O Aurélio, referindo-se ao ato ou efeito de discriminar, indica-nos como o ato de segregar, separar, apartar (FERREIRA, 2002). A discriminação constitui uma grande valorização de algo em detrimento de uma outra que será reduzida.
Discriminar nada mais é do que uma tentativa de reduzirem as perspectivas de uns em benefício de outros. [...] Nas suas múltiplas manifestações, a discriminação constitui a valorização generalizada e definitiva de diferenças, reais ou imaginárias, em benefício de quem a pratica, não raro como meio de justificar um privilégio (GOMES, 2001, p.8).
Preconceito, por outro lado, é o conceito ou opinião determinada, formada, antecipadamente, não levando em conta os fatos que os conteste (FERREIRA, 2002). Significa ainda aquilo que fornece aspectos de intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões ou origem social.
Por outro lado, preconceito, racismo e discriminação social são alguns nomes usados para explicar a capacidade que têm as pessoas de rejeitar as outras. Essas palavras podem ser entendidas de muitas maneiras.
Destarte, no que se refere à discriminação e ao preconceito, o legislador faz uma distingue entre tais conceitos para que assim possa destacar e determinar a punição de maneira diferenciada.
A ONU, em documento oficial sobre as formas de Discriminação Racial estabeleceu o conceito, sendo ele:
Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, discrepância ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública (GOMES, 2001, p.19).
O Brasil ratificou o referido documento, adotando como significado de discriminação racial, com base no que foi demonstrado, toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha como objetivo prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou o exercício de direitos fundamentais intrínsecos do ser humano, nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro campo não especificado, ou seja, tudo aquilo que gere desigualdade (LIMA FILHO, 2002).
Discriminação e preconceito são temas antigos, tanto quanto a humanidade, tendo surgido no mundo ainda na antiguidade, juntamente com os regimes escravagistas e os prisioneiros de guerra, tendo também passado ao longo da história brasileira e pela colonização brasileira, acirrada crise de desigualdade racial e social nesse país.
No decorrer da história, entretanto, originou-se sobre o ponto de vista social, econômico e racial, segregação de grupos e pessoas, onde cada vez mais aumentam as diferenças e crescem as lacunas, acabando e disseminando a harmonia multicultural existente no Brasil.
Como conseqüência dessa crescente discriminação no Brasil tem a formação de guetos cada vez mais nítidos. De um lado as favelas, os moradores de ruas e classes menos favorecidas. Por um lado tem-se um crime cada vez mais organizado e uma população cada vez mais acuda diante de suas crenças e valores.
Valores e identificações vinculados ao trabalho que serviam de distinção da população menos favorecida em relação aos “bandidos” vêm sendo rompidos, principalmente pelo reestruturamento presente no trabalho. Tal questão vem propiciando que grandes quantidades de jovens menos favorecidos se tornem cada vez mais seduzidos pela oferta do narcotráfico e por conseqüência se tornem suas vítimas principais.
De suma importância é que no processo de construção da estrutura ética e moral da família não se deixe de lado a sua contextualização histórico-cultural, não deformadora de caráter e visualizadora da realidade pessoal e social do cidadão.
Nesse sentido, ao se referir à desagregação social, Angelina Peralva assim indica: “[...] administrar e controlar o seu próprio processo de inclusão na sociedade de massa, sem perder de vista a particularidade da sua própria história” (PERALVA, 2000, p.58).
Essa contribuição da família na estruturação da vida pessoal e social é de suma importância, visto que a desorganização familiar é indutora de certa ordem da violência dentro e fora do lar.
A difusão de estruturas de apoio à infância tem, no entanto, funcionando como importante mecanismo de regulação e de inibição da violência familiar. Assim, torna-se necessário que a sociedade possua agências públicas interessadas no amparo da infância e adolescência, capazes de atender às demandas suscitadas, inclusive pela família, capazes de não só apoiar, mas e especialmente, criar condições para a mobilidade social e desmonte da violência e da criminalidade. Entretanto, as discussões sobre infrações cometidas por menores, principalmente promovidas pela mídia, produzem uma compreensão específica das classes tidas como “perigosas”, reforçando e atualizando os preconceitos e discriminação em relação à população pobre e seus espaços de moradia.
Para o sociólogo Gilberto Velho (2000, p.83), “[...] a grande maioria das camadas populares, a impossibilidade e valores longamente publicizados através da mídia e em geral, acirram a tensão e o ódio social”.
Um outro aspecto é a condição socioeconômica de uma sociedade dividida em classes com oportunidades diferenciadas e desiguais, incrementando o fosso quilométrico entre os mais pobres e os cada dia mais ricos, gerando desconfiança, descrédito, desconforto, pobreza e até muita miséria. Esse aspecto define a quebra do contrato social, justo e equilibrado, em que finque a construção do bem comum, objeto fim e específico do Estado Social e Democrático, pugnado pela Constituição Federal de 1988.
