Professor Orientador: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós–graduação da Unisal.
Palavras - chave
Protesto por novo Júri. Natureza processual material. Natureza processual. Ultra-atividade da norma mais benéfica. Tempus regit actum
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo analisar a possibilidade de cabimento do protesto por novo júri para réus julgados por crimes cometidos antes de entrar em vigor a Lei n.º 11.689/2008, que extinguiu o recurso do ordenamento jurídico pátrio.
1 - Introdução
O Código de Processo Penal vem passando nos últimos anos por reformas pontuais, a exemplo das introduzidas pelas Leis nº 11.689, de 9 de junho de 2008 (altera procedimentos do tribunal do Júri), n.º 11.690, de 9 de junho de 2008 (altera dispositivos concernentes à prova) e n.º 11.719, de 20 de junho de 2008 (altera dispositivos relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos) .
O presente trabalho tem como finalidade discutir a problemática gerada por uma das modificações trazidas pela Lei n.º 11.689/2008, qual seja, a revogação dos artigos 607 e 608 do Código de Processo Penal, que previam o recurso denominado protesto por novo júri.
Assim, será estabelecida uma análise acerca da possibilidade de cabimento do protesto por novo júri nos crimes cometidos antes da entrada em vigor da Lei. n.º 11.689/2008, o que depende do entendimento firmado sobre a natureza jurídica da norma que previa tal recurso, isto é, se tratava-se de regra de cunho processual e material ou meramente processual.
2 - O Código de Processo Penal e as reformas
O Código de Processo Penal, Decreto-Lei n.º 3.689, de 03 de outubro de 1941, é contemporâneo ao Estado Novo, período ditatorial ao qual o Brasil esteve submetido entre os anos de 1937 e 1945 após o golpe político empreendido por Getúlio Vargas.
No intuito de adequar o diploma processual à Constituição Federal de 1988, o Código de Processo Penal, que tem seus institutos influenciados pelo sistema inquisitivo, vem sofrendo ao longo do tempo reformas pontuais.
Acerca das reformas empreendidas no Código de Processo Penal, aduz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho:
(...) a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (2007, grifo do autor).
Para Rômulo de Andrade Moreira, o ideal seria realizar uma reforma total do Código de Processo Penal que propiciasse sua completa harmonia com o sistema acusatório erigido pela Constituição Federal 1988, alternativa esta que foi rechaçada em virtude das dificuldades de natureza legislativa que seriam enfrentadas, optando o legislador pela realização de reformas pontuais (2002, p. 7). [1]
3 - O princípio da garantia ao duplo grau de jurisdição
O princípio da garantia ao duplo grau de jurisdição prevê a possibilidade de revisão, pelo órgão ad quem, das causas julgadas pelo juízo a quo, através da interposição de recursos taxativamente previstos.
A respeito das razões que fundamentam o duplo grau de jurisdição, dispõem Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:
O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso (2007, p. 80).
Segundo Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, a Constituição do Império, promulgada em 1824, contemplava expressamente no artigo 158[2] a garantia ao duplo grau de jurisdição. No entanto, na atual Carta Magna o princípio não consta de forma expressa do rol de garantias (2005, p. 25).
É importante frisar que a maior parte da doutrina entende que a garantia ao duplo grau de jurisdição é princípio constitucional autônomo, implícito na Lei Maior.
Nesse sentido, são os posicionamentos de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes quando afirmam que a garantia ao duplo grau de jurisdição decorre do princípio constitucional do devido processo legal, garantia inerente às instituições político-constitucionais de qualquer regime democrático e da necessidade de revisão dos atos estatais, como forma de controle da legalidade das decisões dos órgãos que compõem o Estado (2005, p. 25).
Acrescentam os autores que o referido princípio foi positivado no direito brasileiro através da ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que em seu artigo 8º, n. 2-h[3], assegura o direito ao acusado de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior (2005, p. 25-26).
4 - O protesto por novo júri: breve noção histórica
De acordo com Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, o protesto por novo júri, recurso que não encontra qualquer similar em legislações estrangeiras, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código de Processo Criminal de 1832, especificamente no artigo 308[4], sendo aplicável aos casos de pena de morte, degredo, desterro, galés ou prisão, hipóteses essas que posteriormente vieram a ser limitadas pelo artigo 87, da Lei 261, de 1841[5], às condenações à morte e galés perpétua (2005, p. 243).
