1. CONSIDERAÇÕES INCIAIS
Atualmente a desestruturação do sistema prisional traz a baila o descrédito da prevenção e da reabilitação do condenado. Nesse sentido, a sociedade brasileira encontra-se em momento de extrema perplexidade em face do paradoxo que é o atual sistema carcerário brasileiro, pois de um lado temos o acentuado avanço da violência, o clamor pelo recrudescimento de pena e, do outro lado, a superpopulação prisional e as nefastas mazelas carcerárias.
Sem baldas de dúvidas, vários fatores culminaram para que chegássemos a um precário sistema prisional, entretanto, o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público ao longo dos anos vieram por agravar ainda mais o caos chamado sistema prisional brasileiro.
Sendo assim, a prisão que outrora surgiu como um instrumento substitutivo da pena de morte, das torturas públicas e cruéis, atualmente não consegue efetivar o fim correcional da pena, passando assim, a ser apenas uma escola de aperfeiçoamento do crime, além de ter como característica um ambiente degradante e pernicioso, acometidos dos mais degenerados vícios, sendo impossível a ressocialização e socialização de qualquer ser humano.
2. DAS MAZELAS PRISIONAIS
2.1 A SUPERPOPULAÇÃO NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS
A macrocomunidade nos presídios não é do desconhecimento do poder público, no entanto, cada vez mais a população carcerária cresce e poucos presídios são construídos para atender a demanda das condenações. Nesse sentido, os presídios superlotados vêm agravando a anomalia que é o sistema prisional brasileiro. A superpopulação nos presídios representa uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais, nesse aspecto, basta citar o art. 5º, XLIX, da Carta Magna (a qual assegura aos presos o respeito á integridade física e moral), bem como lembrar, que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares da Constituição.
Impende salientar que a própria LEP no seu art. 88, estabelece que o cumprimento da pena seja em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados. Ademais o art. 85 da Lei de Execução Penal prevê que deve haver compatibilidade entre a estrutura física do presídio e a sua capacidade de lotação.
Nesse contexto, a superlotação nos presídios tem como efeito imediato a violação a normas e princípios constitucionais, trazendo como conseqüência para aquele que foi submetido a uma pena privativa de liberdade uma “sobrepena”, uma vez que a convivência no presídio trará uma aflição maior do que a própria sanção imposta.
A superlotação nos presídios impede que possa existir qualquer tipo de ressocialização e atendimento a população carcerária, o que faz surgir uma forte tensão e violência, como conseqüência as constantes rebeliões nos presídios brasileiros fruto dessa ausência de infra-estrutura no sistema penitenciário. Esse tem sido um dos maiores problemas enfrentados pelo sistema prisional brasileiro, o enorme déficit na existência de vagas nos presídios vêm se agravando a cada ano, apresentando seus reflexos principalmente nos distritos policiais, que passaram a ocupar de forma temporária as funções penitenciárias em alguns estados brasileiros.
No Brasil a situação do sistema carcerário é tão precária que no Estado do Espírito Santo[1], chegou a ser utilizados contêineres como celas, tendo em vista, a superpopulação do presídio. Tal fato ocorreu no município de Serra, região metropolitana de Vitória. A Unidade prisional tem capacidade para abrigar 144 presos, mas atualmente encontra-se com 306 presos. Sem dúvida, os direitos e garantias individuais da qual o preso possui não foram respeitados, dessa forma, os presos são literalmente tratados como objetos imprestáveis pelo qual jogamos em depósitos, isto é, em contêineres, afinal para parte de uma sociedade alienada, o preso não passa de “lixo humano”.
A demora acentuada na concessão de benefícios aos condenados é um dos fatores que contribuem para a evidente fragilidade do sistema prisional brasileiro. Ademais, o abandono do preso após a condenação é gritante, seja por parte do Estado, seja por parte dos demais operadores do direito, especialmente os advogados, pois para alguns desses defensores o trabalho já fora cumprido na defesa até o trânsito em julgado da sentença, esquecendo estes dos incidentes de execução, ou se não foram esquecidos, agora já poderão ser tratados pelos advogados mais “simples”, tendo em vista que a tragédia maior já aconteceu, qual seja, a condenação, sendo o resto suportável.
Nesse sentido precisamos avocar nossas próprias omissões, seja o magistrado na aplicação da pena e demais procedimentos; seja o promotor na acusação, seja o delegado na investigação criminal e principalmente o advogado que deve cumprir o seu papel de acordo com os ditames da dignidade da pessoa humana, atento ao seu primordial trabalho na administração da justiça, além é claro dos profissionais da área de execução penal (agentes penitenciários) que embora não tenham o reconhecimento de seu trabalho por grande parte da sociedade são essências na busca de um futuro de transformações na área carcerária.
Outro ponto de vista que deve ser analisado é o esposado pela socióloga Julita Lemgruber[2], que aponta como solução uma maior racionalidade na imputação das penas alternativas e o empenho do Estado na melhoria dos presídios existentes e na construção de novos, são fundamentais para resolver o problema.
Nesse sentido, a racionalidade da imputação das penas, deve ser observada por todos os operadores da sistemática penal. Pois, algumas penalizações só fazem aumentar a população carcerária e estimular a fábrica de delinqüentes. Podemos vislumbrar na prática tal pensamento, nos casos em que pessoas ingressam no sistema carcerário após terem cometido um crime famélico (ex.: furtar uma lata de leite). Doravante, o crime de furto caracterize crime contra o patrimônio, apenado com reclusão de 1 a 4 anos e multa (art.155, CP) e nos casos qualificados a sanção é de 2 a 8 anos. Eis a indagação, mas até onde existe o animus dolandi quando fica evidente a singular pretensão de saciar o grande legado da pobreza, ou seja, a fome? Tal reflexão coaduna com o seguinte verbete necessitas facit justam qued de jure non est licitum[3]. Tal fato ocorre tendo em vista grande parte da população ainda sobreviver abaixo da linha da pobreza. Cabe ressaltar, que não convém à aquele que furta alimentos a pretensão de aumentar seu patrimônio. Nesse sentido, incidindo o que a doutrina penal chama de necessitas inevitabilis[4].
Enfim a superlotação e suas nefastas conseqüências supra citadas encontra-se visíveis a todos da sociedade não sendo preciso ser um expert em sistema prisional para concluir o evidente déficit de vagas existentes nos estabelecimentos penais. A título de exemplo podemos destacar os dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional[5], que indicam um déficit de mais de 180.000 vagas em todo o país. Sendo 422.590 presos existentes no país, em um sistema prisional que só tem capacidade para 260 mil detentos e abriga mais de 400 mil.
2.2 A PROMISCUIDADE
A promiscuidade é outra decorrência da superlotação, pois normalmente os presos são jogados de forma desordenada numa só prisão e numa só cela, presos das mais diferentes categorias. Normalmente encontram-se presos provisórios misturados com presos já condenados em definitivo e de diferentes personalidades criminógenas. Consistindo em uma verdadeira afronta aos ditames da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal.
