SUMÁRIO: 1. BREVE RETROSPECTO HISTÓRICO. 2. COOPERATIVAS: PREVISÃO LEGAL. 3.CARACTERÍSTICAS. 4. CRESCIMENTO DESENFREADO. 5. MECANISMOS DE CONTROLE:ATUAÇÃO DO MPT. 5.1 Direitos individuais homogêneos e Direitos difusos e coletivos. 6. HARMONIZAÇÃO COM DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BREVE RETROSPECTO HISTÓRICO
As cooperativas, como conhecemos atualmente, surgiram no século XIX na França e Inglaterra como reação aos efeitos da revolução industrial, e é justamente da Inglaterra que retiramos o espírito cooperativista.
No final do ano de 1843, na Inglaterra, na cidade de Rochdale, as fábricas de flanela estavam num momento de alta prosperidade, no entanto, com a revolução industrial houve um processo migratório da área rural para as cidades que foi responsável por um excesso de mão-de-obra que resultou em abusos na execução dos trabalhos como uma jornada de trabalho excessiva; mulheres e crianças trabalhando em condições sub-humanas com salários que mal supriam as necessidades básicas dos trabalhadores.
Foi neste contexto histórico, considerando a prosperidade das indústrias e os salários baixos, que alguns artesãos da Inglaterra se reuniram para reivindicar melhorias de condições no trabalho, conversaram e resolveram que iriam formar uma comissão de trabalhadores para buscar estes direitos. O impasse começou na formação dos representantes: quem teria coragem de enfrentar os proprietários das fábricas? Resolvida a questão, que poder de barganha teriam os trabalhadores diante da oferta de mão de obra vigente? Não nos causa estranheza que os trabalhadores não tenham obtido êxito na empreitada.
Alguns destes operários, apesar de vencidos na tentativa de melhoria salarial, não desistiram de seu objetivo de melhoria nas condições de vida, e depois de muitas reuniões, resolveram formar uma cooperativa. Então, 28 tecelões iniciaram o seu projeto, arrecadando uma pequena quantia mensal de cada um dos associados e tendo, somente em outubro de 1844 (um ano após) conseguido registrar a cooperativa, que iniciou suas atividades em Dezembro do mesmo ano, com a inauguração do armazém da cooperativa, que na época apenas continha uma quantidade ínfima de açúcar, farinha, manteiga e trigo. Essa iniciativa foi alvo de muitas piadas e descrédito, somado a isso, alguns dos tecelões encontravam-se em dificuldades, estavam endividados.
O empreendimento deles requereu coragem e sacrifícios, eis que, para que realmente obtivessem êxito, aos menos os cooperados deveriam adquirir seus produtos no armazém, no entanto, isto nunca foi uma exigência.
Gize-se que foi um sacrifício, pois os produtos disponibilizados no armazém da Travessa Sapo (toad lane) não tinham preços hábeis a competir com os grandes armazéns e havia uma grande limitação nos produtos oferecidos pela cooperativa, e sob este aspecto, a boa vontade e credibilidade das mulheres dos tecelões foi essencial.
Superadas as dificuldades, sempre unidos em torno de um ideal, a cooperativa foi crescendo e novos sócios foram integrando a cooperativa, que em 1866 já contava com 5300 sócios, e seguiu crescendo e cada vez mais atingindo seus objetivos.
Assim, surgiu o maior exemplo de cooperativa, seja pela formação (pessoas humildes), pela persistência, pelos objetivos nobres ou pela união. História digna de um romance socialista, que sobreviveu por mais de 70 anos e até hoje é citada em todos estudos sobre cooperativa.
A cooperativa dos Pioneiros de Rochdale teve como princípios estatutários os seguintes itens:
1. Fornecimento de gêneros alimentícios, vestuário e outras utilidades imprescindíveis para os membros do armazém cooperativo;
2. Ajuda mútua na compra ou construção de casas para seus membros;
3. Proporcionar trabalho aos membros desempregados;
4. Fomentar a poupança interna dos membros, em regime de economia mútua, para garantir o sucesso do empreendimento;
5. Auxiliar outras sociedades cooperativas que desejassem fundar colônias semelhantes.
E finalmente, os pioneiros guiavam-se pelas seguintes máximas:
· Para não se arriscarem, as vendas deveriam dar lucro, pois a honradez comercial exige a obtenção de algum benefício.
· Se vendessem algum artigo perdendo dinheiro, estariam obrigados a recobrar este prejuízo em outro produto. Que de maneira nenhuma deveriam imitar os comerciantes que fazem isso.
· Que as operações da cooperativa se realizam em pleno dia, que não pretendem vender mais barato do que os demais, que seu único propósito é vender lealmente.
Conhecer a história dos 28 tecelões, sua luta e seus objetivos é essencial para nortear o estudo das cooperativas, eis que a cooperativa da Travessa do Sapo representa a alma da verdadeira cooperativa.
