistas no sentido de dar prevalência as normas infra-constitucionais, de interpretar as causas e os fatos de maneira prejudicial e gravosa. E muito menos positivista adeptos às ultrapassadas teorias criminológicas das escolas clínicas lombrosiana, ferriana, entre outras, infelizmente ainda em uso na práxis policial-forense, como o direito penal de autor se encontra presente nas legislações penais latino-americanas (ver Zaffaroni E. Raúl, in “Sistemas Penales y Derechos Humanos en América Latina”, Informe do IIDH – Instituto Interamericano de Derechos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos, Ed. Depalma, 1986, parte do trabalho traduzido e constante da obra “Direitos Humanos do Preso”, MAIA NETO, Cândido Furtado, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998).
A Convenção de Viena (1960), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ONU/1966) e a Convenção sobre Direitos Humanos (OEA/1969), dispõem que não se pode menosprezar, abolir ou desrespeitar cláusulas internacionais aderidas, utilizando-se do direito doméstico. Também o artigo 3º do Código de Processo Penal vigente expressa que se admite no sistema penal processual a aplicação dos princípios gerais de direito.
Para se ter uma idéia sobre o tema podemos mencionar o texto constitucional-penal onde categoricamente reza que as garantias fundamentais indisponíveis da cidadania são auto-aplicáveis, isto é, de imediata aplicação, e muitos dispositivos continuam sem a devida observância. Alguns doutrinadores ainda insistem em argumentar que determinado dispositivo constitucional necessita de regulamentação, ou seja, de uma norma infraconstitucional para complementá-lo. É a pura falta de vontade política para aplicar a regra maior em nome das garantias individuais da cidadania.
O parágrafo 1º do art. 5º da "lex fundamentalis" é claro: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata"; ademais, o parágrafo 4º do art. 60 do Texto Maior, estabelece: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir, os direitos e garantias individuais".
A prova das inverdades dos discursos políticos são as mentiras manipuladas via folclores, mitos, lendas, ficções e superstições da doutrina penal.
Resta dizer que o sistema penal vai bem e tudo se encontra na mais em perfeita ordem, apesar de não ressocializar os vitimários e não se preocupar com as vítimas de crime, ainda que se reconheça a importância e a necessidade de reparar os danos causados ao titular do bem jurídico penal “protegido- tutelado” (vítima), em total flagrante de desrespeito à dignidade das vítimas de crime (Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e do Abuso de Poder – Res. ONU nº 4034/1985).
A história do direito penal é repleta de mitos e ficções, a exemplo de formidáveis fábulas e estórias infantis: “Pinóquio”, “as peripécias de João e Maria”, “Alice no País das Maravilhas”, “A Cinderela com seu sapatinho de cristal”, “Branca de Neve e os Sete Anões”, “Chapeuzinho Vermelho”, “João pé de feijão e o gigante”, “A galinha dos ovos de ouro”, “Os três porquinhos”, etc.
É mais fácil as crianças e o cidadão simples – do povo - acreditar em lendas, folclores, histórias “pra boi dormir”, ou “da carochinha” (al moldes do “Amor em Portugal” do escritor Julio Dantas, - onde devemos rezar todas as noites por um melhor direito penal), nos contos do saci pererê, na cegonha, em coelhinhos da páscoa ou no Papai Noel, do que fazer aceitar que o direito penal é eficiente para a repressão da criminalidade, ou ainda fazer acreditar que o direito penal não é manipulado e nem utilizado pela classe social dominante.
No teatro do direito os dramas da vida social são substituídos pelas liturgias processuais penais de seus protagonistas. Muitas das asseverações são ficções e presunções, em nome da verdade processual e não a verdade existencial. São utilizados “jogos de linguagens” expressadas com drama, terror e barbárie como parte da violência burocrática e do ritual da práxis policial-forense. É o controle social formal inconsciente de grande parte dos profissionais do direito (ver MAIA NETO, Cândido Furtado in “Direitos Humanos Individuais Fundamentais no Processo Penal Democrático: Blindagem das garantias constitucionais ou vítimas do crime de Abuso de Poder”; Revista Jurídica da UNISEP – Faculdade de Direito da União de Ensino do Sudoeste do Paraná, pg. 198/215, vol. 1-1, Ago/Dez/2005; Revista de Estudos Criminais, nº 21, Ano VI, Janeiro-Março, 2006, PUC/ITEC, Porto Alegre/RG; Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, v.7 nº 37, abril-maio/2006, São Paulo-SP, pg. 64/85).
