1 - Objetivo geral:
Discussão da matéria no que diz respeito as posições doutrinária acerca do tema e análise da aplicação, por parte de nossos Julgadores aos casos concretos.
2. Justificativa
Não obstante a expressa previsão Constitucional e legal da responsabilização penal da pessoa jurídica, muito se debate ainda sobre a questão. O presente artigo tem for finalidade, a análise das posições doutrinárias, de caráter subjetivo, e o a analise da aplicação da legislação, pelo entendimento de nossos aplicadores do direito. A partir desta análise poder-se-á verificar a efetividade da aplicação da Lei e posição doutrinária adotada por nossos Julgadores.
3. Metodologia: Análise da legislação, doutrina e jurisprudência pertinente a responsabilização penal da pessoa jurídica. Pesquisa, de forma completa a todos os julgados relacionados a matéria de Nossos Tribunais Superiores (STJ e STF) e de alguns julgados dos Tribunais Estaduais e de Juízes singulares.
4. Resumo: O presente artigo busca demonstrar a relevância e pertinência da responsabilização penal da pessoa jurídica, demonstrando a dificuldade da aplicação da Lei, e da interpretação de Nossos Julgadores a legislação pátria.
5. Sumário: 1- Direito Penal Ambiental; 2. As penas; 3. Da responsabilização penal ambiental; 4. Da responsabilização penal da pessoa jurídica; 4.1 Posições Doutrinárias; 4.2 O entendimento Jurisprudencial acerca da questão; 5. Conclusão
1- Direito Penal Ambiental
O homem, enquanto indivíduo, estava sujeito apenas as limitações que a natureza lhe impunha. A partir do momento em que, atendendo seus anseios de desenvolvimento passa a viver em sociedade inicia-se a problemática das prioridades individuais em conflito.
Todo ser humano guarda consigo valores, necessidades que entende inerentes a sua pessoa: integridade física, liberdade, vida, e outras. A partir do momento em que referidos valores são atingidos por outros homens, também no anseio de satisfazer seus valores, temos o conflito de interesses. Referido conflito de interesses, na vida em sociedade é inevitável.
Desta forma, é necessária a criação de um limite, para o atendimento das necessidades individuais, em razão da convivência social. Este limite é garantido pela criação de regras, de preceitos, sempre no sentido de manter-se a vida em sociedade, de tal maneira que entre as pessoas, impere a sensação de que suas necessidades estão, ou não, sendo atendidas dentro de um critério do senso comum, de benefício social.
Daí a necessidade do Direito, como sendo o conjunto das regras que devem ser seguidas para que se mantenha esta sensação do bom senso, no atendimento ou não, das necessidades do homem.
Estas “necessidades”, valores, podemos considerar como sendo “bens”. O bem pode ser definido como “tudo aquilo” que satisfaz uma necessidade do ser humano, lhe traz algum benefício, ainda que apenas sentido por aquele indivíduo.
Porém, seria impossível garantir o atendimento da necessidade particular de todos os homens, até mesmo porque existira um conflito generalizado.
O homem, na busca de seu melhor bem estar, entendeu por bem, em determinado momento histórico, criar a figura do ESTADO, ente que tem como uma de suas funções, garantir o equilíbrio das relações humanas.
No atendimento desta difícil função, é delegado ao Estado o poder de impor o Direito. Porém, este direito, conjunto de regras, não visa proteger, como também não poderia, atender todas as necessidades das pessoas, mas sim aquelas “eleitas” como expressão do bom senso, do equilíbrio.
Daí decorre o conceito do “bem jurídico”, como sendo aquele bem que o Estado, através da criação do direito, entende ser merecedor de proteção jurídica, das leis.
A lei, segundo DALMO DE ABREU DALARI, “ [1]é o resultado espontâneo e necessário das civilizações”, ou seja, para o desenvolvimento da sociedade é necessária a legalização e legalidade das relações humanas
Uma das classificações do direito baseia-se na forma, no foco de proteção que se pretende oferecer a este bem jurídico, e assim, temos os ramos do direito: civil, penal, administrativo,...
O direito penal é o ramo do direito mais drástico, mais traumático, conhecido como “ultima ratio”, a fim de evitar-se uma conduta potencialmente ou efetivamente danosa a um bem jurídico protegido pelo Estado. No que tange a preservação do equilíbrio ambiental, que a proteção civil e administrativa mostram-se insatisfatórias.
Diante do preocupante quadro de degradação ambiental, o direito penal pode ser uma proteção mais forte, mais “radical” e eficiente, como bem observa Vladimir Passos de Freitas :
Diante deste quadro, o Direito Penal tem sido um instrumento útil e importante na tutela do meio ambiente. Com efeito, recorre-se a ele sempre que a repressão administrativa e civil se mostram insatisfatórias para combater as sucessivas agressões ao meio ambiente.[2]
É o direito das penas, das sanções, previstas a aqueles que praticam condutas lesionadoras de bens tutelados. Estabelece princípios gerais, pressupostos para a aplicação das penas e medidas de segurança. Muitas são as classificações acerca do Direito Penal.