O mencionado Código de Processo Criminal de 1832 foi promulgado sob a égide da Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, e é contemporâneo ao Código Penal de 1830.
A respeito da Carta Magna de 1824 e do Código Penal de 1830, lembra Luiz Flávio Borges D’Urso:
Tivemos após a Proclamação da Independência em 1822, a primeira Constituição do Brasil, de 1824, que não afastava a pena de morte, muito embora, estranhamente, se preocupava com as condições carcerárias. O Código Penal compatível com esses princípios constitucionais, foi o de 1830, o qual também manteve a pena de morte. Esse Código previa a pena capital para os crimes de homicídio, para roubo seguido de morte, para insurreição e para escravos que eventualmente obtivessem a liberdade pela força. Nesse caso, a previsão para o cumprimento da pena máxima estava no art. 38 e era executada pela forca. O acusado era conduzido pelas ruas públicas, numa verdadeira cerimônia, para que todos vissem que a punição era inexorável e violenta (2010).
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes salientam que com a instituição da República, apesar de abolidas as penas extremas, o protesto por novo júri foi contemplado pelos Códigos Estaduais e pelo Decreto-Lei 167, de 1938, que regulou o Júri em âmbito nacional, o qual no artigo 97[6] delineou o cabimento do recurso para as condenações por período igual ou superior a 24 anos de prisão (2005, p. 243).
Por fim, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei n.º 3.931, de 03 de outubro de 1941, contemporâneo ao Estado Novo, previu o cabimento do protesto, nos artigos 607 e 608[7], para os casos em que a pena fosse fixada em 20 anos ou mais (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2005, p. 243).
Importante consignar ainda que nessa época era vigente a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, que previa no artigo 122, 13[8], a possibilidade da lei vir a prescrever a pena de morte em determinadas situações. Ocorre que, apesar desta previsão, o legislador ordinário que redigiu o Código Penal de 1940 não incluiu a pena capital entre suas sanções penais (D'URSO, 2010).
5 - A previsão do protesto por novo júri no Código de Processo Penal
O protesto por novo júri, na sistemática do Código de Processo Penal, exigia como condição de conhecimento e provimento apenas dois requisitos, quais sejam, que a pena fixada para o crime doloso contra a vida fosse igual ou superior a 20 anos e que fosse interposto pela defesa por uma única vez.
Discorrendo sobre o recurso, comentam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes:
Trata-se de um recurso sui generis, através do qual a reforma da decisão recorrida é alcançada por intermédio da realização de um novo julgamento da causa, por outro júri; seu acolhimento leva, assim, à invalidação (rectius, cassação) do primeiro julgamento, mas não porque se reconheçam defeitos formais ou eventual erro de apreciação dos jurados, sendo suficiente a gravidade da sanção imposta. O que prepondera, em última análise, é uma certa desconfiança no critério dos juízes leigos, especialmente quando a consequência é altamente desfavorável ao acusado (2005, p. 244).
Por sua vez, a respeito das características do protesto prelecionam Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves:
a) é recurso exclusivo da defesa;
b) não há necessidade de apontar-se erro ou injustiça na decisão inpugnada, mostrando-se, portanto, desnecessária a fundamentação;
c) é dirigido ao juiz-presidente do Tribunal do Júri;
d) pode ser utilizado uma única vez;
e) os jurados que serviram no primeiro julgamento não poderão participar dos segundo (1999, p. 135).
Desse modo, não havia a necessidade de qualquer fundamentação, bastando uma simples petição de interposição. O recurso era conhecido e provido pelo mesmo juiz que, levando em conta a votação dos quesitos apresentados aos jurados, havia proferido a sentença recorrida. Provido o protesto, haveria a composição de um novo júri, perante o qual o réu seria submetido novamente a julgamento.
Além disso, importante destacar que o recurso era cabível somente nos casos em que a pena – 20 anos ou mais – tivesse sido aplicada como sanção a um único crime.
