A origem da Lei nº 11.804 está no projeto de Lei do Senado nº 62, apresentado em 24 de março de 2004 por Rodolpho Tourinho Neto, do PFL da Bahia, que se tornou no projeto de Lei nº 7.376 de 2006 e após a Lei nº 11.804 que está em vigor desde 6 de novembro de 2008, veio para disciplinar o direito de alimentos da mulher gestante. Tais alimentos compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que dela sejam decorrentes da “concepção ao parto”. Estão incluídos gastos com a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a “juízo do médico”, além de outras despesas que o juiz considere pertinente.[1] Esses alimentos referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo “futuro pai”, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.[2]
Passa a existir uma “nova” legitimada ativa para propor ação de alimentos: a “mulher grávida” – que não seja casada, que não vivia em união estável, em fim a autora pode ser a namorada, ou a “ficante”, com todas as possíveis variantes, porque a Lei visa fazer o “suposto pai” biológico pagar alimentos.[3]
A Lei não exige prova de paternidade, através de laudos médicos ou periciais de DNA, para que sejam impostos alimentos provisórios. Convencido da existência de “indícios da paternidade”, o juiz fixará “alimentos gravídicos” que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré[4] que ficarão convertidos em “pensão alimentícia em favor do menor” até que um a das partes solicite a sua revisão.[5] Esta Lei protege o nascituro[6] ao propiciar à gestante boas condições de gestação. Nesta hipótese marcada pela boa-fé da mesma, afirmam-se o princípio constitucional da dignidade humana e os direitos à vida e a saúde; talvez até contribua para a paternidade responsável.[7]
A proposição prevê expressamente algo que já vem sendo adotado no Brasil por construção doutrinária e jurisprudencial: a possibilidade de se conceder alimentos com vistas a assegurar o “mínimo necessário”[8] durante o período de gestação, que é, por natureza, um período conturbado, durante o qual a mulher possui necessidades especiais.
Este dispositivo fundamenta o entendimento que a partir da Lei nº 11804 o nascituro tem direito a alimentos gravídicos, no período que vai da concepção ao parto. Isto faz parte de uma polêmica sobre a questão: o nascituro tem expectativa de direitos ou alguns direitos, o que nos vale apresentar as teorias da concepção da personalidade civil, ao que perante nossa Constituição Federal e Código Civil Brasileiro seguem a Teoria Natalista, tendo exposto na norma do artigo 2º do Código Civil de 2002 que dita: “a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.
Contudo, na doutrina brasileira há três correntes fundamentais identificadas: a natalista, ao qual é considerado que “o nascituro só adquire personalidade após o nascimento com vida”[9], a da personalidade condicional, nesta teoria como o próprio nome diz, subordinam os direitos do nascituro a uma condição suspensiva que consiste no nascimento com vida. Desse modo, havendo nascimento com vida, aí sim o nascituro passa a ser reconhecido como pessoa[10] e a concepcionista que dispõe do entendimento que o nascituro tem personalidade desde a concepção[11].
As inovações trazidas pela Lei nº 11.804/2008 contemplam orientações doutrinárias e alguns julgados[12] que reconheciam, em circunstâncias especiais, o direito do nascituro a alimentos.
A história legislativa dos alimentos gravídicos no Congresso Nacional provocou manifestações de veto a artigos ao que se a de saber no que segue abaixo comentários de Clóvis Brasil Pereira:[13]
O Artigo 3º que previa a aplicação, para a fixação do foro competente para a ação respectiva, do art. 94 do CPC (Código de Processo Civil). De acordo com a mensagem de veto apresentada, o dispositivo, ao prever a competência do domicílio do réu, mostrava-se em desacordo com a sistemática adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, que prevê como foro competente para processar e julgar ações de alimentos, o do domicílio do autor, o alimentado.
O Artigo 4º segundo o qual a petição inicial deveria ser instruída com laudo médico que atestasse a gravidez e a sua viabilidade. O fundamento apresentado ao veto foi o fato de que, mesmo que inviável, enquanto durar a gravidez, a gestante necessita de cuidados, o que enseja dispêndio financeiro.
O Artigo 5º prescrevia que recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento da parte ré e de testemunhas, e requisitar documentos. O Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União se manifestaram pelo veto do dispositivo, com base no fato de que na legislação brasileira, a designação de audiência de justificação não é obrigatória em nenhum procedimento. Assim, de acordo com o entendimento firmado, ao impô-la como fase necessária à concessão dos alimentos gravídicos, a nova Lei causaria um retardamento desnecessário ao processo.
