Tópicos (Aspectos Práticos): 1. Valor do quantum da pena de multa e pecuniária; 1.1 critério legal e situação econômica do infrator; 1.2 reparação dos danos à vitima; 2. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; 2.1 princípio de respeito à dignidade da pessoa do infrator; 3. Representação criminal e os Direitos Humanos da vítima; 3.1 relatividade do princípio da obrigatoriedade; 3.2 princípio da racionalidade e da lógica; 3.3 princípio de utilidade do movimento da máquina judiciária; 3.4 princípio de economia e celeridade processual; 4. Delitos a serem excluídos do rol de competência do juizado especial criminal: 4.1 ameaça 4.2 contra a administração de justiça 4.2.1 desobediência 4.2.2 desacato 4.3 contra a administração pública 5. Infrações penais praticadas por maiores de 18 e menores de 21 anos de idade 5.1 critério legal de redução da pena 5.2 princípio de boa política criminal 5.3 princípio do direito penal como ultima ratio 6. Transação em perspectiva quando a pena aplicada não for superior a 4 anos 6.1 princípio da interpretação favorável 6.2 princípio da analogia in bonam partem 6.3 princípio da proporcionalidade 6.4 princípio da isonomia de tratamento 6.5 competência para a transação e o controle da execução da proposta 6.6 antecedentes criminais 7. Perdão no juizado especial criminal 7.1 reparação, restauração e composição 7.2 princípio de humanidade 7.3 objetivo do juizado especial criminal 8. Conclusão
Introdução
Este ensaio monográfico tem por objetivo apresentar algumas propostas práticas para a implementação na administração da Justiça penal comum frente o novos postulados dos Juizados Especiais Criminais.
Trata-se de uma visão jurídico-penal moderna em base a experiência profissional como Promotor de Justiça designado pelo Procurador-Geral de Justiça, no Projeto Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, verão 2005/2006, com atribuições para atuar durante a operação justiça consensual no litoral paranaense.
É de suma importância algumas colocações doutrinárias com relação a práxis jurídica dos Juizados Especiais Criminais - estadual e federal, leis nsº 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06, denominadas de Leis das Penas Alternativas -, para a correta interpretação e aplicação, objetivando maior eficiência, celeridade e racionalidade do sistema constitucional-legal em respeito aos Direitos Humanos das vítimas de infrações.
Art. 1º da Carta Magna:
“ A República Federativa do Brasil, ...constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania;..”
Art. 4º da Carta Magna:
“...rege-se nas suas relações internacionais – leia-se, internamente também - , pelos seguintes princípios:
II – prevalência dos direitos humanos;...”
Art. 98 (EC nº 22/99) da Carta Magna:
“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais,...competentes para a conciliação, o julgamento...e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimento oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação – grifo nosso -...”
Lei nº 9.099/95.
Art. 60 “O Juizado Especial Criminal, ...tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo”.
Art. 61 “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo...as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos...”(ver parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01, princípio da isonomia da lei e de tratamento ante os tribunais e juízos, e agora o art. 1º da Lei nº 11.313/2006).
As ciências penais e a criminologia moderna convencionou as infrações penais de pequeno ou menor potencial ofensivo denominado de “delitos de bagatela”, “delitos sem vítimas”, de “ilícitos insignificantes”, ou ainda de “ilícitos de irrelevância penal”, que pouco e quase nada afetam ao bem jurídico tutelado pelo Estado.
Art. 62 “O processo perante o Juizado Especial Criminal orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima – grifo nosso - e a aplicação de pena não privativa de liberdade”
A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou através da Resolução nº 45/110, de 14.12.1990, as chamadas Regras de Tókio, ou Regras Mínimas das Nações Unidas de Medidas Não Privativas de Liberdade, onde expressa que as Regras visam encorajar a coletividade a participar do processo e da justiça penal.
Inc. xxxv, art. 5º CF.
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Nos termos da lex fundamentalis e dos instrumentos de Direitos Humanos, art. 8º, da Declaração Universal (ONU/1948), art. 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ONU/1966) e art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (OEA/1969), cujos documentos internacionais fazem parte do ordenamento jurídico pátrio, em observância ao princípio da soberania e validade das normas.
§ 2º do art. 5º CF.
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”
§ 3º da Emenda Constitucional nº45/2004.
“os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”
Devemos interpretar o conteúdo deste parágrafo 3º, no sentido de ter os Direitos Humanos valor hierárquico de norma superior aos dispositivos de lei penal ordinária (código penal, código de processo penal, etc), ademais, os diversos incisos do artigo 5º da Carta Magna, como garantias judiciais fundamentais da cidadania, possuem as mesmas descrições constantes nos instrumentos internacionais.
Segundo a regra geral, aplica-se a norma penal sem prejuízo de convenção, tratados e regras de direito internacional, e somente retroage e é ultrativa para beneficiar (arts. 2º e 5º “caput” do CP).
No direito penal democrático prevalece a interpretação mais favorável ao agente ativo, no que se refere a aplicação da lei quanto a conduta e ao ilícito tipificado (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Jurisprudência Criminal Democrática" - Correta Aplicação da Hermenêutica, dos Princípios de Direitos Humanos e da Teoria Geral do Ordenamento Jurídico à luz do Garantismo Penal; - Revista Prática Jurídica, ed. Consulex, Bsb-DF, ano III, no.23, 29 de fevereiro / 2004; Revista Jurídica UDC Faculdade de Direito / Foz do Iguaçu; Vol. 1; Nº 1; Editora Juruá; Curitiba / 2004).
Por sua vez:
§ 1º do art. 5º CF.
“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
§ 4º do art. 60 CF.
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV – os direitos e garantias individuais”.
Art. 1º do CPP.
“O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:
I- os tratados, as convenções e regras de direito internacional...”
A desburocratização do sistema judicial penal atual é a principal meta que devemos perseguir para efetivar de pronto a responsabilidade criminal e a eficiente atenção aos Direitos Humanos das vítimas de crimes, através da reparação, indenização e composição dos danos, buscando a aplicação imediata de medidas alternativas à prisão, seja quanto a detenção provisória ou definitiva, sempre em nome dos princípios da oportunidade, racionalidade e da insignificância de determinadas infrações penais.
De outro lado, necessário se faz destacar que as condutas ilícitas penais de pouca relevância, na maioria das vezes, seus protagonistas - vitimário e vítima -, pertencem as camadas sociais economicamente desfavorecidas.
Inc. lxxiv, art. 5º CF
“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
A assistência judiciária gratuita (Lei nº 1.060/50) destina-se tanto para o infrator como ao ofendido, em nome da efetiva prestação jurisdicional.
Assim sendo, compete ao Ministério Público a tutela dos direitos e interesses indisponíveis da cidadania, para a atenção ao vitimário e a vítima, na qualidade de dominus litis da persecutio criminis (arts. 127 “caput” e 129, inc. I CF).
O devido processo legal nos termos do inc.LIV do art. 5º da Carta Magna, consagra-se também via a reparação dos danos com a proposição de transação penal, e não somente com a instauração de competente ação penal pública ou privada (art. 41 e 43 CPP), e declinação da persecutio criminis ou do ius puniendi (art. 28 do CPP), visando a perda da liberdade ou dos bens de cada cidadão.
