No Brasil, os peritos oficiais em Balística de Munições devem ser considerados profissionais abnegados e persistentes, mas - em hipótese alguma - os laudos que emitem podem ser considerados como verdades inquestionáveis...e isto não é culpa deles, mas sim dos equipamentos e da metodologia que empregam.
O principal instrumento do perito oficial em Balística de Munições é o Microscópio Comparador de Leitz (também conhecido como Microscópio Comparador Balístico), equipamento binocular de aumento criado pelo alemão Ernest Leitz em 1907. De lá para cá, as únicas melhorias tecnológicas nesse equipamento foram melhor polimento das lentes e a possibilidade de fotografias digitais daquilo que é revelado por suas objetivas.
Mas, notem bem, os resultados do Microscópio Comparador de Leitz são em 2 (DUAS) dimensões (2D), assim como as fotografias dele obtidas. Embora alguns peritos insistam em seus laudos que encontram concordâncias ou discordâncias na PROFUNDIDADE das macro e/ou micro marcas que estão vendo (ou sendo fotografadas) isto é tecnicamente IMPOSSÍVEL, pois seria uma 3a. dimensão! Na verdade e de forma técnica, o que eles vêem e fotografam é a INCIDÊNCIA DE LUZ CONVENCIONAL CAPTADA DE FORMA PRIMÁRIA e que PARECE similar perante a acuidade visual também primária do olho humano e de máquinas fotográficas comuns, ainda que digitais.
Assim, esse equipamento NÃO consegue determinar, de forma REALMENTE mensurável, qual é A PROFUNDIDADE dos sulcos deixados pelo raiamento de uma arma de fogo, o que seria um IMPORTANTÍSSIMO elemento individualizador no panorama moderno das armas de fogo e munições. Apenas para completar esta idéia: 1) a empresa nacional Photonita já dispõe de equipamentos de metrologia óptica avançada (medição 3D por interferometria) e 2) laboratórios balísticos dos EUA estão usando cada vez mais o equipamento Bullet Trax 3-D.
Em nosso país e desde a década de 1980, empresas produtoras de armas de fogo utilizam centros de usinagem comandados por programa de computador CNC, os quais, sabemos, garantem máxima similaridade aos trabalhos de tornos, fresas, brochas, etc. aos produtos gerados por esses equipamentos.
Além disso, a produção seriada de boa qualidade deve ser industrialmente uniforme no uso daquilo que utiliza, quer na matéria-prima, quer nos equipamentos empregados em seu beneficiamento, bem como nos programas e processos de fabricação que devem seguir rígidos padrões de similaridade.
Assim, não só o aço utilizado nas diversas peças das armas de fogo deve ser sempre o mesmo (na maioria dos casos da classificação técnica SAE 4140), mas também o aço (do tipo popularmente conhecido como "widia") utilizado em seu ferramental de corte, desbaste e polimento, o qual executa, dentre outras partes, também o raiamento no interior dos canos.
Trocado em miúdos, isto significa que as macro e micro marcas deixadas no produto final serão, senão completamente idênticas devido ao natural desgaste do ferramental de desbaste que as produziu, MUITO SIMILARES entre uma e outra. E, claro, esta grande similaridade também será encontrada no raiamento dos canos, principalmente naqueles de uma MESMA série de fabricação, onde UM MESMO ferramental de corte foi usado ANTES de ser re-afiado.
Ao não levar isso em consideração, o perito oficial e seu microscópio apenas registram as SIMILARIDADES dos modernos processos industriais de produção seriada onde A MÁXIMA IGUALDADE entre produtos é um forte ponto de honra das empresas. E também deve ser levado em especial consideração que no caso de canos de armas de fogo POUCO DISPARADAS e de UMA MESMA SÉRIE de fabricação ATÉ a profundidade de seu raiamento será similar, MESMO quando medida com equipamento especial para esse fim.
Além disso, ocorrerão DIFERENÇAS de registro nas macro e micro marcas de raiamentos com folgas absolutamente mínimas, dentro do efeito EVENTUAL de "tumbling", ou "de rolamento" da bala dentro do cano, o qual ocorre aleatoriamente mesmo quando se usa projéteis IDÊNTICOS.
Em seus laudos balisticos, a maioria dos peritos oficiais sempre escreve que para a obtenção de projéteis ou estojos testemunhas as armas foram carregadas com "munição adequada", mas NÃO esclarece se essa munição era do MESMO fabricante, do MESMO tipo e da MESMA qualidade daquela incriminada, ou seja, sabe-se O QUE vai ser comparado, mas tecnicamente não se sabe COM O QUE!
Também NUNCA é medida A DUREZA dos projéteis e cápsulas INCRIMINADOS e muito menos isto é feito com aqueles que serão tidos como padrões (ou testemunhas). Assim, também NÃO SE SABE quais as características TÉCNICAS de similaridade/igualdade da "munição adequada" usada no comparativo.
Metais e ligas metálicas variam sua composição e nível de dureza conforme o produtor, tipo de aplicação, lote de fabricação ou em função da pureza de suas matérias-primas. E isto, claro, também ocorre nas ligas metálicas (latão, cobre, "tomback", etc) usadas nas "camisas" (ou "jaquetas") e até mesmo no chumbo do núcleo de projéteis de armas de fogo, bem como no latão usado nas cápsulas de munição e em suas espoletas.
