Introdução
A Constituição de 1988 foi, sem dúvida alguma, a que disciplinou o tema educação de forma mais relevante. Reconhecida como direito fundamental, a matéria está incluída no rol de direitos sociais, no “caput” do artigo 6º e pormenorizada no título VIII – referente à Ordem Social – nos artigos 205 a 214.
Consoante o artigo 205, há três propósitos básicos da educação: “o pleno desenvolvimento da pessoa; seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Entretanto, segundo a doutrina de José Afonso da Silva:
A consecução prática desses objetivos só se realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito de ensino, informado por alguns princípios com eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição, tais são: universalidade (ensino para todos), igualdade, liberdade, pluralismo, gratuidade do ensino público, valorização dos respectivos profissionais, gestão democrática da escola e padrão de qualidade, princípios esses que foram acolhidos no art. 206 da Constituição (...).(SILVA, 2009, p. 312).
Do Direito à educação
Ainda, segundo José Afonso da Silva:
O art. 205 contém uma declaração fundamental que, combinada com o art. 6º, eleva a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem. Aí se firma que a educação é direito de todos, com o que esse direito é informado pelo princípio da universalidade. Realça-lhe o valor jurídico, por um lado, a cláusula – a educação é dever do Estado e da família -, constante do mesmo artigo, que completa a situação jurídica subjetiva, ao explicitar o titular do dever, da obrigação, contraposto àquele direito. Vale dizer: todos têm o direito à educação e o Estado tem o dever de prestá-la, assim como a família. (SILVA, 2009, p. 312).
Quando a norma determina – “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família (...)” (art. 205) – significa, que o Estado deve fornecer educação para todos indistintamente e “ que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização”. (SILVA, 2009, p. 313); ampliando, com base nos princípios elencados no art. 206, as possibilidades para que todos possam exercer de forma igualitária esse direito.
A Constituição de 1988, conforme já assinalado, ao colocar a educação no rol de direitos essenciais, que competem ao Poder Público sua efetiva prestação a todos de forma equivalente, demonstra sua preferência pelo ensino público, que pela iniciativa privada.
Brilhante é a lembrança de José Afonso da Silva ao citar os ensinamentos de Anísio Teixeira:
Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois estes somente podiam oferecê-la aos que tivessem posses (ou a ‘protegidos’) e daí operar antes para perpetuar as desigualdades sociais, que para removê-las. A escola pública, comum a todos, não seria, assim, o instrumento de benevolência de uma classe dominante, tomada de generosidade ou de medo, mas um direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras, para que, na ordem capitalista, o trabalho (não se trata, com efeito, de nenhuma doutrina socialista, mas do melhor capitalismo) não se conservasse servil, submetido e degradado, mas, igual ao capital na consciência de suas reivindicações e dos seus direitos. (SILVA, 2009, p. 839).
Princípios constitucionais da matéria educação
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios (CF/88, art. 206):
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Propósitos constitucionais com a educação
A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a (CF/88, art. 214): (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
Sobre as universidades
As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996) (CF/88, art. 207).
A Constituição de 1988 asseverou, em seu artigo 206, inciso II, que o ensino será ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Consequentemente, seria absolutamente necessária “uma manifestação normativa expressa em favor da autonomia das Universidades.” (SILVA, 2009, p. 840).
Desse modo, faz-se mister ressaltar a teoria de Anísio Teixeira, citada por José Afonso da Silva, em seu livro Curso de Direito Constitucional positivo, a respeito da autonomia das Universidades:
As universidades não serão o que devem ser se não cultivarem a consciência da independência do saber e se não souberem que a supremacia do saber, graças a essa independência, é levar a um novo saber. E para isto precisam de viver em uma atmosfera de autonomia e estímulos vigorosos de experimentação, ensaio e renovação. Não é por simples acidente que as universidades se constituem em comunidades de mestres e discípulos, casando a experiência de uns com o ardor e a mocidade de outros. Elas não são, com efeito, apenas instituições de ensino e de pesquisas, mas sociedades devotadas ao livre, desinteressado e deliberativo cultivo da inteligência e do espírito e fundadas na esperança do progresso humano pelo progresso da razão. (SILVA, 2009, p. 840).