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Os atos processuais são atos de representação teatral, como escenografia – criação de efeitos especiais preordenados -, onde o ser humano se converte em indivíduo, e a novela sinônimo de utopia democrática (Alessandro Baratta, “La vida y el Laboratório del Derecho”; Revista Capitulo Criminológico, nº 16, Instituto de Criminologia. Universidad del Zulia, Maracaibo-Venezuela, 1988). Como na agonistica – arte da luta - no período da Grécia antiga, os atletas competiam no estádio, os advogados e os atores, nos locais denominados de palestras, ou para apresentações. É a luta pela vida, como instrumento do progresso da ciência penal.
O verdadeiro exercício de poder está no trâmite processual, na prisão provisória e nas medidas cautelares, e não nas sentenças ou decisões de mérito. Mais vale o cerceamento antecipado da liberdade do que a execução da pena definitiva, propriamente dita. É mais fácil ao sistema estatal demonstrar eficiência com a destruição e o menosprezo das garantias fundamentais e judiciais do cidadão, na fase de instrução criminal, do que na aplicação da sanção.
Por ser o sistema eminentemente burocrático, a resposta contra o ilícito deve ser rápida, mesmo que atente contra as garantias individuais do cidadão de forma antecipada, porque esperar o momento da decisão de mérito, pode acarretar o risco da impunidade, via prescrição, pena branda, etc., sem falarmos que o fato cai no esquecimento social. Com a condenação começam os direitos do condenado, e antes dela estão em jogo os direitos do Estado, de punir e punir, a qualquer custo, em nome da ordem pública e do social. Na fase executiva da pena, não mais se discute a questão de fundo, pois no processo que transitou em julgado resta cumprir a lei, não se deve falar mais em pena justa, injustiça ou em revisão criminal, como se tudo terminasse na sentença penal condenatória, a exemplo da quarta-feira de cinzas, é onde tudo começa e recomeça, por meio do direito penal executivo. As questões que envolvem o direito penal executivo ainda são de mera relevância, ante a pouca ou pouquíssima importância social e jurídica (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Direitos Humanos do Preso”, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998).
Um dos maiores obstáculos para a efetivação e desenvolvimento da república democrática é a insistência pela manutenção da práxis policial-forense via ideologia inquisitorial, no processo penal atual, onde se dá mais valor a faculdade punitiva do Estado através da letra da lei infraconstitucional (law in book), do que a real implantação fática – dos princípios de direito democrático, via garantias judiciais fundamentais dos jurisdicionados, como o respeito à dignidade da pessoa humana no curso do “ius persequendi” e “iu puniendi” para a efetivação do devido e justo processo legal (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”, ed. Juruá, Curitiba, 2003).
No séc. xvi, nas Ordenações alemãs, espanholas e portuguesas existiam as contravenções policiais de vadiagem e mendicância, dando aos prefeitos municipais poder para decretar prisões administrativas, detenções provisórias em nome da ordem e da segurança pública. A prisão administrativa no direito brasileiro foi revogada somente em 1988, constava no art. 319 e segts. do Código de Processo Penal. E até pouco tempo, não se permitia liberdade provisória no Brasil para os ilícitos contravencionais acima referidos (art. 323, inc. II CPP).
Devemos fazer uma urgente releitura das estórias para uma história escrita do arbítrio estatal e do abuso do poder penal, com muita seriedade, competência e responsabilidade social.
O direito penal não pode continuar sendo promocional, populista e propagandista. Por sua própria natureza e seu caráter acientífico, tem servido para aumentar o descrédito social das instituições oficiais – agências legislativas, executivas e judiciais -, razão pela qual é preciso que as altas autoridades públicas constituídas no comando hierárquico funcional das instituições, reflitam com responsabilidade e conhecimento jurídico-penal, sobre a histórica política da repressão estatal, a fim de recomendar aos agentes subordinados à verdadeira função do direito penal, sem demagogia e com transparência ante a incumbência e relevância dos cargos e em nome da missão pública, da aplicação da lei em favor do povo, do desenvolvimento e do progresso da Nação, para a boa prestação jurisdicional como serviço essencial do Estado.
Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Do Movimento Nacional Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. Site: www.direitoshumanos.pro.br . E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Cândido Furtado Maia. Estórias Universais de Direito Penal: Direitos Humanos, como mitos, ficções, folclores, lendas, fábulas e superstições Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2009, 08:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18238/estorias-universais-de-direito-penal-direitos-humanos-como-mitos-ficcoes-folclores-lendas-fabulas-e-supersticoes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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