Resumo: O objetivo deste texto é demonstrar que o processo de elaboração das leis envolve uma série de atos coordenados e subsequentes. Esses atos concretizam-se com as seguintes etapas: i) iniciativa, ii) emenda, iii) discussão, iv) votação, v) sanção ou veto e vi) promulgação. A sequência de todos esses atos é considerada pelo Direito Constitucional e Administrativo como processo legislativo.
Palavras-chave: processo legislativo, município, prefeito, vereadores.
De acordo com Silva (1976), o processo legislativo é um conjunto de atos “(...) realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos” (p. 98). O atual ordenamento jurídico fixa e fornece os elementos fundamentais do processo de formação de leis. O processo legislativo municipal pode, segundo Meirelles (1993), compreender de todas as espécies normativas enunciadas no art. 59 da atual Constituição Federal. O processo legislativo local consiste na criação de emendas à Lei Orgânica Municipal, leis complementares, leis ordinárias, decretos legislativos e resoluções e esse processo apresenta as seguintes etapas: i) iniciativa, ii) emenda, iii) discussão, iv) votação, v) sanção ou veto e vi) promulgação. A seguir vamos discutir cada etapa para mostrar as suas particularidades.
A iniciativa é o que dá início ao processo legislativo, mediante a apresentação de um projeto de lei, de decreto legislativo ou de resolução, conforme a matéria que se pretenda regular. A iniciativa legislativa é um poder atribuído a alguém ou a algum órgão que é chamado de titular da iniciativa.
Ela pode ser concorrente (geral) ou privativa (reservada). Existem matérias que, cuja regulamentação legislativa, podem partir de projetos apresentados pelos vereadores, pelo prefeito, pela Mesa Diretora da casa Legislativa e também pelas comissões permanentes ou, ainda, pela população, que a Lei Orgânica Municipal confere a ela o poder de iniciativa (Silva, 1977). A esse poder de iniciativa é denominado como iniciativa concorrente, isto é, todos têm o mesmo direito de apresentar projetos. A iniciativa privativa cabe exclusivamente ao chefe do Executivo ou à Mesa Diretora. A iniciativa privativa, de acordo com Meirelles (1993), “(...) assegura o privilégio do projeto ao seu titular, possibilita-lhe a retirada a qualquer momento antes da votação e limita qualitativa e quantitativamente o poder de emenda, para que não se desfigure nem se amplie o projeto original; só o autor pode oferecer modificações substanciais” (p. 472).
A iniciativa privativa pode ser de duas naturezas: i) discricionária e ii) vinculada. Na discricionária, o seu titular pode usá-la a qualquer momento, enquanto na vinculada é usada com um prazo para o seu exercício, por exemplo, o projeto de lei orçamentário (Meirelles, 1993; Jampaulo Jr., 1997).
Uma outra etapa do processo legislativo consiste na utilização de emendas. As emendas, segundo o Direito Constitucional e o Administrativo, são proposições destinadas a modificar o texto do projeto original. “A faculdade de emendar sofre algumas restrições. Só quem pode propor emendas são os vereadores. O Executivo não pode fazê-lo diretamente, salvo por meio de algum vereador”, diz Gonçalves (1997, lição 2, p. 22). E mais: “(...) as emendas não podem resultar em aumento de despesa quando os projetos contiverem assuntos de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo, exceto no caso das leis orçamentárias que, mesmo assim, encontram limitações constitucionais” (Ibid).
Segundo Silva (1984, 1977), há duas espécies de emendas. A primeira, chamada de emenda substantiva, é destinada a modificar o conteúdo do projeto original. Já a segunda, conhecida como emenda formal, procura modificar a distribuição da matéria contida no projeto original. Essas duas espécies de emendas ainda apresentam uma subdivisão.
As emendas substanciais subdividem-se em:
i) Aditivas: proposição que se acrescenta a outra, por exemplo, a emenda que manda acrescentar mais um parágrafo a determinado artigo do projeto.
ii) Supressiva: ao contrário da Aditiva, é uma proposição que manda erradicar qualquer parte de outra, por exemplo, uma emenda mandando suprimir um artigo do projeto.
iii) Substitutiva: proposição apresentada em substituição à outra, por exemplo, quando se tem uma emenda substitutiva mandando substituir um artigo ou parágrafo do projeto por outro.
As emendas formais subdividem em:
i) Separativa: proposição que manda dividir dispositivos do projeto, separando, por exemplo, em dois ou mais dispositivos, matéria contida em um só.
ii) Unitiva: ao contrário da Separativa, é uma proposição que manda reunir, em um só dispositivo, matéria contida em dois ou mais.
iii) Distributiva: proposição que manda redistribuir a matéria do projeto, mudando de lugar: títulos, capítulos, seções, artigos ou parágrafos.
