Introdução.
O presente trabalho tem por escopo demonstrar a correlação existente entre a prioridade dos idosos na ordem de pagamento dos precatórios e os princípios básicos do Estado Democrático de Direito, garantidos pela Lei Maior, quais sejam o princípio da legalidade, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade e o princípio da efetividade, os quais, além de serem respeitados na concessão desse benefício, servem de respaldo para tal diferenciação.
1.Princípio da Legalidade.
Dispõe o inciso II do artigo 5º da Carta Magna que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por isso que a positivação dos preceitos é muito importante, na medida em que, só assim, determinado direito adquire as características da obrigatoriedade e da imperatividade (SILVA, 2002, p. 418).
O princípio, ora em análise, deriva do Estado Democrático de Direito, uma vez que, segundo Pedro Lenza (2007, p. 707) se opõe “a todo e qualquer forma de poder autoritário, antidemocrático.”
Em síntese, aduz Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2005, p. 282) que:
“[...] o princípio da legalidade onde só é lei o ato aprovado pelo Parlamento, representante do povo, exprime a democracia, na medida em que subordina o comportamento individual apenas e tão-somente à vontade manifesta pelos órgão de representação popular”.
Ressalta-se, porém, que a Constituição Federal de 1988 permite que o Executivo, de forma excepcional, edite medidas provisórias, as quais terão força de lei, sendo, portanto, legítimas para criarem direitos e obrigações regidos, obviamente, pelo princípio constitucional da legalidade (Ibdem, p. 283).
Assim, é imprescindível a existência de tal preceito em qualquer democracia ocidental, sendo, pois, previsto em todas as Constituições brasileiras, exceto a de 1937, a qual se caracteriza por ser a menos democrática (Ibdem, p. 283).
De acordo que os ensinamentos de Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1999, p. 288), a adoção do princípio da legalidade no sistema jurídico pátrio transforma o Brasil em um governo das leis e não dos homens, uma vez que o poder público deverá agir de acordo com as determinações legais que representam a vontade geral, pois as leis originam do Poder Legislativo cujos representantes são eleitos pelo povo.
Embora o princípio da legalidade seja por demais importante, não pode ser visto de forma isolada, posto que, consoante alega José Afonso da Silva (Op. Cit., p. 149), deve-se levar em consideração:
“[...] o sistema constitucional vigente, mormente em função de regras de distribuição de competência entre os órgãos do poder, de onde decorre que o princípio da legalidade ali consubstanciado se funda na previsão de competência geral do poder Legislativo para legislar sobre matérias genéricas indicadas, de sorte que a idéia matriz está em que só o Poder Legislativo pode criar regras que contenham originariamente, novidade modificativa de ordem jurídico-formal, o que faz coincidir a competência da fonte legislativa com conteúdo inovativo de suas instituições, com a conseqüência de distingüi-la da competência regulamentar”.
Destaca-se que, apesar de ser intitulada como princípio, a legalidade caracteriza-se melhor como garantia constitucional do que como um direito individual, visto que, segundo leciona Alexandre de Moraes (2001, p. 214):
“[...] não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhes seja impostas por uma outra via que não seja a da lei, pois como já afirmava Aristóteles, ‘a paixão perverte o Magistrado e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a lei’”.
Não há como falar de legalidade sem diferenciá-la de reserva legal, posto que a linha de separação entre esses dois princípios é bastante tênue e muito controversa dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Enquanto a legalidade está relacionada “à submissão e o respeito à lei, ou à atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador”, a reserva da lei corresponde apenas a necessidade de algumas matérias serem regulamentadas através de lei formalmente constituída (SILVA, José Afonso, Op. cit., p. 421).
Outra grande diferença existente é que o princípio da legalidade enseja uma avaliação da hierarquia das fontes das normas, enquanto que o princípio da reserva legal está mais relacionado à competência normativa (Ibdem, p. 421).
A legalidade específica, como é chamada a reserva legal, pode ainda ser vista sob três óticas, quais sejam, a do órgão competente, a da natureza da matéria e a do vínculo imposto ao legislador.
Em relação ao primeiro, pode-se citar, como exemplo, as situações em que a Constituição Federal reserva apenas para o Congresso Federal a função de legislar sobre certas matérias( (Ibdem, p. 422).
