EMENTA: DIREITO PRIVADO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Reconhecimento de ofício pelo magistrado de prescrição e decadência. Possibilidade ou não.
I – Questão relevante decorre a respeito da possibilidade de reconhecimento de ofício pelo magistrado da prescrição e da decadência no direito civil.
II - Passemos à análise do tema.
II.1 O tempo exerce forte influência no direito, mormente na aquisição e extinção de direitos[1]. Aponta Paulo Dourado de GUSMÃO[2] ser a influência do tempo bastante importante nas relações jurídicas, as quais podem ser “constituídas para durar por tempo indeterminado, e outras, por tempo determinado.” Nos primórdios, as ações eram eternas.
Dessa forma, podemos perceber que, desde os primórdios, o Estado foi buscando estabelecer a paz social e solidificar as situações fáticas existentes. A inércia do titular do direito em exercê-lo não pode perdurar eternamente. Como consabido, “dormientibus non sucurrit jus”[3].
SOUZA FILHO[4], a respeito do tempo, afirma: “A prescrição promove a consecução de um interesse jurídico-social, a saber: proporcionar segurança às relações jurídicas. É instituto de ordem pública.”
O princípio da segurança jurídica, ademais, deve prevalecer sobre os interesses meramente individuais do titular do direito supostamente violado.
II.2 A não-alegação da ocorrência da prescrição no processo civil, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, estava disciplinada no artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil, o qual dispunha:
§ 5o Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).
II.3 Tal dispositivo restou derrogado pelo artigo 194 do Código Civil de 2002, expressis verbis:
Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz. (Revogado pela Lei nº 11.280, de 2006)
II.4 O artigo 194 do Código Civil, por sua vez, restou revogado pela Lei nº 11.280, de 2006, a qual alterou a redação do artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil, passando a ter a seguinte redação: “§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”
II.5 ALVES[5] alude apagar-se a eficácia da pretensão:
“(...) se houver o exercício do direito de exceção de prescrição pela pessoa a quem aproveita. Se não há essa alegação, o juiz há, sob a Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, art. 3º, supri-la de ofício, aliter do que se passava anteriormente, em que não no podia, salvo se favorecesse a absolutamente incapaz, dizia o artigo 194, 2ª parte, referindo-se à pretensão encoberta pela prescrição.”
II.6 Efetuando severas críticas à possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício à prescrição Alexandre Freitas Câmara[6] aponta:
“É desnecessário dizer que o direito brasileiro jamais admitiu o reconhecimento de ofício da prescrição. Este é ponto que dispensa comprovação, por sua notoriedade. Não é só no Brasil, porém, que este sempre foi o tratamento dado à matéria. Outros ordenamentos jurídicos vedam, categoricamente, o reconhecimento ex officio da prescrição. Assim, por exemplo, o Código Civil italiano, cujo art. 2.938 estabelece, expressamente, que "il giudice non può rilevare d'ufficio la prescrizione non opposta ". Também o Código Civil francês trata do tema, em seu art. 2.223: "Les juges ne peuvent pas suppléer d'office le moyen résultant de la prescription". O art. 142 do Código de Obrigações da Suíça tem redação análoga: " Le juge ne peut suppléer d'office le moyen résultant de la prescription". O Código Civil argentino dispõe sobre o tema em seu art. 3.964 : "El juez no puede suplir de oficio la prescripción". Vale citar, ainda, o Código Civil português, cujo art. 303º estabelece que "o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo ministério público".”
Alexandre Freitas Câmara[7] defende que a modificação legislativa em apreço ofende a autonomia da vontade, havendo ofensa ao princípio constitucional da liberdade. Afirma:
“Pois a norma ora em exame, ao estabelecer que o juiz tem o poder de reconhecer de ofício a prescrição, invade, de forma absolutamente desarrazoada e irracional, a esfera da autonomia privada dos participantes de uma relação jurídica obrigacional, ao levar o juiz a ter de reconhecer uma prescrição que o prescribente não quer que lhe aproveite. Penso, assim, que há aqui mais uma inconstitucionalidade do dispositivo sub examine, que viola o princípio constitucional da liberdade.