A discussão é a etapa de apreciação do projeto, seja de iniciativa concorrente ou privativa. Esse ato do processo legislativo é precedido de exame das comissões permanentes ou especiais. De acordo com Meirelles (1993), “a discussão é a fase propriamente pública da elaboração da lei, realizada em plenário, onde todos os seus membros podem debater o projeto original e suas emendas (...)” (p. 473), se houver, “(...) na forma e nos prazos regimentais” (Ibid).
Uma outra etapa que compõe o processo legislativo é o processo de votação. A votação é a manifestação da vontade do plenário, através do voto de cada parlamentar presente à sessão. O processo de votação pode ser feito por forma simbólica, nominal ou secreta. A votação simbólica consiste na manifestação por gesto ou atitude, por exemplo, mantendo-se sentado, levantando-se ou, ainda, erguendo o braço.
Por exemplo, na Câmara Municipal do município de Mogi Mirim (SP), pelos Regimentos Internos de 1960 e de 1998, a votação simbólica é a regra geral para as votações. Esse processo só será abandonado por disposição legal ou por requerimento verbal dos vereadores, aprovado pelo plenário. Ao anunciar a votação de qualquer matéria, o presidente da casa Legislativa mogimiriana convida os parlamentares que estiverem de acordo a permanecerem sentados e os que forem contrários a se levantarem, procedendo, em seguida, à necessária contagem e à proclamação do resultado (RI[1], 1960 e 1998).
Na votação nominal, os vereadores declaram ou escrevem, publicamente, ‘sim’ ou ‘não’, enquanto a secreta se manifesta sigilosamente, sem assinatura dos votantes. A votação só poderá ocorrer no plenário, logo após o encerramento das discussões com quórum legal, conforme o procedimento regimental. O quórum para deliberação pode ser pela maioria simples, absoluta ou qualificada.
A maioria simples, também conhecida no Direito Constitucional e no Administrativo por relativa ou ocasional, é traduzida por mais da metade dos votantes, considerados apenas os presentes à sessão. Por exemplo: maioria simples de nove votantes, os que estejam na sessão na hora da votação, é cinco. Pode ocorrer também, de acordo com Aguiar (1973), “(...) quando os votos se dispersam por mais de duas hipóteses, a que expressa o maior resultado da votação, também apenas com base no número de votantes (...)” (p. 91-92). Por exemplo: “(...) se, dentre 11 votantes, houver dispersão de votos por mais de duas hipóteses, a maioria simples será a maior votação obtida: imaginemos três grupos; um obtém dois votos; o outro, quatro e o terceiro, cinco votos; vencerá esse último, por maioria simples” (Ibid).
A maioria absoluta manifesta-se por mais da metade do número total dos vereadores, incluídos presentes e ausentes à sessão. Por exemplo: a maioria absoluta de dez é seis. Em caso de totais ímpares, a maioria absoluta corresponderá ao número inteiro acima da metade (Aguiar, 1973). A maioria qualificada é constituída pela votação favorável de 2/3 dos membros da Câmara Municipal. Vejamos um pequeno exemplo: se numa Câmara Municipal tem 17 vereadores, a maioria qualificada de 2/3 será 11, isto é, 17/3 = 5,6 * 2 = 11,2. É importante ressaltar que nesse tipo de votação, somente os presentes à sessão entraram na contagem.
A sanção ou veto é também uma etapa do processo legislativo. A sanção é a aprovação, pelo chefe do Executivo, do projeto anteriormente aprovado pela Câmara Municipal. Esse ato é de competência exclusiva do chefe da Prefeitura, e o mais importante é que só estão sujeitos a ele os projetos de lei. A sanção pode ser de dois tipos: i) expressa e ii) tácita. A expressa ocorre quando o chefe do Executivo declara sancionado no prazo estipulado regimentalmente. Quanto à tácita, o prefeito deixa transcorrer o prazo regimental sem opor o veto à proposição. Se o prefeito utilizar essa tácita, ou seja, deixa estourar o prazo para sancionar o projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal, o presidente da Mesa Diretora deverá promulgá-la em 48 horas.
Só o chefe do Executivo tem o poder de veto. A instituição do veto foi introduzida na Constituição Federal de 1824 como ‘negativa de sanção’. A denominação de veto passa a ser utilizada com a reforma constitucional de 1926 à primeira Carta Magna da República de 1891, quando é introduzida a modalidade de veto parcial. A partir de 1934, o veto passa a contar com dispositivo constitucional próprio, que ratifica a modalidade de veto parcial, ao lado da sanção. Perde a importância e a finalidade com a Constituição de 1937 (Campanhole, 1989). Segundo Campanhole (1989), seu retorno na Constituição de 1946 se dá em uma versão mais favorável ao poder Legislativo. Mantendo a tradição constitucional brasileira, ele se apresenta de duas maneiras: i) veto total e ii) parcial. Total quando o projeto de lei é vetado inteiramente e parcial quando é vetada qualquer disposição, isto é, artigos, parágrafos, alíneas ou incisos.