Finalmente, é de suma importância relembrar o início do cooperativismo no Brasil, conforme cita Irany Ferrari (1999), a primeira cooperativa que obteve êxito foi criada em 1902, em Nova Petrópolis, Rio Grande do Sul: a Caixa Rural. Além desta, destaque-se a criação da Cooperativa dos empregados e operários da fábrica de tecidos da gávea, em 1913 e no mesmo ano a Coopfer em Santa Maria/RS, que chegou a ser considerada a maior cooperativa da América latina, tendo se desenvolvido muito bem até 1964. Destaca que neste ano surgiram outras cooperativas no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
No entanto, somente houve uma expressiva criação de cooperativas na década de 40, no governo de Getúlio Vargas, que incentivou a criação de cooperativas de trigo e soja (mercado que teve seu apogeu em 60/70).
2. COOPERATIVAS:PREVISÃO LEGAL
A partir do decreto 22.239/32 as cooperativas passaram a ser conceituadas como uma união de operários do mesmo ofício com a finalidade principal de melhoria de condições de trabalho e salários, sem a intervenção de um patrão, na contratação de obras tarefas ou serviços particulares. Este decreto foi substituído pela lei 5.764/71. Antes do referido decreto, as cooperativas eram ligadas diretamente aos sindicatos.
3. CARACTERÍSTICAS
As características das cooperativas estão claras no artigo 4º da lei 5764/71, como passa a transcrever:
“Art. 4º As Cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV - inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI - "quorum" para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital;
VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral;
VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;
IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.”
Os Valores essenciais ou pressupostos estão descritos no artigo 3º da mesma lei:
“Art. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.”
As cooperativas possuem forma e natureza jurídica próprias, devem ser constituídas por deliberação de assembléia geral. Tem como principio norteador o Princípio da dupla qualidade do cooperado, ou seja, as cooperativas são constituídas para prestação de serviços aos associados ou em proveito destes.
Segundo Irany Ferrari (1999) as cooperativas podem ter diferentes objetos, pode ser cooperativa de produção, de produção industrial, de trabalho, de compras, de vendas, de consumo, de crédito, de seguros, de casas populares, mista e etc.
Marcelo Mauad (2001) nos ensina que independente da forma de cooperativa, todas são organizadas em sistema de auto-gestão (decorrente da gestão democrática realizadas pelos sócios ou seus representantes eleitos em assembléia).
4. CRESCIMENTO DESENFREADO
Apesar de todo o histórico de sucesso demonstrado, infelizmente não é esta a motivação principal do crescimento do número de cooperativas. Dois fatores podem ser apontados como responsáveis por tal situação, o desemprego e a possibilidade de burlar a lei.
O desemprego é fator importante, pois, diante deste fator, a formação de uma cooperativa tende a ser uma solução para a insegurança que assombra as relações de trabalho em nosso ordenamento.
Mas não se pode fechar os olhos para outra triste realidade que foi incentivada pela aprovação da Lei n. 8.949, de 09.12.1994, que incluiu o parágrafo único ao art. 442 da CLT, estabelecendo a inexistência de vínculo de emprego entre cooperativa e cooperado, e entre cooperado e empresa tomadora de seus serviços. Esta lei incentivou uma verdadeira propagação de cooperativas de trabalho com o único intuito de baratear os custos com mão-de-obra, pela não incidência da proteção justrabalhista. Este fenômeno gerou um estereótipo negativo à instituição, prejudicando, a imagem das cooperativas legítimas.
5. MECANISMOS DE CONTROLE: ATUAÇÃO DO MPT
O Ministério Público do Trabalho, atento às tentativas de desvirtuamentos do instituto, tem investigado, firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta – TAC, e ajuizado ações civis públicas visando coibir esse tipo de fraude.
O método judicial utilizado pelo MPT para coibir as falsas cooperativas é a ação civil pública, cuja legitimidade se respalda no artigo 91 da Lei nº 8.078 de 1990 (CDC), que reconhece à instituição a possibilidade de atuação como substituto processual na defesa dos direitos individuais homogêneos. Além do artigo 129, III, da CRFB/88, que legitima o MP a agir na defesa do patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
5.1 Direitos individuais homogêneos e Direitos difusos e coletivos
Mas, em que consistem os mencionados direitos difusos e coletivos, em oposição aos direitos individuais homogêneos? Esta definição pode ser encontrada no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.° 8.078/90) que, em seu artigo 81, incisos I e II, assim preceitua:
I " interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;(grifei)
II " interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. (Grifei)
Pela análise, direitos difusos não teriam a determinação do grupo atingido, enquanto nos direitos coletivos, seria possível identificar o grupo ou classe de pessoas atingidas. Mas quando nos referimos a direitos individuais homogêneos? Ives Gandra Martins Filho ensina que:
“A pedra de toque distintiva dos interesses difusos e coletivos em relação aos interesses individuais homogêneos é a potencialidade da lesão no que concerne dos dois primeiros e a efetividade da lesão em relação ao terceiro.A lesão ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, cultural, turístico e paisagístico, bem como aos direitos do consumidor, afeta os potenciais usuários do bem lesado: são considerados como afetados pela lesão de caráter difuso não apenas aqueles que efetivamente adquiriram produtos deteriorados ou usufruíram das condições melhores de determinada localidade, mas também todos aqueles que, potencialmente, poderiam usufruir dessas condições e delas foram privados pela lesão. Daí a impossibilidade de determinação efetiva dos que teriam sido afetados pela lesão ocorrida. Já o que caracteriza os interesses individuais homogêneos é a possibilidade de determinação dos que foram efetivamente afetados, pois a lesão é comum e real a todos eles. Daí que o CDC deu tratamento distinto para cada uma dessas hipóteses, criando, para a defesa desses últimos interesses, um instrumento próprio, que é a ação civil coletiva.” (MARTINS FILHO)
Em outro texto referente à ação civil coletiva e ação civil pública o autor ainda refere:
No que respeita à natureza da sentença, temos que a ação civil pública visa à prolação de sentença de caráter condenatório genérico (multa reversível a um Fundo Federal e não diretamente ao trabalhador lesado) ou cominatório (imposição de obrigação de fazer ou não fazer), mas nunca reparatório. Já a ação civil coletiva visa justamente à obtenção de reparação pelos danos sofridos individualmente pelos trabalhadores lesados (Lei nº 8.078/90, art. 91)”. (...) Quanto à legitimidade para a propositura da ação civil pública e da ação civil coletiva pelo Ministério Público do Trabalho, temos que ela é concorrente com o sindicato quando se trata da defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos (CF, art. 129, §1º; Lei nº 7.347/85, art. 5º, I e II; Lei 8.078/90, art. 82 e 91)(4). Quanto aos interesses difusos, apenas o Ministério Público do Trabalho teria legitimidade para propositura da ação civil pública, na medida em que os sindicatos têm como finalidade a defesa dos interesses da categoria (CF, art. 8º, III) e não o daqueles que ainda não fazem parte dela. (MARTINS FILHO, 1996)
Portanto inegável a colaboração do Ministério Público do Trabalho na fiscalização e moralização das cooperativas, mas é imprescindível bom senso na atuação e não uma generalização, que tem sido alvo de crítica de muitas cooperativas legais existentes no país.
6. HARMONIZAÇÃO COM DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR
No artigo 1º da Constituição Federal estão assegurados os princípios fundamentais, entre estes: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A consagração destes valores aqui enumerados somente ocorre com o trabalho, seja pelo emprego ou por um empreendimento, e é neste ponto, que as cooperativas são grandes aliadas no alcance dos direitos fundamentais do trabalhador, que encontra uma alternativa para o desemprego.
O cooperativismo, fundado em valores de alta significação, exalta o homem, destronando a propriedade, que tem servido, ao longo da história do capitalismo, a toda espécie de opressão e exploração. O homem passa a ser proprietário de sua força de trabalho, existe bem mais precioso que este? Dispor sobre seu próprio trabalho e sobre o seu futuro profissional?
O cooperativismo faz do capital, elemento a serviço do homem, o que propicia o fim dos conflitos ente capital e trabalho e a titularização, pelos trabalhadores, dos meios de produção. Ainda pode corrige os desajustamentos provocados pelo capitalismo, impedindo a exploração do homem pelo homem e possibilitando a obtenção do justo preço dos produtos e serviços.
Assim, a existência de cooperativas se aproxima dos direitos fundamentais pelas pois resgata a dignidade , exalta o homem enquanto ser dinâmico, corrige os desajustamentos provocados pelo capitalismo e impede a exploração do homem pelo homem. Desta forma a harmonia do cooperativismo com os fundamentos e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito constituído pela Constituição da Republica Federativa do Brasil se evidencia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERRARI, Irany. Cooperativas de trabalho: existência legal. São Paulo: LTr, 1999. 109p.
HOLYOAKE, George Jacob. Os 28 tecelões de Rochdale. 5. ed. Porto Alegre: WS, 2001. 95p. (Saber/Fazer Unimed-RS).
MAUAD, Marcelo. Cooperativas de trabalho: sua relação com o direito do trabalho. 2.ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 2001. 402p.
MARTINS FILHO, Ives Gandra. A Importância da Ação Civil Pública no ÂmbitoTrabalhista. In Planalto. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_25/artigos/Art_MinistroIves.htm. acesso em Mar 2010.
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Ação Civil Pública E Ação Civil Coletiva. Revista da Procuradoria Geral do INSS. Brasília. Janeiro de 1996. p. 21-30. Disponível em: http://www.ipedc.org.br/admin/acaocivilpublicaeacaocivilcoletiva.doc)
MARTINS FILHO, IVES GANDRA DA SILVA ; OUTROS. Cooperativas De Trabalho. In: Seminário de Cooperativas de Trabalho, 2006, Brasília-DF. Cooperativas de Trabalho Labor Cooperatives. São Paulo : LTr, 2006.
Mestranda em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Gama Filho (UGF/RJ), Graduada pela Universidade Federal de Pelotas/RS (UFPel). Bolsista CNPq.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Dárlen Prietsch. Cooperativas como instrumento para o alcance de direitos fundamentais do trabalhador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2010, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19930/cooperativas-como-instrumento-para-o-alcance-de-direitos-fundamentais-do-trabalhador. Acesso em: 23 dez 2024.
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