A sociedade brasileira está vivenciando mudanças profundas no comportamento social, provocadas, sobretudo, pelo dinamismo da sociedade, resultado da globalização, das bases legais de novas Constituições e de novos acordos sobre os Direitos Humanos. Há um custo para esse processo de mudança global, uma margem de riscos como, por exemplo, o quadro de violência que pode gerar novos padrões de respostas, negativas ou positivas, na sociedade moderna.
Entretanto, essa configuração social tem aspectos positivos, como por exemplo, fez surgir um processo de interação entre a polícia e a comunidade, com foco na contenção e na prevenção da violência, nas grandes, médias e pequenas cidades brasileiras.
A palavra violência passou a fazer parte do vocabulário comum do homem moderno, e com uma freqüência que preocupa governos, autoridades e cidadãos. Ela é empregada para denominar uma série de atos intencionais que se caracterizam pelo uso da força, em situações de conflito, transgressão às leis que visam o bem comum e predomínio da crueldade sobre a solidariedade no convívio humano. O indivíduo na sociedade moderna criou o hábito de falar da violência com tamanha importância, que se tornou uma forma de defesa contra o medo que dela tem origem.
É nesse contexto que se tem a importância da policia comunitária, como uma nova filosofia de policiamento que vem conquistando seu espaço há duas décadas, tanto no Brasil quanto em inúmeros países da América do Norte e da Europa, apresentando como resultado, inovações na estrutura e no funcionamento do corpo policial e sua forma de enfrentar o desafio da violência e da criminalidade na sociedade moderna.
O principal conceito que se tem da polícia comunitária é a sua possibilidade de fazer uma aproximação entre os profissionais que trabalham na segurança pública e os moradores da comunidade onde eles atuam. Um dos eixos centrais da proposta filosófica da polícia comunitária é justamente humanizar sempre que possível o trabalho dos seus profissionais, que no passado, para a comunidade, esse profissional ficava restrito apenas a um número de telefone ou uma instalação física como referencial.
São dez os principais princípios necessários para a intervenção policial, os quais devem nortear as políticas, procedimentos e práticas associadas ao policiamento comunitário. Hodiernamente, de forma bastante acanhada, já existem grupos de policiais comunitários que adotam tais princípios como um fio condutor quando eles traçam planos, se reportando a estes princípios específicos como uma justificativa ou explicação para certas decisões ou ações, quais sejam:
1 - Filosofia e estratégia organizacional - O modelo de atuação do policiamento comunitário é uma filosofia porque se trata de uma maneira de pensar e, concomitantemente, é também uma estratégia organizacional por que serve para desenvolver a filosofia que estabelece um vínculo entre policia e pessoas para juntos buscarem novas formas de combater a criminalidade. A visão filosófica acredita que os cidadãos podem e devem interferir no processo policial e com isso ter o seu apoio. Também se acredita que possíveis soluções para os problemas que atingem a comunidade exigem que seja analisado pela comunidade e pela polícia, parceria que pode proporcionar uma visão ampliada da questão evitando com isso que os incidentes criminais sejam contemplados apenas por um lado individual (MENDONÇA, 2009);
2 - Comprometimento com a concessão de Poder à comunidade - em se tratando da estratégia organizacional do policiamento comunitário requer uma posição do departamento policial, incluindo tanto o pessoal civil quanto o fardado, no sentido de pode aproximar da prática as propostas da filosofia da participação do poder. Ou seja, é uma mudança acentuada na visão e no modo de agir de todos no setor policial, com a finalidade de fazer notar a importância que tem para a resolução de problemas da comunidade, que o pessoal envolvido no processo de policiamento esteja consciente dessa filosofia. Portanto, o policiamento comunitário requer mudança dentro do próprio ambiente profissional visando promover mais autonomia na tomada de decisões para os Policiais que estão atuando, o que também supõe a maior contemplação de suas visões e idéias como profissionais do setor. A partir desse ponto, é possível que na comunidade, os cidadãos sejam capazes de participar, como plenos parceiros da Polícia, dos direitos e das responsabilidades envolvidas na identificação, priorização e solução dos problemas (MENDONÇA, 2009);
3 - Policiamento descentralizado e personalizado - ou seja, na implantação de um policiamento comunitário, é fator imprescindível que os departamentos policiais tenham condições de criar e desenvolver um novo tipo de policial operacional, cujo trabalho seja realizado visando servir como uma ligação direta entre a polícia e as pessoas da comunidade. Havendo especialistas na própria comunidade, os policiais comunitários podem ir sendo liberados do trabalho realizado sob a forma de patrulhamento e atendimentos via rádio, passando a conviver em contatos diários com a população para a qual direciona o seu trabalho além de ficar estabelecida uma área bem definida de patrulhamento (MENDONÇA, 2009);
4 - Resolução preventiva de problemas, a curto e longo prazo - previstos pelo papel do policial comunitário que é abrangente e que requer um contato permanente com membros da comunidade que são considerados como indivíduos que obedecem as leis, sendo possível, assim, em parceria buscar alternativas criativas para as necessidades locais, assumindo uma postura profissional de auxiliares e voluntários. Mesmo que as atribuições da profissão de Policiais comunitários exijam que eles atendam aos chamados e efetuem prisões, seu trabalho não fica restrito a essa visão simplista, sendo que eles devem desenvolver e monitorar iniciativas mais abrangentes em longo prazo, que podem envolver todos os elementos da comunidade nos esforços para melhorar a qualidade geral de vida. Este modelo de policial funcionaria então, como algo parecido com uma ouvidoria da comunidade, podendo ainda funcionar também como um elo em relação a outras instituições públicas e privadas que possam ser úteis uma dada situação (MENDONÇA, 2009);