A reserva legal em razão da natureza da matéria verifica-se facilmente na ordem jurídica brasileira quando o legislador originário consagra algumas matérias especiais para serem regidas através de lei complementar cuja aprovação requer um quorum de maioria absoluta (Ibdem, p. 422).
A reserva legal pode ainda ser dividida em relativa e absoluta quando vista sob o ponto de vista do vínculo imposto ao legislador, sendo considerada absoluta “quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal” e relativa “quando a disciplina da matéria é em parte admissível outra fonte diversa da lei, sob a condição de que esta indique as bases em que aquela deva produzir-se validamente” (Ibdem, p. 422).
Assim, o Estatuto do Idoso, como lei ordinária legalmente editada pelo Poder Legislativo Nacional, deve ter seus preceitos seguidos, salvo se houver qualquer tipo de declaração de inconstitucionalidade, o que, até agora, não houve.
Portanto, a realização do pagamento de precatório com desrespeito à preferência dos idosos, conferida pelo citado estatuto, é, sem sombra de dúvida, um flagrante desrespeito ao princípio constitucional da legalidade, posto que tal prioridade, por ser prevista em lei, possui as características de obrigatoriedade e imperatividade.
2.Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Há autores que vêem a isonomia como sendo a principal garantia constitucional. Porém, de fato, a isonomia serve para gerar o equilíbrio real, na intenção de concretizar o direito à dignidade da pessoa humana, sendo, pois este o principal direito fundamental constitucionalmente protegido (NUNES, 2002, p. 48).
O legislador constituinte preocupou-se bastante em garantir a dignidade de toda e qualquer pessoa, colocando-a como fundamento da República Federativa do Brasil de acordo com artigo 1º da Carta Magna. Com grande êxito o renomado constitucionalista Moraes (Op. cit., p. 48) conseguiu defini-la indo além das conceituações jurídicas mostrando, o quanto esta garantia é importante em um Estado Democrático, já que:
“[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.
Para conceituar dignidade deve-se afastar todo o relativismo histórico, ou seja, todas as atrocidades ocorridas no decorrer do tempo em nome de religião, de um pensamento, de um bem maior. É por isso, segundo o professor e magistrado Nunes (Op. cit., p. 48), que a dignidade deve ser identificada como sendo “uma conquista da razão ético-jurídica fruto da reação a história de atrocidades que, infelizmente, marca a experiência humana.”
De acordo com toda experiência histórica, fazendo um balanço geral, pode-se facilmente perceber que a dignidade é inerente a todo ser humano só pelo fato dele existir. Mas, apesar dela já nascer junto com o ser humano, não fica inata, ela evolui. Isso se dá devido ao convívio social do indivíduo. Nesse sentido, perfeitamente expõe Nunes (Ibdem, p. 49) ao relatar que a pessoa:
“[...] nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seus comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade”.
Nesse diapasão, destaca-se que com a evolução desta dignidade aumenta consideravelmente a dificuldade de sua proteção, pois, a partir do momento que o ser passa a viver em sociedade, haverá uma série de conflitos de dignidades, as quais deverão respeitar umas as outras, pois “a dignidade só é garantia ilimitada se não ferir outra” (Ibdem, p. 51).
Há ainda quem defenda ser o direito à vida mais importante do que a garantia da dignidade, justificando para tanto que para se ter dignidade, deve-se estar vivo. Entretanto, o que realmente interessa não é garantir o direito a vida e sim assegurar o direito a uma vida digna. Para tanto, basta citar os escravos que, apesar de estarem vivos biologicamente, estavam mortos no aspecto ético (Ibdem, p. 52).
Até porque, segundo Denise Gasparini Moreno (2007, p. 03) “a velhice digna é um direito humano fundamental, pois ser velho significa ter direito à vida, que deve ser vivida com dignidade”.
Destarte, a longa espera para receber um crédito é um desrespeito à dignidade de qualquer pessoa independente da idade. Porém, o dano é maior ainda se a pessoa espera e não usufrui o valor devido. É lógico que quem tem mais idade tem menos chance de receber em vida, principalmente quando o devedor é o Estado, já que os seus bens são impenhoráveis e o procedimento executivo da sentença condenatória em que figura como réu é diferenciado.