De forma sucinta é o conjunto de regras que tenta mitigar, evitar as infrações penais, através de imposição de uma pena, aquele que as comete.
Ponto importante acerca do Direito Penal são as suas características próprias e identificadoras. Como escreve JULIO FABRINI MIRABETE, “O Direito Penal é valorativo, finalista e sancionador”[3]. Afirma ainda o autor que a lei penal ainda “visa à proteção de bens jurídicos merecedores da tutela mais eficiente que só podem ser eficazmente protegidos pela ameaça legal de aplicações de sanções de poder intimidativo maior, como a pena”. Ou seja, a prevenção é a maior finalidade da lei penal, o que ocorre através da pena.
Daí vem o conceito de crime, como sendo a prática de uma conduta, que gera um resultado, a ele ligado, previsto, tipificado na Lei, como sendo objeto de uma pena.
O direito penal ambiental, de maneira ampla, pode ser entendimento como o conjunto de Leis penais (que cominam penas) no sentido de proteger-se, dentro de uma visão simplista o bem jurídico “meio ambiente”.
O conceito legal de meio ambiente nos é fornecido pela Lei 6938/81 , artigo 3º, inciso I. Porém, na realidade, o que se visa proteger, quando criamos crimes contra o meio ambiente, ou crimes ambientais, não é o meio ambiente em sí, mas sim o “equilíbrio” entre os fatores que o compõem “ as condições, leis influências e interações de ordem física química e bilógica”.[4]
O bem tutelado pelo Direito Ambiental é esse estado de equilíbrio entre os meios físico e biótico, responsável por abrigar e reger todas as formas de vida. O equilíbrio ou o atributo de qualidade do meio ambiente possui um valor- objeto da tutela legal – que se caracteriza pelos resultados que produz : a garantia da saúde, a manutenção dos ecossistemas, o bem estar social, a segurança, a preservação das condições de equilíbrio atuais, a possibilidade de as gerações futuras usufruírem desses elementos[5]
Assim, tal equilíbrio deve ser mantido até mesmo porque, garante a manutenção de muitos outros bens jurídicos tutelados : a vida, a integridade física.
A proteção ao equilíbrio destes fatores, é relizada sob diversos prismas , sendo sem dúvida, o penal, a mais severa. Muito importante esclarecer que talvez, o maior critério diferenciador do direito penal dos demais ramos do direito, seja o caráter, a natureza de suas sanções.
Nossa Constituição Federal menciona, no artigo 225, par 3º, a proteção penal do meio ambiente, estabelecendo que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais. Já a Lei 9.605/98, em vários de seus dispositivos, descreve o elemento normativo do tipo penal.
2. As penas
A sanção penal, tida como última forma de evitar-se uma conduta, tem caráter retributivo, repressivo, reeducativo e preventivo.A privação da liberdade do indivíduo se caracteriza como forma mais expressiva, mais clara e evidente da sanção penal.
Como bem define Soler, “ a pena é uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através de ação penal, ao autor de uma infração(penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos”[6].
Sem dúvida, característica marcante do Direito Penal é a imposição da pena. Entende-se por pena, do ponto vista do direito penal, como a sanção “mais severa”, com característica, com natureza diferente daquelas cíveis ou administrativas.
Com o advento da Lei 9.605/98, foram tipificados os crimes ambientais, trazendo como maior inovação e polêmica a criminalização das pessoas jurídicas, tema até o momento conflituoso em nossa doutrina e jurisprudência.
Referida lei, editada com imprecisão técnica (o que não novidade no ordenamento penal brasileiro), vem suscitando dúvidas em sua aplicação, dificultando por vezes, o complexo trabalho do julgador para aplicar o direito. O grande ponto de discussão, no que diz respeito à aplicação da lei, refere-se a capacidade ou não, da aplicação da pena (de caráter penal), as pessoas jurídicas.
Nossa legislação penal ambiental contudo, não tem se mostrado eficaz a sua razão de existir, sendo que alguns autores chegam ao ponto se sua inclusão no direito simbólico.
A falta de efetividade da tutela penal ambiental possui diversas causas. A insuficiente técnica legislativa, descaso ou falta de compromisso ambiental de alguns aplicadores do direito, pouca clareza e certeza sobre limites de um grande números de conceitos indeterminados são apenas alguns dos pontos que podemos citar inicialmente [7]
3. Da responsabilização penal ambiental
Como é de praxe, ao criar-se uma lei penal especial, o legislador inicia com o que se pode chamar de “remendo”, “anexo” a parte geral do Código Penal e traz as “disposições gerais”. Muitas vezes repetem a parte geral do Código Penal, por vezes complementam, e não raro geram confusão.