Sendo assim, conforme asseveram Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, caso o réu fosse condenado por mais de um crime em concurso material, as penas não poderiam ser somadas a fim de totalizarem o mínimo de pena necessário ao cabimento do protesto (2005, p. 244).
No entanto, ainda de acordo com os doutrinadores mencionados no parágrafo anterior, o protesto por novo júri era perfeitamente cabível quando a pena imposta para crimes praticados em concurso formal ou em continuidade delitiva perfizesse o quantum prescrito no artigo 607 (2005, p. 244–245).
6 - Natureza das normas: norma material penal / norma processual penal / norma processual penal material
São consideradas normas materiais penais aquelas que estão intimamente ligadas ao direito de punir do Estado, ou seja, que têm incidência direta sobre a sanção aplicada ao agente.
De acordo com Fernando Capez, a norma possui caráter material penal quando é capaz de criar, ampliar, reduzir ou extinguir a pretensão punitiva do Estado. A estas espécies de normas são aplicáveis o inciso XL, do artigo 5º, da Constituição Federal[9] e o artigo 2º e parágrafo único do Código Penal[10] (2005, p. 47).
Os mencionados dispositivos consagram os princípios da retroatividade e ultra-atividade da lei penal material mais benéfica. O primeiro permite que uma norma penal mais benéfica seja aplicada a fatos praticados sob a égide da lei anterior, já o segundo possibilita que uma regra revogada alcance fatos ocorridos à época em que ainda vigorava, desde que para beneficiar o réu.
No que diz respeito às normas processuais penais pode-se afirmar que não mantém ligação com o direito material, mas existem para assegurar que seja efetivado, observando-se, contudo, os direitos e garantias do acusado. Em outras palavras, são regras tendentes a regular o modo pelo qual o processo inicia-se, desenvolve-se e tem fim.
Norma processual, na concepção de Fernando Capez, é “aquela cujos efeitos repercutem diretamente sobre o processo, não tendo relação com o direito de punir do Estado” (2005, p. 47).
Em regra, para as normas processuais penais aplica-se o princípio do tempus regit actum, erigido pelo artigo 2º do Código de Processo Penal[11], segundo o qual a lei processual nova deve ser aplicada aos processos em andamento a partir de sua entrada em vigor, respeitando-se, contudo, os atos praticados validamente sob a égide da lei processual anterior.
Nessa esteira, a lição de Fernando Capez sobre a lei de caráter processual:
Nos termos do artigo 2º do Código de Processo Penal, a norma de caráter processual terá incidência imediata a todos os processos em andamento, pouco importando se o crime foi cometido antes ou após sua entrada em vigor ou se a inovação é ou não mais benéfica. Importa apenas que o processo esteja em andamento, caso em que a regra terá aplicação, ainda que o crime lhe seja anterior e a situação do acusado, agravada (2005, p. 47).
Discorrendo acerca do princípio tempus regit actum, menciona Mirabete:
O autor do crime não tem o “direito adquirido” de ser julgado pela Lei Processual vigente ao tempo em que ele ocorreu, mas apenas que a lei nova respeite as garantias constitucionais do devido processo legal, com os seus corolários explicitados na Carta Magna (MIRABETE, apud BARROS, 2008).
Ocorre que algumas normas processuais apresentam certo caráter material, pelo que são denominadas normas processuais penais materiais ou normas processuais penais materiais ou normas processuais impuras ou ainda normas processuais mistas. Tais regras encontram-se assentadas tanto no Código de Processo Penal, quanto no Código Penal, e, apesar de ter cunho processual, interferem na liberdade do acusado, mantendo, por conseguinte, relação com o direito material.
De acordo com Francisco Dirceu Barros, são exemplos de norma processual material:
a) a queixa (artigo 103 do Código Penal e artigos 29, 30, 31, 32 do Código de Processo Penal);
b) a prescrição penal (artigo 107, inciso IV do CP e artigo 366 e 368 do Código de Processo Penal);
c) a decadência (artigo 107, inciso IV e 103 todos do CP e artigo 38 do Código de Processo Penal);
d) a renúncia do direito de queixa (artigo 107, inciso V e artigo 104 todos do CP e artigos 49 e 50 do Código de Processo Penal);
e) o perdão aceito, nos crimes de ação privada (artigo 107, inciso V, artigo 105 todos do CP e artigos 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59);
f) ação penal (artigo 100 do CP e artigo 24 do Código de Processo Penal);
g) representação (artigo 102 do CP e artigo 25 do Código de Processo Penal) (2008).
