Introdução
A fundamentação histórica é essencial para os pensadores, já que é base formadora de suas teorias. Tal assertiva e facilmente exemplificada nos escritos de como Platão, Kant, Marx, dentre outros grandes filósofos que dialogaram com a história de seu povo ou do mundo, entretanto cada qual com suas peculiaridades.
Habermas, não é exceção entre os filósofos, já que usa de eventos históricos para iniciar ou fundamentar algumas de suas teorias, como em seu livro “A inclusão do outro”, mas especificamente no Capítulo intitulado “O estado nacional europeu- sobre o passado e o futuro da soberania e da nacionalidade”. Nesta parte o autor discute a diferença entre Nação e Estado, usando de pano de fundo a formação européia, ou seja, com fundamento histórico.
Tal composição de idéias fica clara a luz do primeiro parágrafo deste capitula que seja Habermas (2002):
“como revela a designação “nações Unidas”, hoje a sociedade mundial é constituída por Estados nacionais. O tipo histórico decorrente da Revolução Francesa e da Revolução Norte americana impôs-se em todo mundo” (P.121)
Com tal composição inicial fica clara a fundamentação histórica, entretanto para compreender suas idéias o leitor deve ter ciência dos acontecimentos históricos citados, sendo que o filosofo pressupõe que seu estudioso já tenha em mente tais composições.
Na frase previamente citado, podemos notar que o autor demonstra que os estados nacionais contemporâneo são provenientes dos ideais implantados na revolução Francesa e Norte Americana.
Quando o autor cita a de revolução Francesa e Americana como molde dos estados nacionais modernos, deve o leitor lembrar que as bases das revoluções foram às idéias: de igualdade, liberdade e fraternidade provenientes dos pensadores iluministas do século XVIIL.
Esses pontos da história são cruciais para entendermos os Estados modernos, já que remetem a composições essencial em qualquer Estado livre. Em caráter exemplificativo podemos citar o “Principio da igualdade” prevista em todas as Cartas Constitucionais do ocidente; Essa presunção é o mínimo que se espera de um estado nacional livre.
Toda a concepção delineada a cima não é citada pelo autor, já que esse presume que seu leitor já tenha ciência, sendo essa presunção plausível. Devemos nos atentar, entretanto que há varias interpretações dadas a um mesmo momento histórico, sendo assim surge à questão: Que linha de pensamento histórico o autor se apega para desenvolver suas teorias?
Essa incógnita que nos leva a desenvolver esse texto, tentaremos fazer uma análise histórica da diferenciação feita por Habermas entre “from state to nation X from nation to state”, ou seja, os momentos de formação do Estado e da Nação.
Só com uma análise histórica dos pensamentos de Habermas que o leitor terá um entendimento das composições desenvolvidas por ele e a partir de então poderá esse compreender a visão que o autor faz do futuro dos estados europeus.
Outro ponto importante a ser debatido é o surgimento das constituições nacionais que iram surgir com tais Estados nacionais, logo a observação de sua formação também é uma análise histórica do início do constitucionalismo Europeu, que teve relevante importância na formação constitucional de todo o mundo ocidental.
1 - Formação da Europa
Toda a base teórica desta parte expositiva tem por tema a formação dos estados europeus. Entretanto quando se fala em formação da Europa deve se levar em conta que se esta sofrendo modificações territoriais desde os tempos antigos. Como apogeu grego apesar desse não ter se expandindo ao norte europeu, posteriormente ao império macedônio com as conquista de Alexandre e finalmente com o império Romano que trouxe grande modificação a todo o território europeu. Apesar de sua riqueza histórica, esse período não é tão importante para nossos estudos, já que a divisão territorial e étnica européia contemporânea quase não guarda relação com aquela de outrora.
A formação atual dos estados europeus começa a tomar forma com o fim do império Romano, entretanto diferente do que se pensa seu fim não se deu com uma invasão em massa feita pelos povos Bárbaros, mas essa se prolongou do século IV e V, os povos germânicos como visigodos, ostrogodos, anglo-saxões, francos, suevos e turíngios, acabam alem de invadir o império por dividir o mundo romano em cidades estados (Burns 1970).