Destaque merece a criminalização das pessoas jurídicas, artigo 3º da Lei 9.605/98 :
“ As pessoas jurídicas serão responsabilizadas adminstrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.
Referido dispositivo, na verdade, tem consonância com o parágrafo 3º do artigo 225 de nossa Carta Constitucional :
“ As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados”.
Não obstante a expressa determinação legal, referida criminalização é fruto de acirrada discussão, o que será objeto de análise posterior, neste estudo.
A lei prevê as penas tradicionais do direito penal, a serem aplicadas para as pessoas físicas:
Inova apenas ao elencar as penas restritivas de direito, também chamadas penas alternativas :
Dentro dos preceitos da Lei dos Crimes Ambientais, pode-se considerar uma rara exceção, que alguém venha ser condenado e cumpra pena de prisão.No caso de condenação inferior a quatro anos, admite-se a substituição por penas restritivas de direito, conforme o inciso I, do artigo7º da Lei.
Já para as pessoas jurídicas, expressamente prevê as seguintes modalidades de penas :
È de salientar a imprecisão de nosso Legislador enquanto falta ao rigor, especificando a pena de prestação de serviços à comunidade fora da modalidade de restrição de direito. Em verdade, duas seriam então, as formas de penalização da pessoa jurídica, previstas na Lei.
Referida imprecisão é acentuada, até mesmo porque o próprio Legislador, no artigo 8º da referida lei, classifica a pena de prestação de serviços a comunidade como sendo uma forma de pena restritiva de direitos.
4. Da responsabilização penal da pessoa jurídica
A pessoa jurídica, ente ficto, criado pelo homem natural, como forma de consecução de objetivos, de organização para o progresso, para a civilização, sem qualquer sombra de dúvidas é detentora de deveres e direitos perante a ordem jurídica. Firma contratos, adquire bens, adquire obrigações, postula em Juízo.
Em razão de lhe serem atribuídos direitos e obrigações, por força do conferir-se personalidade jurídica, cumpre buscar esclarecer a seguinte questão: as pessoas jurídicas tem capacidade penal? Seriam capazes de delinqüir ?
A responsabilização coletiva é fato muito antigo em nosso direito. Em muitas situações a pena ultrapassava o individuo e alcançava clans, famílias cidades, famílias. (código de Hamurabi, China, Coréia, Japão). A própria Bíblia nos traz um caso de castigo coletivo : Adão e Eva.
4.1 Posições Doutrinárias
Ainda segundo SHECAIRA “quase todo o direito legislado da antiguidade tem formas de responsabilização coletiva. A pena passava da pessoa do condenado atingindo os vizinhos, a cidade ou toda a comunidade”. [8] A tormentosa discussão sempre vinha a tona, na medida da importância social e econômica da pessoa jurídica. A tese da responsabilização da pessoa jurídica recebeu, históricamente, com o final da primeira guerra, com a expansão dos crimes do Direito Penal Econômico (crimes do colarinho branco).
No cenário mundial, há tempos, muitos países já sedimentaram a responsabilização penal da pessoa jurídica : Inglaterra, França. Estados Unidos, Canadá, Holanda, Portugal, Dinamarca, Alemanha, e outros.
Foi a partir da Carta Constitucional de 1988, que no Brasil a discussão sobre o tema ganhou forma e contorno. Conforme já exposto, a Constituição fez previsão expressa acerca da responsabilização criminal da pessoa jurídica.
Na prática, não trouxe “paz” a discussão, em vista da tendenciosa interpretação de alguns juristas, no que diz respeito ao sentido liguístico/ gramatical do referido artigo.
Alguns doutrinadores, entendem que o referido texto legal, refere-se à sanção penal apenas a pessoa física, entendimento este que do ponto de vista da lógica, torna-se inaceitável.
A doutrina e a jurisprudência, inobstante as previsões legais, são bastante divididas acerca do assunto.
Como forma de tentar solucionar a presente questão, primeiramente se faz necessária a divisão de classificação, de teorias sobre a natureza jurídica das pessoas jurídicas. CAGLIARI [9], divide esta classificação:
Adotando-se a teoria da ficção fica impossível pensar em responsabilização penal da pessoa jurídica. Os argumentos mais largamente utilizados pelos doutrinadores que adotam tal teoria, são em síntese os seguintes:
1. As pessoas jurídicas são incapazes de adotar conduta ilícita do ponto de vista penal, pois lhe falta a voluntariedade da conduta. Que o direito penal pretende regular conduta humana, incapaz de ser praticada pela pessoa jurídica;
2. Falta a pessoa jurídica a capacidade de culpabilidade, de censura de seus atos, visto que não tem liberdade para agir;
3. Falta de capacidade de pena, impossibilidade de sentirem esses entes coletivos os efeitos de retribuição, intimidação e reeducação, inerentes a sanção penal.
4. que a condenação penal de uma pessoa jurídica, estaria ferindo o principio constitucional da individualização da pena, visto que estaria atingindo sócios que não participaram da decisão da adoção da medida ilícita.