Do dever do Estado para com a educação
O artigo 208 determina que o dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. (Fonte: planalto.gov.br)
Disposição dos sistemas de educação
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (CF/88, art. 211).
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) (Fonte: planalto.gov.br)
Compreende-se, também, segundo a EC nº. 59, de 11-11-2009 – “Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.”
Igualmente, nos termos da EC nº. 53, de 19-12-2006 – “A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.”
Conforme bem observou Alexandre de Moraes:
A EC nº.53/ 2006, também, determinou que a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e os Municípios é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de natureza contábil; que serão constituídos por 20% dos recursos previstos no art. 155, incisos I, II e III, no art. 157, caput, e incisos II, III e IV, e no art. 159, caput, e incisos, I, ‘a’ e ‘b’ e II, todos da Constituição Federal.
A distribuição dos recursos entre cada Estado e seus Municípios será realizada na forma da lei e proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial, matriculados nas respectivas redes, observando-se os âmbitos de atuação prioritária estabelecidos constitucionalmente, ou seja, prioridade dos Municípios no ensino fundamental e na educação infantil e dos Estados no ensino fundamental e médio (ADCT, art. 60). (MORAES, 2010, p. 840, 841).
Aplicação dos recursos à educação
A Constituição obriga, nos termos do artigo 212, que a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Eliminando-se a parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios.
Consoante a Emenda Constitucional nº 59/2009:
A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação. (Fonte: planalto.gov.br)
Destarte, conforme assevera Alexandre de Moraes:
Conforme já visto, a aplicação dos recursos constitucionalmente previstos na área da educação, a partir da Emenda Constitucional nº 14, de 12-9-1996, com entrada em vigor, no primeiro ano subseqüente, tornou-se princípio sensível da Constituição Federal (CF, art. 34, VII, e), cuja inobservância pelo Estado-membro ou Distrito Federal possibilitará a intervenção federal. (MORAES, 2010, p. 841).
Conclusão
O objetivo deste estudo foi explicitar como a Constituição de 1988 disciplinou a educação no país - impondo princípios norteadores das atividades dos entes federados e buscando o desenvolvimento de todo sistema educacional. E mais, estabeleceu um percentual, obrigatório, a ser aplicado na matéria pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cuja inobservância possibilita, até, a intervenção federal.
O Brasil está no caminho certo, é claro que dificuldades ainda existem; todavia, o modo com que a atual Constituição aborda o assunto é inédito na história do país - tratando o tema de forma abrangente, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Educação em sentido amplo - lato sensu - contando com a colaboração e incentivo de toda a sociedade, ainda que seja um dever do Estado e da família.
Referências
LENZA, Pedro, Direito Constitucional esquematizado, 13ª ed. rev., atual. e ampl..Ed. Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 25ª ed, Ed. Atlas, 2010.
RAPOSO, Gustavo de Resende. A educação na Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 641, 10 abr. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6574. Acesso em: 21 abr. 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 33ª ed., rev. e atual., Ed. Malheiros, 2009.
TEIXEIRA, Maria Cristina. O Direito à educação nas Constituições brasileiras. disponível em: https: //www.metodista.br/revistas/revistas. hp/RFD/article/view/464. Acesso em: 21 abr. 2010.
http://www.brasilescola.com/historiag/magna-carta.htm, acesso em: 26/02/2010
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm – acesso em 23/04/2010.
http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb08.htm - acesso em 24/04/2010
Especialista em Direito Constitucional e Direito do Consumidor pela Faculdade Damásio; Especializando em Direito Público pela Faculdade Damásio; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo - Espírito Santo; Advogado; Colaborador e <br>Colunista em diversas revistas especializadas.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, André Prado Marques dos. A matéria educação na Constituição de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2010, 08:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19813/a-materia-educacao-na-constituicao-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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