Nesse aspecto, não se leva em conta distinções importantes tais como: condenado com trânsito de sentença, condenados definitivamente (reincidentes e primários), o preso provisório. Tais divisões são importantes para que um eventual punguista não se transforme em um homicida, além é claro de resguardar presos que ainda não foram condenados definitivamente, favorecendo assim, o princípio da presunção de inocência, preservando tais presos de uma possível contaminação criminosa. Impende salientar que no Brasil já se chegou ao cúmulo de misturar homem e mulher em uma mesma cela. A título de exemplo podemos lembrar o fato ocorrido no Estado do Pará[6], quando uma adolescente de 15 anos, foi presa em flagrante por furto ficando detida por 26 dias, em uma cela com cerca de 20 homens na delegacia de Abaetetuba, na região metropolitana de Belém.
Tal fato retrata não só o cenário de desrespeito ao preso, mas, o processo de falência ao qual está inserida toda a sistemática penal (Polícia, Justiça Criminal, Sistema Prisional).
2.3 A FALTA DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA E CAPACIDADE ADMINISTRATIVA
A ausência de capacidade administrativa é notória, muitos dos diretores de presídios são recrutados pela via do interesse político, cabe salientar que alguns nem esperavam receber tal designação, não tendo preparo especial para o trato com o criminoso, uma vez que não conhece a complexidade das chagas da qual o contexto prisional está eivado.
Nesse sentido, está correta a afirmação do professor João Farias Júnior[7], lidar com delinqüente exige capacidade especifica diversa daquela exigida para lidar com empregados de uma empresa.
A temporariedade e instabilidade do cargo de administrador penitenciário são outros problemas dentro da temática prisional, como o cargo é comissionado, o diretor do estabelecimento prisional pode ser exonerado ad nututm, principalmente nos momentos de crise da administração prisional. É comum a designação de oficiais do quadro da Policia Militar dos Estados, como dirigentes das unidades prisionais.
Segundo alguns autores, esse é outro problema na seara da administração prisional, uma vez que, a designação de militares para tal cargo leva crer que a administração dos presídios será realizada através de um empirismo dos quartéis e como decorrência tem dificultado a humanização nos presídios, porque não se pode comparar a figura do policial com o detento, pois o diretor inclinaria a sua administração como se fosse um quartel.
Diante de tal afirmação, surge a indagação de quem seria a incumbência de gerir a administração prisional. No meu entender, a priori não há outro agente público que possa fazer jus ao cargo, mesmo entendendo que o profissional da área militar não é o preparo humanístico e o conseqüente conhecimento do direito penitenciário (Lei de Execução Penal), sendo uma falha no que tange a gerência das unidades prisionais. Contudo, os oficiais do quadro da policia são incumbidos de tal função, não pela vivência de quartéis, mas sim pela experiência de sua formação policial que vai desde aspirante até o oficialato, não podemos esquecer que muitos desses oficiais passaram por CIA. Especializadas (em Pernambuco, Choque e CIOE) no combate as rebeliões nesses mesmos presídios, tendo assim pelo menos uma experiência operacional, propiciando uma melhor segurança interna e externa. Difícil seria entender que um Magistrado ou um membro do Ministério Público assumisse tal cargo aqui no Brasil, muito embora em outros países, como a França possua tal encargo, pois embora tenha grande conhecimento teórico-prático de leis, ainda sim, quanto ao aparelhamento operacional deixariam a desejar. Portanto, o ideal seria um quadro de administradores em carreira que juntassem os conhecimentos operacionais e os princípios ressocializadores em uma só pessoa para que pudesse gerir a administração prisional.
2.4 PRIVILÉGIOS E CORRUPÇÃO NAS PRISÕES
Um fenômeno rotineiro nas prisões é a corrupção, onde alguns agentes públicos recebem vantagens indevidas (propinas), oferecidas pelos presos para a obtenção de certos privilégios, isto acontece, ora por parte da população carcerária da qual é privilegiada com determinadas vantagens pessoais, ora porque as relações existentes na prisão celebram-se com o envolvimento de dinheiro e do tráfico de drogas. A corrupção é verificada pelos órgãos de segurança quando realizam vistorias e operações internas em busca de objetos proibidos.
Em 21/08/2002, o Batalhão de Choque da Policia Militar de Pernambuco, realizou uma grande operação no presídio Professor Aníbal Bruno, bairro Curado, em Recife, onde encontrou 3.450 detentos, atualmente 3.536, basicamente presos aguardando julgamento por parte da justiça. Nessa operação foram encontrados em poder dos reclusos, telefones celulares, barrotes de madeira, filmadora, cachimbos para o uso do crack, drogas (maconha) e “chunchu” (facas artesanais), além de dois aparelhos de telefones convencionais, segundo noticiou o Diário de Pernambuco.[8]
Tal fato comprova o poder de comunicação dos detentos com as pessoas que se encontram fora dos presídios, culminado muitas vezes em seqüestro, no comando do tráfico de drogas e em extorsões, além da corrupção efetiva dos agentes de segurança prisional no tocante a entrada de entorpecentes e objetos escusos que indubitavelmente adentram nos presídios durante as visitas familiares e íntimas.
Em decorrência dessa rede de corrupção surgem alguns privilégios para os detentos, contudo, tais regalias só são oferecidas aos que podem pagar por elas, uma supremacia do mais forte sobre o mais fraco. O Jornal Diário de Pernambuco[9] denunciou no ano de 2006, as mordomias que alguns presos tinham no Presídio Professor Aníbal Bruno, os detentos chegam a pagar até três mil reais para ter privilégios e para reformar a própria cela, podendo assim usufruir de suítes de luxo com direito à luz de neon, toda em cerâmica, equipada com aparelho de televisão de tela plana e home theater. Além disso, acesso à TV por assinatura e chuveirões para se refrescar do calor, sem falar no serviço de entrega de pizza “em domicilio” e plantação particular de maconha. Na contramão dos que dispõem de tanto luxo, alguns reclusos são obrigados a conviver em celas apertadas e alguns chegam a dormir até no banheiro por falta de espaço nas celas.
Diante desse contexto de corrupção e privilégios indevidos, o poder estatal é enfraquecido e desviado de seus projetos e objetivos ressocializadores depauperando a sociedade e estimulando o descrédito da população na sistemática penal brasileira.
2.5 REBELIÕES
São revoltas contra o poder estabelecido, em regra, costumam deixar sérios danos matérias nos presídios e vultosos números de mortes. As rebeliões são decorrências da promiscuidade carcerária as quais os detentos são submetidos quando ingressam nos presídios brasileiros.