Já do ponto de vista diametralmente oposto, temos os seguintes argumentos embasadores da responsabilização criminal da pessoa jurídica:
1) Admite-se a responsabilização penal da PJ em crimes ambientais, desde que haja imputação simultânea da PF que atua em seu nome ou em seu benefício;
2) Que a lei ambiental passou a prever, de forma inequívoca tal responsabilização, a partir da CF;
3) Que a PJ tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social, e assim pode praticar condutas típicas;
4) A PJ tem culpabilidade no conceito moderno, em razão da vontade externada por seus adminstradores, e não haveria ofensa ao principio da individualização da pena, já que existem duas pessoas distintas;
Desta forma, não obstante a especificação expressa e clara da Lei, seja ela a Carta Magna, seja ela a Lei ordinária discorrendo sobre a matéria, tal disposição não foi recepcionada de forma unânime por nossos doutrinadores. Tal discussão não exclusiva de nosso país.
Ya se há visto al reconocer,em la mayoría de lãs legislaciones mundiales y em casi todas lãs de America Latina, la responsabilidad penal de la persona jurídica, pues una de las características de la crisis ambiental es que los grandes danos son causados por las corporaciones [10]
Como veremos, situação idêntica ocorre no caso da interpretação e aplicação da Lei por nossos julgadores.
4.2 O entendimento Jurisprudencial acerca da questão
As decisões de nossos tribunais não são uniformes no que tange a responsabilização penal da pessoa jurídica.. Existia um verdadeiro dogma acerca do assunto, e mesmo com o advento da previsibilidade constitucional e legal, sequer era discutida esta responsabilização. Nos dias de hoje, referido dogma vem sendo “quebrado” de forma paulatina, em especial por nossos Tribunais.
Do ponto de vista histórico, no Brasil e na própria America Latina, nota-se uma grande resistência em condenar-se a pessoa jurídica, pelos motivos já apontados (ausência de culpabilidade, falta de capacidade para a pena,.), de tal forma que, mesmo com a previsão constitucional de 1988, e a Lei ordinária de 1998,a primeira condenação (coisa julgada) no pais, deu-se apenas em 06.08.2003. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi o colegiado que proferiu a primeira sentença condenatória:
CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. EXTRAÇÃO DE PRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO.DEGRADAÇÃO DA FLORA NATIVA. ARTS 48 E 55 DA LEI 9.605/98. CONDUTAS TIPICAS. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. NULIDADES. INOCORRENCIA. PROVA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SENTENÇA MANTIDA. 1 Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a Constituição Federal(art 225, 3º) bem como a Lei 9.605/98 (art 3º) inovaram o ordenamento penal pátrio,tornando possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica. 2 Nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, nenhum ato será declarado nulo, se dele não resultar prejuízo a defesa (pas de nulité sans grief) 3.Na hipótese em tela, restou evidenciada a pratica de extrair minerais sem a autorização do DNPM, nem licença da Fatma, impedindo a regeneração da vegetação nativa do local. 4. Apelo desprovido[11]
Analisando-se diversos julgados de Nossos Tribunais, notamos que os Juizes de primeira instâncias (monocráticos), tendem, de maneira muito uniforme até mesmo a rejeição da denúncia contra a Pessoa Jurídica, quando da ocorrência de sua inclusão no pólo passivo da ação penal.
Tal rejeição, em muitos casos foi confirmada por decisão de Tribunais Estaduais ( chamados de “alçada”, termo este atualmente em desuso), conforme resumo de acórdão, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que decidiu Recurso em Sentido Estrito nº : 403.602.3/7-00, da Comarca de Presidente Prudente-SP, tendo como Recorrente a Justiça Pública e como recorridos Nilson Riga Vitale e Vitapelli Ltda.