Finalmente chega-se a idade media e o federalismo, marcado pelo fim do comercio e de governo centralizado, salvo o poder da Igreja Católica, as relações eram particulares entre camponeses que ofereciam sua força de trabalho, e senhores feudais que permitiam o cultivo de suas terras e davam proteção, como podemos notar em BURNS (1970) :
“Durante esse período não existiu realmente um mecanismo de governo unitário nas diversas entidades políticas, embora tenha ocorrido a formação dos reinos. O desenvolvimento político e econômico era fundamentalmente local, e o comércio regular desapareceu quase totalmente. Com o fim de um processo iniciado durante o Império Romano, os camponeses começaram seu processo de ligação com a terra e de dependência dos grandes proprietários para obter proteção (P. 298).”
Foi nesse período que várias cidades européias surgiram, entretanto essa realidade se deu na primeira parte da idade média, já que a realidade fática da Europa sofreria grande mudança, pois apareceriam as primeiras monarquias nacionais, que geraram alguns dos Estados contemporâneos.
Com a morte de Carlos Magno, em 814, seu império foi dividido por seus descendentes, em três blocos: a França Oriental e França Ocidental, que correspondem às atuais França e Alemanha e no meio uma larga faixa de terra formando a denominada Faixa Intermediaria atuais Bélgica e Holanda, entretanto tal divisão não se manteve já que mais tarde se dividido em vários feudos.
Com isso surgem os reis da linhagem Capetos que são os formadores da monarquia feudal francesa. Enquanto na Inglaterra a linhagem de Guilherme, o conquistador, sobe ao poder; De sua linhagem temos o famoso João sem terras que assinaria a Magna Carta, fato que veremos na formação inglesa. A formação dessas duas monarquias nacionais gera os primeiros governos centralizados da Europa.
Finalmente chega-se a baixa idade media a formação das monarquias absolutistas diminuindo o poder da Igreja Católica, dentro mais uma nova ordem econômica surge o Mercantilismo e uma nova classe: a Burguesia.
Para ilustrar esses pensamentos podemos citar HUGON (1970):
“A Baixa Idade Média foi marcada pelos conflitos e pela dissolução da unidade institucional. Foi então que começou a surgir o Estado moderno, e a luta pela hegemonia entre a Igreja e o Estado se converteu em um traço permanente da história da Europa nos séculos posteriores.(P.412)”
Nesta realidade que parte os pensamentos de Habermas, sob uma sociedade em evolução gerando mudanças estruturais nos moldes antigos, pois só a partir dessa monta que podemos entender a realidade fática européia daquele período, e assim fazer uma análise mais profunda de cada um dos modelos de Estado.
2- “from state to nation”
Quando Habermas inicia sua discussão sobre Estado e Nação, o primeiro termo por ele elencado “fron state to nation”, que representa as nações-estado clássicas. Essa composição de idéias pode ser representada em Habermas (2002):
“as nações-estado clássicas no norte e oeste europeus surgiram no interior de estados territoriais já existentes (...) De um lado estava, juristas, diplomatas e militares que pertenciam ao estado maior em torno do rei e que criaram uma entidade estatal racional (P. 121)”
Ou seja, quando o autor descreve tal composição, remete ao caso de Estados que se formaram para depois criar o conceito de Nação; Dentre os países europeus o que melhor reflete tal situação é a Inglaterra.
A melhor forma de compreender a composição de Nação a partir de um Estado previamente formado é com uma analise histórica de sua formação constitucional, como ocorreu na Inglaterra, para assim chegarmos a composição de pensamento proposto pelo autor. A Inglaterra será usada como exemplo, pois ha vários outros países que se encaixam a descrição de Estados nacionais clássicos.
2.1 Da formação do estado inglesa e sua constituição
2.1.1 Premissa histórica
Em um estudo concentrado na formação das etnias Inglesas, poderíamos retornar a época da invasão Romana e posteriormente da invasão Saxônica sobre os Bretões, entretanto devemos nos atentar a fatos, mas recentes que tem maior relação com o debate levantado pelo filosofo, que seja da formação do território e nação inglesa.
Sendo assim, devemos iniciar nossos estudos pelo primeiro momento de formação territorial de Estado Inglês, que ocorre na formação da monarquia nacional na Inglaterra.
No ano de 1066, com a conquista de toda a ilha por Guilherme, impôs ao continente um regime feudal, entretanto impediu que houvesse uma descentralização por meios de atos como: controle dos vassalos, proibição de guerras privadas e manteve como prerrogativa real o poder de cunhar moedas. Todos esses atos centralizaram o governo (Burns 1970).
Os atos tomados por Guilherme tiveram grande importância para a formação territorial da Inglaterra. A unificação desses feudos perante uma única bandeira ocorreu no período da alta idade média, enquanto o continente só viria a ocorrer na baixa idade média com o início das monarquias absolutistas.