Relembra o Professor Adeildo Nunes[10], que o primeiro grande movimento de presos, com repercussão nacional, aconteceu em 21/06/1952, no Presídio da Ilha Anchieta, em São Paulo, quando cerca de 300 presos rebelaram-se, desarmaram todo o efetivo policial que fazia a segurança no Presídio e empreenderam uma fuga. Depois de tal acontecimento, surgiram várias rebeliões que marcaram o sistema prisional brasileiro, temos em 1987, em um dos presídios do Carandiru, em São Paulo, onde 31 presos foram mortos, após a realização de uma rebelião. Em outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo[11], na época com mais de 7 mil presos, foi instaurada uma rebelião que culminou com a morte de 111 presidiários, que perseguiam melhores condições prisionais.
Entretanto, foi no Estado de São Paulo, em 2001, o palco da maior rebelião já vista no Brasil, liderada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), do qual 29 presídios localizados em 19 municípios do Estado de São Paulo aderiram a rebelião, que contabilizou o número de 13 mil reféns durante mais de 24 horas, aproximadamente 27 mil presos participaram da denominada rebelião simultânea, todo esse aparato do poder paralelo aconteceu para protestar a transferência de alguns presos integrantes da organização criminosa PCC para outros presídios.[12]
Essas rebeliões “normalmente” insurgem como forma de protesto e reivindicações, decorridas do descontentamento do preso em face da omissão do Estado. Nesse sentido, são frutos das péssimas condições existentes nos presídios, como por exemplo, alimentação precária, falta de higiene, falta de condições ambulatoriais, maus-tratos e torturas, em face de um tratamento desumano, a superlotação nas celas, a ausência de assistência jurídica e a precariedade na infra-estrutura. Dessa forma, as rebeliões demonstram forte sistematização dos gurpos paralelos ao Estado, bem como a fragilidade do Estado.
2.6 AS FUGAS
Devido à falta de segurança absoluta e a deficiente infra-estrutura de nossos presídios, são constantes as fugas. Elas são realizadas de maneira sistêmica, uma vez que os presos utilizam-se de instrumentos eficazes, o qual muitas vezes são capturados pelos próprios presos dentro do estabelecimento prisional, através construções em andamento dentro de tais presídios. Dessa forma, os presos escavam túneis, serram grades de ferro, cortam paredes, aproveitam-se das transferências de presos para fulgar, tudo em busca da liberdade, pois do contrário terão que conviver com as nefandas mazelas prisionais.
Fugas espetaculares costumam acontecer nos presídios brasileiros, diante da freqüente ociosidade da qual o preso é submetido, costumam aproveitar o tempo para arquitetar os mais imagináveis meios de fuga. A título de exemplo, podemos citar a fuga ocorrida em 2001, no Presídio Professor Aníbal Bruno[13], no bairro do Curado, em Recife, um caminhão de coleta de lixo tomado por comparsas dos presidiários atingiu um dos muros da prisão, numa audaciosa operação resgate que culminou com a fuga de cinco reclusos. Impende relembrar, a ação audaciosa que culminou nos resgate de dois presidiários na Penitenciária José Parada Neto[14], localizada em Guarulhos, quando homens utilizando-se de um helicóptero resgataram presos da referida penitenciária.
Nesse diapasão, as fugas são resultados diretos, das superlotações oriundas da falta de construção de novos presídios, da admissão de novos agentes públicos para suprir a necessidade prisional, da ociosidade do preso, da condescendência de agentes públicos corruptos e das sindicâncias que não elucidam a autoria de crime algum, não punindo desse modo o agente público envolvido nessas organizações criminosas dentro dos presídios, são alguns dos fatores que contribuem para as fugas nos presídios brasileiros.
2.7 A OCIOSIDADE DO RECLUSO
A falta de ocupação ou de trabalho dos presos vem sendo um grande problema no sistema penitenciário, visto que, o preso ocioso tem tempo para arquitetar as suas maquinações delinqüênciais, diz a sabedoria popular que “cabeça vazia e mãos desocupadas são as melhores oficinas do diabo”. A Ociosidade faz com que os presídios sejam transformados em base de comando para os detentos, uma vez, que eles comandam o crime dentro e fora da prisão. Desse modo, o Estado não consegue reabilitar o apenado, gasta dinheiro público e a sociedade continua sem segurança quando esse recluso voltar ao seio social. Importante acrescentar, que aproximadamente 82% dos detentos no Brasil não trabalham.
Nesse sentido, tem toda razão o Professor Roberto Porto[15] , quando afirma que o preso ocioso é caro, inútil e nocivo à sociedade. No Brasil, o custo mensal do preso é três vezes maior do que a manutenção de um aluno na escola pública do ensino fundamental.
2.8 A FORMAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
O surgimento das facções criminosas tem sua origem mais conhecida em 1860, nos Estados Unidos, com o sindicato do crime ou máfia, formada basicamente de imigrantes italianos, uma das mais antigas e conhecidas facções criminosas. Essas embrionárias facções criminosas são as raízes do crime organizado de hoje, uma vez, que suas finalidades se confundem entre elas. Desse modo, atuam com fortes investimentos ilegais, narcotráfico, prostituição, jogos ilegais e contrabando de armas.
No Brasil o primeiro registro de facção criminosa é com o Comando Vermelho (CV), criado em 1979, no Presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, localizado no Rio de Janeiro, tudo começou a partir da convivência entre presos comuns e militantes de grupos armados, que na dada época combatia o outro mal que era a ditadura militar. Contudo, tal facção surgiu a partir da Falange Vermelha, cujo ideal era “Paz, Justiça e Liberdade”. Seus fundadores são José Carlos dos reis Encina, o “Escadinha”, Francisco Viriato de Oliveira, o “Japonês”, José Carlos Gregório, o “Gordo” e William de Silva Lima, o “Professor”.[16]
Atualmente a formação de facções criminosas ganhou mais força com o nascimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado de São Paulo, precisamente na Casa de Custódia e Tratamento “Dr. Arnaldo Amado Ferreira”, de Taubaté, em agosto de 1993. Tal facção ganhou mais notoriedade após a rebelião simultânea ocorrida em 2001, no Estado de São Paulo. Cabe salientar que essas organizações criminosas tendem a disseminar principalmente pela constante transferência de presos para outros estabelecimentos penais.
Diante de uma síntese exemplificativa de algumas facções criminosas, está comprovado que tais organizações proliferam por todo o país. A formação de grupos mafiosos em um sistema marcado pela macrocomunidade prisional é uma das mazelas derivadas da superlotação. A proliferação dessas facções criminosas também é resultado da má administração e da precariedade dos sistemas prisionais estaduais. Nessas facções sempre emergem líderes e liderados, organizando grupos para comandar as penitenciárias brasileiras, confeccionar e adquirir armas, traficar entorpecentes e álcool e violentar sexualmente os companheiros.