As Nações Unidas através das suas Diretrizes Básicas para o Ministério Público (1990), na clausula 18, expressa: “De acordo com a sua legislação nacional, os magistrados do Ministério Público examinam com toda a atenção a possibilidade de renúncia aos procedimentos judiciais, de pôr termo aos processos de forma condicional ou incondicional ou de os transferir para fora do sistema judiciário oficial, respeitando plenamente os direitos do ou dos suspeitos e da ou das vítimas – grifo nosso -. Os Estados devem, para esse fim, examinar atentamente, a possibilidade de adotar métodos de transferência dos casos presentes aos tribunais não só para aligeirar a pesada carga de processos que lhes estão distribuídos mas também para evitar o estigma criado pela detenção antes do julgamento, a formação da culpa e a condenação e os efeitos perniciosos que a detenção pode implicar” .
1. Valor do quantum da pena de multa e pecuniária
O valor do quantum da pena de multa deve ser aplicado sob critérios legais de cálculos pré-estabelecidos pelo Código Penal (Lei nº 7.209/84 – Parte Geral), servindo também como base para a transação penal proposta pelo Ministério Público.
Art. 49 CP.
“A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença – na transação – e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário”.
Considerando o valor do salário mínimo brasileiro, R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais); a pena de multa mínima corresponde a R$ 126,66 (cento e vinte e seis reais e sessenta e seis centavos), e no máximo de R$ 2.052.000,00 (dois milhões, cinqüenta e dois mil reais), com aplicação do disposto no artigo 60 § 1º do Código Penal.
A “pena” de multa aplica-se independente, substitutiva, cumulativa ou alternadamente, podendo ainda ser paga em parcelas mensais estipuladas pelo juízo, em forma de desconto no salário do infrator, devendo atender principalmente à situação econômica do réu ou noticiado, autorizada, como critério especial o aumento de até o triplo, se o fato for relevante e a situação econômica do acusado permitir (arts. 50, 58 e 60 do CP).
Quanto ao critério especial de aumento da pena de multa, estabelecido na parte geral do código penal, há que se ter em mente a competência do Juizado Especial Criminal quando trata tão somente dos ilícitos de pequeno potencial ofensivo, assim seria desproporcional e injusto aplicar os limites máximos da pena de multa conforme expressa a lei material.
O pagamento em parcelas e reduzido pela metade, deve-se em respeito ao princípio de proporcionalidade, de acordo com a situação econômica do autor, conduta e prejuízos causados pela infração.
§ 1º do art. 76 da Lei nº 9.099/95.
“Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o juiz poderá reduzi-la até a metade”.
Além do mais, em nome do princípio da humanidade é possível também o juízo deixar de aplicar a pena de multa, ou ir abaixo do mínimo cominado, sem ofender o princípio da legalidade ou quebrar a segurança jurídica estatal, onde o cidadão pode ser submetido à coerção penal distinta daquela pré-disposta na lei, ensinam Nilo Batista, e Raúl Zaffaroni (in “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro”, e “En Busca de las Penas Perdidas”, ver Maia Neto, Cândido Furtado: “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”, ed. Juruá, Curitiba, pg. 57 à 62)
Analogicamente à adequação do valor judicial da pena de multa e aquele fixado na prestação de fiança (arts. 325 e 326 CPP), serve para as despesas e custas processuais, inclusive como desconto ao pagamento da sanção, com destinação legal e específica ao Fundo Penitenciário e não à entidade filantrópica.
Não há que se confundir entre pena de multa (letra “c”, inciso xlvi do art. 5º CF c.c. art. 32, I do CP) e prestação pecuniária (art. 43, I do CP – Lei nº 9.714/1998); a primeira é medida sancionatória que se aplica em nome do Estado, para ser recolhida aos cofres públicos – ao Fundo Penitenciário -, a outra é o próprio pagamento direto à vítima como forma de ressarcimento e/ou indenização pelos danos resultantes da infração, na espécie de reparação civil com limites legais (art. 45, § 1º CP), razão pela qual, sem prejuízo da ação ex delicto (art 63 e segts CPP), como prevê o § 2º do art. 45 CP, além do disposto no art. 74 Lei 9.099/95.
A prestação pecuniária tem caráter aflitivo, já o valor indenizatório via ação ex delicto tem caráter reparatório para a compensação dos danos ocorridos. O valor pago na prestação pecuniária deverá ser deduzido do valor definido na ação de reparação civil, para não caracterizar uma dupla penalização pelo mesmo fato, em dois procedimentos diferentes, em respeito ao princípio no bis in idem.
O fundo penitenciário é nacional, portanto federal (Lei Complementar nº 79/1994 – Dec nº 1.093/94), destina-se à adaptação, construção e aquisição de estabelecimentos penais e seus serviços, previstos em lei (§ 1º art. 203 da Lei 7.210/84), para a devida assistência e respeito aos direitos dos presos provisórios e definitivos, como atribuição legal do Poder Executivo via Ministério da Justiça. O valor da multa aplicada deve ser recolhido aos cofres públicos da União, do contrário, pode acarretar até os crimes de peculato e de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (arts. 312 e 315 do código penal, respectivamente), malversação de verbas públicas, bem como possível infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000) e de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), devendo o Ministério Público ajuizar ação civil pública (Lei nº 7.343/85), para não configurar o delito do art. 320 do código penal, de condescendência criminosa (Maia Neto, Cândido Furtado, in "Impunidade: Valor da Pena de Multa e da Fiança", RDJ 39/82. Citado no Livro Direito Penal na Constituição, Autores: Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Jr./ São Paulo/1995 - Editora Revista dos Tribunais 3o. Edição).
O direito penal material geral (código penal) ou especial (leis penais extravagantes, ex. Lei nº 9.099/95), bem como a lei formal (código de processo penal) e executiva (lei de execução penal – lei nº 7.210/84), devem estar perfeitamente integrados, adequados e/ou conectados, posto que o desencontro ou o descompasso entre normas do mesmo valor, resulta em incongruência e em incoerência jurídico-legal, o que ocasiona indubitavelmente ao direito concreto ou aplicado, injustiças no sistema penal.
Sem olvidarmos os efeitos da condenação e da transação, como princípios de primazia da vítima.
Art. 91, inc. I CP.
“São efeitos da condenação:
I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”.
Art. 89da Lei nº 9.099/95.
§ 1º “Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I- reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo”.
2. Prestação de serviços à comunidade ou à entidades públicas
Não se confundem as penas restritivas de direitos: a prestação social alternativa, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (letra “d” do inc. xlvi do art. 5º CF c.c. art. 43, inc. iv CP), pois são espécies previstas em lei (art. 32, II CP).
Por sua vez, a Carta Magna proíbe qualquer espécie de sanção cruel, incluímos as desumanas e infamantes, nas espécies de restritivas de direitos, dentre elas a prestação social alternativa, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas.
inc.xlvii, art. 5º CF.
“não haverá penas:
c) – de trabalhos forçados;
e) – cruéis”.
Também estabelecem a proibição os instrumentos internacionais de Direitos Humanos, como a Declaração Universal (ONU/1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU/1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA/1969), nos arts. 5º, 7º e 5º. 2, respectivamente.
O Estado deve ser ético quanto ao respeito à dignidade da pessoa do infrator (Raúl Zaffaroni, in “Derecho Penal – Parte General”, ed. Ediar, Buenos Aires, 2000; ver Maia Neto, Cândido Furtado “Código de Direitos Humanos, para a Justiça Criminal Brasileira”; ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003).