Em virtude de possuírem caráter processual e ao mesmo tempo material, para elas a doutrina convencionou aplicar os princípios da retroatividade e ultra-atividade da norma mais benéfica.
Nessa esteira, é a lição de Andrey Borges de Mendonça:
Por fim, no caso de normas penais mistas – que possuem, ao mesmo tempo, caráter penal e processual penal –, devem-se reger pelos princípios que guiam as normas penais no tempo (retroatividade da benéfica, irretroatividade da maléfica), pois estas disposições possuem assento na própria Constituição Federal (enquanto o princípio da aplicação imediata possui assento na legislação infraconstitucional), conforme já vimos acima (2010).
7 - Extinção do protesto por novo júri: princípio da ultra-atividade versus princípio do “tempus regit actum”.
Como já mencionado, a Lei n.º 11.689/2008, que alterou o procedimento do Tribunal do Júri, extinguiu o protesto por no júri, revogando os artigos 607 e 608 do Código de Processo Penal. Assim, ganhou espaço o seguinte questionamento: o protesto por novo júri poderia ser aplicado a casos ocorridos antes do advento da nova lei?
A doutrina mostrou-se controvertida no que tange ao assunto, divergindo quanto à classificação da natureza da norma que previa tal recurso, natureza esta que se mostra essencial para solucionar o impasse, uma vez que para as normas que possuem caráter penal ou híbrido é aplicado o princípio da ultra-atividade da norma mais benéfica, o qual possibilita, inclusive, o desfazimento da coisa julgada, já para as normas de caráter puramente processual aplica-se o princípio do tempus regit actum, que consiste na aplicação da nova lei a partir de sua entrada em vigor, preservando-se, todavia, os atos anteriormente praticados.
Alguns doutrinadores, pautando-se na aplicação do princípio da ultra-atividade da lei mais benéfica, posicionam-se no sentido de que caberia o protesto por novo júri nos casos em que o crime tivesse sido cometido sob a égide da lei anterior, já que a norma que previa o recurso possui natureza processual e penal ao mesmo tempo, ou seja, trata-se de norma híbrida ou mista. Isso porque, segundo eles, a possibilidade do recurso já estaria incorporada aos direitos e garantias inerentes ao agente, e a supressão daquele violaria a plenitude de defesa e o duplo grau de jurisdição.
Nessa esteira, é o pensamento de Rômulo de Andrade Moreira:
O duplo grau de jurisdição tem caráter de norma materialmente constitucional, mormente porque o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art. 8º., 2, h, que todo acusado de delito tem "direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior", e tendo-se em vista o estatuído no § 2º., do art. 5º., da CF/88, segundo o qual "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque que no seu art. 14, 5, estatui que "toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei."[...]
Assim, conclui-se que os arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal, a par de serem normas processuais, inseriam-se também no âmbito do Direito Material por constituírem garantia ao duplo grau de jurisdição. Nestas condições, ditas normas não são puramente processuais (ou formais, técnicas), mas processuais penais materiais. [...]
Diante do exposto, entendemos que os dispositivos revogados e que tratavam da possibilidade do protesto por novo júri terão incidência em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal anteriormente à entrada em vigor da nova lei, atentando-se para o disposto no art. 2º. da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal e no art. 2º. do Código Penal (2008, grifo do autor).
De outro lado, parte da doutrina considera o protesto por novo júri incabível na atual sistemática processual penal, considerando que as normas que regem os recursos possuem natureza unicamente processual, vez que não atingem o direito de punir do Estado, não mantendo, por conseguinte, qualquer relação com o direito material.