2.9 A SAÚDE PÚBLICA NOS PRESÍDIOS
A saúde pública no sistema prisional é inexistente, o Censo Penitenciário Nacional[17] indicou que 1/3 da população carcerária é portadora do vírus HIV. Isto se deve em função das instalações precárias, grande circulação e migração de pessoas, insalubridade, falta de atendimento médico, além das práticas de riscos existentes nos presídios brasileiros, por exemplo, o uso de drogas e as relações sexuais sem os devidos procedimentos preventivos. A situação da saúde pública nos presídios é tão degradante que o preso para receber assistência médica na maioria das vezes tem que sair da unidade prisional para receber o tratamento médico adequado, sendo visível o desastre da saúde publica nos presídios. Os ambulatórios que sobrevivem à má administração não possuem as mínimas condições de tratamento médico. No Brasil, somente 20% dos presos possuem assistência médica.
Dessa forma, os presídios são um importante meio de transmissão da tuberculose e de desenvolvimento de formas resistentes da bactéria causadora da moléstia à medicação. Nesse aspecto, se faz necessário para a melhoria das condições de encarceramento, a garantia de assistência saúde, acesso rápido aos meios de diagnósticos e tratamento supervisionado por uma equipe permanente, fiscalizando todos os casos de doenças.
Impende salientar que, as doenças não ficam restritas aos muros dos presídios, pois muitas dessas doenças são levadas para a sociedade pelos servidores penitenciários, bem como dos parentes dos presos, e a partir das visitas íntimas a sua propagação só faz aumentar.
Segundo a especialista do Ministério da Saúde a Dra. Maria Cristina Fernandes[18], as principais doenças verificadas nos presídios do país são a tuberculose, as doenças sexualmente transmissíveis (DST), hepatite e dermatoses. As doenças infectocontagiosas saem dos presídios pelo contingente de cerca de 200 mil servidores prisionais, que tem contato direto com a população carcerária, pois são funcionários que passam oito horas no serviço e voltam à sua comunidade.
Portanto, fica evidente a urgência do poder público se movimentar para ao menos diminuir o contágio das doenças, bem como fiscalizar e criar meios que forneçam à assistência médica nos presídios, desta forma, evidenciando a dignidade da pessoa humana.
2.10 A MOROSIDADE PROCESSUAL E OS ERROS DO JUDICIÁRIO
A falta de agilidade processual tem sido umas das mais cruéis e desumanas mazelas, uma vez que, tortura os criminosos não perigosos e concorre para a degeneração dos presos provisórios. Muitos desses detentos costumam passar anos nas cadeias do Brasil sem ter ao menos sido condenado.
Tal morosidade ainda é pior quando se trata de erro judiciário, como foi o caso de Marcos Mariano da Silva[19], ex-mecânico, que foi preso em 1979, acusado de ter praticado um homicídio, ficando preso por 19 anos, sem sequer ser julgado, parte dessa pena sem condenação passou no presídio Professor Aníbal Bruno. Em 1992, durante uma rebelião, policiais invadiram o presídio e detonaram bombas de efeito moral nas celas e pavilhões, recolhido na “cela cinco do pavilhão B”, Marcos Mariano da Silva, foi atingido no olho esquerdo por estilhaços de uma granada e perdeu a visão depois de seis meses. O olho direito também foi afetado e em 1997, o ex-mecânico ficou cego. Interessante ressaltar, que o erro só foi detectado em 1998, durante um mutirão judicial para a avaliação de processos no presídio. O erro judicial foi ocasionado por conta de um quase homônimo do ex-mecânico Marcos Mariano da Silva e o verdadeiro criminoso “Marcos Mariano Silva”.
O fato é que a morosidade processual e o erro judiciário influenciaram para que um inocente fosse depositado em um presídio com celas superlotadas, acompanhado de criminosos de alta periculosidade. Tenho a certeza de que não é difícil encontrar pessoas presas nos presídios brasileiros, sem ao menos terem sido julgadas, além daquelas pessoas que passam meses e até anos presas por furtarem pão e margarina por que tinham necessidade de se alimentar e não tinham dinheiro para tanto. Por isso, se faz necessário acelerar a maquina processual para que pessoas não sejam depositadas em prisões, por causa de erros judiciais ou por furtos famélicos. Claro que devemos punir quem furta, mas com a medida certa, tanto é assim, que temos em nosso ordenamento a previsão das alternativas legais (penas restritivas de direito).
3. POTENCIAIS ALTERNATIVAS À CRISE CARCERÁRIA
Com uma breve análise dos problemas existentes no âmbito prisional, é notório que o desinteresse de melhorar o sistema carcerário advém da sociedade e das autoridades públicas que não investem nesse setor.
A sociedade esquece que o reflexo desse trágico sistema reluz nela própria, em decorrência temos menos presos ressocializados e mais criminosos a solta, aterrorizando-a. por conseguinte, está mais do que na hora de cada cidadão avocar a sua parcela de responsabilidade no problema prisional e discutir melhorias junto aos governantes, demais poderes constituídos e entidades. Nesse sentido, torna-se urgente a união de esforços entre o Estado e a sociedade na busca de mecanismos concretos e eficazes para se atingir a principal finalidade da pena privativa de liberdade, que é a ressocialização do apenado.
Destarte, passemos a discutir algumas propostas com a intenção de solucionar a crise carcerária.
3.1. ASSISTÊNCIA RELIGIOSA
A religião é um fator positivo nos presídios brasileiros e vem ajudando o apenado a redescobrir os padrões morais e sociais através da religião. Grupos religiosos costumam freqüentar os presídios na tentativa de mudar a conduta do criminoso através de seus ensinamentos, desempenhando um papel de disciplinamento e conversão religiosa na população carcerária.
Por mais que se diga que nas prisões existam presos inescrupulosos, ainda sim, eles se sentem “tocados” pela prática religiosa, haja vista, que a religião se torna dentro dos presídios a uma das fontes de motivação para mudar a sua vida, aproximando o detento de uma convivência social respeitada, como são as comunidades religiosas. Dessa forma, é perante o fracasso por parte do Estado na realização de atividades corretivas e reeducacionais que os princípios religiosos vêm suprindo parte da tarefa de ressocialização do preso.
Nesse diapasão, o recluso religioso em geral tem um comportamento diferenciado em relação aos outros presos, dessa forma, raramente participam de tumultos, protestos, motins e rebeliões. Tais presos são bem vistos pelos diretores dos presídios, em face da atenuação de seus instintos violentos. Por conseguinte, é imprescindível a participação da comunidade religiosa, como uma das alternativas de ressocialização do detento.
3.2. A CONSTRUÇÃO DE NOVOS PRESÍDIOS
Como afirmamos outrora, não vai ser com a construção de novos presídios que as mazelas inerentes ao sistema prisional irão desaparecer. Mas, sem dúvida alguma, diminuirá a superlotação instalada nos presídios brasileiros.