Outro ponto importante da formação inglesa ocorre no governo de Henrique II, que teve inicio no ano de 1154, com novas medidas que fortalecem o governo centralizado. A reforma do novo rei fez frente à nobreza feudal, entre seus atos: criação dos “scutage” obrigando os senhores feudais a comutar o serviço militar, impôs o primeiro imposto sobre renda e propriedade e manteve uma lei uniforme com juízes escolhidos pelo governo central (Burns 1970).
Tanto de Guilherme quanto de Henrique II reforçaram a formação de um governo central impedindo que a Inglaterra se dividisse em vários feudos, gerando assim um governo central poderoso. O que foi importantíssima para a formação do Estado inglês.
Entretanto, mesmo com tantos esforços para manter o Estado unido em um só reino, ainda não se via uma máquina estatal única. Sendo que, tal composição de Estado desenvolvido por Henrique, perderia força com seus descendentes.
No reinado de João, apelidado de João sem terras, ocorre o marca histórico da assinatura de um documento legal que é considerado marco do constitucionalismo. Com as constantes guerras gera o aumento de impostos sobre os barões que entraram em conflito com rei e finalmente em 1215 é assinada a Magna Carta e ocorre a criação do parlamento inglês.
Diferente do que se pensa a Magna Carta não tem a função de criação de uma unidade nacional ou de direito sociais, em verdade é mais uma carta de garantias de uma minoria, que eram os senhores feudais com o escopo de limitar o poder do rei, ou seja, esta acabou por afastar a Inglaterra de uma unidade administrativa, nesses moldes pensa (Burns 1970):
“a interpretação popular dada à Magna Carta é, na realidade, errônea. Não pretendia ser uma declaração dos Direitos ou uma carta de liberdades do homem comum; pelo contrario, era um documento feudal, um contrato feudal escrito, no qual o rei, como suserano, se comprometia a respeitar os direitos tradicionais dos vassalos.(P.445)”
A criação da Magna Carta teve a função de divisão administrativa da Inglaterra, já que essa não era o avatar dos direitos sociais, perdido o poder central se desfaz o pensamento de formação de Estado, pelo menos naquele período.
No reinado de Henrique III, filho de João, a guerra civil toma a sociedade inglesa e um novo líder surge Simão de Montfort, que trás uma nova formação para o Parlamento. Por necessitar de apoio popular incluiu no Parlamento cavaleiros (militares) e cidadão, entretanto tal composição não tinha uma finalidade democrática, pois a principal função era criar um governo centre, assim como assevera (Burns 1970):
“esse expediente de um parlamento composto de membros das três grandes classes tornou-se um órgão regular do governo, quando Eduardo I, em 1295, convocou o chamado Model Parliament. O objetivo de Eduardo, ao convocar esse parlamento, não era introduzir uma reforma democrática, mas somente ampliar a estrutura política.” (P. 340)
Tendo tal composição podemos notar o retorno do governo central na afamada ilha, para assim estruturar um novo Estado. Entretanto, ainda não havia um sistema político de administração única para formar um Estado propriamente dito.
No fim do século XIV, começa as modificações estruturais na sociedade feudal inglesa, pois o sistema senhorial foi enfraquecido pelo desenvolvimento do comércio, indústria e das cidades. Com esse cenário dá-se o fim do sistema feudal inglês.
Esse sistema sucumbe por volta de 1485 com o fim da Guerra das Rosas. Essa guerra ocorreu pela disputa de poder entre duas facções; com a vitória dos Tudor com a ascensão de um novo soberano: Henrique VII, que estabeleceu um governo central. O novo rei manteve o parlamento e ampliou os direitos da Magna Carta para além dos nobres, entretanto apesar de haver a formação de Estado ainda não havia uma nação delineada, como veremos a seguir (Burns 1970).
Tal momento histórico é o ponto da criação do constitucionalismo Europeu, pois neste momento que as garantias legais se expandem para toda população deixando de ser mero pacto entre senhores feudais e passando a ser uma carta de garantias.
Deve-se asseverar que nesse período tem início do capitalismo mercantil na Inglaterra, ocorrendo posteriormente no continente. Tal precocidade se dá pela singularidade da estrutura política inglesa, pois na época já havia garantias de liberdades individuas que permitiram o nascimento desse sistema econômico.
2.1.2 Análise comparativa de Habermas com a história
Feito o levantamento histórico sobre a formação do Estado inglês, temos de observar se a delimitação está de acordo com os pensamentos de Habermas. Sendo assim, iremos comparar seus pensamentos com os fatos históricos.