Por isso, em respeito a essas pessoas que tanto contribuíram para nossa sociedade, o Estatuto do Idoso achou por bem dar preferência àqueles de idade igual ou superior a 60 anos na tramitação de procedimento e processo judiciais e administrativos, estendendo-se, pois, à ordem de pagamento dos precatórios.
3. Princípio da Igualdade.
Atualmente é unânime a concordância com a famosa frase de Aristóteles que definiu igualdade como sendo tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais (MELLO, 2001, p. 10-11).
A divisão em duas vertentes do princípio da igualdade pelo ordenamento jurídico brasileiro acontece, nos dizeres do professor Pedro Lenza (Op. Cit., p. 702) “porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei”.
Todavia, o grande problema consiste em descobrir quais parâmetros devem ser tomados para separar os iguais dos desiguais, sem que, com isso, gere qualquer tipo de inconstitucionalidade (Ibdem, p. 702).
No ordenamento jurídico brasileiro a regra é a isonomia, prevista no caput do art. 5º da Carta Magna, tendo, portanto, as desigualdades que virem expressas nos dispositivos legais. Nesse sentido, expôs de forma brilhante o renomado doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 46) quando afirmou ser “preciso que trate de desequiparação querida, desejada pela lei, ou ao menos, pela conjunção harmônica das leis”.
A concessão de privilégios por certo fator descriminante pode ser legítimo em certa situação e ilegítimo em outra. Como por exemplo, pode-se citar que proibir que um deficiente físico preste concurso é ilegítimo, porém, torna-se válido tal vedação, quando a deficiência do candidato colide de forma absoluta com o serviço a ser prestado.
Destarte, constata-se, como já foi frisado, que a igualdade pode ser vista em duas vertentes: a formal e a material.
Nas palavras de Silva (Op. cit., 2002, p. 212) a igualdade formal caracteriza-se por tratar todos os seres que fazem parte da mesma categoria de forma isonômica. Enquanto que justiça material ou concreta seria justamente a especificação dessa justiça formal, na medida em que apontará as características de cada categoria.
A Constituição Federal Brasileira contemplou os dois vértices do princípio da igualdade, pois em seu bojo:
“[...] procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado de igualdade perante a lei; menciona também igualdade entre homens e mulheres e acrescenta vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação” (Ibdem, p. 214).
Mais adiante, o doutrinador supra relata que, na verdade, igualdade perante a lei, diferentemente de igualdade na lei, corresponde:
“[...] a obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza a isonomia puramente formal, enquanto a igualdade na lei exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não seja autorizadas pela própria constituição” (Ibdem, p. 214).
Porém, como ele mesmo coloca mais adiante, a distinção feita entre elas é desnecessária, porque já é entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência pátria que, apesar do legislador constituinte ter se utilizado da expressão igualdade perante lei, deve-se interpretá-la como igualdade na lei, posto que o princípio da igualdade tem que ser observado tanto pelos legisladores quanto pelos aplicadores do direito (Ibdem, p. 214).
Ademais, ressalta-se a aplicação do princípio da isonomia na atividade jurisdicional, no sentido de que o juiz terá sempre que conferir uma aplicação da lei que não resulte em distinções não autorizadas pelo ordenamento jurídico (Ibdem, p. 217).
É de grande valia ressaltar que, segundo entendimento do mestre constitucionalista José Afonso da Silva:
“[...] o princípio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois prismas: (1) como interdição ao juiz de fazer distinções entre situações iguais, ao aplicar a lei; (2) como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da Justiça” (Ibdem, p. 217).
Logo, observa-se que, embora a nomenclatura faça crer se tratar de um princípio destinado única e exclusivamente aos juízes, estes não poderão respeitá-lo se anteriormente o mesmo for desrespeitado pelos legisladores na feitura das normas, posto que a função deles, via de regra, resume-se a aplicar o que foi editado pelo Poder Legislativo.