É necessário, que o poder público invista na construção de novos presídios e na manutenção dos já existentes. Contudo, o descaso do poder público é o maior problema a ser enfrentado pela população carcerária. Em Pernambuco, por exemplo, uma reportagem divulgada pelo Jornal do Commercio[20], em julho de 2008, constatou que 93 dos 184 municípios pernambucanos têm “cadeias públicas”, sendo que das 93 cadeias públicas existentes no interior do Estado de Pernambuco, 26 estão desativadas, por ausência de manutenção e descaso das autoridades públicas, 13 cadeias encontram-se vigiada por apenas um policial militar. Somente nos meses de abril a julho de 2008, houve oito fugas e 54 presos escaparam.
Outro problema existente na seara prisional é a grande resistência da sociedade no tocante a construção de cadeias públicas e de presídios nas imediações urbanas, afora aqueles já existentes, onde a população tenta retirá-los do local com costumeiros protestos, a exemplo das Penitenciárias Agro-Industrial São João e Professor Barreto Campelo, localizadas no município de Itapissuma e Ilha de Itamaracá, respectivamente, no Estado de Pernambuco.
Nesse sentido, muitos municípios tomando conhecimento de uma simples proposta para a construção de uma unidade prisional, aprovam Leis Municipais proibindo a sua construção, o que na prática resulta em grave prejuízo para o sistema prisional e para os próprios detentos que com isso costumam cumprir suas penas longe de seus familiares, por conseqüente falta de prisão na localidade.
Neste momento de triste realidade do sistema carcerário o poder público e a sociedade têm que ceder determinados espaços, para que no futuro possamos ganhar uma efetiva segurança pública e uma concreta ressocialização; do contrário, esses fatores negativos que circundam o sistema prisional continuarão refletindo na sociedade.
3.3. VISTORIAS E REVISTAS
Outro importante mecanismo de combate contra as mazelas do sistema prisional tem sido as vistorias e revistas realizadas nas unidades prisionais.
Para se ter uma idéia de sua importância, no Estado de Pernambuco, uma vistoria realizadas em esforço conjunto entre a polícia militar e os agentes penitenciários, no mês de janeiro de 2004, chegou a apreender no presídio Professor Aníbal Bruno, mil pedaços de madeira utilizados como barrote, 10 aparelhos celulares, centenas de facas peixeiras, 500 gramas de maconha, cachimbos utilizados para o consumo de drogas, etc. [21].
Por intermédio da resolução nº 01, de 27-03-2000, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, recomendou a realização de revistas, através de meios mecânicos e manuais a todos aqueles que ingressarem nas prisões brasileiras, principalmente, em relação aos visitantes, servidores públicos e prestadores de serviço, recomendando ainda, a revista íntima em caráter excepcional.
Mesmo com alguns problemas existentes para efetuar a revista e a vistoria, considero ser de grande importância que as mesmas sejam implementadas sempre que possível, devido a dimensão de seu alcance, na tentativa de evitar a entrada de objetos irregulares e possível tráfico de drogas.
3.4. APLICAÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO
Sem baldas de dúvidas, a criação das penas restritivas de direito é um importante meio para atenuar a superlotação nos presídios além é claro de evitar a possível propagação dos efeitos deletérios de uma prisão. Pois, a pena restritiva de direito traz um novo formato de penalização, revendo o sistema de retribuição de pena. Ademais, as penas restritivas de direito implementam um caráter substitutivo em face das penas privativas de liberdade.
As penas restritivas de direito possuem um caráter duplo, ou seja, econômico e ressocializador, visto que, para o Estado a sua aplicação não terá nenhum custo, e ainda desafoga as já esgotadas vias tradicionais, além de visar o fim da impunidade para delitos de pequeno e médio potencial ofensivo e por outro lado livra o infrator dos malefícios de uma pena privativa de liberdade, diminuindo o índice de superlotação nos presídios e inserindo o infrator no seio social, tendo em vista, que o objeto da pena alternativa é promover a reintegração social, resgatando a sua cidadania através de seu trabalho e habilidades, mostra-se útil à sociedade. As estatísticas confirmam o acerto da adoção das penas alternativas. No Estado de São Paulo[22], enquanto a reincidência média do sistema penitenciário é de 47%, as penas alternativas restringe-se a 2%. O Estado de São Paulo gasta cerca de R$ 620,00 ao mês, para manter um preso numa penitenciária; enquanto um condenado à prestação de serviços à comunidade custa em média R$ 26,00.
Outra grande vantagem para a aplicação das penas alternativas reside no baixíssimo índice de reincidência. Ao passo que a taxa de reincidência dos condenados a pena privativa de liberdade oscila entre 70% e 85%, o índice é de 2% a 12% para as penas alternativas.
No panorama atual em que vive o sistema prisional brasileiro, onde a superlotação e o ambiente carcerário degradante são alguns dos principais fatores de desaculturação e de inversão de valores, não resta dúvida que as penas restritivas de direito evitam o principal resultado de quem já foi um dia encarcerado, qual seja a potencial reincidência e elevação da periculosidade. Desta forma, esses benefícios são impossíveis de se constatar diante de uma pena privativa de liberdade.
3.5. ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS
A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados é uma entidade civil que tem personalidade jurídica própria, sem fins lucrativos, sendo formada exclusivamente por voluntários, surgiu em 1972 em São José dos Campos (SP), com a participação direta do advogado Mário Ottoboni e um grupo de amigos cristãos que se uniram com o objetivo de amenizar os problemas enfrentados pela população carcerária.
Em 1986, o citado método[23] foi reconhecido pela Prison Fellowship International, que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como uma alternativa para humanizar o tratamento prisional e a execução da pena, foi a partir desse reconhecimento que o método passou a ser propagado mundialmente através de congressos e simpósios. Nesse sentido, a APAC, foi implementada como um órgão auxiliar da justiça, sendo auferida personalidade jurídica e passando a servir a vara de Execução Penal, no Estado de Minas Gerais.
A APAC é uma metodologia de reabilitação do condenado que tem demonstrado grande eficácia, pois, aplica métodos que sem perder a finalidade punitiva da pena, trabalha a recuperação do condenado, valorizando a dignidade da pessoa humana nos estabelecimentos prisionais, atuando como órgão auxiliar da justiça na execução da pena. Parte-se da premissa de que recuperando o infrator, estará protegendo a sociedade e prevenindo o surgimento de novas vítimas.