A conceituação de Estado, explicitada pelo autor, é muito ampla, assim como, podemos notar em Habermas (2002):
“estado é um conceito definido juridicamente do ponto de vista objetivo, refere-se a um poder estatal soberano, tanto interna quanto externamente; quanto ao espaço refere-se a uma área claramente delimitada, o território do Estado; e socialmente refere-se ao conjunto de seus integrantes, o povo do estado. O domínio estatal constitui-se nas formas do direito positivo, e o povo de um Estado é portador da ordem jurídica limitada á região da validade do território desse mesmo estado.” (P.124)
Numa analise do conceito citado, podemos notar que Estado passa por uma soberania interna e externa, ou seja, se tiver soberania será um Estado, entretanto essa soberania se da de formas diferentes.
A soberania externa ocorre quando o Estado consegue manter o seu domínio territorial frente a outras nações. Com relação à sociedade inglesa, esse requisito já vinha sendo realizado 1066, com a conquista de toda a ilha por Guilherme o Conquistador, com isso cria-se a imagem de um governo central que pode responde e defende os limites territoriais do Estado.
A soberania interna está atrelada a produção legislativa, que seja a produção de direito positivo, essa positivação única foi construída com o passar dos tempos. No período de Guilherme atos como: a proibição de guerras privadas e a prerrogativa real de cunhar moedas demonstraram o poder de manutenção de um controle central, entretanto sem um corpo legislativo único.
Outro momento importante para a formação de um governo central ocorre no governo de Henrique II, que impôs o primeiro imposto sobre renda e propriedade e manteve uma lei uniforme com juízes escolhidos pelo governo central. Esse foi o ponto inicial de um corpo de direito positivo que daria ensejo ao poder central do Estado.
Apesar da existência de um governo central ainda não se verificava um ordenamento jurídico único. Por isso o Estado ainda não estava completo, dentro mais ainda persistia um sistema feudal na ilha que impossibilitava a formação de um estado.
Com a constituição da Magna Carta de 1215, cria-se um corpo legal unificado na Inglaterra, entretanto seu caráter restrito na época acaba por ser um limitador de aplicação normativa.
Dentro mais, o mesmo fator que impossibilita a Magna carta de ser o baluarte da formação do Estado inglês, impede que a mesma seja marco do constitucionalismo europeu. Já que aquele documento legal se restringe a mero acordo feudal, assim como alegado anteriormente.
Com a formação do Parlamento inglês e sua posterior modificação, feita nas idéias de Simão de Montfort e a ascensão da linhagem Turdor ao poder com Henrique VII tivemos um governo central que corporifico um conjunto de normas por meio de um parlamento e com isso correspondeu à soberania interna delimitada por Habermas.
E finalmente com o início do constitucionalismo inglês, pois com a formação do parlamento nasce na Inglaterra corpo de lei unificado, criando um direito positivo que se aplicava a todo território e tão importante quanto isso tal momento histórico amplia as garantias da magna carta a todo o povo. O que antes era um contrato feudal vinculado a posse se transforma em direito constitucional proveniente da nacionalidade.
Podemos notar que o momento histórico inglês se adéqua ao conceito de Estado, todavia Habermas divide a formação do Estado em duas frentes, logo temos de verificar dentro da conceituação histórica se esses momentos ocorrem na sociedade modelo.
Habermas divide a formação do Estado antigo e moderno, sendo que há uma somatória para se ter o moderno será necessário além dos seus requisitos os do Estado antigo, sendo assim vejamos.
O estado antigo se forma para Habermas (2002):
“o poder executivo do estado apartado do rei e burocraticamente configurado constituí-se de uma organização de postos especializados segundo áreas do conhecimento, ocupados por funcionários públicos juridicamente treinados e pode apoiar-se sobre o poder esquartelado do exército, polícia e poder carcerário existentes. Para monopolizar esses recursos do uso legítimo do poder, foi preciso impor a paz social nacional. Só é soberano o estado que pode manter a calma e a ordem no interior e defender efetivamente suas fronteiras externas” (P.124)
Neste rumo, nota-se que a questão do Estado está ligada a um binômio: soberania interna e externa, assim como no debate anterior nota-se que a Inglaterra tinha os dois requisitos.
