Resumo:
Com a entrada em vigor da lei 11.705/2008, o Código de Transito Brasileiro sofreu algumas “lapidações” em alguns de seus artigos. O termo lapidações se dá em razão de a aplicabilidade dos artigos modificados terem sofrido poucas mudanças na ordem prática.
A lei 11.705/2008 tem como finalidade estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool. Assim, qualquer pessoa que for encontrada dirigindo um veículo automotor e tiver qualquer quantidade de álcool no sangue será penalizado.
O Parágrafo Único do artigo 276, CTB, prevê a possibilidade de estabelecimento excepcional de “margens de tolerância” de concentração de álcool no sangue “para casos específicos”. No entanto até o momento nenhuma norma foi editada para regulamentar os casos que caibam essa “margem de tolerância”. Sendo assim foi editado o Decreto 6488/08, que prevê que enquanto não foi editada uma norma regulamentadora para prever os casos específicos de tolerância, continuar-se-á a utilizar provisoriamente a tolerância de duas decigramas por litro de sangue ou de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, em caso de aferição por “etilômetro”. Percebe-se assim a inaplicabilidade da nova norma.
A nova lei também prevê a obrigatoriedade da realização do teste do bafômetro, no entanto percebe-se que esta previsão legal é inconstitucional por ferir o preceito constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si.
A intenção, com a edição da nova lei, foi boa, mas até agora não se percebe mudanças substanciais na prática, bem como se percebe vícios de constitucionalidade que ainda não foram sanados.
Introdução:
Em 19 de junho de 2008 entrou em vigor a Lei 11.705, lei que alterou dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro (Lei no 9.503/97). Conforme leciona o artigo primeiro da novel Lei, sua finalidade é estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool.
A lei também alterou dispositivos da Lei no 9.294/1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool.
No presente trabalho analisará alguns aspectos da nova lei, tais como a generalidade da aplicação da pena, eis que segundo essa lei, não importa a quantidade de álcool que o condutor ingerir, mesmo sendo uma quantia ínfima ele terá a mesma punição daquele condutor que for encontrado totalmente embriagado.
Também será analisada a aplicabilidade da lei 11.705/2008, em decorrência da ausência do regulamento previsto no parágrafo único do artigo 278 do Código de Transito Brasileiro. Será também discutida a constitucionalidade do §3º do artigo 277 do CTB, já que a Constituição Federal prescreve que ninguém é obrigado a produzir provas contra si.
Por fim será apresentada as considerações finais com os pontos conclusivos.
Desenvolvimento
Antes de existir a Lei 11.705/2008, o Código de Transito Brasileiro prescrevia em seus artigos 165, 276 e 277, as sanções administrativas bem como as formas de aferir se o condutor estava sob a influência de bebida alcoólica. Os mencionados dispositivos prescreviam:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica:
Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
Parágrafo único. Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
No entanto com a nova lei, a redação dos artigos mencionados foram modificados, sendo que o artigo 165, passou a prescrever como conduta ilícita, dirigir veículo automotivo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A infração continua sendo gravíssima, com penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Como medida administrativa o dispositivo continua prescrevendo que será realizada a retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
Quanto ao artigo Art. 276, com a nova redação dada pela lei 11.705/2008, passou-se a não mais prever uma quantia mínima de álcool no sangue para então sofrer as penalidades, sendo uma das mais significativas mudanças trazidas pela lei, já que antes era necessário que existisse concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue.
A respeito do artigo 277 do CTB, a sua atual redação é a seguinte:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Com a apresentação desses dispositivos, passa-se a realizar essa discussão jurídica nos seguintes termos:
1. Proporcionalidade da punição
Conforme prevê o artigo 165 do CTB, passou a punir o condutor que dirigir veículo automotivo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. O que se nota é que aquele que ingeriu uma quantia ínfima de álcool ou outra substância psicoativa tem a mesma punição daquele que está totalmente embriagado.
O que se percebe é que a punição imposta é exagerada, se esta for analisada sob ponto de vista que, mesmo aquele que ingeriu uma quantidade de álcool incapaz de produzir danos no transito e agir de forma imprudência no transito terá a mesma punição daquele que está sob forte influência de álcool. Sem dúvida há uma certa desproporcionalidade na punição.
No presente dispositivo legal, percebe-se a existência de uma pena fixa, sem mesmo analisar as circunstâncias do caso concreto.
2. Inaplicabilidade da Lei 11.705/2008
O Parágrafo Único do artigo 276, CTB, prevê a possibilidade de estabelecimento excepcional de “margens de tolerância” de concentração de álcool no sangue “para casos específicos”.
O artigo 1º do Decreto 6488/08, reafirma a “tolerância zero” estabelecida pelo CTB, no entanto, no que se refere às “margens de tolerância” excepcionalmente aceitas “para casos específicos”, o referido Decreto determina que Resolução do Contran é que tratará desse assunto, com proposta a ser formulada pelo Ministério da Saúde.
O artigo 1º, § 2º do Decreto 6488/08 prevê que provisoriamente, até que seja editada norma que preveja a margem de tolerância, será aplicado a todos os casos a tolerância de duas decigramas por litro de sangue ou de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões, em caso de aferição por “etilômetro”.