O sistema APAC estabelece uma escala de recuperação dividida em três fases de cumprimento da pena positivadas na Lei de Execução Penal, os regimes, fechado, o semi-aberto e o aberto. No regime fechado, o método busca estimular a auto-estima do reeducando oferecendo-lhe ocupação por meio de trabalho interno, através do artesanato, da confecção de têxteis e pintura de quadros, dentre outras atividades, propiciando ao apenado a descoberta de valores e talentos próprios através de uma reflexão e da criatividade estimulada pelo trabalho. O regime semi-aberto tem como objeto cultivar a formação de mão-de-obra especializada por meio de ensino profissionalizante, adequando a vocação e habilidades de cada recluso, por exemplo, costura, oficina mecânica, padaria. No regime aberto, o reeducando tem a possibilidade de não dormir na unidade prisional, devendo, porém, comparecer diariamente à unidade para assinar o livro de presença e estar presente em todas as atividades ressocializadoras, tendo assim, facilitado seu regresso ao convívio social.
A principal inovação que a APAC traz é o entendimento de que a questão carcerária é um problema de toda a sociedade e não exclusivamente do Estado e a metodologia baseia-se fundamentalmente em buscar na própria sociedade voluntários que estejam dispostos a colaborar no trabalho de readaptação do recluso, estimulando a parceria entre o Estado e a sociedade.
Em decorrência dos baixos índices de reincidência, a APAC tem realizado um trabalho surpreendente comparado com os sistemas convencionais, tendo em vista que a reincidência nacional gira em torno de 85% e a mundial 70%, enquanto que na APAC é inferior a 10%, sem contar que o custo percápita no sistema comum é de aproximadamente 04 (quatro) salários mínimos e na APAC de 01 (um) salário e meio. Tal método tem obtido como resultado um baixo número de fugas, ausência de rebeliões e demais atos de violência. Nesse contexto, o modelo brasileiro vem sendo adotado em diversos países, como as APAC. de Quito e Guayaquil no Equador, Córdoba e Concórdia na Argentina, Arequipa no Peru, Texas, Wiora e Kansas nos E.U.A., África do Sul, Alemanha, Bolívia, Chile, Costa Rica, Colômbia, Coréia do Sul, Estônia, Reino Unido, Suécia, Nova Zelândia, Panamá, Porto Rico e Filipinas.[24]
A efetividade da referida metodologia está atrelada as inovações principiológicas adaptadas para o cumprimento dos preceitos dispostos na Lei de Execução Penal, das quais podemos citar: o tratamento do apenado como uma pessoa de direitos e deveres, demonstrando ao detento que ele errou e deve ser punido, mas que o condenado merece respeito; palestras aos parentes dos presos no tocante a valorização humana, familiar e espiritual; o voluntariado, pois o trabalho da APAC é fundamentado na gratuidade, no serviço ao próximo; o estímulo de dependência recíproca entre os reeducandos, visando inserir um ambiente de solidariedade com os outros detentos, cultivando os bons costumes de uma sociedade, fazendo do convívio interno um círculo de apoio entre os reeducandos; assistência à saúde; a integração com a Comunidade, nesse sistema a própria sociedade se dispõe a ajudar os reclusos, onde passam por um curso de formação para conhecer técnicas de relacionamento com os internos; assistência jurídica, pois mais de 90% da população prisional não tem condições de contratar um Advogado, especialmente na fase da execução penal, quando o recuperando toma conhecimento dos inúmeros benefícios facultados pela lei; centro de reintegração Social;
Nesse contexto, não resta dúvida de que a metodologia APAC supre de forma satisfatória a lacuna deixada pelo Estado no que diz respeito à execução da pena, uma vez que o método respeita e dar cumprimento aos preceitos da Lei de Execução Penal, baseando-se em três princípios fundamentais: preparação do reeducando para o retorno ao convívio social, a proteção da coletividade na medida em que devolve à sociedade um indivíduo recuperado e a assistência à família do egresso que não é atingida pelos rigores da pena.
3.6. ASSISTÊNCIA AO EGRESSO
Segundo a Lei de Execução Penal, considera-se egresso o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento penal e o liberado condicional durante o período de prova, ou seja, é aquele que foi condenado a uma pena privativa de liberdade e posteriormente foi beneficiado com o regime aberto ou livramento condicional. Contudo, esse condenado ainda se encontra sob a custódia do Estado que aplicou a pena privativa de liberdade.
Nesse sentido, deve o Estado proporcionar meios para que não ocorra a reincidência e não abandoná-lo a própria sorte. A ausência de moradia e de trabalho são alguns dos fatores que geram o retorno dos egressos a prisão. Isso se explica diante de um ambiente tão degenerado que o preso viveu durante o cumprimento de sua pena e quando ele sofre o “fenômeno da desprisionalização”, ou seja, à volta á liberdade não tem as mínimas de condições de sobrevivência, sem emprego, moradia e a ausência de regularização nas suas documentações civis.
Quando o Estado investir em uma verdadeira assistência ao egresso, não tenho dúvidas de que a criminalidade irá diminuir, pois grande parte das pessoas que são presas e tem a possibilidade de voltar à liberdade gostariam de ter uma vida digna com sua família, moradia e trabalho. Observe que a assistência é um dever do Estado, que tem como objetivo prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, art. 10 da Lei de Execução penal.
Essa assistência segundo o art. 25 da Lei de Execução Penal consiste na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade e na concessão, quando necessário de alojamento e alimentação, em estabelecimentos adequados, pelo prazo de 2 (dois) meses, podendo ser prorrogado uma única vez quando for comprovado por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego.
Acredito que um maior investimento do poder público e da iniciativa privada no tocante a assistência do egresso, será uma das alternativas para diminuir a criminalidade nas ruas e a superlotação nos presídios brasileiros. Nesse sentido, cabe ao Estado participar ativamente com políticas de incentivo á contratação do egresso, criação de patronatos,
3.7. CUMPRIMENTO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
A Lei de Execução Penal está em vigor desde 11-07-1984, infelizmente, até então não se tem aplicado na prática, todos os seus dispositivos, por inércia do próprio Estado, exemplo: carência de patronatos, a ausência de assistência às necessidades básicas, como jurídica, educacional, social, etc., bem como, de atividades laborativas, de criação em cada Cidade, de Casa de Albergado, de Colônias Penais Agrícolas e Industriais, dentre outras providências.
No Brasil, nossos políticos e governantes preferem discutir sobre a pena de morte, recrudescimento das penas, regime disciplinar diferenciado, redução da maioridade penal e mobilização de propostas para classificarem crimes como hediondos, ao invés de discutirem e apresentarem soluções concretas para o apagão carcerário que existe no país.
A retórica de alguns políticos tem o sentido de iludir a sociedade com esses tipos de medidas, que a curto prazo, não resolvem o problema da segurança pública e, conseqüentemente, não solucionam a miséria carcerária. Alternativas como a redução da maioridade, só desperta o interesse de quem não conhece o caos do sistema prisional, pois ao reduzir a maioridade, a primeira conseqüência será um presídio mais superlotado e uma precoce “formação à criminalidade”, tendo em vista que, nossos presídios são verdadeiras Escolas de Especialização no crime, onde quem foi preso por furto sai especialista em assalto a banco.
