Os recursos extraordinários, latu sensu, têm o objetivo de garantir a correta interpretação e aplicação da Constituição Federal, bem como a da Legislação Federal vigente, ao contrário dos demais recursos que impugnam o mérito da decisão, devolvendo a apreciação fática do caso aos Tribunais. A Súmula 279 do STF é clara ao dispor que “para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Tais recursos possuem fundamentação vinculada e têm a finalidade de assegurar o regime federativo através da correta aplicação da Constituição Federal e da Legislação Federal vigente. As hipóteses de interposição são restritas e exigem a existência de controvérsia na aplicação da Carta Magna e da Legislação Federal, nos termos dos artigos 102, II e 105, III da Lex Maxima.
Essas restrições demonstraram ser insuficientes para a filtragem dos casos merecedores de atenção especial dos referidos Tribunais Superiores, o que ocasionou a necessidade de análise de questões que, efetivamente, não discutiam a interpretação constitucional ou legal, as quais eram apenas incidentemente incluídas como requisito de admissibilidade dos recursos, os quais somente pretendiam a reanálise do mérito ou protelamento da causa.
Com isso, a Emenda Constitucional nº 45 adicionou às hipóteses do artigo 102, III da CF mais um requisito de admissibilidade do referido recurso extraordinário, qual seja, a repercussão geral, que visa a evitar o envio de causas com fundamentação jurídica reiterada, desde que o Tribunal, por dois terços de seus membros, rejeite a admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 543-A do CPC.
O artigo 543-A foi introduzido pela Lei 11.418/2006 que regulamentou o instituto e também introduziu o artigo art. 543-B[1] ao CPC, que trata da análise da repercussão geral quando existir multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, hipótese na qual o julgamento no STF será feito por amostragem.
Em 8 de maio de 2008, através de Lei 11.672, foi introduzido um novo filtro (art. 543-C[2] do CPC), no que concerne aos recursos especiais repetitivos, restando consignado que, existindo multiplicidade de recursos com idêntica fundamentação, o STJ fará o julgamento por amostragem, restando os demais recursos especiais suspensos até o julgamento definitivo do(s) paradigma(s), cuja decisão vinculará todos os recursos nesta situação, os quais terão seguimento denegado ou serão reanalisados pelo Tribunal de origem, a depender da tese que o STJ adote.
Mais algumas semelhanças entre o instituto criado pela Lei 11.672/2008 (art. 543-C do CPC) e o instituto da repercussão geral do Recurso Extraordinário (art. 543-B do CPC) podem ser destacadas: a) otimização do trabalho das altas cortes, com a filtragem das matérias a serem julgadas quando houver grande número de recursos com fundamento em idêntica controvérsia; b) idêntico procedimento de filtro das matérias: o presidente do Tribunal de origem admitirá um ou mais recursos representativos da controvérsia e os enviará ao Tribunal, ficando os demais suspensos (ou sobrestados) até o julgamento final da causa no Tribunal superior; c) admissão da figura do amicus curiae, com a possibilidade de manifestação de terceiros interessados (pessoas, órgãos ou entidades), nos termos dos arts. 543-B, § 6º e 543-C, § 4º, ambos do CPC; d) possuindo o acórdão recorrido orientação idêntica à decisão final do respectivo Tribunal superior, os recursos (extraordinários/especiais) terão seguimento negado ou, no caso de acórdãos divergentes, o Tribunal de origem poderá se retratar para também negar seguimento ao recurso. Já no caso de manter a sua decisão, o Tribunal superior fará o exame de admissibilidade recurso que estava sobrestado.
Por outro lado, enquanto o art. 543-C evita a ocorrência múltiplos julgamentos no STJ acerca de mesma questão de direito, a repercussão geral tem a finalidade de firmar a competência Constitucional do STF (fixando a idéia de que o Supremo não é instância recursal), motivo pelo qual o filtro é aplicado tanto na hipótese de recurso extraordinário solitário (art. 543-A do CPC), quanto nos casos de recursos múltiplos.
Registre-se que a Lei 11.672/2008 não alterou as hipóteses de cabimento do recurso especial, mas apenas estabeleceu uma diferente forma de julgamento para os processos repetitivos, de modo a dificultar a subida de processos sobre o mesmo tema. Todavia, devido a tal restrição, parte da doutrina e da jurisprudência entende que foi acrescentado novo requisito de admissibilidade ao Recurso Especial, pois alguns recursos restariam impedidos de alcançar o Superior Tribunal de Justiça.
Tal entendimento não encontra respaldo, uma vez que a matéria jurídica discutida nos recursos sobrestados será analisada STJ, quando do julgamento do(s) paradigma(s). A restrição pode ser vista, portanto, como uma forma de tornar mais eficiente o julgamento de tais recursos (que envolvem uma mesma questão de direito) no STJ, evitando múltiplos julgamentos.
Observe-se que a orientação firmada pelos referidos Tribunais Superiores é que o Tribunal de origem deverá encaminhar recursos representativos da controvérsia, os quais conterão a maioria ou, quando possível, todos os argumentos esposados nos casos que restaram sobrestados, de modo que o Tribunal Superior respectivo analise a questão da forma mais ampla possível, justificando a desnecessidade de subida de todos os casos semelhantes, uma vez que todos os casos serão julgados, ainda que indiretamente.
Por fim, observo que o referido procedimento também é aplicável aos recursos especiais em matéria criminal, “por força do art. 3º do Código de Processo Penal, que prevê expressamente o recurso à analogia”, além de outros motivos, conforme destaca FUDOLI[3].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Repercussão geral. Breves comentários à nova sistemática processual civil: leis 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.341/2006, 11.441/2007 e 11.448/2007. São Paulo: RT, 2007.
PILLON. Michele Goebel. A Semelhança Entre a Lei nº 11.672/2008 Que Trata dos Recursos Especiais Repetitivos com a Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. Disponível em: http://www.lfg.com.br/artigos/Blog/repercussao_geral.pdf. Acesso em: 10.08.2009.
BRASIL. Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L5869compilada.htm. Acesso em 05.08.2009.
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. A lei sobre os recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/08). Sua aplicabilidade em matéria penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1780, 16 maio 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11276. Acesso em: 12 ago. 2009.
[1] CPC. Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
[2] CPC. Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
[3] FUDOLI, Rodrigo de Abreu. A lei sobre os recursos especiais repetitivos (Lei nº 11.672/08).Sua aplicabilidade em matéria penal: “a) porque se trata de matéria de caráter geral, afeta à Teoria Geral do Processo, não se vendo qualquer especificidade que faça que a aplicação das novas regras se limite ao Processo Civil; b) porque, no Processo Penal, será sempre possível a impetração de "habeas corpus", não se podendo falar em cerceamento de defesa, nos casos em que o recurso especial cabível devesse ser interposto pela Defesa; c) porque é preciso, também na área criminal, que seja desobstruído o funcionamento do STJ, que tem por função primordial uniformizar a, aplicação do Direito federal, o que tem sido inviabilizado pela avalanche de recursos idênticos submetidos à sua apreciação.”
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe; Servidor do Ministério Público Federal em Sergipe. Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Aldo Luiz de Menezes. Recursos especiais repetitivos e a repercussão geral do recurso extraordinário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul 2010, 00:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20466/recursos-especiais-repetitivos-e-a-repercussao-geral-do-recurso-extraordinario. Acesso em: 23 dez 2024.
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