SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. NECESSIDADE DA FORÇA POLICIAL (SEGURANÇA PÚBLICA) E SUA PREVISÃO CONSTITUCIONAL; 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
RESUMO: O texto procura demonstrar a fundamentação doutrinária e constitucional acerca da importância e necessidade da força policial (segurança pública) na sociedade, ponderando, introdutoriamente, os fatores que conduzem à monopolização desta força pelo poder estatal. Bem como, a necessidade de existência da instituição policial e sua responsabilidade no papel de provimento da segurança jurídica e social.
PALAVRAS CHAVE: Força Policial; Segurança Pública; Sociedade; Estado.
1. INTRODUÇÃO.
Antes de abordarmos sobre a importância da força policial na preservação da ordem pública, e no conjunto de órgãos necessários à manutenção do Estado Democrático de Direito, vislumbramos que, didaticamente, é interessante uma digressão sobre as relações entre o Direito, Poder (Estado) e Sociedade.
O ser humano como agente social tende a se exteriorizar por meio de relações estabelecidas com os seus pares, necessitando da coexistência social e da vida em sociedade como alimento da sua própria existência. O isolamento não é a regra da vida humana, o comum é se agregar. A solidão, inclusive, pode ser causa de doenças emocionalmente depressivas altamente nocivas ao homem. Por isso, entende-se que o ser humano, em si, é inclinado às relações sociais.
E para garantia da estabilidade social das relações humanas, como um todo, surge a regulamentação dos direitos e deveres, pois, uma sociedade não existe sem direito, assim como este não subsiste sem aquela, necessariamente acabam se pressupondo um ao outro – ubi societas ibi jus1 (RÁO, 1997).
Nas lições de Ráo (1997, p. 49), “o direito equaciona a vida social, atribuindo aos seres humanos, que a constituem, uma reciprocidade de poderes, ou faculdades, e de deveres, ou obrigações”. Deveras, ao lado do direito, imprescindível é a figura do Estado, como mediador das relações sociais.
No controle dessas relações, o Poder Público confere ao direito um caráter de “proteção-coerção”, o que significa que para toda proteção jurídica haverá uma intervenção eventual e de força correspondente, com vistas a manter a ordem social (RÁO, 1997).
Esta “proteção-coerção”, segundo o autor (1997, p. 50), representa “a possibilidade do poder público intervir, com a força, em defesa do direito ameaçado, ou violado, a fim de manter, efetivamente, a vida em comum, na sociedade”. Sem esta garantia a vida do direito e da própria sociedade seriam mitigados pelo desrespeito às normas, como pela vontade dos mais fortes sobre os mais fracos.
Contudo, tal intervenção do poder público não deve ser ilimitada. Nesse diapasão, ressalta-se o modelo de Estado concebido por Kant, em que se enaltece a liberdade individual, e a conveniência de limitar a força coercitiva do Estado através de freios constitucionais (lei maior), com vistas a coibir a ação totalitária duramente sentida em governos do tipo absolutistas.
Para tanto, uma das medidas necessárias à ordem democrática é a tripartição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), constituindo um sistema de freios e contrapesos e conservando a autonomia e harmonia entre os mesmos, conforme idealizado na estrutura montesquiana, o que cria a possibilidade de controle dos excessos por ventura cometidos por um dos poderes.
Mas de onde vem o poder do Estado? E como se dão as relações de poder na sociedade? Para entendimento das relações de poder, é imperioso que se observe a existência, de um lado, de quem exerce o poder, e do outro, aquele sobre o qual o poder é exercido, o que leva a defini-lo como um “conjunto de relações pelas quais indivíduos ou grupos interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 214).
Nesta linha de pensamento, para que alguém exerça o poder, será preciso dispor de força. Embora seja comum interpretar dessa forma, não quer dizer que seja apenas força física, coercitiva, ou o uso de violência – a força em questão tem um significado maior, que transcende o mundo físico. No Estado Democrático de Direito, pode-se considerar como sendo o poder legitimado pela soberania popular, pela vontade do povo, que mune o poder público da força de fazer prevalecer o interesse público sobre o particular (ARANHA; MARTINS, 2003).
Sendo o poder estatal legítimo, apenas este se torna apto à elaboração e aplicação das leis, recolhimento de tributos, e para dispor de uma força armada. Esta, importantíssima, para a garantia da ordem interna e externa (serviços monopolizados pelo Estado).