Ainda que assim não fosse, porém, penso que outra inconstitucionalidade haveria. Isto porque a meu ver é inconstitucional a norma jurídica que invade desnecessariamente a autonomia da vontade, corolário da garantia constitucional da liberdade.”
II.7 Discordando do posicionamento de Alexandre Freitas Câmara, temos o entendimento de Eduardo Ferreira da Silva[8]:
“Data Venia, Daniel...
Mesmo com todo o respeito pela obra de Alexandre Câmara, creio que existam outros princípios e ponderações que devam ser considerados no tocante a decretação ex officio da prescrição.
Vejamos: O Autor, conhecedor de seu direito, manteve-se inerte durante toda a "vigência" dele...e somente após ser alcançado pelo instituto da prescrição, decide se insurgir para perquirir tutela jurisdicional. Isso não seria falta de interesse de agir?
E mais, a decretação ex officio da prescrição tem o cunho de estimular o sujeito de direito a mover-se em busca da tutela do Estado. E por isso, é um instrumento essencial para a prestação do serviço jurisdicional, em respeito ao princípio da efetividade.”
II.8 No que concerne à declaração de ofício da decadência legal pelo magistrado, declaramos a inteligência do artigo 210 do Código Civil: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.”
II.9 Maria Helena Diniz[9] afirma:
“Decretação ‘ex officio’ da decadência. A decadência, decorrente de prazo legal, é matéria de ordem pública; deve ser, uma vez consumado o prazo, considerada e julgada pelo magistrado, de ofício, independentemente de argüição do interessado. Se a decadência for convencional, o juiz dela não pode apreciar a não ser que haja provocação do interessado (CC, art. 211).”
II.10 No que pertine à declaração de ofício da decadência convencional pelo magistrado, incide o artigo 211 do Código Civil: “Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.” Maria Helena Diniz[10] obtempera:
“Argüição de decadência convencional. Se o prazo decadencial for prefixado pelas partes, aquela a quem aproveitar poderá alega-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não poderá, de ofício, suprir tal alegação, logo, se não for alegada, pressupor-se-á sua renúncia.”
II.11 Dessarte, de acordo com o artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil (com redação dada pela Lei nº 11.280, de 2006), o juiz poderá no processo civil pronunciará, de ofício, a prescrição. No que concerne à declaração de ofício da decadência legal pelo magistrado, declaramos a inteligência do artigo 210 do Código Civil: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.”
III. Diante do exposto, infere-se, em apertada síntese, ser possível ao magistrado declarar: (i) de ofício a prescrição; (ii) de ofício a decadência legal; (iii) mediante provocação do interessado a decadência convencional.
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, 944p.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, 1838p.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, 206p.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense, 22ª ed., 1997, 441p.
SILVA, Eduardo Ferreira da. Informação epistolar emitida em 09/12/2007.
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. NOVOS RUMOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO. Universo Jurídico, Brasil, 30/04/2006. Disponível em <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2598> Acesso em: 04/11/12007.
[1] A esse respeito: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 179.
[2] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Forense, 22ª ed., 1997, p.245.
[3] “O direito não socorre aos que dormem.”
[4] SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. NOVOS RUMOS DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO. Universo Jurídico, Brasil, 30/04/2006. Disponível em <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2598> Acesso em: 04/11/12007.
[5] ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, p. 77.
[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.
[7] CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.
[8] SILVA, Eduardo Ferreira da. Informação epistolar emitida em 09/12/2007.
[9] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 249.
[10] DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 249.
Advogado da CAIXA. Ex-Procurador do Município de São Leopoldo (RS). Autor do livro PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO ESPECIAL, Editora Núria Fabris. Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de Souza, Editora Núria Fabris. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP). Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP). Bacharel em Direito pela PUC-RS. Página pessoal: http://www.fariacorrea.com
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Do reconhecimento de ofício da prescrição e da decadência no Direito Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2010, 10:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19134/do-reconhecimento-de-oficio-da-prescricao-e-da-decadencia-no-direito-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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