Com isso percebe-se a pouca aplicabilidade da Lei 11.705/2008, uma vez que mesmo surgindo uma lei que prescreva a “tolerância zero” de álcool, esta norma ainda não pode ser aplicada, por falta de um regulamento.
A falta de aplicabilidade da nova lei é gerada por ausência de um regulamento que especifique quais são os “casos específicos” mencionados no parágrafo único do 276 e no ato regulamentar, para casos de tolerância.
Enquanto não editarem a norma que especifique quais são os casos de tolerância, a lei 11.705/2008, fica basicamente sem aplicabilidade, pois não se pode aplicar para alguns a “margens de tolerância” e para outros não.
Assim, conforme prevê o Decreto 6488/08, a tolerância mencionada no parágrafo único do artigo 276 do CTB deve abranger quaisquer casos, até mesmo em decorrência do principio fundamental da igualdade estampado no artigo 5º da constituição federal que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
3. Obrigatoriedade de realizar o teste do bafômetro
As normas, antes de ingressarem no ordenamento jurídico passam por um controle preventivo, que nas palavras de Alexandre de Moraes[1] “pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico”. Porém, se a norma já esta inserida no ordenamento jurídico, essa passa pelo controle repressivo, que nas palavras do mesmo autor[2] “busca dele expurgar a norma editada em desrespeito à Constituição”.
O parágrafo §3º do artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro prescreve:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Com a leitura do dispositivo mencionado, o condutor que não aceitar realizar os métodos para aferição do estado de embriagues sofrerá penalidades e medidas administrativas. Analisando o dispositivo, de forma estritamente jurídica, percebe-se que a mesma padece do vicio da inconstitucionalidade material, eis que a constituição federal prescreve que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.
Este dispositivo é oriundo do Pacto de San José da Costa Rica do qual o Brasil é signário, tendo a norma fornça de lei constitucional. A Constituição Federal de 1988 não é a única fonte do direito constitucional. O Artigo 8o das Garantias Judiciais, Parágrafo II, Inciso g, do Pacto de San José da Costa Rica declara que toda pessoa tem: "direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;...".
Assim, percebe-se que, ao realizar o teste do bafômetro o condutor estaria realizando prova contra sim, e esta produção de prova deve ser uma deliberalidade do condutor e não uma obrigação.
Quando ao termo Constitucionalidade Marcelo Neves[3] afirma ter a Constituição “supremacia hierárquica sobre os demais subsistemas que compõem o ordenamento, funcionando como fundamento de pertinência e validade dos subsistemas infraconstitucionais”.
Darcy Azambuja[4] diz que "toda a lei ordinária que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz-se inconstitucional".
Toda norma que esta em discordância com a Constituição Federal, não deve ser acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro, por ser incompatível com os preceitos basilares da lei maior.
Desta forma, uma norma inconstitucional é aquela que viola os dizeres da Constituição Federal.
Ao verificar o dispositivo citado percebe-se claramente uma afronta a Constituição Federal brasileira, eis que ela obriga o condutor a realizar o exame do bafômetro, entre outros métodos para aferição do estado de embriagues. Caso o condutor desobedeça as ordens da autoridade policial, sofrerá penalidades, o que não poder ser admitido, por afronta a Constituição Federal.
Com a obrigatoriedade do condutor a produzir prova contra sim, garantias constitucionais estão lhe sendo negadas, o que não deve ser aceito.
Conclusão:
A intenção na edição da lei 11.705/2008, foi boa, no entanto, até o presente momento não mudou realmente a legislação anterior, eis que o regulamento mencionado no parágrafo único do artigo 276 do CTB ainda não foi editado, tornando essa norma sem real eficácia, pois ainda existe a tolerância mínima prevista na redação anterior.
Quanto a punição, percebe-se uma desproporcionalidade em sua aplicação, pois mesmo aquele que ingeriu uma quantidade ínfima de bebida alcoólica, incapaz de produzir danos, terá a mesma punição daquele que está embriagado.
Por derradeiro a obrigatoriedade do condutor em realizar testes e exames, sob pena de ser penalizado, é totalmente inconstitucional em virtude de ninguém ser obrigado a se auto-incriminar.
Referencias:
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado.44ª Ed.2006. Porto Alegre: Globo.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. – 22. ed. – São Paulo: Atlas, 2007.
NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. 1988. São Paulo: Saraiva.
[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. – 22. ed. – São Paulo: Atlas, 2007. p. 693.
[2] Ob. Cit., p. 693.
[3] NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. 1988. São Paulo: Saraiva.
[4] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado.44ª Ed.2006. Porto Alegre: Globo. p. 172.
Acadêmica de Direito (UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI). Estagiária da 2ª Vara do Trabalho de Itajaí.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HILLER, Neiva Marcelle. Apontamentos críticos sobre a Lei 11.705/2008 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2010, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19363/apontamentos-criticos-sobre-a-lei-11-705-2008. Acesso em: 23 dez 2024.
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