SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. CAPÍTULO I – COMO O “BOM SENSO” PENAL CHEGA AOS EUROPEUS; 2.1. A GLOBALIZAÇÃO DA “TOLERÂNCIA ZERO”; 2.2. LONDRES, SUCURSAL E POUSO DE ACLIMATAÇÃO;2.3. A MISSÃO DO “ESTADO PATERNALISTA”: IMPOR O TRABALHO ASSALARIADO DE MISÉRIA; 2.4 A MELHOR RESPOSTA À POBREZA É DIRIGIR A VIDA DOS POBRES;2.5 IMPORTADORES E COLABORADORES;2.6 A INTANGÍVEL “EXPLOSÃO” DA “VIOLÊNCIA URBANA” POR PARTE DOS MENORES; 2.7 “VIOLÊNCIA URBANA” E VIOLÊNCIA CARCERÁRIA;3. POSICIONAMENTO CRÍTICO;REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
A penalidade neoliberal é paradoxal, pois quanto menor o “Estado Social” de uma sociedade, maior será o “Estado Policial”. Esse panorama é muito bem observado nas sociedades como as do terceiro mundo, por exemplo, onde as disparidades sociais permeiam as relações.
Como bem cita Loic Wacquant (2001)
O tratamento social da miséria e seus correlatos e seu tratamento penal coloca-se em termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da América do Sul, tais como Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Peru (Loic Wacquant, 2001, p.8).
Há uma série de fatores que fazem com que ocorra um vertiginoso crescimento da violência criminal no Brasil. Dentre esses fatores, pode-se destacar:
a) vertiginosas disparidades sociais;
b) difusão das armas de fogo;
c) mistura da polícia com o crime organizado, através de vultuosas cifras movimentadas pelo tráfico internacional de entorpecentes;
d) crônico desemprego e subemprego;
e) miséria do cotidiano;
f) necessidade da juventude realizar o “código de honra masculino”;
g) uso rotineiro da violência pela polícia militar;
h) discriminação racial;
i) ausência de garantias jurídicas mínimas;
j) verdadeiro caos do sistema prisional, que mais se parece com “campos de concentração para pobres”.
O autor afirma que hoje se vive uma verdadeira “ditadura sobre os pobres”.
2. CAPÍTULO I – COMO O “BOM SENSO” PENAL CHEGA AOS EUROPEUS
De acordo com Loic Wacquant (2001)
A Europa vem sofrendo a escalada de “pânicos morais” capazes, por sua amplitude e violência, de mudar profundamente os rumos das políticas estatais e de redesenhar duradouramente a fisionomia das sociedades por eles atingidas (Loic Wacquant, 2001, p.17).
Pode-se elencar alguns desses pânicos:
a) delinqüência dos jovens;
b) violência urbana;
c) “incivilidades” cometidas nos “bairros sensíveis”, por seus próprios habitantes;
Há uma redefinição da missão do Estado, que reduz seu papel social e aumenta e endurece sua intervenção penal.
Nas palavras de Loic Wacquant (2001), há uma cadeia: supressão do Estado econômico Þ enfraquecimento do Estado social Þ fortalecimento e glorificação do Estado penal, cadeia essa fundada na ideologia econômica e social do individualismo e na mercantilização.
O Estado americano encarregou-se de promover o “rigor penal”, quadruplicando a população penitenciária nas últimas duas décadas.
A política policial e judiciária de Nova York, através de sua doutrina “tolerância zero”, avaliza a perseguição à pequena delinqüência e a repressão aos mendigos e aos sem-teto nos bairros deserdados.
Uma outra implementação americana é a “teoria da vidraça quebrada”, que estabelece que é lutando contra os pequenos distúrbios cotidianos que se faz recuar as grandes patologias criminais. Através dessa política, os nova iorquinos acreditam que seria restaurada a ordem e reduzido o crime. Essa teoria, porém, jamais foi comprovada empiricamente.
Houve uma expansão dos recursos que Nova York destina à manutenção da ordem: em cinco anos a cidade aumentou seu orçamento em 40%. Inversamente, nesse mesmo período, os serviços sociais da cidade viram suas verbas cortadas em um terço.
2.1 A GLOBALIZAÇÃO DA “TOLERÂNCIA ZERO”
A política da “tolerância zero”, implementada por Nova York, propagou-se pelo mundo todo rapidamente. O tratamento policial da miséria de rua fascina um leque de eleitos, tanto de direita como de esquerda. Porém, os incidentes com a polícia se multiplicaram desde a implantação da política de “qualidade de vida”. Fazia-se necessário um forte ajuste de estratégia, para que a política da “tolerância zero” não se tornasse um modelo para um Estado policialesco e para a tirania.