Nesse contexto, ao invés de nossos políticos inventarem soluções mágicas e mirabolantes, deveriam se mobilizar para dar efetividade à Lei de Execução Penal. Pois, um Estado que não cumpre os preceitos de uma lei que ele mesmo criou, não pode falar em ressocialização.
A Lei 7210/1984 que institui a Execução Penal é elogiada por diversos juristas nacionais e internacionais, dessa forma, não há como negar que a lei é atual e contempla instrumentos necessários para a reabilitação do condenado, basta que os políticos brasileiros, possibilitem a eficácia e a efetividade da lei, dando cumprimento aos seus preceitos, onde os Magistrados possam aplicar a lei, a fim de atingir o objetivo sócio-jurídico, que é proporcionar condições para que o condenado cumpra a sua pena, tendo um tratamento ressocializador e, posteriormente, seja reintegrado à sociedade. Portanto, se colocarmos em prática os dispositivos da LEP, sem sombra de dúvidas, o preso, seja ele provisório ou condenado, terá reais possibilidades de ressocialização, atingindo incontinenti a função essencial de transformação do comportamento humano, retornando conseqüentemente, ao convívio social.
3.8. A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
O fenômeno da “privatização dos presídios”, surge nos Estados Unidos, a partir de 1980, devido à crise nas penitenciárias americanas e a falta de recursos para a construção de novas unidades prisionais. Thomas Beasley, empresário do Estado de Tenesse, tomando conhecimento do déficit de vagas, disseminou a idéia de exploração privada do sistema prisional para atender a situação emergencial no tocante a ausência de vagas.
Nos Estados Unidos, a expressão privatização dos presídios pode ser vista sobre quatro aspectos: o primeiro deles é que teríamos a administração total do presídio pela empresa privada que acomodaria os reclusos; o segundo aspecto seria a construção de presídios financiados pelas empresas privadas, com a posterior locação pelo Estado, durante alguns longos anos. Outro modelo, é a utilização de trabalho dos presos pela empresa privada; por último, é o caso da empresa particular fornecer serviços terceirizados nos setores da educação, saúde, alimentação e vestuário.
O Brasil diante de tantos problemas existentes no âmbito prisional resolveu experimentar a parceria público-privada, com o objetivo de propiciar uma verdadeira ressocialização para o condenado e dar uma maior efetividade na Lei de Execução Penal. Entretanto, o modelo adotado foi o francês, aquele em que há uma participação conjunta entre Estado e a iniciativa privada. Alguns estados brasileiros foram pioneiros e se destacaram ao adotarem este modelo, como é o caso do Paraná com a Penitenciária de Guarapuava, do Ceará com o Presídio Estadual de Juazeiro do Norte e São Paulo com a Penitenciária Estadual de Piraquara.
Após o surgimento dos presídios “privatizados” no Brasil, vieram as críticas, que se debruçaram sobre os mais variados argumentos.
O Professor Maurício Kuehne[25] sintetiza, que a proposta de privatização dos presídios encontra um óbice tanto no aspecto constitucional quanto na Lei de Execução Penal, justificando que a função jurisdicional é indelegável e a segurança é atribuição inerente e exclusiva do poder estatal.
Porém, essa crítica resta infundada, em vista do Estado não está delegando função pública, pois, o poder judiciário continuará analisando pedidos referentes aos benefícios penais, tais como, indultos, remições, progressão de regime e todos os demais atos da execução da pena, não sendo extinto nenhum órgão de execução penal. Na realidade o que se entrega à iniciativa privada é a administração da estrutura física do presídio e a possibilidade de ser o empregador do preso no futuro. Portanto, concordo com o Promotor Cláudio da Silva Leiria[26] quando diz que, não há delegação de atividade estatal “stricto sensu”, pois, se assim o fosse a iniciativa privada não poderia atuar em áreas como educação e saúde que são atribuições inerentes ao poder público.
Outra crítica reside no argumento de que a “privatização” dos presídios constitui um verdadeiro negócio lucrativo, onde a exploração da mão-de-obra presidiária é o objetivo das empresas privadas, transformando o crime em uma verdadeira indústria.
Em relação à “privatização” dos presídios se transformarem em indústrias, seja por causa da possível obtenção de lucro na mão-de-obra presidiária ou pela voracidade capitalista que as empresas privadas estão submetidas, não encontro fundamento sólido para se temer um desvirtuamento do principal objetivo que é a recuperação do condenado e a reestruturação do sistema penitenciário, visto que, o poder público também atuará em conjunto com a empresa privada, num modelo conhecido como co-gestão. Dessa forma, o trabalho desenvolvido pelos presidiários irá proporcionar a possibilidade de desenvolver atividades de capacitação e profissionalização remuneradas, contribuindo para reinserção social e para o próprio sustento da renda familiar. A principal diferença desse modelo será a verdadeira aplicação dos preceitos da Lei de Execução penal.
Outra resistência encontra-se na divergência de alguns autores em relação ao termo privatização, que o utilizam de forma equivocada, ora, não devemos confundir o termo privatização com o termo terceirização, co-gestão e parcerias público-privadas, pois esses são aplicados no Brasil. Essa observação resulta da afirmação de que a privatização é a delegação total do Estado ao particular, exercendo este as funções de gerenciamento, fiscalização, funções administrativas, de execução de penas, de acompanhamento ressocializador.
Por sua vez, no Brasil o modelo aplicado é o da terceirização ou parceria público-privada que se constituem pela delegação parcial de determinadas atividades penitenciárias, principalmente no que diz respeito à execução de atividades pedagógicas, laborais, ocupacionais, serviços de hotelaria, alimentação e o espaço físico prisional. Nesse sentido, no sistema de co-gestão (poder público e iniciativa privada) o Estado apenas contrata serviços privados, dos quais serão executados por estes e em nenhuma hipótese diminuirá a competência e o poder da administração pública ou o direito de punir do Estado, permanecendo de forma indelegável a responsabilidade pela execução penal, da administração penal e prisional. Portanto, não se trata de privatização da penitenciária, mas a contratação de serviços operacionais.
Ratificando tal entendimento, podemos mencionar a definição da administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro[27], que afirma que o termo terceirização diz respeito a contratação por determinada empresa, que executa serviços de terceiros para o desempenho de atividades-meio, ou seja, atividades funcionais.
Importante esclarecer, que diante do interesse público as contratações das empresas privadas só serão admitidas quando antecedidas por licitação, respeitando os direitos e responsabilidades contratuais e os preceitos da Lei de Execução Penal, bem como, a realização de concursos públicos para os cargos que venham ser necessários.
Tendo exposto alguns argumentos contrários a parceria público-privada, passaremos a analisar os fatores positivos.