Aprovado um projeto de lei na forma regimental, será ele no prazo de dez dias úteis enviado ao prefeito para fins de sanção e promulgação. O veto é a oposição formal do poder Executivo ao projeto aprovado pelo poder Legislativo. O prefeito terá que manifestar, por escrito, a sua oposição ao projeto, fazendo chegar a Câmara Municipal, no prazo regimental, os motivos de seu desacordo com a matéria. Segundo Meirelles (1993), o veto pode ser: i) inconstitucional, ii) ilegal e iii) contrário ao interesse público. De acordo com esse autor, “(...) a inconstitucionalidade é a colidência da proposição com a Constituição federal ou a estadual; a ilegalidade é o desrespeito a leis superiores” (1993, p. 469).
A inconstitucionalidade pode ser verificada quando o projeto de lei fere diretamente as normas federais ou estaduais. Por exemplo, quando o chefe do Executivo estadual fixa os subsídios dos parlamentares municipais de um determinado município. Nesse caso, essa lei estaria em desacordo com o art. 29, inciso VI, da atual Constituição Federal, que atribui aos parlamentares à iniciativa de lei que fixe os seus subsídios.
A ilegalidade acontece quando o projeto vai de encontro a uma norma prevista em lei competente. Por exemplo, uma lei municipal permitindo ao município uma despesa com seus funcionários superiores a 60,0% de sua receita corrente líquida. Nesse caso, a lei municipal seria ilegal, porque feriria uma lei competente para dispor sobre aquela determinada matéria. No que se refere aos projetos considerados contrários ao interesse público, “(...) cabe ao prefeito, com acuidade político-administrativa, confrontar o projeto com os superiores reclamos da coletividade, da ordem pública, da economia municipal e da própria administração, para aferir da conveniência e oportunidade de sua conversão em lei” (Meirelles, 1993, p. 523-524).
Além dessas duas formas de veto, também informalmente fala-se de ‘embargo de gaveta’ e o ‘veto ameaça’ (Pessanha, 1997). O chamado ‘embargo de gaveta’, também conhecido na Ciência Política como ‘pocket veto’ (Shugart e Carey, 1992), é um recurso passivo e procrastinador. Com ‘veto ameaça’, de acordo com Pessanha (1997), o chefe do Executivo “(...) faz chegar ao autor de determinada proposta a sua disposição de vetá-la, forçando uma desistência ou entendimento” (p. 54).
Por fim, a promulgação é a última etapa do processo legislativo. É o ato pelo qual o chefe do poder Executivo ou o presidente da Mesa Diretora da casa Legislativa, no caso de sanção tácita ou veto rejeitado pelo plenário, declara a existência da lei. Uma vez promulgada uma lei, não poderá ela ser retirada do mundo jurídico, a não ser através de um projeto de lei que a revogue.
Para fechar este texto é conveniente dizer que as etapas do processo legislativo não sejam simples como se imagina. Esse processo é complexo, pois além dessas normas e dos procedimentos institucionais, existem outras, que juntamente com os interesses individuais dos atores políticos envolvidos nesse processo, estabelecem um processo obscuro e de difícil identificação.
Bibliografia
AGUIAR, J. C. (1973). Processo legislativo municipal. SP: Editora Forense, 1º edição.
CAMPANHOLE, A. H. (1989). Todas as Constituições do Brasil. SP: Editora Atlas.
GONÇALVES, M. F. R. (1997). Processo e técnica legislativa, RJ: IBAM, Programa de Educação à Distância, Lições 1, 2, 3, 4 e 5.
JAMPAULO Jr., O processo legislativo municipal: doutrina, prática e jurisprudência, SP: Editora De Direito.
MEIRELLES, H. L. (1993). Direito municipal brasileiro. SP: Editora Malheiros.
PESSANHA, Ch. (1997). Relações entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil: 1946-1994. Tese de Doutorado em Ciência Política, SP: USP.
SILVA, J. A. (1976). Curso de Direito Constitucional Positivo. SP: Editora Revista dos Tribunais, vol. 1.
___________ (1977). Manual do vereador. SP: Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM, 2º edição.
___________ (1984). O Prefeito e o município. SP: Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM, 3º edição.
SHUGART, M e CAREY, J. (1992). Presidents and assemblies: constitutional design and electoral dynamics. Cambridge: Cambridge University Press.
Outras fontes
Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
Regimento Interno da Câmara Municipal de Mogi Mirim (SP), Resolução nº 216, dezembro de 1998.
________________________________________________ (SP), Resolução nº 32, março de 1960.
Dr. em Ciências Sociais, área Ciência Política. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Pesquisador Associado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELISBINO, Riberti de Almeida. Elaboração das leis: as etapas do processo legislativo no âmbito municipal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2010, 01:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20373/elaboracao-das-leis-as-etapas-do-processo-legislativo-no-ambito-municipal. Acesso em: 23 dez 2024.
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