As condições de prestação de serviço público ou à entidade privada, quanto as tarefas impostas pelo juízo, não podem ser fixadas de forma a vir a prejudicar a jornada normal de seu trabalho, pois tem efeito terapêutico e não repressivo, para reintegrar o infrator, pouco a pouco à sociedade, de maneira a sentir sua responsabilidade social e reconhecer o erro da conduta ilícita praticada.
3. Representação criminal e os Direitos Humanos da Vítima
As Leis nsº 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06, têm como primazia os Direitos Humanos das vítimas, entendemos que todas as infrações penais de competência dos juizados especiais criminais – estadual ou federal – devem ser condicionadas à representação do ofendido ou de quem tenha qualidade para em seu nome propor a iniciativa do litígio.
Sejam as vítimas pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado ou público, municipal, estadual e federal.
As Nações Unidas através da Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1985, apresenta expressamente o conceito de vítima; a saber:
Art. 18. Entende-se por vítimas as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido prejuízos, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como conseqüência de atos ou de omissões que, não constituindo ainda uma violação da legislação penal nacional, representam violações das normas internacionalmente reconhecidas em matéria de direitos do homem.
A vítima sempre como titular da persecutio criminis, mas por tratar-se de infrações penais de pequeno potencial ofensivo, deve-se reservar ao sistema legal e judicial, a ação pública incondicionada para os fatos de relevância ou certa gravidade, como medida de política criminal moderna. Tanto a notitia criminis - solicitação na polícia – para a lavratura do termo circunstanciado se condiciona a vontade da vítima como pessoa física; já as infrações penais cuja a vítima é a pessoa jurídica de direito público – o Estado -, a análise de viabilidade para a transação, instauração de ação penal ou a possibilidade de punibilidade, deve ficar a critério do órgão estatal que detêm o dominus litis da demanda e incumbido do onus probandi, ou seja, o Ministério Público, estadual ou federal, em atenção à justa causa para a lavratura do termo circunstanciado ou o interesse de agir embasado nos princípios de legalidade – tipicidade, elementos subjetivo constitutivo da infração penal - utilidade da demanda judicial e economia processual (art. 647 e 648 do CPP).
Não se descarta, também a decadência e a possibilidade de renúncia da ação penal quando da ausência injustificada da vítima em audiência, ou declaração reduzida a termo, renúncia tácita ou expressa.
O prazo decadencial de 6 meses, para a apresentação de queixa-crime na ação penal privada, também deve ser aplicado para os fins do direito de representação na ação penal pública condicionada, permitindo-se tanto na ação penal pública como na privada a aceitação do instituto da renúncia (tácita ou expressa), para efeito de extinção da punibilidade quanto a vontade do ofendido na propositura da demanda judicial, nos termos dos artigos 103; 104; e 107, incisos IV e V do código penal combinado com os artigos 38; 43,II; 57 do código de processo penal.
Todas as infrações (crimes) de ação penal pública devem ser condicionadas à representação da vítima, vez que o objetivo maior da Lei 9.099/95 (art 62 e 74, 89 § 1º) é a prevalência da vontade do ofendido, visando a reparação e/ou a indenização dos danos causados pelo delito. A vítima é a principal protagonista do feito, assim incumbe ao Estado respeitar a vontade pessoal do ofendido ou interesse do Estado, que é superior ao princípio da obrigatoriedade da ação, sendo este relativo e não mais absoluto, o que não afeta o princípio da legalidade, onde a prestação jurisdicional é colocada a disposição dos interesses da vítima, ante o pequeno potencial ofensivo da conduta ilícita e o princípio da disponibilidade pessoal.
Trata-se da relatividade do princípio da obrigatoriedade da ação penal na moderna aplicação e interpretação da norma com seus novos postulados teóricos e práticos no contexto do Estado democrático e da prevalência dos Direitos Humanos.
Não mais se fala em princípio da oportunidade, de maneira restrita à ação penal privada, este princípio vem ganhando espaço no sistema democrático de justiça penal frente ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, é a nova ótica processual para o exercício da persecução penal, na avaliação da utilidade da demanda judicial, frente o interesse pessoal da vítima, e titular do bem jurídico tutelado pelo Estado, quanto os danos e prejuízos sofridos pelo ofendido (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in Promotor de Justiça e Direitos Humanos, ed. Juruá, 2007, Curitiba-PR).
Todos os institutos vinculados a ação penal pública condicionada e da ação penal privada poderiam e deveriam integrar a ação penal pública incondicionada para feito de ser considerados no sistema do Juizado Especial Criminal, como por exemplo os institutos da renúncia, perdão, decadência e preclusão, em respeito aos princípios da racionalidade, da lógica, da utilidade do movimento da máquina judiciária, da oportunidade, da economia e celeridade processual, para agilizar e desburocratizar ainda mais o sistema de processamento e julgamento, ampliando-se desta forma as possibilidades de acordo, transação e mediação, para a efetivação do modelo de justiça penal consensual.
De outro lado, como já ressaltamos, as Leis nsº 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06, possuem como primazia o princípio de atenção e tutela das vítimas de infrações penais, há que se prestar muita atenção à ocorrência do fato, nas provas e em todas as suas circunstâncias; posto que se tem registrado, não raras vezes, termos circunstanciados de maneira equivocada, ou seja, como noticiante aquele que primeiro chega à polícia ou ao fórum, sem se tratar efetivamente da vítima, podendo ser inclusive o próprio autor ou causador do ilícito, assim è necessário muita cautela para se definir corretamente as pessoas do noticiante-vítima e do noticiado-infrator.
Na hipótese específica de violência doméstica (art. 129, § 8º CP, lei nº 10.886/04) o juiz poderá determinar outras medidas, nos termos do art. 69 § único, da Lei nº. 9.099/95. A este exemplo temos o direito penal espanhol comparado conforme estabelece a Ley Orgánica nº 01/2004, e lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.
4. Delitos a serem excluídos do rol de competência do juizado especial criminal
Alguns delitos devem ser excluídos do rol de competência do juizado especial criminal – estadual e federal -, mesmo naqueles cuja pena cominada é branda e não ultrapassa 2 anos de detenção.
Existem os crimes contra a administração pública e contra a administração da justiça, que são necessários um procedimento mais rigoroso ou ordinário e não sumário ou ainda desburocratizado, para manter a ordem do serviço estatal e a autoridade pública constituída, posto que não indicam a viabilidade de transação, entre autor – particular – e ofendido – o Estado -.
Delitos contra a administração pública e contra a administração da justiça devem permanecer sob julgamento da Justiça comum, no âmbito estadual e federal, infrações como por exemplo: ameaça, prevaricação, resistência, desobediência, desacato, exercício arbitrário das próprias razões, fraude processual, favorecimento pessoal e real, exercício arbitrário ou abuso de poder, promover fuga de pessoa presa, arrebatamento de preso, violência ou fraude em arrematação judicial, e desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (arts. 147, 319, 329, 330, 331, 345, 346, 347, 348, 349, 350, 351, 353, 358 e 359 do CP), devem ser retiradas do rol da competência dos juizados especiais criminais - estadual ou federal -, ante a complexidade da conduta com relação a tutela do bem-jurídico e a ofensa, seja ela de ordem moral ou material, bem como as circunstâncias que rodeiam o ato ilícito, pela incoerência e inviabilidade de se propor uma transação penal, nestes casos o que deve ser destacado é o interesse da vítima, da administração pública e o prestígio da justiça.