Entretanto, o autor traz um novo elemento formador do Estado moderno Habermas (2002):
“ainda mais importante para o processo de modernização é a separação do estado da sociedade civil, ou seja, a especificação funcional do aparato estatal. O estado moderno é a um só tempo estado diretivo e fiscal, o que significa que ele se restringe essencialmente a tarefas administrativa.”(P.125)
O requisito para os moldes de um Estado moderno passa pela liberdade que este reserva a sociedade. Essa preceituação já existia no Estado inglês, como anteriormente demonstrado, pois durante o reinado de Henrique VII o comércio privado já era uma realidade.
2.2 formação da nação inglesa
2.2.1 presunção histórica
Apesar de toda a estrutura estatal e da existência de um Parlamente, ainda não havia um modelo de nação inglesa, já que as divisões feudais permaneceram. Não havia uma religião ou língua unificada, e nem tão pouco uma identificação nacional.
Logo, surge a questão: quando se formou esse modelo de nação inglesa? Essa questão acaba por ser muito ampla, haja vista que são fatores variados que levam a formação de identificação nacional, seja da criação de mitos como rei Artur até a identificação artística e religiosa.
Na formação da nação inglesa, há um fato muito importante, a revolução religiosa. Por obviedade, há outros fatores para a formação da nação, como: a industrialização, evolução do parlamentarismo, dentre outros. Porém a concepção de nação já era viva nestes períodos, sendo que na revolução religiosa ainda frágil.
Na Inglaterra a revolução protestante não fora encabeçada por um religioso, mas por um representante do Estado, que no caso fora Henrique VIII que acabou por formar a Igreja inglesa (Burns 1970).
A reforma não foi institucional, pois o povo apoiava a atitude real. Por vários motivos entre eles: pela influência dos pensamentos de Lutero, a recusa ao pagamento de impostos papais e a recusa a aceitar a influência da Igreja Católica de forma política. (Burns 1970)
Além dos fatores existentes, há um fator individual que foi o estopim, pois o rei Henrique VII, casado na época com Catarina de Aragão, e acabou por se apaixonar profundamente por Ana Bolena e pediu ao Papa a anulação de seu casamento. Com a demora do Papa Clemente VII em resolver o entrelace, este desfez os laços com a Igreja Católica.
Os primeiros atos formam: convocar uma assembléia de cleros e obrigá-los a reconhecê-lo como chefe da Igreja inglesa, persuadiu o Parlamento a abolir vários pagamentos de rendas papais e por fim proclamou a Igreja Anglicana como uma unidade nacional independente, submetida ao rei (Burns 1970).
Todos os atos nesse primeiro momento visam minar o poder papal, todavia se manteve a doutrina católica, ou seja, o protestantismo não havia sido posto em pratica.
Posteriormente no reinado de Eduardo VI houve várias mudanças no sentido do protestantismo. Com a pressão popular foram reformadas regras sacerdotais, entre elas: o casamento de sacerdotes, inglês como língua religiosa em vez do o latim, abolição de imagens dentre outros atos que firmaram a teoria protestante na Inglaterra. (Burns 1970).
Deve-se atentar que, apesar do interesse pessoal do rei, essas mudanças eclodiram por uma vontade popular e principalmente por um sentido de identificação do povo. Sendo assim a construção de uma igreja inglesa acaba por ter grande influência na formação da nação inglesa, já que esse é fator de identificação de uma coletividade.
2.2.2. Análise Comparativa de Habermas com a história
Com esse levantamento histórico dos fatos ocorrido na revolução religiosa inglesa e com toda a conceituação histórica levantada, poderemos verificar como se deu a formação da nação inglesa de acordo com Habermas.
Em caráter inicial temos de delimitar o conceito de nação, HABERMAS (2002):
“na mesma medida em que essa idéia se difundiu, também ficou claro, no entanto, que o conceito político de nação popular, modificado a partir do conceito de nação aristocrática, havia emprestado do conceito de nação como designação de ascendência e procedência também a força que movia à transformação de estereótipos. A auto-estilização positiva da própria nação transformava-se agora no eficiente mecanismo de defesa contra tudo que fosse estrangeiro, mecanismo de desapreço de outras nações e de exclusão de minorias nacionais, étnicas e religiosas.” (P.127)
Tendo por tal conceito, a nação vai um pouco alem da identificação de um povo com uma língua, religião e ascendência, mas também com o caráter de nacionalismo com o intuito de defesa de interferência externa, ou seja, no pensamento de Habermas a função de nação também é de manutenção da soberania.
Com o nacionalismo temos a diferenciação de um modo de viver, pensar e regar a própria existência de um determinado grupo, sendo assim a função da nação também é a de manter um modo de vida e separa os costumes sociais da interferência de outros.
