A Constituição de 1988 qualifica expressamente a Advocacia-Geral da União como uma instituição (art. 131). A importância, a extensão e as principais conseqüências dessa definição constitucional ainda reclamam, no campo teórico-doutrinário e na prática da Administração Pública, as pertinentes abordagem, desenvolvimento e afirmação.
Afastando as hipóteses em que o constituinte adotou o termo instituição como sinônimo de entidade dotada de personalidade jurídica, a consulta ao texto da Constituição aponta para o tratamento explícito do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia-Geral da União, das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares como instituições.
Cumpre observar uma importante referência nos estudos da sociologia para a idéia de instituição. Com efeito, Emile Durkheim, considerado por muitos o principal artífice da sociologia moderna, concebeu a sociedade como um conjunto integrado de funções (funções sociais) exercidas por instituições (instituições sociais). Assim, as instituições sociais buscam a satisfação de necessidades sociais bem definidas e entrelaçadas.
As inúmeras críticas ao fundamento básico da concepção que destaca a figura da instituição, notadamente aquelas que acentuam os conflitos e contradições existentes nas sociedades humanas modernas, não afastam por completo a utilidade teórica e prática da consideração do conceito de instituição ligado ao exercício de funções sociais definidas e relevantes.
Nessa perspectiva, o constituinte de 1988, de forma inédita na história constitucional brasileira, disciplinou explicitamente as funções essenciais à Justiça e as instituições correspondentes. Assim, ao lado do Ministério Público (Advocacia da sociedade) e da Defensoria Pública (Advocacia dos necessitados), aparecem a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias do Estados-membros e do Distrito Federal (Advocacia de Estado). Não parece suscitar maiores indagações a ponderação de que sem as funções (e as instituições) aludidas não é possível administrar as funções judiciais do Estado.
A qualificação como instituição que desempenha uma função essencial à Justiça reforça o entendimento de que a Advocacia-Geral da União não integra o Poder Executivo. Com efeito, a clássica divisão tripartida do poder estatal já não “cabe” nas modernas, complexas e multifacetadas sociedades atuais. Outros e novos atores institucionais surgem para desempenhar papéis (realizar funções) substancialmente “novas”. Nesse sentido, as atribuições da AGU ultrapassam os limites e o modus operandi do Poder Executivo, não obstante realize a assessoria e a consultoria jurídicas desse Poder. Observe-se, o que é crucial na conclusão acerca do afastamento orgânico do Poder Executivo, que a AGU representa judicialmente os três Poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Ademais, as competências atribuídas à AGU e aos seus agentes (os advogados públicos federais) não são exercidas num ambiente de hierarquia funcional, marcado pelas “cadeias de comando”, característica distintiva da organização do Poder Executivo. Sobressai, inclusive, no exercício da Advocacia de Estado própria da AGU um viés de peculiar controle de juridicidade sobre os atos administrativos. O constituinte originário conformou uma instituição vocacionada pela realizar um diálogo de altíssimo nível, marcado pela independência e intransigente defesa do interesse público, com os gestores e administradores públicos tendo como objetivo a construção efetiva de um Estado Democrático de Direito.
Não custa afirmar e reafirmar que a AGU é uma instituição de Estado, decididamente não é uma instituição de Governo. Com efeito, a Advocacia de Estado (ou Advocacia Pública em sentido estrito), instrumentalizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, está constitucionalmente vocacionada para a defesa dos interesses públicos primários e secundários (com a clara prevalência dos primeiros em relação aos últimos, em caso de conflito, em homenagem à construção responsável do Estado Democrático de Direito, como já destacado).
Outro aspecto importante a ser ressaltado, confirmando sua singular posição orgânica no Estado brasileiro, diz respeito ao fato de que a Advocacia-Geral da União não é um ministério. Não pode, portanto, ser extinta por lei, como os ministérios de uma forma geral, cuja existência depende de previsão na lei (ordinária) de organização da Presidência da República.
Reforça a consideração anterior a análise dos requisitos para a ocupação do cargo de Advogado-Geral da União. Com efeito, a Constituição, no art. 131, parágrafo primeiro, exige para o Advogado-Geral da União os mesmos predicados pessoais exigidos para os Ministros do Supremo Tribunal Federal no art. 101. Esses traços pessoais são requisitos bem mais “exigentes” do que aqueles relacionados com os Ministros de Estado no art. 87. Não se perca de vista que a Constituição atribui competência ao Presidente da República para nomear os Ministros de Estado no art. 84, inciso I, e para nomear magistrados e o Advogado-Geral da União no inciso XVI do mesmo art. 84. Assim, em certa medida, qualificar o Advogado-Geral da União como Ministro de Estado implica numa redução da autoridade atribuída ao dirigente máximo da AGU pela própria Constituição.
Portanto, por interpretação do texto constitucional em vigor, retirando-se dele sua máxima efetividade em matéria de estruturação do Estado, a AGU desponta como uma instituição singularíssima (não é um simples órgão ou ministério e não integra o Poder Executivo). Por outro lado, as resistências, de boa ou má-fé, ao reconhecimento do papel, da posição e da peculiar forma de exercício das competências da AGU podem ser sepultadas em caráter definitivo com a aprovação de certas emendas constitucionais que explicitam aquilo que já foi consagrado, com alguma deficiência terminológica, pelo constituinte originário.
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