Nessa linha, é o entendimento de Francisco Dirceu Barros:
As normas processuais penais são aquelas que dão forma ao direito material e estão previstas com exclusividade no Código de Processo Penal ou lei extravagante de cunho processual penal, por exemplo:
a) formas de citação;
b) formas de intimação;
c) modos de colheita de prova;
d) mandados judiciais;
e) Nulidades;
f) Recursos;
g) Etc; (2008).
A segunda corrente argumenta ainda que não há qualquer violação a ampla defesa, uma vez que o réu terá a possibilidade de se insurgir contra a decisão do Tribunal do Júri utilizando-se do recurso de apelação e, após o transito em julgado, da revisão criminal.
A respeito, importante consignar o posicionamento de Patrícia Cunha Carvalho:
Ademais, a supressão do protesto por novo júri não prejudica em nada a ampla defesa, pois existem outros meios de impugnação da sentença condenatória penal, a exemplo da apelação e revisão criminais (2008).
Ao que tudo indica, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo parece ter adotado a segunda posição:
Ementa: JÚRI. Homicídios qualificados. Nulidades por cerceamento de defesa. Inocorrência. Citação realizada na mesma data do interrogatório. Ausência de intimação da Defesa da data da sessão de julgamento do recurso em sentido estrito. Nulidades, caso existentes, de natureza relativa, convalidadas pela ausência de protesto ou reclamação oportuna. Inteligência do art. 571, V, do CPP. Precedente do STJ. Sigilo dos dados de qualificação das testemunhas arroladas pela acusação. Qualificação das testemunhas anotada fora dos autos com acesso restrito à Defesa. Inexistência de ofensa ao princípio da ampla defesa. Aplicação do Provimento 32/00, da E. Corregedoria Geral de Justiça. Precedente do STF. Penas aplicadas em concurso material. Continuidade delitiva caracterizada diante da homogeneidade objetiva ou unidade de desígnios. Homicídios cometidos nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução. Precedentes do STF e desta Corte. Regime fechado necessário. Protesto por novo Júri. Inadmissibilidade. Instituto abolido pela Lei n° 11.689/08. Apelo parcialmente provido para, reconhecida a continuidade delitiva, aplicar a pena de um dos crimes em dobro, nos termos do art. 71, par. único, do CP. (TJ/SP. Apel. n.º 990.08.064951-5. 5ª Câmara de Direito Criminal. Rel. Des. Tristão Ribeiro. DJ 17/06/2010, grifo nosso)
Ementa: HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. Sentença condenatória. Alegação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Pleitos de anulação do julgamento, reconhecimento da ocorrência de crime continuado e redução da pena imposta, ante a menoridade relativa do paciente na data dos fatos. Impossibilidade de exame da matéria na sede restrita do writ constitucional. Apelação interposta pela Defesa, sede em que serão apreciados os pedidos. Pleito alternativo de recebimento do presente habeas corpus como protesto por novo júri. Inadmissibilidade. Instituto abolido pela Lei n° 11.689/08. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada (TJ/SP. HC n.º 990.09.254052-1. 5ª Câmara de Direito Criminal. Rel. Des. Tristão Ribeiro. DJ 12/11/2009, grifo nosso).
Conclusão
Diante dos vários argumentos lançados pela doutrina, forçoso reconhecer que não somente a norma que previa o protesto por novo júri, mas também todas as normas que regulam matéria recursal são de natureza processual. Sendo assim, decorre como consequência lógica o descabimento do recurso no que concerne ao julgamento de crimes cometidos anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 11.689/2008, já que para as normas processuais penais se aplica o princípio do tempus regit actum.
Até porque se outro fosse o entendimento - reconhecimento da natureza mista das normas que regulam os recursos – estaríamos a admitir, a contrario sensu, que, por exemplo, a lei que crie uma nova espécie de recurso possa retroagir em benefício de um agente que já sofreu condenação transitada em julgado, uma vez que para as normas mistas aplica-se o mesmo tratamento dispensado às normas penais materiais, previsto no parágrafo único, do artigo 2º do Código Penal, que dispõe que a lei posterior mais benéfica aplica-se a fatos anteriores, ainda que já decididos por sentença penal condenatória transitada em julgado.