O já mencionado caput do artigo 5º da Carta Magna proíbe qualquer tipo de distinção, seja ela de origem, de cor, de raça, ou, até mesmo, de idade. Observa-se, porém, que, como foi relatado, apesar da existência de tal vedação, em algumas ocasiões, faz-se necessário que o próprio legislador confira privilégios a determinados grupos sociais sem que isso afronte o princípio da isonomia. Muito pelo contrário. Desta forma, a lei prestigia uma vertente da igualdade, qual seja aquela denominada material cujo conteúdo já fora exaurido a contento acima.
Diante desta breve explanação acerca do princípio da igualdade, pode-se afirmar com a mais inteira convicção que é justamente em respeito à igualdade material que o Estatuto do idoso previu a preferência dos idosos nos processos e procedimentos judiciais e administrativos, nos quais se incluem os precatórios.
Até porque “a não discriminação em razão da idade há de considerar situações concretas que comportem comparações entre pessoas de idades diferentes: adultos, menores e idosos” (Ibdem, p. 224).
A preferência dos idosos na ordem de pagamento dos precatórios configura uma tentativa de fazer com que a pessoa de idade avançada receba o seu crédito frente à Fazenda Pública a tempo de gozar do seu direito, uma vez que, presumidamente, possui um lapso temporal de vida menor.
Portanto, o Estatuto do Idoso tenta, através de uma ficção jurídica, igualar a possibilidade de uma pessoa mais nova e um idoso receber o crédito advindo de sentença condenatória em desfavor do Poder Público.
Por isso, ao invés de contestar a preferência do idoso na ordem de pagamento dos precatórios alegando agressão a esta isonomia, pode-se usá-la como justificativa para tal distinção, uma vez que o legislador usou a norma como meio eficaz de tentar amenizar a desigualdade já existente em função da idade mais avançada.
4.Princípio da Efetividade.
Com a proibição da autodefesa, o Estado passou a ser responsável pela resolução das possíveis contendas, subtraindo das partes o poder de solução dos conflitos por ora existentes. Tal substituição se deu porque as partes não possuem imparcialidade para determinar quem está certo e quem está errado, devendo, assim, as autoridades representativas do Estado decidir a demanda. Tem-se aí o que Rosas (1997, p. 28) denomina de jurisdição.
Complementa Baracho (1984, p. 74) dizendo que:
“[...] jurisdicional é a função de declarar o direito aplicável aos fatos, bem como é causa final e específica da atividade do Judiciário. Incumbido de garantir a sociedade um ordenamento jurídico, ao exercer atividade jurisdicional, está o Estado manifestando a soberania que lhe é inerente. Muitos autores definem jurisdição como função da soberania do Estado, que se consubstancia no poder de declarar o direito aplicável aos casos concretos”.
Em razão do princípio da separação dos poderes, inerente a todo e qualquer Estado Democrático de Direito, a função jurisdicional ficará, via de regra, sob a guarida do Poder Judiciário, uma vez que este possui autoridade desvinculada da política, o que se torna essencial, pois:
[...] quem exerce o poder político, pode amanhã estar sendo perseguido pelos novos detentores do poder político, e só perante um poder apolítico – e, conseqüentemente imparcial – poderá encontrar a ultima trincheira para defesa dos seus direitos” (SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Op. Cit., p. 245).
Portanto, em razão a esse monopólio do Estado na resolução dos conflitos, o constituinte originário previu no artigo 5º, inciso XXXV, que a lei, em hipótese alguma, poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, formalizando o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, também conhecido como direito de ação, o qual, nos dizeres de Baracho (Op. Cit., p. 89) em síntese significa que “todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativa a um direito”.
Pode-se, por conseguinte, afirmar que:
“O direito de ação é um direito público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado, que não pode recusar-se a prestar tutela jurisdicional. O estado-juiz não esta obrigado, no entanto, a decidir em favor do autor, devendo, isto sim, aplicar o direito ao caso que lhe foi trazido pelo particular. O dever do magistrado fazer atuar a jurisdição é de tal modo rigoroso que sua omissão configura causa de responsabilidade judicial” (Ibdem, p. 91).
A jurisdição será exercida pelo Estado através do processo, que se caracteriza como um conjunto de atos ordenados para atingir um fim específico, qual seja, a decisão de uma pretensão resistida (Ibdem, p. 117).