Nesse sentido, Weber (citado por BOBBIO, 2000, p. 165), afirma “que a força física legítima é o fio condutor de ação do sistema político, aquilo que lhe confere a sua particular qualidade e importância e a sua coerência como sistema”. Dessa argumentação, extrai-se que apenas as autoridades políticas possuem o direito de utilizar a coerção e de exigir obediência com base nela, e que:
não há grupo social organizado que tenha até agora podido consentir na desmonopolização do poder coativo, evento que significaria nada menos que o fim do Estado, e que, enquanto tal, constituiria um verdadeiro salto qualitativo para fora da história, no reino sem tempo de utopia (BOBBIO, 2000, p. 166).
Assim, pode-se afirmar que o poder que o Estado detém para intervenção e controle social, de forma monopolizada, advém da soberania popular. É um poder legitimado pelo povo com fim de sustentar a própria coerência da estrutura estatal. Mas, numa ordem democrática de direito, por meio de qual órgão o Estado exerce a força física necessária à manutenção do poder legitimado pela soberania popular?
Não poderia ser outro, a não ser a polícia, braço armado do Poder Público. Outrora, nos governos absolutistas, caracterizava-se pela natureza perseguidora, com atividades conduzidas à sombra das vontades do soberano, mas, dado a influência das idéias jusnaturalistas e jusracionalistas, o Estado assume a condição de garantidor dos direitos individuais, com economia mais liberal, e, conseqüentemente, as funções da força policial passam a ser tipicamente de “prevenção de perigos e de manutenção da ordem e segurança” (CANOTILHO, 2003, p. 91).
Feita esta introdução, passa-se a tratar da necessidade da força policial para provimento da segurança pública, desejo social que imperiosamente deve ser atendido pelo Estado, com fim de manutenção da ordem e da segurança na sociedade. Nesse sentido, o art. 144, da Constituição Federal, in verbis:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (CF/1988)
2. NECESSIDADE DA FORÇA POLICIAL (SEGURANÇA PÚBLICA) E SUA PREVISÃO JURÍDICA/ CONSTITUCIONAL.
É cediço que a sociedade, desde sua tenra formação, bem como suas instituições, foram estruturadas em torno de princípios e valores que envolvem o desejo de segurança nas relações sociais como um todo, inclusive, com avaliação de riscos, levando à necessidade de uma ordem jurídica que garanta segurança às relações estabelecidas (segurança jurídica).
A segurança é algo tão importante para o desenvolvimento da sociedade que já no início de seu texto, a Constituição Federal de 1988 destaca a relevância no seu trato pelo poder constituinte, indicando-a como valor supremo de uma sociedade, senão vejamos:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, (...).
O trato dispensado ao direito à segurança não ficou restrito apenas ao preâmbulo, é previsto no próprio bojo da Constituição como direito fundamental e social, in verbis:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...) (art. 5º, caput, CF/88).
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (art. 6º, caput, CF/88).
Ademais, a partir de uma leitura ampla do art. 144, pode-se concluir que nossa Constituição não atribuiu apenas ao Estado a responsabilidade pelo provimento da segurança pública, ao contrário, estendeu a todos, de forma solidária, tanto o direito como a responsabilidade desta. Lógico que, como assevera o dispositivo em questão, a prestação da segurança pública é dever do Estado, contudo, “não exclui a responsabilidade de todos os setores da sociedade e dos poderes constituídos” (SOUZA, 2008, p. 27)2.
É por ser próprio da sociedade o receio e a necessidade de proteção, que a segurança pública precisa ser garantida pelo Estado, o que levou à nossa ordem constitucional a tratá-la como direito fundamental e social de elevada importância.
Dentre os diversos órgãos estatais que de uma forma ou de outra se preocupam com a segurança pública, temos as instituições ou corporações policiais discriminadas taxativamente no art. 144, da nossa carta constitucional, como responsáveis pelo exercício estatal da segurança com vistas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Para que o objetivo de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio seja alcançado, a força policial poderá atuar tanto de forma preventiva como de forma repressiva, a depender do caso concreto.
O que não se pode olvidar é da sua existência como mecanismo necessário à manutenção da ordem democrática, pois é difícil vislumbrar uma democracia sem a contenção e controle do crime, garantindo o respeito à ordem jurídica constitucionalmente instalada. Assim, pode-se afirmar que a polícia e a sociedade são interdependentes. Os acontecimentos no campo de uma repercutem forçosamente no da outra.