Essa concepção fica clara na revolução religiosa, já que esses fizeram frente à Igreja Católica, pelas várias interferências causadas por esta dentro do território e do modo de vida inglês.
Esse caráter nacional da reforma religiosa é vista pela própria mudanças dogmática da religiosidade; com a reforma os cultos eram em língua local e dentro mais agora a igreja era delimitada pelo poder estatal, ou seja, uma Igreja Inglesa.
É claro que a formação de nacionalidade nas Inglaterra passou por outros fatores como: a representatividade de boa parte da população no Parlamento e a abertura democrática no século XIX, entretanto a formação de um nacionalismo já era existente a séculos antes.
2.3. conclusão
Feitos os levantamentos históricos, e o entrelaçamento destes com as idéias de Habermas podemos concluir algumas questões importantes.
A mais obvia delas vem a ser que a Inglaterra faz parte dos países que tiveram uma formação do Estado anterior a da nação. Essa visão remete a questão: o nacionalismo neste país nasceu da própria estrutura do Estado? Acreditamos que sim, mas apesar do Estado ter sido bálsamo desta criação este não foi o criador, ou seja, o Estado não gerou o nacionalismo de forma consciente ou premeditada.
Outra constatação e a existência de uma formação de Estado nacional no modelo “from state to nation”, que seja aquele onde após a estruturação de um Estado criasse em seu bojo uma concepção de nação. Essa realidade foi mais que provada com os acontecimentos históricos anteriormente citados.
Capitulo 3 “from nation to state” a formação do estado nacional italiano
O segundo modelo de Estado nacional elencado por Habermas é “from nation to state”Habermas (2002): representa as nações tardias, essa composição de idéias pode ser verificada em
“em contrapartida as nações tardias, a Itália e a Alemanha em primeiro lugar, assumiram outro desenvolvimento, típico também para as formações nacionais da Europa central e oriental. (...) de outro, havia escritores historiadores, sobretudo eruditos e intelectuais.”
Ou seja, quando o autor descreve tal composição remete ao caso de Estado que forma-se depois de uma composição de nação, sendo que o próprio autor cita os países que caracterizam tal situação, como a Itália.
A melhor forma de compreender a composição de Estado “from nation to state” é com uma analise da história Italiana. Com o escopo averiguar os fatos históricos ocorridos naquele país e compará-los com as teorias de Habermas.
3.1. Da formação do Estado-nacional italiano
No tópico anterior nos concentramos na Inglaterra, dividimos este em dois momentos, da formação do Estado e da formação da nação, entretanto tal divisão não se faz possível neste momento, haja vista o tipo de formação que teve a Itália.
Exatamente por isso acabamos por usar o termo “formação de Estado nacional”, pois na história italiana o período de formação de nação e Estado se confunde, sendo impossível dividi-las de forma temporal-linear.
3.1.2 Presunção histórica
Uma análise histórica da Itália requer uma enciclopédia. Se pensarmos que a história deste território tem fatos importantes que ocorreram antes de Cristo poderia retroceder às etnias formadoras deste povo, ou até mesmo mitos como: Rômulo e Remulo, e relembrar a formação do Império, seu apogeu e fim, dentre outros fatos históricos de suma importância. Entretanto devemos nos concentrar principalmente nos fatos que levaram a formação do Estado nacional italiano contemporâneo.
Os povos que viviam na península tinham certos fatores sociais de ligação, como: o apego a religião Católica, a língua e a exaltação da cultura do império romano. Entretanto apesar dessas características em comum, o território não era unificado, mas existiam vários cidades Estados dividias em bandeiras diferentes, sendo que muitas delas estavam em conflitos bélicos, como no caso de Genova e Veneza (Burns 1970).
Sendo assim, em pleno século XV não havia um governo central, apesar de ter um bom poderio econômico e bélico para época, dado pelo fato de ser rota de comercio com o oriente e pela presença do poder central da religião Católica. Apesar disto não havia um governo central, enquanto na Inglaterra e França já estavam formando seus Estados.
Essa realidade ocorre por fatores como: a interferência dos reis alemães e da Igreja Católica, dentro mais os conflitos entre essas cidades-estado, por questões territórios e econômicas, arrastavam-se por séculos, impossibilitando sua unificação.