Imperioso acrescentar também que a atribuição de natureza puramente processual à norma que previa o protesto por novo júri não viola o princípio do duplo grau de jurisdição, posto que o referido recurso era julgado pelo mesmo órgão que havia proferido a decisão recorrida, bem como que não há que se falar em afronta à ampla defesa, já que o réu terá a sua disposição o recurso de apelação, na hipótese prevista no artigo 593, inciso III, do Código de Processo Penal.
É de rigor ressaltar ainda que, analisando-se os aspectos históricos contemporâneos à criação do protesto por novo júri no ordenamento jurídico brasileiro - Código de Processo Criminal de 1832 –, tem-se que à época a pena de morte não era afastada pela Constituição Política do Império do Brasil de 1824, o que possibilitou sua previsão pelo Código Penal de 1830, que contemplava também a pena de prisão perpétua.
De outro lado, é importante destacar que o protesto por novo júri foi mantido no Código de Processo Penal de 1941, que por sua vez é contemporâneo à Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, a qual previa a possibilidade da criação, através de lei, da pena de morte em determinados casos.
Posto isso, conclui-se que o atual contexto difere totalmente daqueles mencionados nos parágrafos anteriores, já que a pena de prisão perpétua e a pena de morte - salvo estrita exceção prevista no artigo 5º, inciso XLVI, alínea “a” -, foram abolidas do rol de sanções admitidas pela Constituição Federal de 1988.
Assim, o protesto por novo júri, ainda que aplicado somente aos casos anteriores à Lei n.º 11.689/2008, não tem mais razão de persistir no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente diante do conjunto de reformas pontuais empreendidas no Código de Processo Penal, que buscam adequá-lo ao sistema acusatório contemplado na Carta Magna.
Referências Bibliográficas:
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CINTRA, Carlos de Araújo Cintra; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
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REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo Penal Procedimentos, Nulidades e Recursos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
[1] Destaque-se, no entanto, que atualmente tramita no Senado o Projeto de Lei 156/09 que pretende uma reforma global do Código de Processo Penal.
[2] Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Re1ações, que forem necessarias para commodidade dos Povos.
[3] Art. 8º [...]
h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
[4] Art. 308. Se a pena imposta pelo Jury fôr de cinco annos de degredo, ou desterro, tres de galés ou prisão, ou fôr de morte, o réo protestará pelo julgamento em novo Jury, que será o da Capital da Provincia: e sendo a sentença proferida nesta, para o de maior população d'entre os mais vizinhos, designado pelo Juiz de Direito.
[5] Art. 87. O protesto por novo julgamento, permittido pelo art. 308 do Código do Processo Criminal, sómente tem lugar nos casos em que fôr imposta a pena do morte, ou de galés perpetuas, e para outro Jury no mesmo lugar, ou no mais vizinho, quando haja impossibilidade naquelle.
[6] Art. 97. O protesto por novo julgamento é privativo do acusado e só se admitirá uma única vez, quando a sentença condenatória fôr de prisão por vinte e quatro anos ou mais.
[7] Art. 607. O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a vinte anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez.
§ 1º Não se admitirá protesto por novo júri, quando a pena for imposta em grau de apelação (art. 606)
§ 2º O protesto invalidará qualquer outro recurso interposto e será feito na forma e nos prazos estabelecidos para interposição da apelação.
§ 3º No novo julgamento não servirão jurados que tenham tomado parte no primeiro.
Art. 608. O protesto por novo júri não impedirá a interposição da apelação, quando, pela mesma sentença, o réu tiver sido condenado por outro crime, em que não caiba aquele protesto. A apelação, entretanto, ficará suspensa, até a nova decisão provocada pelo protesto.
[8] Art. 122 [...]
13) não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes:
a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro;
b) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania;
c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra;
d) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;
e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe
f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade; [...]
[10] Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
[11] Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) - U.E. Lorena. Ex-estagiária do Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Município de Guaratinguetá/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Dayana Costa. O fim do Protesto Por Novo Júri e a questão da ultra-atividade da lei mais benéfica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2010, 08:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21297/o-fim-do-protesto-por-novo-juri-e-a-questao-da-ultra-atividade-da-lei-mais-benefica. Acesso em: 23 dez 2024.
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