Uma analogia interessante, lecionada no curso de Direitos Humanos3 promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) para profissionais dessa área, é que: assim como no seio familiar, é imperioso a intervenção do adulto para limitar e nortear moralmente a conduta dos jovens sob sua tutela ou guarda, em nível macro (social), também é necessário a existência de uma instituição com a missão de conter e manter a ordem, de forma a limitar os desvios comportamentais que afrontem o Estado Democrático de Direito.
A polícia é, portanto, “uma espécie de superego social indispensável em culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contendedora do óbvio caos a que estaríamos expostos na absurda hipótese de sua inexistência”4.
Por isso não se conhece sociedade que se mantenha sem a existência do poder de polícia. Cuidar da segurança pública, da liberdade de ir e vir do cidadão, que este não seja molestado ou saqueado, e da garantia de integridade física e moral de todos, é dever do Estado (representado pela força policial) e responsabilidade de todos, um pacto com o rol mais básico dos direitos humanos, os quais devem ser garantidos à sociedade em geral. É com este fim, que a soberania popular confere ao Estado (força policial) a função para o uso da força, quando necessário e no atendimento do interesse público.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grande objetivo desse texto, fora demonstrar a importância que a força policial assume no seio da sociedade. Função de fiscal e de controle dos conflitos sociais, que não poderia deixar de ser desempenhada pelo Estado. Não passa de utopia alguém pensar que pode uma sociedade evoluir ou se manter sem a presença de órgãos policiais, estes imprescindíveis à própria manutenção e preservação do Estado de Direito.
A sociedade em si possui a necessidade de um mínimo de segurança jurídica, e aí se insere a segurança pública, como desdobramento daquele, para perfeita harmonia e paz nas relações sociais que desenvolvem cotidianamente.
A segurança pública é um tipo de atividade, que por sua natureza vem sendo monopolizada pelo Estado desde as antigas concepções de forças policiais, e assim continuará, dado a sua importância e interesse coletivo que assume na sociedade. Ora, constitucionalmente, é o Estado que tem o dever de prestá-la. Mas cumpre aqui a extensão da responsabilidade pela segurança pública a todos órgãos, instituições sociais, e cidadãos, pois assim prevê a Constituição Federal. É o entendimento que compartilhamos.
Por fim, face o imenso leque de discussão que o tema Estado e Força Policial enseja, não pretendeu-se esgotá-lo em momento algum com o presente texto, mas tão somente provocar nos leitores e acadêmicos da área jurídica e de ciências sociais, o aprofundarem dos debates a respeito das funções e necessidade dos órgãos policiais na estrutura do Estado e da própria sociedade, na função de provimento de um mínimo de segurança jurídica, ou sensação de segurança pública, como necessidade para a própria existência do convívio social harmônico.
NOTAS:
1. Expressão que significa: onde há sociedade, há direito.
2. O autor entende que se pode inferir do art. 144, CF/88, “que a enumeração dos órgãos de segurança pública (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiro militares) não é taxativa”, e que “não se deve confundir segurança pública com instituições policiais”. Concorda-se com ele, no sentido de considerar a instituição policial como uma das instituições responsáveis pela segurança pública dentro de um todo.
3. Governo Federal. Ministério da Justiça. Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Ensino a Distância. Curso de Direitos Humanos desenvolvido pela DtCom – Direct Company, 2005. Disponível em:http://senaspead.ip.tv/default.asp. Acesso em: 21out.2008.
4. Conclusão exposta no tópico “Polícia e Superego Social” do módulo I do Curso de Direitos Humanos. Representa analogia da força policial com o termo superego, que faz parte do aparelho psíquico da psicanálise freudiana, juntamente com o ego (eu) e o id, e significa a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id, impedindo-o de satisfazer plenamente os seus instintos e desejos, assim, também funciona a polícia, ao manter e controlar simbolicamente a ordem pública através da sua presença, ou censura.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Fernando Afonso Cardoso. Necessidade da Força Policial (Segurança Pública) para o Estado: Uma Fundamentação Jurídica e Filosófica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2010, 03:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19400/necessidade-da-forca-policial-seguranca-publica-para-o-estado-uma-fundamentacao-juridica-e-filosofica. Acesso em: 04 nov 2024.
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