Uma outra conseqüência da política implementada é a sobrecarga dos tribunais. Enquanto cai a criminalidade, o nº de pessoas detidas e julgadas não para de aumentar. Essa sobrecarga dos tribunais só encontra similar nas casas de detenção, uma vez que aumentou, em muito, o fluxo dos ingressos nas prisões.
Constata-se que os membros das classes populares são o principal alvo da “tolerância zero”.
2.2 LONDRES, SUCURSAL E POUSO DE ACLIMATAÇÃO
Em solo britânico houve uma combinação das concepções neoliberais em matéria econômica e social e das teses punitivas elaboradas nos Estados Unidos. O governo inglês conclamava os britânicos a comprimir severamente seu Estado-providência a fim de estancar o surgimento de uma underclass de “pobres alienados, dissolutos e perigosos”, ou seja, uma verdadeira “guerra à pobreza”.
Loic Wacquant (2001) nos coloca
Acreditava-se aqui que os “maus pobres” devem ser capturados pela mão (de ferro) do Estado e seus comportamentos, corrigidos pela reprovação pública e pela intensificação das coerções administrativas e das sanções penais (Loic Wacquant, 2001, p.40).
Foi justificado perante a sociedade inglesa que o Estado deve evitar ajudar materialmente os pobres, mas ajudá-los moralmente, obrigando-os a trabalhar; deve haver a mutação do “welfare state” em “workfare state”.
2.3 A MISSÃO DO “ESTADO PATERNALISTA”: IMPOR O TRABALHO ASSALARIADO DE MISÉRIA
Segundo teóricos americanos, o Estado-providência americano dos 70-80 fracassou em reabsorver a pobreza não porque seus programas de ajuda eram muito generosos, mas porque eram permissivos e não impunham obrigação estrita de comportamento a seus beneficiários.
Nas palavras de Loic Wacquant (2001)
O desemprego deve-se menos às condições econômicas do que aos problemas de funcionamento pessoal dos desempregados, de modo que o emprego, ao menos no que diz respeito a empregos “sujos” e mal pagos, não pode mais ser deixado à boa vontade e à iniciativa dos que trabalham: ele deve ser tornado obrigatório, a exemplo do serviço militar, que tem permissão para recrutar no Exército. O Estado, portanto não deve tornar o comportamento desejado mais atraente e sim punir os que não o adotam: o não-trabalho é um ato político que demonstra a necessidade do recurso à autoridade (Loic Wacquant, 2001, p.44).
Ou seja, o trabalho assalariado passa ser um dever cívico.
Percebe-se a substituição de um Estado-providência materialista por um Estado punitivo paternalista, como forma de impor o trabalho assalariado dessocializado como norma societal e base da nova ordem polarizada de classes.
2.4 A MELHOR RESPOSTA À POBREZA É DIRIGIR A VIDA DOS POBRES
A visão liberal é a de que o Estado deve ser paternal, na medida em que, ao mesmo tempo em que deve fazer respeitar civilidades elementares deve impor o trabalho assalariado desqualificado e mal remunerado àqueles que não o desejem. Acredita-se que a melhor resposta à pobreza é dirigir a vida das pessoas. O Estado paternalista também deve ser um Estado punitivo: acredita-se que as despesas penitenciárias são um investimento rentável para a sociedade. O Ministério da justiça Federal dos Estados Unidos lançou a idéia de que “na ausência da pena de morte, a reclusão é de longe o meio mais eficaz de impedir os criminosos comprovados e notórios de matar, estuprar, roubar e furtar.”
O Estado não deve se preocupar com as causas da criminalidade das classes pobres, mas apenas com suas conseqüências, que ele deve punir com eficácia e intransigência.
2.5 IMPORTADORES E COLABORADORES
A exportação dos temas e das teses de segurança incubados nos Estados Unidos encontrou o interesse e a anuência das autoridades dos diversos países destinatários. Essa anuência assume formas variadas, de acordo com cada país.
2.6 A INTANGÍVEL “EXPLOSÃO” DA “VIOLÊNCIA URBANA” POR PARTE DOS MENORES
Pode-se acreditar que prender algumas centenas de jovens a mais (ou a menos) mudará o que quer que seja no problema que insistem até mesmo em se recusar a nomear: o aprofundamento das desigualdades e a generalização da precariedade salarial e social sob o efeito das políticas de desregulamentação e da deserção econômica e urbana do Estado?