O juiz monocrático deixou de receber a denúncia contra os dois recorridos, sendo que o Ministério Público impetrou o referido recurso, sendo que ocorreu o provimento parcial, negando-se a responsabilização da pessoa jurídica, sendo que o Ilustre relator Nuevo Campos, embasou sua linha de julgamento nas seguintes considerações :
Em relação à pessoa jurídica, o pleito ministerial não comporta acolhimento. A despeito da discussão sobre a constitucionalidade da responsabilização da pessoa jurídica, há obstáculo insuperável ao recebimento da denúncia. Pelo que se verifica das regras gerais do Código Penal, ainda que se interprete o art. 225, § 3o, da Constituição Federal, de modo a reconhecer hipótese de responsabilização penal da pessoa jurídica, não se operou, mesmo na legislação especial, a necessária estruturação do sistema penal para permitir a efetiva implementação do mandamento constitucional. Os artigos 14 e 18, ambos do Cód. Penal, sem dúvida, exigem para o reconhecimento de qualquer figura típica penal a prática de uma conduta voluntária informada pelo dolo ou pela culpa. Aliás, a conduta que interessa à esfera penal é aquela que, nos termos do art. 13, do Cód. Penal, produz um resultado jurídico, pressuposto para a existência do crime, dentro dos parâmetros fixados pelos arts. 14 e 18, ambos do Cód. Penal. A pessoa jurídica, como ficção, não é apta a desenvolver uma conduta dolosa ou culposa, ou seja, a estruturação da teoria do crime no estatuto substantivo penal pátrio desenvolveu-se a partir da consideração da pessoa natural. Outrossim, a legislação especial, da esfera ambiental, também não previu a necessária estruturação do crime, estabelecimento de regras gerais, não só quanto à conceituação de crime, mas também relativas à culpabilidade, indispensável à responsabilização da pessoal jurídica na esfera penal, do que decorre que, em conformidade com o disposto no art. 12 do Cód. Penal, esta legislação é regulada pelas regras gerais do estatuto substantivo penal pátrio. [12]
Pela análise destas duas situações concretas verifica-se a enorme diferença de interpretação. É fato que Juizes, na condição de julgadores, podem e devem expor em suas sentenças, sua visão da aplicação da Lei ao caso concreto. Nota-se porém que estamos diante de um caso de “não aceitação” de uma disposição Constitucional e Legal. No entendimento desse Julgado, o Legislador, ao que parece,não sabia o que estava fazendo, quando entendeu, responsabilizar penalmente a pessoa jurídica.
Logo no ano de 2006, outro julgado do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, em sentido totalmente contrário, merece destaque: Recurso em Sentido Estrito nº 410278.3/3-0000-000, da Comarca de Itu, tendo como recorrente JUSTIÇA PUBLICA, sendo Recorrido VAZATEX INDUSTRIA DE CERÂMICA LTDA. Mais uma vez o Juiz de primeira instância deixou de receber a denúncia contra a pessoa jurídica, só que desta vez o Tribunal de Justiça, não obstante ter mantido a decisão da 1º Instância, o fez por motivos técnicos, mas aceitou a tese da responsabilização penal da pessoa jurídica, com o seguinte argumento:
Por este prisma, possível a denúncia, pois o artigo 225, § 3o, da Constituição Federal e o artigo 3o, da referida Lei 9.605/98, dão permissão e legalidade para que a empresa denunciada, como pessoa jurídica, possa corretamente ser processada, podendo ela integrar o pólo passivo da demanda. De fato, diz o artigo 225, § 3o, da Constituição Federal que: "" As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, as sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação e reparar os danos causados. "" Na igual esteira, a Lei n° 9.605/98, ao dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, estabelece em seu artigo 3o que: "" As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade."" Diante desse quadro, percebe-se a possibilidade da empresa em questão, ser responsabilizada penalmente pela prática de crime ambiental, não divergindo disso a jurisprudência dominante: MW A responsabilidade penal de pessoas jurídicas está prevista no artigo 225, 3o, da CF., bem como no artigo 3° da Lei n° 9.605/98. Assim, pode figurar no pólo passivo da ação penal pela prática de crime ambiental, por ação ou omissão decorrente de decisão de seu representante legalw" ( RT 842/676). Desse modo, por esse prisma, não se podia rejeitar a denúncia oferecida contra a empresa recorrida, sendo perfeitamente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que demonstrada a violação cometida por seu representante legal ou contratual, bem como de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio dela. [13]
Com o passar do tempo, pela análise dos julgados, é que o Tribunal Estadual de São Paulo solidificou o posicionamento favorável a responsabilização:
Possível se mostra a responsabilização penal da pessoa jurídica. Em tempos modernos não há como deixar de reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica, que atua com vontade-própria, distinta da de seus representantes, em que pese o respeito às doutas vozes divergentes[14] Admite-se, pois, a possibilidade de cometimento dos delitos previstos na lei ambiental pela pessoa jurídica, por força de previsão constitucional e legal[15]
Quando porém, os Tribunais Estaduais, optam pelo entendimento do não acatamento a tese da responsabilização da pessoa jurídica, o Superior Tribunal de Justiça, tem reformado tais decisões :
Decisáo proferida pelo E Tribunal de Justiça de Sabta Catarina, que veio a dar origem ao REsp 889528 / SC, em que o STJ, reformou o acórdão, proferiu a seguinte decisão:
“irresignada, apelou a defesa. O e. Tribunal a quo deu provimento ao recurso para anular o processo e rejeitar a denúncia, especificamente contra a ora recorrida, nos termos do art. 43, inciso III, primeira parte, do CPP. Diz a ementa do julgado:
"CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – DENÚNCIA OFERTADA CONTRA PESSOA JURÍDICA - ENTE QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA PRÁTICA DE CRIME – AUSÊNCIA E VONTADE PRÓPRIA - RECURSO PROVIDO.“A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal vigente” (RCR n. 03.003801-9, de Curitibanos, rel. Maurílio Moreira Leite, j. 01.04.2003) " (fl. 220)
Recurso especial nº 564960, SC, em que o Ministério Publico de Santa Catarina, inconformado com a decisão do Juiz monocrático de não receber denúncia contra pessoa jurídica, interpôs Recurso em Sentido Estrito para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que também negou-lhe provimento, tendo o Superior Tribunal concedido o provimento, e a possibilidade da responsabilização :
I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e
produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.