O Artigo 8º que previa, na hipótese de oposição à paternidade, o condicionamento da procedência do pedido de alimentos à realização de exame pericial. Segundo a mensagem de veto, a realização de exame pericial não pode ser imposta como condição para a procedência da demanda, mas, apenas, como elemento de prova.
O Artigo 9º, que determinava a incidência dos alimentos desde a citação. A crítica que se apresentava na doutrina, e que foi ratificada pelo veto relacionava-se com o fato de que, ao determinar que os alimentos gravídicos seriam devidos somente após a citação do réu, poderia ensejar manobras no sentido de evitar a concretização do ato. Optou-se pela posição pacificada pela jurisprudência e, disciplinada expressamente na Lei de Alimentos, em que o juiz deve fixar os alimentos na data em que despachar a petição inicial.
O Artigo 10º, que previa a responsabilização da autora (gestante), por danos morais, quando do resultado negativo da paternidade. Pelas razões do veto presidencial, tal dispositivo trata de norma intimidadora, pelo fato de criar hipótese de responsabilidade objetiva em detrimento ao exercício regular de um direito.
Por conseguinte se deve dar maior atenção e estudo no que tange a responsabilidade civil, devido a importância nos efeitos jurídicos, patrimoniais e pessoais que podem surgir quando utilizado como instrumento de abuso de direito. Verifica-se que existem duas modalidades deste instituto a responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade objetiva. A primeira decorre de dano causado em razão de ato doloso ou culposo, caracterizando-se, portanto, a culpa, em face de sua natureza civil, quando o agente causador do dano agir com negligência ou imprudência, gerando a obrigação de indenizar, ou seja, reparar o dano, conseqüência jurídica do ato ilícito.[14]
Assim, conforme sustenta Pablo Stolze Gagliano, a noção básica da responsabilidade civil, nessa espécie, é o princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa. Ademais, haja vista tratar-se de fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus de provar a culpa do ofensor.
Há situações, entretanto, em que o ordenamento jurídico atribui a terceiro a responsabilidade civil pelo dano causado por outrem, desde que ligados por uma relação jurídica. Trata-se, da responsabilidade civil indireta, hipótese em que, embora não se despreze o elemento culpa, presume-o em função do dever geral de vigilância a que se obriga o terceiro.[15] A segunda sendo a responsabilidade civil objetiva não é necessário caracterizar-se a culpa, pois o dolo ou a culpa na conduta do agente causador do dano tornam-se irrelevantes juridicamente, uma vez que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar. Isto porque, conforme assevera Gagliano, as teorias objetivistas da responsabilidade civil procuram encará-la como mera questão de reparação de danos, fundada diretamente no risco da atividade exercida pelo agente.[16]
Ademais, embora não tenha sido abandonada a regra geral fundada na culpa, o código civil de 2002 inovou em seu parágrafo único do artigo 927 ao dispor que: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Assim, segundo Pablo Stolze Gagliano, a nova concepção que passou a reger a matéria no ordenamento jurídico pátrio é de que vige uma regra geral dual de responsabilidade civil, em que temos a responsabilidade subjetiva, como regra geral inquestionável oriunda do código civil de 1916, coexistindo com a responsabilidade objetiva, especialmente em função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano, conceito este que, por ser indeterminado, deverá ser verificado no caso concreto, pela atuação judicial.
Alerta Gagliano, contudo, que esta situação se torna ainda mais grave quando a lesão decorrer do descumprimento de uma obrigação espontaneamente assumida pelo infrator, em função da celebração de um negócio jurídico[17]. Nessa esteira de raciocínio, Eugênio Facchini Neto[18] sustenta que, no que tange à teoria do risco, a novidade se encontra na segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do código civil, onde se consagra uma segunda cláusula geral em tema de responsabilidade civil, reconhecendo-se a obrigação de reparar os danos independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos[19] para os direitos de outrem.
No instituto de reparação civil se visualiza três funções a serem observadas: compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social da conduta lesiva.
Na primeira função, encontra-se o objetivo precípuo da reparação, qual seja, retornar as coisas ao status quo ante, repondo o bem perdido diretamente ou, não sendo possível tal circunstância, impõe-se o pagamento de um quantum indenizatório, em valor equivalente ao do bem material ou compensatório do direito não redutível pecuniariamente.