A casos em que o sistema legal ou jurisdicional estatal deve agir com mais rigor sob pena da ordem jurídica ser destruída, e aumentar desta forma o número de vítimas e até a impunidade.
5. Infrações penais praticadas por maiores de 18 e menores de 21 anos de idade
Em base a uma visão da necessidade de um juizado especial criminal, ainda mais atuante, deve-se ampliar a sua competência no sentido de abarcar outros ilícitos praticados por jovens-infratores maiores de 18 e menores de 21 anos de idade, ainda que a pena seja superior a 2 anos, na hipótese de aplicada em perspectiva não ultrapassar o limite de 2 (dois) anos, em atenção a analogia “in bonam partem” e de princípios adotados pelo Estado Democrático de Direito, dentre eles, a interpretação e aplicação da lei mais favorável, da isonomia, da proporcionalidade e de humanidade.
É uma proposta de política criminal inédita e bastante arrojada no sentido de inovar na aplicação das normas vigentes (Leis nsº 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06), combinado com outros dispositivos da parte geral do código penal pátrio (Lei nº 7.209/84 e suas últimas alterações); sempre que:
- o fato ilícito for de pequeno potencial ofensivo,
- sem grave ameaça ou violência à pessoa, e
- cometido por maior de 18 anos e menor de 21 anos de idade.
Assim, poder-se-ia, dar nova e mais ampla margem para a competência dos juizados especiais criminais, federal e estadual, em nome da celeridade e agilização processual, de um sistema penal verdadeiramente democrático, racional, lógico e eficiente.
A norma penal vigente (código penal, código de processo penal, lei de execução penal e legislação extravagante) aplica-se aos brasileiros e aos estrangeiros maiores de 18 anos de idade, para qualquer espécie de infração, seja na forma tentada ou consumada (art. 14, I e II CP), em todo território da República Federativa do Brasil, em respeito à soberania da lei no tempo e no espaço (art. 2º usque 7º do CP e art. 1º e 2º do CPP).
A Carta Magna brasileira expressa que todos são iguais ante a lei e no tratamento perante os Tribunais (leia-se também juízos), incs. I e II art. 5º e “caput” CF, onde homens e mulheres, brasileiros e estrangeiros, deverão ser tratados sem qualquer sem distinção ou discriminação.
O princípio da isonomia, também constante nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, que a República Federativa do Brasil aderiu e/ou ratificou, dentre eles cito: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – ONU, 1966 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – OEA, 1969 (Decretos nº 592/92 e 678/92).
Estes documentos de Direitos Humanos fazem parte do ordenamento jurídico pátrio, com prevalência ante a lei ordinária, ou no mesmo grau de valor, segundo a Emenda Constitucional nº 45/2004, acima citada; portanto devem ser observadas as cláusulas pétreas como garantias fundamentais individuais da cidadania, para a devida e correta prestação jurisdicional estatal.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) expressa nos artigos 1º e 2º, o princípio da isonomia, da igualdade e proibição de discriminação de qualquer espécie: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”; nesse sentido podemos interpretar concluindo que a consciência, a razão e o espírito de fraternidade e solidariedade deve imperar na justiça restaurativa para a composição entre vítima e vitimário só assim será possível a resolução de um acordo no juizado especial. E em forma de exemplo concreto, cito os arts. 65 e 115 da Lei nº 7.209/84 (código penal parte geral), permite a redução da pena e dos prazos prescricionais quando o agente for maior de 18 e menor de 21 anos de idade.
O Estado através da lei penal reduz a pena pela metade, no momento da sua aplicação ou até antes, para efeito de prescrição da pretensão punitiva, quando se trata de maior de 18 e menor de 21 anos de idade.
E se o delito for tentado a diminuição da pena é ainda maior, uma vez que deve ser agregado o disposto do parágrafo único do art. 14, inciso II, do código penal, reduzindo de um a dois terços.
Os chamados jovens-adultos devem merecer um tratamento igualitário, porém especial – princípio da igualdade por distribuição -, por parte da administração da justiça penal, para pessoas com idade entre 18 a 21 anos, principalmente se primário forem, nos termos da lei.
A ONU no tocante a delinqüência juvenil está preocupada com medidas judiciais de prevenção e de proteção aos jovens, segundo as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores, denominadas de Regras de Beijing do ano de 1989, expressa que os jovens devem ser tratados de maneira diferente da de um adulto, para se proteger ao mesmo tempo os direitos humanos das vítimas como os direitos fundamentais dos infratores jovens e primários, procurando decisões proporcionais e circunstâncias especiais para as decisões ante os direitos, deveres e responsabilidades sociais. Em conjunto com o que trata as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade (ONU Assembléia-Geral – Res. 45/113/90), visando a aplicação de sanção criminal alternativa ao encarceramento, ante o objetivo das Leis nºs 9.099/95, 10.259/01 e 11.313/06.
Para efeito de arquivamento do inquérito policial ou remessa dos Autos da Justiça Comum ao Juizado Especial pelo critério de declinação de competência em razão da matéria (art. 69, inciso III CPP c.c. art. 1º da Lei 11.313/06, que altera dispositivos das Leis 9.099/95 e 10.259/01), crimes com pena até dois anos, não importa se é cominada ou aplicada, in abstrato ou in concreto; é preciso e necessário fazer a análise mais favorável para atender a intenção do legislador, colocando desta forma todos os cidadãos sujeitos ao mesmo tipo ou espécie de processamento e/ou de julgamento, ante os efeitos de isonomia do ius persequnedi e do ius puninedi estatal.
A regra geral determina que no direito penal a interpretação é restritiva, proibindo que se amplie para prejudicar, somente é possível a interpretação extensiva para beneficiar o agente, e nunca para prejudicar (art. 3º do CPP cc 2º e 3º do CP).
Nos ensina o mestre Luigi Ferrajoli (in Derecho y Razón, Editorial Trotta, Madrid, Espana, 1995), que para a eficácia da segurança jurídica, da correta aplicação da lei no Estado Democrático à luz do direito penal mínimo ou reducionista, sempre o operador deve optar pela interpretação e aplicação da norma mais favorável, explicando através das teorias das razões do direito penal, da pena, quando e como castigar ?, o delito, quando e como proibir? e o juízo, quando e como julgar ?
Desta forma, segundo o renomado e citado professor italiano, só teremos a legitimidade, validade, vigência e efetividade no Estado Constitucional de Direito, limitando os níveis normativos em nome das garantias judiciais no contexto da retribuição penal e seus princípios reitores, especialmente no que diz respeito a legalidade como primeiro postulado ao critério de justiça no que tange a necessidade e humanidade das penas, para a correspondência natural entre as penas modernas, o delito e a idade do agente – infrator - em respeito a pessoa humana, proporcionalidade e equidade com a pré-determinação legal das sanções e sua escala entre os limites máximos e mínimos no sistema jurídico, para a fase de execução, pelo próprio juizado especial criminal.