III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado." IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
Neste mesmo diapasão, outros julgados acompanham, de forma muito semelhante, até em suas argumentações, assentando jurisprudência sobre o assunto no Superior Tribunal de Justiça. Referidos acórdãos tratam de recursos interpostos contra decisões de Tribunais de Justiça Estaduais, e são unânimes no sentido de acatar-se a responsabilização penal da pessoa jurídica.
HC nº 3751 /ES - Habeas Corpus 2005/00708416-6; Relator Min José Arnaldo da Fonseca, data julgamento 15/09/2005;
Já no que toca à alegação de impossibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, ponderou com absoluta propriedade, que lhe é peculiar, a il. representante do Parquet , Drª Helenita Caiado de Acioli (fls. 113/124): "(...) a responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos crimes contra o meio ambiente, tem sua matriz na Lei Maior, mais precisamente no art. 225, § 3º, que dispõe, in verbis: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (... )§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas , independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (grifei) 16. Como se vê todos têm direito a um meio ambiente saudável, mas todos têm também o dever de zelar por ele, sujeitando-se os iunfratores: pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais, administrativas e cíveis. 17. Embora existam controvérsias a propósito da possibilidade de penalização da pessoa jurídica, não se pode perder de vista a clareza do texto constitucional e o fato de que inexiste antinomia entre o inciso XLV do art. 5º e o art. 225, § 3º, da Constituição Federal.
REsp 610114/RN – Recurso Especial 2003/0210087-0, Rel Min Gilson Dipp, julgamento em 17/11/2005
A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.(...) VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado
RMS 16696/PR – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2003/0113614-4, Rel Min Hamilton Carvalhido, julgado 09/02/2006
1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor
RHC 19119/MG Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2006/0042690-1, Rel Min Felix Fischer, julgado 12/06/2006:
III - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso desprovido.
RMS 20601/SP Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, 2005/014968-7, Rel Min Felix Fischer, julgado 29/06/2006 :
I - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes).
REsp 889528/SC Recurso Especial 2006/0200330-2, Rel Min Felix Fischer, julgamento 17/04/2007 :
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido.
REsp 847476/SC, Recurso Especial 2006/0089145-1, Rel Min Paulo Galotti, julgamento 08/04/2008
. "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio." (REsp nº 889.528/SC, Relator o Ministro Felix Fischer, DJU de 18/6/2007)
Superior Tribunal de Justiça, neste caso, tem sido a última instância na discussão sobre a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, já que, até o momento, não foi julgado pelo STF, recurso sobre o assunto.
Na realidade, dois habeas corpus, relacionados a matéria foram julgados pelo Supremo Tribunal, porém interpostos a favor dos dirigentes das pessoas jurídicas, não pelos entes morais :
1)HABEAS CORPUS 83.554-6 PARANÁ
PACIENTE : Henri Philippe Reichstul (ex presidente da Petrobras S/A)
COATOR : Superior Tribunal de Justiça
STJ negou provimento a recurso ordinário em hábeas corpus, em que se pede o trancamento da ação penal contra ex presidente da Petrobras S/A.
Denúncia apresentada pelo Ministério Público na ação penal : Petrobrás encontra-se em processo acelerado de auto suficiência do Petróleo e tinha provocado outros três acidentes ambientais na época , demonstrando assim relação direta com a política da empresa, que assim assumiu o risco. Tal política teria sido implantada pelo Ex presidente, que teria implantado metas e pressão por produtividade. Posteriormente ao acidente o então presidente teria lançado programa de prevenção, com a implantação de medidas, que deveriam, segundo o MP, terem sido adotadas antes do acidente. Ainda que o ex presidente não adotou medidas para minimizar os riscos e os danos ocasionados pelo acidente.
Voto do Relator : Min. Gilmar Mendes
Síntese do voto : necessidade de realizar-se exame cuidadoso dos elementos do crime (conduta/resultado/nexo/tipicidade).“ o paciente praticou fato que constitui causa para a ocorrência do vazamento?” Não se discute a responsabilização da pessoa jurídica Petrobras.“ O problema aqui refere-se aos limites de responsabilização penal dos dirigentes.....” “... Nessa linha, indago : podemos equiparar, sem qualquer restrição, no âmbito penal, a conduta de pessoa jurídica com a conduta de seu dirigente? ...” “ ... entre a presidência da Petrobrás, obviamente um órgão de gestão, e um tubo de óleo, há inúmeras instancias gerenciais e de operação em campo....” Voto : pelo trancamento da ação penal em razão de que o paciente não deu causa, com sua conduta, ao resultado, ou seja, não praticou crime algum.. Acompanharam no voto os Ministros Carlos Velloso , Ellen Gracie e Joaquim Barbosa.