Podemos notar essa realidade de desestruturação dos povos da península em (Burns 1970):
“ainda que no século XV o regime feudal se extinguisse na Alemanha e, um pouco antes, na Itália, em nenhum desse países se estabeleceu uma monarquia nacional senão muito depois do fim da idade media. O poder dos duques alemães e o Papa sempre se mostraram fortes demais para serem vencidos. Se alguns dos imperadores alemães se tivessem contentado em permanecer no seu pais, mas insistiam em interferir uma ordem centralizada, mas insistiam em interferir na Itália”
Como podemos notar, a unificação italiana nesse período era inviável em decorrência de vários fatores, seja pelas guerras internas, pela interferência papal ou alemã. A futura Itália manteve-se separada por toda idade média em vários ducados, como: de Veneza, Toscana, Estada Papal dentre outros.
Apesar de várias mudanças econômicas, sociais e ideológicas no povo italiana, como a renascença, a sua unificação só ocorreu em meados do século XIX, após o congresso de Viena.
O congresso de Viena, ocorrido em 1814, depois da derrota de Napoleão, tinha por escopo restabelecer os modelos dominantes em outrora, para tanto os vencidos sofreram grande perdas.
Os ducados Itália sofreram grandes perdas, seus territórios foram divididos em áreas de governo estrangeiro como segue Magalhães (2002):
“Reino Sardo-Piemontês: governado por uma dinastia italiana. Era autônomo e soberano; Reino Lombardo-Veneziano: governado pela Áustria; Ducados de Parma, Módena e Toscana: governados por duques subservientes à Áustria; Estados Pontifícios: governados pelo papa; Reino das Duas Sicílias: governado pela dinastia de Bourbon.”
Após essa interferência, inicia o fomento ao nacionalismo na Itália com vários movimentos de unificação, visando o fim do domínio austríaco. Ou seja, a concepção de nação já estava formada, pois já se nascerá uma imagem coletiva de povo italiano, todavia sem um Estado.
Inicia-se assim a unificação italiana, essa se dá por meio de vários movimentos revolucionários, o primeiro deles chamado de “jovem Itália” foi liderado por Giuseppe Mazzini em 1848, nos principados de Parma, Módena e no Estado Pontífice. Entretanto todas essas revoltas foram brutalmente destruídas pelo forte exército austríaco. Apesar da aparente derrota essas revoltas estimularam um enorme sentimento de nacionalismo no povo italiano (Burns 1970).
O sentimento nascido pelo movimento de Giuseppe Mazzini ganhou força com o passar dos anos e crescia dentro da sociedade, gerando um nacionalismo voltado para unificação e expulsão dos austríacos. Apesar das tentativas desses de amenizar tais sentimentos com a implantação da democracia, como vemos em Burns (1970):
“À medida que o fervor revolucionário de 1848 se alastrava pela península os governantes, um após outro concederam reformas democráticas(...) porem, os italianos estavam mais interessados no nacionalismo do que na democracia. Havia alguns anos que os patriotas românticos vinham sonhando com o Resorgimento a ressurreição do espírito italiano que restauraria a nação na posição de domínio glorioso que havia desfrutado na antiguidade. Para consegui-lo, admitia-se universalmente que toda a Itália devia fundar-se num só estado.” (P.734)
Sendo assim, podemos notar que a dominação austríaca gerou um sentimento de nacionalismo italiano voltado para a unificação e formação de um Estado.
Com o fervor social, em 1855 forma-se um novo movimento intitulado de “Risorgimento”(Burns 1970).. liderado por Cavour em Sardol-Piemontês. Com o apoio da burguesia e do povo em geral, fez reformas como: modernização da economia e do exército a aproximação da França e posteriormente a conquista do apoio desta na guerra contra os austríacos
Com o apoio francês o movimento tem importantes vitórias contra o exército austríaco e a unificação de vários principados como: Sardenha, Lombardia, Toscana Parma Modena e parte setentrional do Estado Pontífice. Entretanto, quando estava preste a dominar Veneza o exército francês se retirou impedindo a unificação total do norte italiano, que somente foi unificado em 1866 com a ajuda da Prússia (Burns 1970).
Enquanto os fatos se desenrolavam na parte norte da península, ao sul no reino das duas Sicília, Giuseppe Garibaldi, um aventureiro romântico, líder do notável regimento de mil camisas vermelhas, em 1860 toma das mãos de Francisco II da família Bourbon, o reinado das duas Sicília. Após a libertação esta foi incluída por meio de um plebiscito no governo de Sardol-Piemontês, que dominará os principados do norte (Burns 1970).