Como se sabe, os materiais, entre eles os metais e as ligas metálicas, têm sua dureza medida em escalas internacionais, como a Rockwell, Brinell, Vickers, etc . Assim, por simples dedução lógica e de acordo com o citado por diversos autores especializados em metais, entre eles a grande autoridade brasileira Vicente Chiaverini, em "Tecnologias Mecânicas" - 2a. edição, (grifos meus) "...quanto maior é a dureza de um metal menos ele se deformará e menos registrará macro e micro marcas...", e aqui convém o comentário de como, e por exemplo, pudessem ser as marcas deixadas nos materiais que compõem a munição de armas de fogo, tanto seja ela a incriminada quanto aquela tida como testemunha.
Para completar esta parte, cito também um trecho do capítulo "Macrografia: 2-Advertências Oportunas" (pág. 38) do livro "Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns", de autoria de Hubertus Colpaert, engenheiro civil do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, esclarecendo que os grifo são meus:
"...Na apreciação dos sinais encontrados, é preciso muita atenção para não confundir aqueles que possivelmente já existiam na peça, antes do evento que deu motivo ao estudo, e que podem conduzir a alguma pista para as investigações, com os que possam ter sido ocasionados pela aplicação de ferramentas para retirar a peça de onde estava instalada, ou, então, ocasionados por quedas, ou durante o transporte.".
Ora, em muitos casos os referidos sinais poderiam, perfeitamente, ser ESTRIAMENTOS similares aqueles das macro e micro marcas ocasionadas pelo raiamento, PRINCIPALMENTE quando sabemos que os metais e ligas metálicas que compõem as munições SÃO MOLES e que JÁ poderiam apresentar sinais próprios, particulares, personalizados devido a fatores diversos como contatos e atritos com a câmara de outras armas, quedas, estocagem inadequada, etc.
Felizmente, o que já ocorre há muitos anos em outros países, principalmente nos EUA, está se tornando realidade no Brasil: cada vez mais juizes e jurados têm se mostrado receptivos e aceitado a opinião de peritos particulares, o que é sempre bom e recomendado quando se procura a verdadeira Justiça.
Há doze anos, quando iniciei meu trabalho de contestação de laudos de Balística de Munições, muitos promotores de justiça, na ânsia cega de questionarem pontos de vista mais técnicos e modernos, sempre me perguntavam se eu era "perito oficial", na tentativa de desvalorizarem meu trabalho e como se não soubessem que aqui em nosso país determinar se algo é oficial é APENAS outra das tantas prerrogativas do Estado. Por outro lado, houveram juízes e até mesmo um promotor da Justiça Militar de São Paulo que me agradeceram efusivamente pelo que tinham aprendido com minhas contestações e testemunhos, prova cabal de que algo está mudando para melhor.
Segundo o que pesquisei, pelo menos nos EUA e desde a década de 1930 laudos balísticos oficiais têm sido questionados e isto chegou ao ápice quando em 16/05/09 o prestigioso jornal The New York Times publicou extenso artigo do jornalista Henry Fountain (devidamente traduzido pelo "site" Terra) com o título de "Pesquisa: Métodos Usados Pela Perícia Criminal São Falhos". Por favor, notem que isto OCORREU NOS EUA, onde existem níveis muito maiores de formação de técnicos e de especialistas; onde há o uso de equipamentos muito mais modernos e confiáveis e onde, também há muito, se reconhece o trabalho do especialista particular.
Ao analisar o que diversas autoridades cientificas explicaram sobre os tradicionais métodos de perícia criminal, o articulista sintetiza as dúvidas da sociedade norte-americana no parágrafo a seguir (grifos meus):
"Mas talvez a conclusão mais crítica tenha sido que muitas disciplinas forenses - incluindo análise de impressões digitais, marcas de mordida e estriamentos e cortes feitos por um pé-de-cabra ou mecanismo de uma arma de fogo - não se basearam no tipo de pesquisa rigorosa e revisada por especialistas, uma característica distintiva da ciência clássica."
Além disso, um recente relatório da Academia Nacional de Ciências dos EUA (com o nome de "Strengthening Forensic Science In US - A Path Forward" = Reforçando a Ciência Pericial nos EUA - Uma Trilha Adiante) comenta e analisa em suas 352 páginas como a crença absoluta nessas provas está mudando. Sua leitura atenta revela que - à exceção dos exames de DNA - NENHUMA OUTRA evidencia pericial deve ser encarada como verdade absoluta, pois muitas das técnicas empregadas carecem de procedimentos e cuidados REALMENTE científicos.
Assim, fica evidente que a balística de munições NÃO É totalmente confiável quando:
- se utilizam equipamentos primários;
- se empregam metodologias arcaicas e simplistas de comparação;
- não se consideram métodos modernos de produção de armas de fogo e de munições.
Posto tudo isto, para finalizar e especificamente com relação ao Brasil, onde - sabemos - NÃO temos equipamentos atualizados e nem tampouco bons índices de formação, até que ponto deve-se confiar, ou acreditar piamente, somente numa ÚNICA opinião? É valido acreditar MAIS nessa opinião apenas porque ela é tida como oficial? Em balística de munições, estamos realmente praticando o principio jurídico do "in dúbio pro reo" ?
Atualmente é Diretor técnico da Knife Company, empresa de São Paulo (SP) atuante no segmento de Cutelaria Fina e mantenedora do maior "site" do gênero na América Latina (http://www.knifeco.ppg.br). Jornalista e publicitário. Diretor técnico da Revista Magnum. Especialista em Armas e Munições. Autor de dezenas de artigos especializados em armamento e munições. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAZINHATO, Laércio. Falhas na Balística de Munições Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 mar 2010, 16:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19372/falhas-na-balistica-de-municoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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