2)HABEAS CORPUS 85.190-8 SANTA CATARINA
PACIENTES : Péricles de Freitas Druck (administrador da empresa Celulose Irani S/A) e outros
COATOR : Superior Tribunal de Justiça
STJ negou provimento a recurso ordinário em hábeas corpus, em que se pede o trancamento da ação penal por falta de justa causa, em vista da inépcia da inicial (denúncia, por falta de explicitação, descrição minuciosa da conduta específica de cada dirigente da pessoa jurídica).O STJ concluiu que as condutas imputadas aos dirigentes não são passíveis de descrição pormenorizada.
Voto do Relator : Min. Joaquim Barbosa
Síntese do voto: argumenta que a Lei 9.605/98 expressamente prevê a responsabilização dos administradores das empresas, que tenham sido associadas a crime ambiental e que a denúncia explicita que estes teriam ordenado a derrubada das arvores. Vota pelo indeferimento do Habeas Corpus.
Voto do Presidente: Celso de Mello
Síntese do voto: pelo deferimento do Habeas Corpus, apoiando-se em jurisprudência do próprio STF que acolhe a tese que :
Em crime societário, a denúncia não pode ser genérica, devendo estabelecer o vínculo do administrador ao ilícito, que nestes delitos, o fato de ser sócio ou administrador, por si só, não basta para a alicerçar ação penal em seu desfavor. A responsabilidade penal é pessoal, e dentro de uma empresa, sócios podem cometer ilícitos que não alcançam todos.
Hábeas corpus é indeferido por maioria de votos, participando do julgamento os Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa.
Pela analise dos julgados podemos concluir que :
1. Para que ocorra a responsabilização penal da pessoa jurídica, necessariamente deverá ocorrer a responsabilização da pessoa física, ou do colegiado de pessoas, com poderes para representar o ente moral;
2. Deve a pessoa física, quando pratica a conduta do crime, agir em benefício da pessoa jurídica, seja o benefício direito ou indireto.
Assim, se não houver a imputação de conduta a uma pessoa física, não poderá, no entendimento jurisprudencial, ser a pessoa jurídica responsabilizada. Observa-se que os Tribunais tem admitido a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, porém impõem como condição “sine qua non” a responsabilização conjunta da pessoa física, responsável pela conduta.
5. Conclusão
A medida trazida pela Constituição e pela Lei 9.605/98 é fruto de um ato de política criminal, que depende de mudanças na dogmática penal tradicional, em razão das barreiras que vem encontrando para sua total e efetiva aplicação. Há que se salientar que, em matéria ambiental, os maiores agressores são as pessoas jurídicas, as empresas, tudo no intuito do crescimento econômico e de seu lucro.
As sanções civis e administrativas tem se demonstrado ineficazes a mitigação de tais delitos, o que torna necessária medida mais dura, no caso o Direito Penal, como já exposto a “ultima ratio”.
O legislador, na criação de uma conduta criminosa e na imposição de sua pena, deve levar em consideração o princípio da proporcionalidade. O meio ambiente, se considerado como vital a vida humana, bem “super valorizado” nesta escala, merece preocupação especial. Ainda mais se considerarmos o meio ambiente como essencial às gerações futuras, talvez nossos filhos, netos, e descendentes que guardam vinculo emocional com nossa pessoa atual.
Inegável que a pessoa jurídica é capaz de recepcionar e sentir os efeitos da pena, bem como sua aplicação atinge a pessoa jurídica, hábil a reprimir e prevenir condutas lesivas.
É necessária a criação de um novo sistema preventivo, repressivo, reeducativo, que seja eficaz no combate a ausência de temor das grandes organizações empresariais, em suas condutas especulatórias e lesivas ao meio ambiente, com o fim de aumentarem-se os lucros. Nossa legislação pátria bem recepcionou a aplicação de sanção penal a pessoa jurídica, não obstante as tendenciosas interpretações daqueles contrários a ela. Inegável a existência de crimes empresárias e a necessidade imediata da adaptação e aplicação de legislação especial, em cumprimento a finalidade do direito penal : prevenção e proteção dos bens jurídicos .
A distinção clara e consagrada do ente natural e da pessoa ficta, para os atos da vida civil, não pode ser desconsiderada do ponto de vista criminal. Não obstante a exigência do concurso de “pessoas” necessário, para a responsabilização penal da pessoa jurídica, entendimento este de nossos Tribunais, do ponto de vista de política criminal, a penalização da pessoa jurídica merece louvor. As supostas barreiras técnicas, não são suficientes para enfrentar o mandamento consitucional.