A pretensa escalada inexorável da violência urbana é antes de tudo uma temática político-midiática que visa facilitar a redefinição dos problemas sociais em termos de segurança.
Há a ratificação de deserção do Estado social e legitimação do Estado penal nos bairros, encarregado de conter as desordens causadas pela generalização do desemprego, do subemprego e do trabalho precário.
2.7 “VIOLÊNCIA URBANA” E VIOLÊNCIA CARCERÁRIA
Segundo Loic Wacquant (2001)
Os habitantes das cidades em decadência serão beneficiados com um esforço suplementar de encarceramento por parte do Estado: uma política de “ação afirmativa” a respeito da prisão que, se não se aproxima pela amplitude, não é muito diferente em seu princípio e suas modalidades daquela que atinge os negros do gueto dos Estados Unidos. À “terrível miséria” dos bairros deserdados, o Estado responderá não com um fortalecimento de seu compromisso social, mas com um endurecimento de sua intervenção penal. À violência da exclusão econômica, ele oporá a violência da exclusão carcerária (Loic Wacquant, 2001, p.74).
O tratamento punitivo da insegurança e da marginalidade sociais são as conseqüências lógicas de políticas econômicas neoliberais.
3. POSICIONAMENTO CRÍTICO
O trabalho versa sobre um tema que, ao mesmo tempo em que se mostra atual, retrata o caráter desumano e cruel das prisões desde seus primórdios tempos.
Parece, sob um primeiro olhar superficial, que nos é mais “seguro e confiável” que os indivíduos que cometem delitos devem mesmo ficar apartados da sociedade. A sociedade dirá “sim, queremos esses indivíduos isolados, longe do nosso convívio”. Como se esses indivíduos não fossem nossos semelhantes, não fossem o moleque de rua que ontem nos pedia uma “trocadinho” no sinal e hoje mata para roubar. Como se a sociedade e o Estado em nada contribuíssem para essa dura realidade.
Quem de nós, “cidadãos de bem“ nunca cometeu um ato ilícito? Não comprou um bem falsificado, não sonegou um imposto, não tentou burlar uma lei de trânsito? Mas para esses “pequenos deslizes”, não há necessidade de punição, nem a menor que seja; para o outro, a máxima punição, mesmo que ele tenha roubado um pacote de bolachas recheadas para matar sua fome.
Será que o encarceramento desenfreado cumprirá sua missão de “ressocializar” essas pessoas, e afastará a sociedade de todo o mal? Essa hipótese já nasce fadada ao fracasso, visto a realidade de nosso sistema carcerário. Quem teve a oportunidade de conhecer algumas casas do sistema prisional brasileiro saberá do que estou falando. Confesso que é desalentador, para não dizer chocante e revoltante. São seres humanos! E estão sendo tratados como verdadeiros animais, que já tiveram sua liberdade restringida. Mas como se isso não bastasse, a sociedade quer tirar-lhes a dignidade, a alma! É como se disséssemos: “vocês nos tiraram um bem, mas nós lhe tiraremos muito mais!” Esquecemos que a maior parte das pessoas que lá se encontram foram meninos que nasceram e cresceram na rua, sem um lar, sem alguém que lhes pusesse no colo, que lhes cantasse uma canção de ninar. Que lição eles levam da vida? O que eles poderão dar em troca? O que eles receberam da sociedade e do Estado? Quem são seus ídolos? A quem eles querem imitar? Após passarem um período encarcerado, presos como animais enjaulados, eles estarão prontos a conviver novamente com essa sociedade, que nada lhes deu e tudo lhes tirou?
Essa é uma questão latente, que não diz respeito apenas aos governantes, mas a todos nós. É imperioso que se modifique o nosso sistema prisional, mas acima de tudo, que se transmute o nosso olhar sobre essa “massa carcerária”, que só tem a probabilidade de aumentar sua fúria e desalento ao ter sua liberdade novamente concedida. Para onde eles irão? Conseguirão um emprego digno, que proverá seu sustento e o de sua família? Com que olhos a sociedade os perceberá?
È preciso que mudemos logo essa realidade, sob pena de nossa sociedade tornar-se cada vez mais embrutecida. Vivemos numa espécie de “rede”, onde os fatos não são isolados. Vivemos num mundo complexo, não adianta nos cercarmos de muros, grades, alarmes, armas de fogo, acreditando que assim estaremos seguros. Quanta ilusão? A quem tentamos enganar, acreditando que apartando do nosso convívio os excluídos estaremos “a salvo”.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LAIDENS, michele. As prisões da miséria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jul 2010, 10:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20420/as-prisoes-da-miseria. Acesso em: 29 abr 2025.
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