5 - Ética, legalidade, responsabilidade e confiança - ser um policial comunitário pressupõe uma nova relação entre a polícia e os cidadãos, no entanto, não pode assumir contornos de vigilância exacerbada. Ao contrário, como um novo tipo de relação que é firmado na confiança e no respeito mútuos, sugere também que a polícia pode servir como um catalisador, desafiando as pessoas a aceitarem sua participação na responsabilidade pela qualidade geral de vida da comunidade. Dentro da realidade de um trabalho policial realizado nos moldes de comunitário está implícito que os cidadãos serão estimulados a cuidar mais por si mesmos de suas preocupações menores; em troca, porém, isto liberará a polícia para trabalhar com as pessoas no desenvolvimento imediato ou a longo prazo de soluções para os problemas da comunidade, através de métodos que incentivam a responsabilidade e o respeito mútuos (MENDONÇA, 2009);
6 - Extensão do Mandato Policial - O policiamento comunitário tem condições de modificar através de um trabalho preventivo o papel que é atribuído ao modelo repressivo tradicional da Polícia, resultando em um serviço policial de pleno espectro. Como a única instituição de controle social aberta em tempo integral, a polícia precisa manter a capacidade de responder imediatamente às crises e aos incidentes criminais. No entanto, trabalhar no modelo de policiamento comunitário faz com que o papel da polícia seja ampliado, e com isso se torna capaz de provocar maior impacto na realização de transformações que buscam tornar efetivas as promessas de tornar as comunidades mais seguras e mais atraentes como lugares para se viver o futuro (MENDONÇA, 2009);
7 - Ajuda para as pessoas com necessidades específicas - o que requer que este tipo de policiamento contemple a exploração de novos caminhos para proteger e valorizar as vidas das pessoas mais vulneráveis – jovens, velhos, minorias, pobres, deficientes, sem teto. Ele assimila e amplia o alcance dos esforços prévios, tais como a prevenção do crime e as relações polícia-comunidade. Ou seja, aqui há uma aproximação maior com a presença da ação da polícia comunitária para os grupos vulneráveis (MENDONÇA, 2009);
8 - Criatividade e apoio básicos - contando para tanto, com o uso judicioso da tecnologia pelos policiais comunitários, embora deva prevalecer a crença de que nada supera o que pode ser alcançado por seres humanos dedicados, conversando e trabalhando juntos. O policiamento comunitário ganha confiança das pessoas que passam a confiar em seu discernimento, conhecimentos e experiências, para buscar soluções criativas para as preocupações atuais de determinada comunidade (MENDONÇA, 2009);
9 - Mudança Interna - o policiamento comunitário deve se concretizar sob um aspecto de integração que une todo o departamento, os Policiais e a população atendida. É nesse contexto que aparece uma via dupla para a abordagem do policiamento comunitário, pois, além de fornecer informações e esclarecimentos sobre os problemas da comunidade, também pode buscar o apoio da comunidade para os objetivos gerais do departamento (MENDONÇA, 2009);
10 - Construção do futuro - Dentre os princípios que norteiam a polícia comunitária, eis o principal, no qual o policiamento comunitário proporciona à comunidade um serviço policial descentralizado e personalizado. Mesmo porque, o próprio policiamento comunitário é consciente de que a polícia não pode impor ordem na comunidade de fora para dentro, mas que as pessoas devem ser encorajadas a pensar na polícia como um recurso a ser utilizado para ajudá-las a resolver os seus conflitos na convivência dentro comunidade.
O policiamento comunitário não pode e nem deve ser concebido como apenas uma tática a ser aplicada e que depois pode ser substituído simplesmente por um novo modelo. O policiamento comunitário deve ser apreendido como uma nova filosofia e uma estratégia organizacional que fornece a flexibilidade capaz de atender as necessidades e prioridades locais, à medida que elas mudam através do tempo (MENDONÇA, 2009).
Bibliografia
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CARVALHO, Glauber da Silva. Policiamento Comunitário: Origens. São Paulo: PMESP, Apostila, 1998.
FERNANDES, Rubem César. In: Policiamento comunitário: Como começar. Rio de Janeiro: PMERJ, 1994.
LEMLE, Marina. Policiamento comunitário: Evolução, não revolução. Disponível em:
MARINHO, Karina R. Leite. (2002) Mudanças organizacionais na implantação do policiamento comunitário. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.
MENDONÇA, Moisés de. Segurança comunitária. Disponível em:
MESQUITA NETO, Paulo de. Policiamento comunitário e prevenção do crime: a visão dos coronéis da polícia militar. Disponível em:
SILVA, Jorge da. Controle da criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Forense,1990.
UNISUL. Teoria de polícia comunitária: Modalidade a distância. Palhoça: Unisul Virtual, 2009.
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino; Especialista em Ciências Criminais e Especialista em Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz; Criminalista; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Processual Penal e de Direito Penal da Faculdade Unime/Iuni e da Faculdade CESUPI; autor do livro Direito da Execução Penal: nova interpretação e novos comentários à Lei 7.210, publicado em 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAGAS, José Ricardo. Polícia Comunitária: modelo iminente de Segurança Pública no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 mar 2010, 01:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19503/policia-comunitaria-modelo-iminente-de-seguranca-publica-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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