Para efeito de competência do Juizado Especial Criminal, não só a pena in abstrato deve ser levada em consideração , mas também o cálculo da pena in perspectiva, poderia ser considerado e aferido pelo Ministério Público no instante da propositura da transação penal, do mesmo modo que a jurisprudência pátria, mais avançada, aceita a pena in perspectiva para efeito de extinção da punibilidade via prescrição, podendo no caso específico ser tomada outra via de processamento, ou seja, deslocando-se o caso com a declinação de competência do juízo comum ao Juizado Especial Criminal, não somente a pena máxima cominada, como expressa o art. 61 da Lei 9.099/95 e art. 1º da Lei nº 11.313/2006, mas a possível pena aplicada na hipótese de condenação, quando esta não ultrapassar o quantum de 2 anos, restando ampliada a competência do juizado especial criminal, ainda mais quando a infração tiver sido praticada por maior de 18 anos e menor de 21 anos de idade, tomasse de pronto os critérios de atenuante e redução do prazo prescricional (arts.65, I e 115 do CP), para aplicação direta e imediata.
No direito vigente, temos as questões de ordem objetivas e subjetivas; a idade do agente ativo de maneira comprovada, é uma questão de ordem objetiva e não subjetiva. A pena aplicada em base a atenuante de idade e os prazos prescricionais são critérios objetivos.
Devemos separar o joio do trigo, os jovens-adultos primários dos adultos reincidentes, desde o tratamento processual até o tratamento carcerário - na execução da pena-. O processo penal é estigamtizante, por este motivo se deve dar aos menores de 21 anos um tratamento menos maléfico ou menos degradante, nos termos da lei e dos princípios gerais do direito penal democrático, em busca de um novo paradigma, do direito penal do perdão, transação e da conciliação, objetivando a restauração e reparação penal, ante o ato ilícito praticado, em nome de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna capaz de resolver seus problemas e conflitos sociais – crime e prestação jurisdicional -interpretando a lei de maneira mais tênue, deixando-se de lado, a revolta, a vingança e as interpretações que agravam de maneira desnecessárias ao fato e suas circunstâncias.
Se a pena in perspectiva para a prescrição já é amplamente aceita pela jurisprudência pátria avançada; em analogia, porque não aceitarmos também a redução da pena pela metade in perspectiva, na hipótese de ser tratar de maior de 18 e menor de 21 anos de idade, para efeito de competência e julgamento pelos Juizados Especiais Criminais, federal e estadual.
A "prescrição em perspectiva" também é chamada de "prescrição retroativa antecipada", este instituto foi criado, via interpretação legal nos Tribunais de Alçada do Estado de São Paulo, na década de 90.
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandez e Antonio Magalhães Gomes Filho, entendem que: “(...) o provimento pedido deve ser eficaz: de modo que faltará interesse de agir quando se verifique que o provimento condenatório não poderá ser aplicado (como, por exemplo, no caso de denúncia ou queixa ser oferecida na iminência de consumar-se a prescrição da pretensão punitiva. Sem aguardar-se a consumação desta, já se constata a falta de interesse de agir).”
Nesse sentido, a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Recurso em sentido estrito n.º 1999.04.01.006707, publicado no DJU de 07.02.2001):
"PROCESSO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA. CABIMENTO.
A prescrição pela pena em perspectiva pode ser reconhecida, em face do caráter finalístico do processo e da utilidade do seu resultado. Estando demonstrado nos autos que as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal são inteiramente favoráveis ao acusado, sendo ilícito pressupor que a pena não será fixada no seu máximo abstratamente previsto, pode ser reconhecida antecipadamente a extinção da punibilidade”.
Ainda que seja estranha ao direito, ou que não exista a previsão legal no sistema jurídico pátrio, no tocante ao instituto da prescrição em perspectiva, é de se ter em mente os princípios da lógica, da racionalidade, da utilidade do movimento da máquina judiciária e de economia processual, vez que o Estado Poder Judiciário deve atuar em base a eficiência, sem olvidarmos as exigências procedimentais para o interesse de agir e a possibilidade do exercício do “ius puniendi”; posto que ao contrário se estaria dando causa a um processo legal indevido, impossível ou injusto, atentando desta forma contra o princípio da própria legalidade no seu conceito mais amplo, mais abrangente e aplicável no Estado Democrático de Direito, onde o Estado não busca ou não tem o interesse de processar por processar, mas sim buscar um resultado útil e uma resolução adequada ao conflito social originário do ilícito praticado.
A jurisprudência pátria avançada, moderna e democrática têm aceito a tese da prescrição em perspectiva, somente o entendimento ortodoxo, ditatorial e positivista é contrário a sua adoção, trazendo este posicionamento fechado e arcaico grandes prejuízos à administração de justiça criminal, aumentando a carga dos processos em tramitação em sem sentido, nas diversas varas e juizados criminais especiais do País, e nenhum benefício para agilizar, desburocratizar, dar maior celeridade e mais atenção aos feitos que efetivamente necessitam da persecução criminal e de uma resposta quanto a sua gravidade e prejuízos das vítimas.
Reafirmamos, para afeito de declinação e ampliação da competência do rol dos processos e julgamentos dos casos dos Juizados Especiais Criminais, que envolvam maiores de 18 anos e menores de 21 anos de idade.
Se a jurisprudência pátria aceita a prescrição em perspectiva, porque não o quantum da pena, calculada em perspectiva na hipótese de menores infratores de 21 anos de idade e maiores de 18 anos. Sem dúvida facilitaria para a administração da justiça proporcionar acordos, transações e suspensões do processo.
A competência seria firmada pela pena calculada, com as reduções legais pré-estabelecidas no código penal, ficando em consequência o feito sob processamento e julgamento do juizado especial criminal, por uma questão de lógica e de isonomia de tratamento quanto a pena, não superior a 2 (dois) anos.
6. Transação em perspectiva quando a pena (“in concreto”) a ser aplicada não for superior a 4 anos
De acordo com o caso in concreto e suas circunstâncias somos pela possibilidade de aplicação imediata de pena restritiva de direito, via transação penal, nos termos dos artigos 43 e 44 do Código Penal, ademais do previsto no inciso I do art. 44, quando o fato não tiver sido praticado com violência à pessoa ou grave ameaça.
Transação penal com sanção em perspectiva, refere-se a todos os ilícitos imputados quando na hipótese ou probabilidade de condenação a pena aplicada não ultrapassar 4 anos, seja em relação aos delitos com pena cominada até 4 anos, e para aqueles que a pena cominada é maior de 4 anos, mas na hipótese de ser aplicada até 4 anos; assim existiria a possibilidade imediata de sanção restritiva de direito, evitando-se a propositura ou o oferecimento de denúncia, onde a instauração de ação penal acarreta e gera, muitas vezes, despesas desnecessárias ao Estado, por não apresentar resultado efetivo, justo ou lógico à sociedade, à vítima e para o próprio acusado-processado.
O contido no art. 76 da Lei nº 9.099/95, com base na analogia e na interpretação legal mais favorável, seria possível, no marco da constitucionalidade e dos princípios da legalidade, proporcionalidade e humanidade, alcançar os fins da pena e do processo penal, visando a sua celeridade, sem prejuízo ao objetivo maior para a administração de justiça penal e ao acusado, de acordo com a composição entre vítima e vitimário, e não somente a retribuição, pura, simples e muitas vezes inócua e impossível.