Até mesmo porque, enquanto o mandamento impera em nossa Carta Magna, deve o mesmo ser respeitado. Não foi “por acaso” que o Constituinte e Legislador realizaram a opção da previsão legal de tal responsabilização, e segundo os princípios da Supremacia e da Unidade da Constuição (exigindo a interpretação sistêmica do texto, sem considerações parciais ,levando a uma busca incessante da conciliação de supostos conflitos), não se pode reputar a regra do parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição.
Busca-se a responsabilização da pessoa física e/ou jurídica, por ter infringido uma norma penal. É a denominada responsabilidade social e coletiva.
Suplementar a norma Constitucional, a Lei nº 9.605/98, nos arts. 21, 22 e 23, demonstra sistema adequado de penas aplicáveis isolada, cumulativa e alternativamente às pessoas jurídicas, estabeleceu as sanções – de acordo com limites– adequados às pessoas jurídicas, não sendo empecilho ao julgador a escolha da pena. Evidentemente não será possível a aplicação da pena privativa de liberdade. Seria este o grande diferenciador do Direito Penal?
Assim, a Lei dos Crimes Ambientais contém preceitos que se sintonizam amoldam, verticalmente , às regras inscritas na Constituição Federal, cumpre acatá-las, em nome mesmo dos princípios da supremacia e da máxima efetividade da norma constitucional.
Dentro de uma política criminal que visa aumentar sua eficácia, não se pode aceitar dogmaticamente a idéia “societas deliquere non potest”, sob o risco de deixar-se sem punição os maiores degradadores do meio ambiente.
Na realidade a responsabilidade penal da pessoa jurídica por condutas danosas ao meio ambiente, pode ser considerada grande avanço da legislação pátria ambiental, também adotada por muitos outros países (França, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália), e não pode deixar de prosperar, como fruto de interpretação equivocadas.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, TJSP, HC nº : 990.08.040398-2, Rel Des Claudio Caldeira, j. 04/12/2008 disponível em www.tj.sp.gov.br
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SHECAIRA, Sérgio Salomão.Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. São Paulo:Ed.RT, 1999, p.25, apud Cagliari, José Francisco, Revista jurídica da Faculdade de Direito de Sorocaba, ano II, 2007, p.160.
Site do Superior Tribunal de Justiça : www.stj.gov.br
Site do Supremo Tribunal Federal : www.stf.gov.br
[1] DALARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. São Paulo: Ed Saraiva, 2ª Edição, 1984.
[2] FREITAS, Vladimir Passos de , A Contribuição da Lei dos crimes ambientais na defesa do meio ambiente.Revista CEJ. Brasília, v.10.n.33. 2006
[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, I, Parte geral, São Paulo: Ed Atlas, 21ª Edição, 2004, 1º Vol, p.24
[4] BRASIL, Lei 6.938/81
[5] GRANZIERA, Maria Luisa Macahdo, Direito Ambiental, 1.Ed. São Paulo : Atlas, 2009, p.7
[6] SOLER, Sebastian.Derecho penal argentino, apud Mirabete, Julio Fabbrini, obra citada p.246
[7] CALHAU, Lélio Braga, Fórum de Direito Urbano e Ambiental. Ed Fórum, Belo Horizonte, ano 3, p.1990, 2004.
[8] SHECAIRA, Sérgio Salomão.Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. São Paulo:Ed.RT, 1999, p.25, apud Cagliari, José Francisco, Revista jurídica da Faculdade de Direito de Sorocaba, ano II, 2007, p.160.
[9] CAGLIARI, José Francisco. Ob.cit., p. 164-166.
[10] DE LOS RIOS, Maria Isabel. La importância de la protección penal del médio ambiente. Revista CEJ. Brasília. V.9, p 5-13,jun 2005.
[11] APUD, obra citada BRASIL, TRF 4º Região, 8ª T.,ACR nº 2001.72.04.002225-0/SC rel. Dês. Federal Pinheiro de Castro, j. 06/08/2003, Revista de Direito Ambiental, n.32,p 305
[12] BRASIL, TJSP, RESE nº 4036023700, rel. Des. Nuevo Campos, j. 14/05/2004.
[13] BRASIL, TJSP, RESE nº 410278.3/3-0000-000, Rel Des Pedro Menin, j. 19/04/2006.
[14] BRASIL, TJSP, MS n° 990.08.077632-0, Rel Des Péricles Piza, j. 11/11/2008.
[15] BRASIL, TJSP, HC nº : 990.08.040398-2, Rel Des Claudio Caldeira, j. 04/12/2008
Advogado, professor, mestrando pela UNISANTOS, Universidade<br>Católica de Santos(SP), em direito ambiental. Sorocaba(SP)<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Marcelo Parducci. A responsabilização penal da pessoa jurídica - questões doutrinárias e análise da jurisprudência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2010, 10:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19424/a-responsabilizacao-penal-da-pessoa-juridica-questoes-doutrinarias-e-analise-da-jurisprudencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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