No que tange à função secundária, isto é, a prestação imposta ao ofensor, embora não seja a finalidade básica, também gera um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos e/ou de seus prepostos, persuadindo-os a não mais lesionar outrem.
Ademais, a condenação não se limita à figura do ofensor, incidindo numa terceira função, de cunho sócioeducativo, tornando público que condutas semelhantes não serão toleradas, restabelecendo, assim, o equilíbrio e a segurança desejados pelo Direito.[20]
Podemos visualizar que a matéria do veto presidencial ao artigo 10º merece interpretação sistemática, usando subsidiariamente o Código Civil para busca de reparação de dano causado ao suposto pai, caso seja comprovado após o nascimento do impúbere que este não é o devedor.
Desta forma chegou-se a homologação da lei que apesar de contar com reduzido número de artigos, não teve a mesma sorte de diminuição a polêmica envolta no assunto, principalmente quanto sua natureza, reflexos materiais e processuais dos alimentos destinados à gestante e sua posterior conversão em pensão de alimentos ao menor quando nascido, e demais que serão elucidados trazendo reflexão fático-jurídicas sobre o assunto.[21]
[1] Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008. Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
[2] Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008. Art. 2o Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.
[3] CALDEIRA, César. Revista Insight. São Paulo. 2009 – trimestral. Disponível em: <http://www.insightnet.com.br/inteligencia/44/PDFs/01.pdf > Acessado em: 29/nov/2009.
[4] Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008. Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
[5] Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008. Art. 6o, Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.
[6] WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/nascituro> acesso em: 27/nov/2009. Um nascituro é um ser humano já concebido, em estado de feto, que ainda não veio à luz. Aquele que está concebido e cujo nascimento se espera como fato futuro.
[7] DINIZ, Maria Helena. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9093> Acessado em:27/nov/2009. O artigo 226, § 7º, da Constituição Federal dispõe que o planejamento familiar é livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.
[9] FIÚZA, César. Direito Civil: curso complemento. 8. ed.-ver.,atual., ampl.Belo Horizonte:Del Rey, 2004.p.116.
[10] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V.1.Parte geral.São Paulo: Saraiva, 1999. p.58
[11] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, 4ª edição: RT, 2002, p.535. e VIEIRA DE CARVALHO, Luiz Paulo, Direito Civil: Questões Fundamentais e Controvérsias na Parte Geral, no Direito de Família e no Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 128.
[12] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS. Agravo de Instrumento nº 70021002514, Oitava Câmara Cível, Rel. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 15/10/2007 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NASCITURO. CABIMENTO. PRELIMINAR. A decisão que fixa os alimentos provisórios em prol do nascituro, sem por fim a demanda, desafia agravo de instrumento e não apelação. O agravante não nega o relacionamento amoroso mantido com a representante do nascituro, tampouco que tenha mantido relação sexual com ela à época da concepção. Alegação de dúvida sobre a paternidade não infirma o disposto no art. 2º do CC quanto à proteção aos direitos do nascituro. Precedentes. Preliminar rejeitada. Recurso desprovido.
[13]PEREIRA, Clovis Brasil. Os alimentos gravídicos: um importante passo na plena proteção da infância. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/37077> Acessado em:29/nov/2009.
[14] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 13.
[15] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14.
[16] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14-15.
[17] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 15-16.
[18] NETO, Eugênio Facchini. O novo Código Civil e a Constituição.Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 166.
[19] Nesse sentido, sustenta Pablo Stolze Gagliano que na responsabilidade civil originada de imposição legal, as indenizações devidas não deixam de ser sanções, que decorrem não por força de algum ato ilícito praticado pelo responsabilizado civilmente, mas sim por um reconhecimento do direito positivo (previsão legal expressa) de que os danos causados já eram potencialmente previsíveis, em função dos riscos profissionais da atividade exercida, por envolverem interesse de terceiro. (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 19)
[20] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume III: responsabilidade civil. 4. ed. revista, atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21.
[21] FREITAS, Douglas Phillips Freitas. Alimentos Gravídicos. Florianópolis: Voxlegem, 2009.
Acadêmica de Direito - Ipa Metodista do Sul - FADIPA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Rita de Cássia Peres da. Alimentos gravídicos, análise constitucional, obrigacional e processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar 2010, 07:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19430/alimentos-gravidicos-analise-constitucional-obrigacional-e-processual. Acesso em: 04 nov 2024.
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