Se a jurisprudência pátria tem admitido a extinção da punibilidade via prescrição em perspectiva de pena aplicada, porque não a proposta de transação penal por se tratar de aplicação de medida judicial com efeito rápido e prático, onde o réu reconhece sua conduta e sua falta, concordando cumprir certas condições. A declaração de prescrição em perspectiva extingue o feito de uma vez por todas sem trazer nenhuma obrigação ao autor da infração penal. Admitir a transação penal em perspectiva, é de igual modo, admitir a extinção da punibilidade via prescrição em perspectiva; do contrário, nenhuma e nem outra. Ambas as propostas fazem parte do direito penal moderno, posto que estão em base ao princípio da aplicação da lei com racionalidade e lógica, interpretação favorável, analogia, proporcionalidade e tratamento isonômico, para uma política criminal moderna, no que resulta no cumprimento do princípio do devido processo legal, mais célere, ante a liberdade de aceitação do acusado, assistido e amparado por defensor, nos termos da lei, ademais do direito e liberdade do Estado-ministerial, no sentido de buscar alternativas ou propostas mais eficiente e rápidas para as soluções dos conflitos sociais – crimes -, nos termos do código penal, processual penal, constituição federal e em respeito as Diretrizes das Nações Unidas, anteriormente citada.
Nesse diapasão a liberdade provisória, no nosso entendimento também foi ampliada de 2 para 4 anos, nos termos expressos no código de processo penal (art. 323 CPP) combinado com a letra “c” do § 2º do art. 33 e art. 44, I do código penal, exceto os delitos com violência ou grave ameaça, tudo em respeito e observância a necessidade de congruência e correlação entre as normas penais de mesma hierarquia. O sistema jurídico não admite incongruências e desconexões legais, onde se estaria colocando o ordenamento positivo em choque, pois um dispositivo anularia o outro.
Devemos levar em consideração que na presente proposta, tanto os efeitos da condenação (art. 91, I do CP), como da transação penal é “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime” (Lei nº 9.099/95); acima de tudo, onde se admite, para a consecução de tal objetivo, em nome dos Direitos Humanos das Vítimas de Crime, a desburocratização de trâmites, sem afetar o princípio do devido processo legal, posto que o objetivo maior é a reparação do dano e não um processo sem utilidade; na primeira hipótese temos um resultado concreto e uma resposta presente do Estado à sociedade, e na outra não, apenas papel – processo -.
Neste caso, a competência continuaria com a justiça comum, estadual ou federal, em fulcro as regras já vigentes e contidas no art. 69 e seguintes do código de processo penal; porém, permitindo ao agente ministerial transacionar de pronto, tornado desta forma e maneira a justiça penal comum muito mais ágil e eficiente, vez que com a proposta de transação penal, em câmbio ao oferecimento de denúncia e conseqüente instauração de ação penal, que em geral leva vários anos e pode não ter um resultado prático, isto é, a aplicação de uma sanção, porque no iter da persecutio existe a possibilidade de ocorrer diversas situações, como:
i) não se localizar o autor da infração, devendo ser aplicado o art. 366 do CPP,
ii) ii) não ser encontradas as testemunhas,
iii) ser declarada a extinção da punibilidade via prescrição.
Já com a transação aceita pelo infrator, se efetiva de imediato a prestação jurisdicional, com aplicação de uma medida sancionatória e o mais importante, a possibilidade de reparação da vítima, sem prejuízo do disposto no art. 61 do código de processo penal, com a propositura da ação “ex delicto”.
A execução do cumprimento das condições aceitas na transação penal, ficam sob a competência e fiscalização do juízo penal comum, desafogando o juízo de execução penal, conforme disciplina a Lei 7.210/84, restando este, competente para os casos de ilícitos e penas mais graves.
Também é de ser aferida a questão dos antecedentes criminais, como parte dos requisitos subjetivos, para ampliar o poder do magistrado e do agente ministerial no exame e permissão das substituições previstas, sejam de ordem processual ou material, quanto a pena alternativa.
Nesta tendência moderna, o infrator assume de pronto, isto é, no início do processo a responsabilidade criminal imputada e se compromete a cumprir as determinações e exigências judiciais; bem como a reparação do dano resultante de seu ato.
Por não existir propriamente dita uma ação penal, como princípio basilar e essencial à persecutio criminis democrática, obviamente não seria justo considerar os antecedentes criminais para efeito de reincidência, apenas na hipótese do autor do crime não cumprir com a proposta ministerial e aplicação de pena pelo Poder Judiciário, restando sem efeito o benefício processual alternativo. Devendo ser iniciado de pronto a ação penal com a denúncia. Aplica-se analogicamente pelo princípio da igualdade de tratamento perante a lei, a questão da interrupção da prescrição (art. 117 do Código Penal e art. 366 do Código de Processo Penal, in analogia), desde o momento em que o autor do ilícito aceita a proposta ministerial e assume o compromisso judicial formal.
A aplicação da pena em perspectiva com a possibilidade de transação penal pelo Ministério Público, deve ser admitida aos maiores de 70 anos de idade, quando a pena não ultrapassar 8 (oito) anos de reclusão, visto o disposto nos arts. 65, inciso I e 115 do CP, reduz pela metade o cálculo, ou seja, para 4 (quatro) anos; bem como aos infratores em razão de sua saúde, doença grave e portador de HIV (art. 117, inciso I e II da Lei nº 7.210/84).
Do mesmo modo, poder-se-ia ampliar de 2 anos para 4 anos, a previsão para efeito de aplicação e proposta de suspensão do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95).
O instituto da detração (art. 42 CP) também precisa ser observado quando existir prisão provisória, deste modo, o tempo do encarceramento provisório deve ser computado para efeitos de descontos ou substituições na aplicação da pena restritiva de direito.
Sendo crime grave ou praticado mediante violência, a via legal é o processamento criminal, porém a lei permite ao juiz a suspensão condicional da pena (art. 77 CP, denominado sursis), a fim de serem cumpridas determinadas imposições legais e medidas judiciais, até 6 (seis) anos.
Há também a questão da conversão de pena privativa de liberdade em restritiva de direito no curso da execução penal, nos termos do art. 180 da Lei nº 7.210/84, nesse sentido, já com decisão penal condenatória transita em julgado.
Pensamos ainda na interpretação legal de ser permitida a concessão do benefício de cumprimento de pena em regime aberto e/ou substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, quando o tempo do cumprimento do encarceramento for superior a 4 anos, e estiver restando 4 anos, obviamente se o mérito do condenado permitir, no tocante ao comportamento carcerário e demais exigências legais, especialmente quando indenizar e ressarcir a vítima dos prejuízos do crime, causados pelo seu ato. É evidente que para a administração da justiça – ao Estado – e para a vítima é muito mais benéfico a concessão da substituição da reclusão pela restritiva de direito, posto que diminuem-se os gastos públicos referentes ao aprisionamento, e o ofendido direito – o particular – tem concretizada a reparação dos danos, ao menos, materiais.
7. Perdão no juizado especial criminal
Primeiro é de se mencionar que a solidariedade, vincula-se aos critérios de Justiça e de paz social, onde a tolerância é a chave para o diálogo e este ao perdão, com a aceitação do erro, consideração e entendimento pessoal entre vítima e vitimário, sob a mediação do Estado-Juiz.
O artigo 1º e 3º da Carta Magna, estabelecem que a cidadania e a dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República, tendo como objetivo a construção de uma “sociedade justa e solidária”, o que quer dizer, em outras palavras, aplicação da lei com justiça e com solidariedade entre agente ativo e passivo, visando sempre a possibilidade de acordo e de composição, também na área criminal.