Com quase toda a península unificada, Vitor Manuel da Sardenha e declarado rei da Itália, todavia Roma ainda fazia parte do Estado Pontífice. Apesar da vontade latente de unificá-lo, esta se fazia impossível, já que o Papa tinha o apoio de tropas francesas
Com a guerra franco-prussiana as tropas que defendiam o principado de Roma formam retiras. Como não havias obstáculos o exército italiano dominou Roma em 1870, passando esse a ser a capital do reino. O Papa Pio IX, não aceitou as perdas dos domínios territoriais da Igreja, negando qualquer tipo de acordo com o governo italiano; Acabou por se fechar no Vaticano por se considerar preso em seu próprio território. Sendo que seus sucessores mantiveram a mesma postura, até 1929 com o tratado de Latrão, que criou o Estado do Vaticano (Burns 1970).
Com tal realidade fática temos finalmente a unificação italiana e a formação de um Estado na península, pois havia um governo central sob todo o território com o nacionalismo.
3.1.3 Análise comparativa de Habermas com a história
Feitos os levantamentos históricos temos de compará-los com as teorias de Habermas, sendo assim, para o autor, os Estado que tem formação “from nation to state” são aqueles em que forma-se o Estado depois da nação, são os Estados de formação tardia como a Itália.
Essa situação é facilmente verificada nos fatos levantados previamente. A Itália não tinha um Estado unificado, já que estava dividida em principados e após congresso de Viena estes foram subjugados ao controle austríaco, tal controle gerou o sentimento nacionalista.
A prova desse entrelace nacionalista é o fato de haver a mesma ascendência, religião, língua e cultura que também são fatores identificadores de nação, juntamente com a função política de formação de um Estado.
Essa preceituação fica clara nos pensamentos de Habermas quando este define Estado, se não vejamos HABERMAS (2002):
“nações são em primeiro lugar comunidades de ascendência comum, que se integram geograficamente por vizinhança e assentamento, culturalmente por uma lingual, hábitos e tradições em comum” (P. 126)
Podemos notar, que nas revoltas unificadoras de 1845, já traziam caráter nacionalista demonstrando que a concepção de nação estava formada no espírito da sociedade italiana.
No tocante a formação do Estado, temos de nos concentra em dois pontos, pois o Autor afirma a necessidade de soberania interna e externa, assim como elencamos anteriormente.
No caso italiano, fica evidente a constatação dos fatores, já que com a unificação foi criado um corpo de leis e a manutenção de suas fronteiras, por isso a formação do Estado acaba sendo evidente.
Podemos afirmar que a Itália é um modelo dos chamados Estado tardios e faz parte do grupo de Estados chamados pelo autor de “from nation to state”, já que a sua nação era formada quando se unificou o território, logo a nação gerou o Estado, assim como elencado por Habermas em seu livro.
Conclusão
No artigo disposto, saímos de uma problemática: elencar fatores históricos que fundamentem os pensamentos de Habermas, com relação à formação dos Estados em “from state to nation X from nation to state” que são os Estado clássicos e Estado traídos representados pela Inglaterra e Itália.
Após a análise do Estado nacional inglês, podemos notar que ele se classifica perfeitamente no termo “from state to nation”, já que seu Estado foi modelado antes da nação. Sua formação gerou a soberania interna por meio de leis editadas por um Parlamente e com a unificação territorial criou-se a soberania externa, formando o Estado. Séculos depois a revolução religiosa termina o processo de formação da nação.
Na análise do Estado nacional italiana, a classificação “from nation to state” também é prefeita. A divisão em principados, provenientes das ruínas Romanas, só terminou com o fomento do nacionalismo visando que visava a luta contra o domínio austríaco, gerando a unificação. Ou seja, é típico Estado formado a partir da nação.
Podemos concluir então que os pensamentos de Habermas sobre os modelos de formação de Estados nacionais na Europa encontram respaldos históricos. Classificando dentro dessa égide uma diferenciação dois tipos de Estado nacionais, os clássicos e os tardios como nos casos Inglês e Italiano.
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Advogado trabalhista e Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Mestre em direitos sociais e trabalhistas. Graduado em Direito. Professor da Faculdade de São Sebastião (FASS). Professor de diversos cursos preparatório. Ex-Professor de Direito e Processo do Trabalho do Curso rumo aos 100%. Ex-Professor de Direito e Processo do Trabalho do Núcleo Trabalhista de Estudos Jurisprudências. Ex-Professor assistente em Prática de direito do trabalho do Centro universitário salesiano de São Paulo, unidade de Lorena. Titular do blog: http://brunocreadodireitodotrabalho.blogspot.com
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CREADO, Bruno Prisinzano Pereira. Habermas e a Constituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2010, 00:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19907/habermas-e-a-constituicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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