O Promotor de Justiça Cláudio da Silva Leiria[28], enumera algumas vantagens que a parceria público-privada poderia proporcionar: a colocação do policiamento ostensivo nas ruas, pois muitos policiais militares hoje fazem a guarda dos presídios; um tratamento mais digno ao apenado, inclusive com oportunidades de trabalho remunerado para o preso, que normalmente não obteria no restritivo mercado de trabalho; diminuição da corrupção no serviço público envolvido; uma melhor imagem do preso junto à comunidade (que o verá como um cidadão útil), o que poderia favorecer o aumento de esforços comunitários em seu favor; uma possível eliminação de motins e rebeliões dos presos; a possibilidade de realizar um trabalho mais eficaz de ressocialização do preso e o aumento do número de vagas no sistema prisional.
O Jurista Luiz Flávio Gomes[29], também se filia a corrente que é favorável a terceirização dos presídios, lembrando o autor que:
Algumas experiências foram muito positivas, por exemplo, na Penitenciária de Guarapuava, cuja taxa de reincidência criminal é de 6%, enquanto a média gira em torno de 85%. Nesse presídio terceirizaram serviços de segurança, alimentação, trabalho, dentre outros. O preso passou a se sentir mais humano, chega até fazer pecúlio para ajudar a família.
Outro defensor da “privatização” dos presídios é o Promotor Fernando Capez, que ao analisar o sistema prisional afirma que:
Nós temos depósitos humanos, escolas do crime, fábrica de rebeliões. O Estado não tem recursos para gerir e construir presídios, sendo assim, a privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra, tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável, ou “privatizamos” os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a “privatização” não é questão de escolha, mas uma necessidade insdicutível, é um fato.[30]
Enfim, diante da ineficiência do Estado e do sucateamento da máquina penitenciária, se faz necessário a adoção experimental de modernos instrumentos de política criminal, aplicando-se na forma de terceirização de setores funcionais, de modo que se possa primar pela eficácia e efetividade da lei de Execução Penal, reestruturação dos espaços físicos das penitenciárias, pela reabilitação do condenado, a reinserção do apenado no meio social, a preservação da dignidade do preso e do agente público, a possibilidade de trabalho remunerado, a atenuação da superlotação nos presídios.
Importante ressaltar, que todas as propostas desenvolvidas neste capítulo devem ser aplicadas sempre que possível de forma cumulativa, pois, do contrário serão ineficazes no combate as mazelas do sistema prisional, visto que são alternativas que se completam entre si.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ex positis, pode-se concluir que o sistema prisional brasileiro não possui mecanismos que assegurem o objetivo primordial da pena privativa de liberdade, qual seja a ressocialização do apenado, uma vez que não cumpre o seu papel que é separar o joio do trigo, tendo como imperativo a proteção a sociedade.
A realidade do sistema carcerário brasileiro encontra-se representada pelo sucateamento da máquina penitenciária, o despreparo e a corrupção dos agentes públicos que lidam com o universo penitenciário, a ausência de saúde pública no sistema prisional, a superpopulação nos presídios, a convivência promíscua entre os reclusos, os distúrbios sexuais, a ociosidade do detento, o crescimento das facções criminosas dentro das unidades prisionais, o tráfico de entorpecentes e de armas, a utilização ilegal de celulares pelos presos, os efeitos criminógenos ocasionados pelo cárcere, bem como a omissão do Estado e da sociedade.
Diante deste cenário, a prisão exerce um efeito devastador sobre a personalidade do apenado, além de reavivar valores negativos e agravar distúrbios de conduta que acompanharão o apenado quando este for posto em liberdade, desse modo, convidando o egresso a reincidir no crime.
Os objetivos ressocializadores são totalmente desrespeitados pela escala de valores imposta ao sistema social do recluso, fato que demonstra que já algumas décadas a prisão não possui ambiente adequado para se conseguir a ressocialização de um delinqüente.
Na minha ótica a crise carcerária só poderá ser resolvida quando a sociedade e os políticos tiverem vontade de solucionar o problema, mas, para tanto é preciso parte da sociedade erradicar seus preconceitos em relação ao preso e o ex-presidiário. Assim sendo, é preciso criar políticas públicas e sociais para erradicação da pobreza, gerar empregos, reestruturar a educação fundamental, investir em estudos atinentes à prevenção da criminalidade, desta forma, avaliando os fatores que condicionam o indivíduo a praticar crimes e posteriormente garantir a possibilidade de ressocialização. Não é suficiente o tratamento das patologias criminais após o cometimento do delito, se faz necessário um comprometimento das autoridades públicas e da sociedade antes mesmo do delito acontecer.
Portanto, se faz necessário um esforço conjunto entre o poder público e a sociedade. Quanto ao poder público cabe angariar recursos para a manutenção e a construção de novos presídios para evitar a superpopulação carcerária; elaborar políticas de assistência ao egresso; investir na carreira de agentes penitenciários, criando centros próprios para a sua formação, oferecendo condições dignas de trabalho, aumentando o efetivo funcional e a remuneração desses agentes públicos que trabalham no sistema prisional; a construção de centros de aperfeiçoamento profissional para o recluso; criar mecanismo para que a laborterapia seja implantada nos presídios, evitando assim a ociosidade do preso; a realização de concurso público para magistrados, promotores, defensores públicos e demais serventuários da justiça para diminuir a morosidade processual; a implantação da videoconferência para agilizar as audiências; a aplicação das penas restritivas de direito pelos magistrados sempre que possível como forma de diminuir a superpopulação prisional e evitar que um infrator de baixa periculosidade venha se tornar um criminoso em potencial; criar meios que possibilitem a efetivação e o cumprimento da Lei de Execução Penal.
Em relação à sociedade, cabe a iniciativa do voluntariado, reunindo pessoas da área de serviço social, psicólogos, advogados, médicos dentre outros profissionais, que tenham vontade de ajudar à concretização da ressocialização; convênios entre o poder público e as empresas privadas que atuam como centros de formação profissional, para que os trabalhos desenvolvidos pelos presidiários sejam comercializados, e que, logo após o cumprimento da pena privativa de liberdade, o ex-detento tenha a possibilidade de ser contratado por alguma empresa.
É, portanto, relevante a conclusão de que apesar da prisão não produzir os resultados almejados pela sociedade, visto que ao longo dos anos detêm a finalidade de punir os seus sentenciados ao invés de ressocializá-los, cabe a nós, a esperança de que se os políticos e a sociedade se unirem poderemos reverter o quadro atual, pois, alternativas não faltam para iniciarmos a reestruturação do sistema prisional.
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Advogado e Assistente do I Juizado Cível de Olinda-Pernambuco. Pós Graduado em Direito Público pela Escola da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE. Sócio fundador do escritório Arruda, Cavalcanti e Sousa Advogados e Consultoria Jurídica. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, Sande Nascimento de. Uma Análise Sócio-Jurídica Sobre o Sistema Carcerário Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2010, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20002/uma-analise-socio-juridica-sobre-o-sistema-carcerario-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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