No Brasil existem enormes desigualdades sociais e de distribuição de renda. Em uma ponta padrões de consumo tal qual os Europeus e Norte-americanos, de países desenvolvidos, ricos e noutra a miséria absoluta, comparados aos do Haiti e da África do Sul.
É verdade que existe alguma relação entre crime e desemprego, mas não é o determinante, não significa dizer que um cidadão desempregado migre para o crime. Em uma pesquisa realizada pela Datafolha, um instituto de pesquisa no Estado de São Paulo constatou que em 1991, dos 645 presos da Casa de Detenção da capital “[...] no momento do crime 27% dos criminosos não estavam trabalhando” (Kahn, 2002, p. 11). Porquanto, nessa avaliação há “[...] uma distorção da população sobre criminosos e criminalidade. [...] a percepção popular do crime guarda freqüentemente pouca relação com a realidade” (Idem).
Noutro âmbito, a falta de programas sociais para o primeiro emprego e a não profissionalização de jovens para o acesso a emprego e renda, bem como a inexistência de políticas públicas a fim de absorver, na sociedade e no mercado de trabalho, os egressos do sistema penitenciário cujo peso de ex-presidiário os impedem de conseguir se encaixar em trabalho algum, gerando alto nível de reincidência criminosa, são causas bastantes de dessegregação social, limitadoras de acesso aos bens de produção e inibidora da mobilidade social, componente, pois, desse processo de crescente violência na sociedade, fomentadora do preconceito e da discriminação.
Vê-se, portanto, índices superestimados, índices de criminalidades desconexos. Há um carrego em grupos socialmente discriminados, como desempregados ou sub empregados da informalidade, negros, usuários de drogas, homossexuais, dentre aqueles que mais aparecem nas práticas delituosas perante a mídia escrita e falada no Brasil.
Túlio Kahn (2002, p.15-6), aponta distorções em relação à mídia e os preconceitos ou distanciamento de dados efetivos e oficiais produzidos pela criminalidade, a saber:
1) as variações no volume de notícias sobre um tipo de crime guarda pouca relação com variações reais observadas naquele crime, tanto com respeito à localização espacial quanto às variações de tempo. 2) embora a maioria dos crimes seja constituída por crimes não violentos, a cobertura da imprensa sugere o contrário. 3) tanto as vítimas quanto os agressores que aparecem na mídia, são mais velhos do que sugerem as estatísticas criminais. 4) as reportagens tendem a sobre representar grupos minoritários ou impopulares entre os agressores. 5) o retrato da atividade policial é dramatizado e parece mais eficaz e emocionante do que é na realidade. 6) ignora-se os diferentes riscos de vitimização dos diversos grupos. 7) há ausência generalizada sobre contexto social e histórico da informação apresentada. 8) existe uma concentração de atenção sobre crimes de rua, cometidos por pobres, e uma desconsideração com relação aos crimes de colarinho branco.
Os meios de comunicação e de expressão em massa, plenos e democráticos (como tem que ser defendido), têm o condão de informar e formar opiniões que necessitem ter o caráter de responsabilidade suficiente e equilibrado da informação, sem a condução de inverdades, pseudo-verdades ou tormento de mais conflitos sociais, ódios e violências, se contrário for estará contribuindo para o aumento do preconceito e da discriminação, consequentemente, aumento da violência.
Como se vê, tal país, marcado pela miscigenação, tenta de todas as formas coibir os casos de discriminação racial e social, sem falar do preconceito, inserindo cada vez mais no ordenamento jurídico, leis e medidas estatais que possam banir de vem por todas qualquer tipo de atos discriminatórios, buscando implantar uma democracia social acabando com as barreiras encontradas pelos grupos de minorias. Pois,
[...] uma formação que visa à construção de valores de democracia e de cidadania não pode ignorar os conflitos pessoais e sociais vividos por seus atores, mas deve sim, conceder um lugar relevante às relações interpessoais. Concebendo os conflitos interpessoais como um conteúdo essencial para a formação psicológica e social dos seres humanos, um caminho profícuo para a construção de sociedades e culturas mais democráticas e sensíveis à ética nas relações humanas (ARANTES, 2007, p.59).
Em termos conclusivos é óbvia a existência de conflitos pessoais e sociais. Para o crescimento do diálogo e a tomada de um caminho à resolução é imprescindível reconhecermos tais diferenças. Entretanto, o racismo e a discriminação encontrados no Brasil é velada, escondida. Não se admite, por vezes, a existência de preconceito, desse modo o diálogo em torno de tais questões não avança.
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Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe. Formado pela Universidade Tiradentes. Pós-Graduado pela Unisul em Direito Constitucional e Direito Processual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIGUEIREDO, Gerson Aragão Silva. Discriminação versus cidadania no estado de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2010, 17:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21520/discriminacao-versus-cidadania-no-estado-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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