Há cinco qualidades negativas no caráter de um general: Se é ousado, pode ser abatido; Se é covarde, pode ser capturado; Se é exaltado, pode fazer figura de louco; Se tem um sentido de honra demasiado delicado, pode ser caluniado; Se é de natureza misericordiosa, é fácil de perturbar.
(A Arte da Guerra, Sun Tzu. 500 anos A.C.)
I – Introdução
As obrigações de fazer estão capituladas nos artigos 247 a 249, do Código Civil e 632 a 638, do CPC.
Segundo Raimundo (A efetividade do processo e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Notas sobre o sincretismo processual. 2004) “obrigação de fazer é aquela que consiste na prática de ato pelo devedor”.
Prossegue o autor, no mesmo artigo, afirmando que “Como a obrigação de fazer envolve a produção, o engendramento de algo, ela está mais ligada à pessoa do devedor, que na obrigação de dar é colocada num plano secundário. Assim, se alguém deseja adquirir determinado livro, não importa quem o venda. Mas, se esse mesmo alguém incumbe determinado indivíduo de escrever um livro de suas memórias, a pessoa do obrigado assume especial significado.”
A doutrina, até o momento, classifica tais obrigações em fungíveis, no tocante à obrigação em si, e infungíveis, quanto à obrigatoriedade de sua realização por determinada pessoa (intuitu personae). Nada obstante, não cogitou de alternativas que poderiam levar em conta outros aspectos, o que se ambiciona em seguida.
II – Obrigações de fazer vinculadas ou dependentes e desvinculadas ou independentes
Sem a pretensão de esgotar a matéria, especial atenção deve ser dada às obrigações de fazer cuja realização está adstrita ao arbítrio do devedor e poderiam ser provisoriamente nominadas de obrigações de fazer vinculadas ou dependentes e desvinculadas ou independentes.
Segundo essa lógica, poder-se-ia definir as vinculadas como sendo aquelas para cuja prestação seria imprescindível ao devedor a atuação de terceiro ou dependessem do implemento de uma determinada condição.
Como exemplo didático considerar-se-ia o caso do devedor, que, para o cumprimento de determinada obrigação de fazer, consistente na realização de intervenção cirúrgica para a colocação de prótese, necessitasse, por exemplo, de material cirúrgico importado e somente de um determinado modelo ou fabricante. Nesta hipótese, na falta daquele produto no mercado interno e enquanto não regularizado o fornecimento ou, até mesmo, importado diretamente pelo devedor, não seria possível o atendimento imediato da ordem judicial.
No que tange às desvinculadas ou independentes, ao contrário das anteriores, subordinar-se-iam unicamente à vontade do obrigado, não necessitando da intervenção de terceiros ou da implementação de qualquer condição. Nessa situação, restaria exclusivamente ao talante do devedor cumprir a determinação judicial.
A título de ilustração, a mesma situação narrada anteriormente com a diferença que o material cirúrgico necessário à intervenção médica estaria disponível no mercado, dependendo o obrigado apenas de si para que fosse dado seguimento à prescrição judicial.
Debater tal classificação torna-se importante para definir o papel do Judiciário no controle do valor das “astreintes”, quando fixadas para o fim de constranger o vencido a tornar efetiva a sentença que determina a obrigação de fazer, evitando, assim, o seu retardamento considerando-se que a “(...) função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância" (REsp nº 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05).
Na hipótese das obrigações de fazer vinculadas ou dependentes, admite-se o controle judicial para reduzir ou aumentar a pena pecuniária após cuidadosa avaliação do resultado obtido. Por outro lado, no pertinente às desvinculadas, entendo não ser possível tal controlo por exacerbar o papel do juiz ao interferir no ato chamado volição.
Como mencionado, o devedor condenado em obrigação de fazer desvinculada, ou independente, está submetido exclusivamente a sua vontade para executar aquela obrigação e, por conseguinte, pagar ou não a multa previamente cominada.
Pendente a atuação do agente unicamente da sua própria vontade, ante a ausência de outros fatores capazes de interferir nessa conduta, o não cumprimento deliberado da obrigação a que foi condenado implica na aceitação do risco do pagamento da integralidade da multa, retirando do Judiciário, nesse caso, o governo sobre o montante da pena pecuniária,, vez que o devedor exerceu o seu direito de não cumprir, ou postergar o cumprimento da obrigação, e suportar os ônus de tal escolha.
Ou seja, se o não acatamento da ordem judicial decorreu de decisão consciente e unilateral do obrigado, o total da multa não pode mais sofrer a apreciação judicial da razoabilidade, já que o devedor sabia do perigo de ter de pagar elevada pena pecuniária e assim o preferiu ao invés de cumprir, incontinenti, o deliberado, restando justificadamente afastada a possibilidade do enriquecimento sem causa.
Desse modo, se não demonstrado qualquer vício na manifestação da vontade através da conduta negativa, ou da existência de qualquer outro óbice a impedir o imediato cumprimento da obrigação de fazer, não pode o devedor alegar em sua defesa o excesso da multa, tampouco o Judiciário acolher tal pleito, em virtude do “torpe não poder se beneficiar da própria torpeza” e, ainda, pelo seu impedimento em alterar ou interferir em manifestação de vontade livremente e conscientemente exercida.
Infere-se de tudo, que o devedor ao deixar de apresentar qualquer motivo para justificar o não acatamento da ordem judicial e optar por pagar a multa diária previamente cominada, retira do Judiciário o poder de exercer o controle jurisdicional do montante apurado por restar vedada a substituição da vontade das partes pela do juiz, se não inquinada pelo vício. Nesse contexto, não se cinge mais o debate em saber se aquela multa se tornou exagerada ou não, mas sim, quanto ao período a ser fixado para a sua apuração.
III – Conclusão
Diante de inúmeras decisões, que têm sistematicamente reduzido o montante das multas aplicadas pelo não cumprimento de ordens judiciais relativas a obrigações de fazer, a questão abordada no presente trabalho merece detalhada apreciação pelos operadores do Direito, visto que diversas empresas, principalmente as do segmento de transporte, telefonia, energia elétrica, aviação, planos de saúde, bancos e tantas outras, ao mesmo tempo em que têm, de forma renitente, se recusado a aceitar as decisões provindas do Judiciário, têm conseguido nas Cortes Superiores reduzir o montante das penalidades, ao argumento principal da vedação ao enriquecimento sem causa.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência precisam enfrentar a questão sob novo olhar, em mira a celeridade e efetividade às decisões judiciais, agravando a punição aos recalcitrantes em caso de retardamento culposo.
BIBLIOGRAFIA
WAALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1995.
RAIMUNDO, Leandro Silva. A efetividade do processo e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Notas sobre o sincretismo processual. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5276>. Acesso em: 17 nov. 2009.
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