Assim sendo, não basta garantir o acesso à justiça, pois, segundo Alvim (2003, p. 338) “ao autor não interessa, simplesmente, que o réu seja condenado a uma prestação; interessa-lhe, isto sim, receber o crédito ou haver a posse do seu imóvel”.
Portanto, não basta apenas o Poder Judiciário declarar a existência ou não de determinado direito, deve ter meios de tornar tal declaração efetiva. Para tanto, há o antigo processo de execução, mas, atualmente, após a sincretização, há, em regra, apenas uma fase, cujo objetivo é tornar verdadeiramente efetiva a sentença condenatória legalmente constituída por um juízo competente (Ibdem, p. 338).
Em relação à efetividade processual, expôs com o brilhantismo de costume o doutrinador José Carlos Barbosa Moreira (1997, p. 158) que:
“[...] em toda extensão da possibilidade prática, o resultado do processo a de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento”.
Porém, como muito bem lembrou Tucci (1997, p. 66):
“Não se pode olvidar, nesse particular, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo, como já salientado, um lapso temporal razoável para tramitação do processo, e o da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário. Obtendo-se um equilíbrio destes dois regramentos – segurança/celeridade -, emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição do grau de efetividade da tutela jurisdicional”.
Uma grande burocratização pode até garantir uma ampla segurança jurídica, já que haverá meios de se analisar bem o que está em litígio. Porém, o tempo para tal resolução pode ser tão extenso que o direito acabe por ser prejudicado ou até mesmo haja a perda do objeto da ação. Desta feita, tanto o legislador quanto o aplicador do direito devem observar o balanceamento entre a aplicação da segurança jurídica e da celeridade, uma vez que só assim poder-se-á atingir uma efetividade satisfatória na resolução das lides.
Ademais, salienta-se ainda que o grande óbice para a efetividade do processo é a sua morosidade, cuja culpa envolve uma série de fatores, entre os quais se pode citar a má estrutura do Poder Judiciário, a litigação de má-fé, o desinteresse dos políticos no investimento na justiça e a universalização do procedimento ordinário (MARINONI, 1996, p. 32-34).
As conseqüências de tal morosidade são bastante profundas, uma vez que:
“[...] gera a descrença do povo na justiça; o cidadão se vê desestimulado de recorrer ao Poder Judiciário quando toma conhecimento da sua lentidão e dos males (angústias e sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela morosidade da litispendência. Entretanto, o cidadão tem direito a uma justiça que lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável” (Ibdem, p. 36).
Some-se a isso ter a parte, que teve seu direito reconhecido, idade igual ou superior a sessenta anos e ser credora da Fazenda Pública, cujos bens são absolutamente impenhoráveis. Imagine-se o descrédito dessas pessoas de ingressarem em juízo para exercer seu direito de ação em face do próprio Poder Público, já que a probabilidade de não estarem mais vivos para receber o crédito é bastante grande.
Aliado a tal expectativa, há também o desgaste ocasionado a essas pessoas que já se encontram sob os efeitos da idade avançada, sendo, até mesmo pelo ordenamento jurídico pátrio, considerados como vulneráveis.
Ipso facto, afirma Moreno (Op. cit., p. 01) que “a legislação de proteção ao idoso carece, ainda, de uma aplicabilidade efetiva, visto ser vigente apesar de não ter eficácia social”.
Portanto, deve-se, também em razão ao princípio da efetividade, ser conferida à preferência ao idoso na tramitação de todo e qualquer processo ou procedimento, seja ele judicial ou administrativo, inclusive na ordem de pagamento dos precatórios, para que, dessa forma, aumente a probabilidade de se tornar realmente efetiva a sentença condenatória contra a Fazenda Pública, no sentido do próprio titular do direito, o idoso, receber pessoalmente o crédito que lhe é devido.
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Analista do Ministério Público de Sergipe - Especialidade Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FEITOZA, Nathalia Xavier. Emenda Constitucional nº 62/2009: base principiológica da preferência dos idosos na ordem de pagamento dos precatórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2010, 01:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21404/emenda-constitucional-no-62-2009-base-principiologica-da-preferencia-dos-idosos-na-ordem-de-pagamento-dos-precatorios. Acesso em: 23 dez 2024.
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