O perdão tanto pode ser privado, isto é de particular para particular, ou melhor, de cidadão para co-cidadão; bem como existe o perdão público, onde o Estado através de seus poderes e órgãos competentes, conceder o perdão judicial, na forma permitida expressamente no direito penal democrático.
A hora chegou, como roga A. Beristain, de se pensar e começar aplicar o Direito Penal do Perdão, solidário, fraternal e generoso, como alternativa, que poderá surtir bom efeito, para justificar a existência do homem e do próprio sistema de Justiça penal contemporânea.
A lei criminal positiva brasileira prevê o "perdão judicial" - facultativo, sempre condicionando à discricionariedade do magistrado -, como um instituto do direito que visa atender os princípios da equidade e da humanidade, com a diminuição (os tipos penais privilegiados, em outros términos são também uma espécie legal de perdão expresso) e sustação da aplicação da pena; por exemplo, nas hipóteses de homicídio e leses corporais culposas, pode o juiz deixar de aplicar a pena: se as consequências da infração atingirem o próprio agente (art. 121, parágrafo 5º, e art. 129, parágrafo 8º CP); conforme a circunstância referente a falta de pagamento de refeições, hotel ou transporte coletivo (art. 176, parágrafo único CP); na receptação culposa de processado primário (art. 180, parágrafo 3º CP); no adultério quando já havia cessado a vida em comum dos cônjuges, e quando o querelante havia praticado atos previstos no art. 317 Código Civil; na subtração de incapazes, quando o menor ou interdito foi restituído, sem sofrer maus-tratos ou privações (art. 249, parágrafo 2º CP); nas contravenções penais, a sanção pode - facultativo - no ser aplicada por errada compreensão dela, quando escusável (art. 8º LCP); na infração de associação secreta (art. 39 parágrafo 2º LCP); e ainda ver Lei de Falência art 186 parágrafo único; Lei de Imprensa art. 22, parágrafo único, Código Eleitoral art. 326, parágrafo 1º, sursis e livramento condicional.
Reza o Código penal: o juiz poderá suspender a execução da pena privativa de liberdade quando não superior a dois anos, para condenado no reincidente, e conforme a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias que autorizem a concessão do benefício (ver art. 77 usque 82 da lei. 7209/84).
Percebe-se que o perdão judicial (art. 120 CP parte geral) é tão amplo e magnânimo, que inclusive não se leva em conta para efeito de reincidência. O "veredicto" que o concede é de natureza meramente declaratória, por isso, como diz, Cernicchiaro (Luiz Vicente, in "Reforma Penal, ed. Saraiva, SP, pg. 35) trata-se de um incentivo judicial, apesar da existência do crime, afasta a sanção, em nome do princípio da humanidade para o caso em concreto; além, como entende Brussolo Pacheco (Wagner, in "O perdão judicial no Direito brasileiro - Natureza jurídica e consequências, Rev. Justitia 116/157) afasta qualquer pretenso executória, em face da não caracterização do "status poenalis", se assim no fosse, exemplifica, é o mesmo que "o fogo se apague, mas continue a produzir luz e calor...".
O perdão judicial proíbe o lançamento do nome do réu no livro do rol dos culpados – registro cartorial -; vale dizer, continua o acusado na condição de primário, excluindo tanto a pena principal como as sanções acessórias; não admitidas no direito penal brasileiro, não se confundem com os efeitos da condenação, que devem ser motivadamente declarados na sentença, cf. Exposição de Motivos, lei n. 7209/84), e até qualquer efeito legal originário, vez que é ilógico subsistir condições de remanescência de fato que foi judicialmente perdoado. A essência do perdão é a não aplicação de nenhuma espécie de sanção.
Outra maneira de perdoar o réu, quando já sentenciado e condenado, urge das clemências do Chefe do Poder Executivo, via indulto (individual ou coletivo, que vige nas épocas de páscoa ou natalina), anistia (individual ou coletiva, sempre nos períodos de mudança de regime de governo, própria para delitos definidos como políticos), e a graça presidencial de comutação, seja pela diminuição ou permutação da pena, sempre do mais grave para o mais brando (arts. 107, inc. II lei n. 7209/84, c.c. inc. xii do art. 84 Constituição federal), princípio da aplicação mais favorável, e da proibição de majorante sancionatória.
O professor Zaffaroni, ainda, chega a colocar que ao Presidente da República lhe compete, indultar na fase anterior a sentença judicial (ver "Systemas Penales y Derechos Humanos en America Latina, ed. Depalma, 1986, Buenos Aires, pg. 102), argumentando que se lhe é dado o direito de conceder Clemência depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, pode, perfeitamente lançar mão de sua atribuição legal, antes do "veredicto", até para diminuir o excessivo efeito estigmatizante que possuem os processos criminais, em si mesmo, quando vislumbrar uma melhor e mais adequada prestação social. Somente uma questão pode ser levantada para contrariar esta idéia; na hipóteses do acusado desejar continuar no processo para ver o "decisium" de mérito (com trânsito em julgado sentença firme), e provar sua inocência.
A autorização dos governantes do Executivo para indultar, surge de tempos imemoriais, onde podemos citar, o indulto de Jesus Cristo conforme descreve a Bíblia, quando foi libertado em troca do ladrão Barrabás.
Em sede de sentença judicial condenatória ou absolvitória nada mais é do que um diálogo entre o Estado-Juiz e o processado, onde se realiza o mais ideal estágio de entendimento entre a autoridade e o cidadão, com vistas à aplicação do "direito penal do perdão".
Perdoar significa descobrir ou procurar compreender outras verdades, que não sejam somente aqueles dogmas trazidos ao longo dos tempos, sem nenhuma utilidade prática e muitas vezes inúteis.
Não é o perdão sinônimo de impunidade, descaso ou benevolência, mas o acatamento de princípios penais que se coadunam com o regime democrático de governo, e com os direitos fundamentais da cidadania, onde os sistemas judiciais que atuam em nome dos Estados autoritários, usam expressões do tipo "ordem pública", "bem comum" para justificar prisões e processamentos indevidos, em desrespeito ao "ius libertatis" e ao princípio da inocência.
A lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, a Lei nº 10.259/01 e a Lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006, dispõem sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, estaduais e federal, são exemplos de tendência a adoção do “Direito Penal do Perdão”. Trata-se de procedimento com base na conciliação e transação, simplicidade e informalidade processual-penal (da Justiça criminal) para julgamento de infrações de pequeno potencial ofensivo.
Sem sombra de dúvida a idéia de proporcionar uma justiça mais eficiente, rápida e célere será sempre bem vinda e acatada por todos. A questão que divergimos quanto a criação do Juizado Especial Criminal é eminentemente de fundo, ou seja, com relação a utilidade real, uma vez que a própria lei criou um novo sistema legal que necessita de estrutura física e profissional técnicamente treinado, gerando outras e novas despesas desnecessárias aos cofres públicos
Bastaria o legislador incluir no Código Penal e Processual Penal, os seguintes dispositivos; vejamos:
1- no Código Penal abrir a possibilidade de perdão ou de excludente no artigo 15, quando por desistência voluntária e arrependimento eficaz, não ser responsabilizado criminalmente pelos atos praticados;
2- no Código de Processo Penal, a proposta é de inserir um parágrafo com alguns incisos no artigo 28, permitindo ao Ministério Público arquivar o inquérito policial e/ou abrir mão da denunciação, em nome do princípio da oportunidade, utilidade e economia processual, delitos de bagatela (princípio da insignificância do resultado ou do dano causado resultante de crime), crimes sem vítimas, etc..
A observância de princípios reitores do direito penal, como o da proporcionalidade da sanção, e da humanidade na aplicação da pena devem predominar permanentemente a fim de se efetivar o "direito penal do perdão".
O pai perdoa o filho, mesmo nas maiores faltas, e ainda, busca solucionar e amenizar a situação criada por ele. Porque o Estado-Acusação ou o Estado-Juiz, não possui legitimidade para perdoar, e quando o faz, a sociedade interpreta de uma forma equivocada, como se fosse incentivo à deliquência ou aumento da impunidade, criticando a atuação do representante do Ministério Público que exortou pelo arquivamento do inquérito policial e/ou pela absolvição do acusado (improcedência da Ação Penal).
Cito João Batista Herkenhoff, renomado juiz de direito do Estado do Espírito Santo, e de verdadeiro espírito humanista, trecho de sua obra “Uma Porta para o Homem no Direito Criminal”:...”A rigor, o perdão do ofendido não extingue a ação penal pública. Contudo, essa situação se modifica quando o Ministério Público acolhe os fundamentos do pedido...não é a Justiça a única e mais eficaz força de restabelecimento do equilíbrio social rompido pelo crime... Há outras forças, poderes e instrumentos que restauram o equilíbrio, a Justiça e a paz social: um desses é o perdão” (in ed. Forense, RJ/1980; pg. 84).
A sentença é um diálogo entre o Estado-Juiz e o cidadão processado ou condenado, pra delitos e faltas graves, médias e leves. Porque, então não se admitir o perdão judicial nas infrações e no sistema do juizado especial criminal, em face de se tratar de um procedimento mais simplificado cujos ilícitos são de pequeno potencial ofensivo. O dito jurídico popular não pode ser ignorado neste caso, “quem pode mais pode menos”, se para os delitos mais graves é permitido o perdão judicial, como faculdade do magistrado, também ao Ministério Público cabe a proposta de não aplicação de medida alternativa, multa ou restritiva de direito, prescindindo inclusive da transação penal, para a aplicação de perdão judicial.
Sempre que na hipótese, o infrator tenha vontade de reparar o dano e não possa fazê-lo, que esteja arrependido do ato praticado, poderia, o Estado-Juiz-Ministerial, prescindir de aplicar qualquer espécie de sanção, via transação penal, em respeito ao princípio de humanidade e a condição econômica do agente ativo. Poder-se-ia, determinar tão somente o ressarcimento e/ou indenização à vítima, e declinar de qualquer sanção em nome do Estado, ou ainda deixar de aplicar ambas medidas jurídicas.
No sistema de justiça criminal interpreta-se a lei de maneira mais favorável ou mais benéfica ao agente, são as linhas estabelecidas pelo Estado Democrático de Direito Penal, ou pelo chamado Estado de Direitos Humanos, em nome do princípio pro homine e para a superioridade ética do Estado.
Podemos, portanto, concluir que o Estado-Ministerial (Ministério Público), por intermédio de seus agentes, não deve processar por processar, acusar por acusar, condenar por condenar (MAIA NETO, Cândido Furtado, in “Promotor de Justiça e Direitos Humanos”, ed. Juruá, 2007, Curitiba).
Além do mais, nesta mesma linha de raciocínio, o saudoso Min. Assis Toledo, fala do princípio da insignificância, da ofensa concreta e efetiva ao bem jurídico tutelado, só ela, com real e significante prejuízo à vítima, configura crime e o fato torna-se típico.
Na teoria geral do ordenamento jurídico (in Norberto Bobibio; ver Maia Neto, Cândido Furtado: “Promotor de Justiça e Direitos Humanos”, ed. Juruá, Curitiba, 2007) precisamos entender, de uma vez por todas, e já se faz tarde, que o direito penal é e deve ser a ultima ratio das ciências jurídicas, e que medidas alternativas à prisão ou substitutivos processuais precisam ser considerados efetivamente, em nome do direito penal democrático em respeito ao tratamento igualitário da lei, quando a norma é interpretada pelo Poder Judiciário, em outras palavras, quando nasce o direito judiciário concreto.
A aplicação da lei criminal democrática deve operar ante o princípio da benevolência, nunca pela agravação, posto que as circunstâncias atenuantes prevalecem ante as agravações da pena, como regra mais acertada. A situação econômica do acusado, réu ou infrator deve ser considerada; do contrário estaríamos numa espécie de sistema anti-democrático, onde os §§ 1º e 2º do art. 51 do CP, que permitia a conversão da pena de multa em prisão, foram revogados pela Lei nº 9.268/96, e é terminantemente proibido pelos Direitos Humanos, cito a Pacto de San José e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (arts. 7, 7; e 11, respectivamente).
Ter compaixão não é sinônimo de fraqueza, pelo contrário, é o próprio e natural reconhecimento da inteligência. A compaixão é característica dos povos civilizados. Deus Pai e Jesus Cristo, como onipotente, onipresente, possuidor da inteligência e do poder máximo, sobre todos e sobre tudo, tem compaixão, é misericordiosíssimo e sempre perdoa.
Conclusão
A modo de conclusão, poderíamos dizer ainda que no âmbito dos juizados especiais criminais são poucas as situações ou vezes que o Ministério Público delibera pelo arquivamento do procedimento – feito – em base a previsão legal do artigo 28 do Código de Processo Penal, pelo contrário, o Ministério Público tem forçado o acordo ou a transação penal, desconsiderando a atipicidade, em relação ao elemento constitutivo do tipo penal – dolo ou elemento subjetivo do tipo – ou erro de tipo (arts. 18, I e 20 do CP), bem como desconsidera a análise da própria bagatela da insignificância, para não ser redundante.
O sistema legal dos juizados criminais – estadual e federal – deve ser operacionalizado à luz do direito penal democrático e não do retrogrado direito penal ditatorial ou eminentemente repressivo, não se deve impor a todo custo alguma espécie de proposta ministerial. Por razão de boa política criminal é também possível declinar de qualquer imposição de medida, uma vez que não se tem a absolutividade do princípio da obrigatoriedade da ação penal na instância do juizado especial criminal, mas sim a sua relatividade, onde impera o princípio da oportunidade, da proporcionalidade e da humanidade.
Se o direito penal é um instrumento de controle social que precisa urgentemente dar respostas efetivas e eficientes à sociedade, visto que as leis são aprovadas pelo Poder Executivo após a discussão pelo Parlamento, resta e cabe ao Poder Judiciário e ao Ministério Público Democrático, a tarefa de acertar e concertar erros através da interpretação e fiscalização da lei, via as cláusulas pétreas de Direitos Humanos concreto e da Constituição federal aplicada.
Um diagnóstico nacional sobre a atuação dos juizados especiais, elaborado pela Secretaria de Reforma do Judiciário vinculada ao Ministério da Justiça, juntam
Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Do Movimento Nacional Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. Site: www.direitoshumanos.pro.br . E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Cândido Furtado Maia. Juizado Especial Criminal: A proteção dos Direitos Humanos das Vítimas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2009, 00:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18375/juizado-especial-criminal-a-protecao-dos-direitos-humanos-das-vitimas. Acesso em: 23 dez 2024.
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