A inviolabilidade parlamentar ou imunidade material protege o parlamentar no tocante às suas opiniões, palavras e votos, não permitindo que estes sejam violados civil, penal e administrativamente (artigo 53, caput, da CF/88, redação dada pela EC 35/01).
Aduz Sérgio Valladão Ferraz que “apenas os atos cometidos in officio (no ofício) ou propter officium (em razão do ofício) são protegidos pela imunidade material”[1].
Portanto, malgrado estejam resguardados constitucionalmente, mister será que o comportamento do deputado ou senador ocorra no desempenho de suas funções ou em razão delas, ou seja, sempre estará atrelado às atividades parlamentares, apesar de existir uma presunção absoluta quando o congressista esteja dentro do recinto parlamentar, haja vista presumir-se que o mesmo esteja desempenhando as funções parlamentares.
Nessa linha de raciocínio, inclina-se o Supremo Tribunal Federal[2], senão vejamos:
Inquérito. Denúncia que faz imputação a parlamentar de prática de crimes contra a honra, cometidos durante discurso proferido no plenário de Assembléia Legislativa e em entrevistas concedidas à imprensa. Inviolabilidade: conceito e extensão dentro e fora do parlamento. A palavra "inviolabilidade" significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada "conexão como exercício do mandato ou com a condição parlamentar" (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada. (grifado)
Destarte, no que tange aos pronunciamentos proferidos no interior do recinto parlamentar, os membros do Poder Legislativo sempre estarão resguardados pela inviolabilidade, cabendo apenas à Casa Legislativa fazer juízo de valor acerca do conteúdo, podendo, assim, punir ou não o parlamentar por eventuais excessos ou abusos da prerrogativa, tudo respaldado nos ditames do poder disciplinar previsto no Regimento Interno e na Constituição Federal (art. 55, inciso II e § 1º)[3].
Por sua vez, fora do recinto parlamentar, o congressista terá que comprovar que suas palavras e opiniões emitidas estão em plena consonância com as funções legislativas.
Assinala Michel Temer que[4]:
A inviolabilidade diz respeito à emissão de opiniões, palavras e votos.
Opiniões e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer dizer: o parlamentar, diante do Direito, pode agir como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à ideia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade.
Portanto, o deputado ou senador que discursa em rádio ou canal de televisão não poderá ser violado devido ao conteúdo do pronunciamento, desde que reste provado que o mesmo esteja agindo em função do cargo ou as opiniões e palavras proferidas guardem pertinência com ele.
Nesse sentido[5]:
Imunidade parlamentar e entrevista jornalística (transcrições) inq 2330/df* Relator: Min. Celso de Mello. Membro do Congresso Nacional. Entrevista jornalística concedida à emissora de rádio. Afirmações reputadas moralmente ofensivas. Pretendida responsabilização penal da congressista, por suposta prática de crime contra a honra. Impossibilidade. Proteção constitucional dispensada ao integrante do Poder Legislativo. Imunidade parlamentar material (cf, art. 53, “caput”). Alcance dessa garantia constitucional. Tutela que se estende às opiniões, palavras e pronunciamentos, independentemente do “locus” (âmbito espacial) em que proferidos, abrangendo as entrevistas jornalísticas, ainda que concedidas fora das dependências do Parlamento, desde que tais manifestações guardem pertinência com o exercício do mandato representativo. O “telos” da garantia constitucional da imunidade parlamentar. Doutrina. Precedentes. Inadmissibilidade, no caso, da pretendida persecução penal, por delitos contra a honra, em face da inviolabilidade constitucional que ampara os membros do Congresso Nacional. Extinção do processo penal.
Entretanto, vislumbra-se em alguns casos a impossibilidade de aplicação do instituto, como bem se observa os julgados emanados da Corte Maior abaixo transcritos[6] [7]:
Imunidade parlamentar em sentido material (cf, art. 53, "caput") - alcance, significado e função político-jurídica da cláusula de inviolabilidade - garantia constitucional que não protege o parlamentar, quando candidato, em pronunciamentos motivados por propósitos exclusivamente eleitorais e que não guardam vinculação com o exercício do mandato legislativo - proposta de concessão, de ofício, da ordem de "habeas corpus", que se rejeita. - A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, "caput") - destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular - não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais. Precedentes. - O postulado republicano - que repele privilégios e não tolera discriminações - impede que o parlamentar-candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico-penal resultante da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar-se, ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.
Queixa-crime em que se imputa a deputado federal crimes previstos nos artigos. 20, 21 e 22 da lei 5.250/1967. Delitos que teriam se consumado através de declarações em programa televisivo do qual o querelado é apresentador. Preliminares de ilegitimidade ativa, inépcia e irregularidade do instrumento de mandato afastadas. Não-incidência da imunidade material parlamentar, quando as declarações supostamente ofensivas não guardam relação com o exercício do mandato parlamentar. Existência de indícios mínimos de autoria e materialidade em relação aos crimes de injúria e difamação. Não configuração do delito de calúnia: ausência de particularização da conduta criminosa. [...] A imunidade material prevista no art. 53, caput, da Constituição não é absoluta, pois somente se verifica nos casos em que a conduta possa ter alguma relação com o exercício do mandato parlamentar. Embora a atividade jornalística exercida pelo querelado não seja incompatível com atividade política, há indícios suficientemente robustos de que as declarações do querelado, além de exorbitarem o limite da simples opinião, foram por ele proferidas na condição exclusiva de jornalista. (…). (grifado).
Raul Machado Horta entende que “a interpretação teleológica da inviolabilidade, como das imunidades em geral, ajustando-se ao fundamento e ao fim primordial dessas prerrogativas parlamentares, deve estar sempre presente no espírito do intérprete ou do aplicador das imunidades ao caso concreto”[8].
Em outras palavras, a aplicabilidade das imunidades parlamentares dependerá sempre no caso concreto de uma análise subjetiva, onde deverá ser analisado se o fato, objeto da controvérsia, guarda liame com a atividade parlamentar.
Conclui-se, assim, que os parlamentares, quando dos seus pronunciamentos extra Parlamento, precisam estar exercendo diretamente ou indiretamente as atribuições concedidas a eles, ou seja, que exista nexo de causalidade entre as declarações e as atividades parlamentares, para que então, possa ser respaldado pela inviolabilidade parlamentar. Caso contrário, deveram ser responsabilizados civil e/ou penalmente, sob pena de a prerrogativa transparecer como verdadeiro privilégio de ordem pessoal, e, por conseguinte, propiciar discriminações entre os cidadãos, afetando frontalmente o princípio da igualdade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Denúncia rejeitada. Inquérito nº 1958. Relator: Ministro Carlos Velloso. 29 de outubro de 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extinção do Processo Penal. Inquérito nº 2330. Relator: Ministro Celso de Mello. 09 de agosto de 2007. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de concessão, de ofício, da ordem de "habeas corpus", que se rejeita. Inquérito nº 1400. Relator: Ministro Celso de Mello. 04 de dezembro de 2002. Disponível em:. Acesso em: 09 set. 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Queixa-crime parcialmente recebida, para instauração de processo penal contra o querelado pelos crimes de difamação e injúria contra funcionário público no exercício de suas funções, nos termos dos artigos 21 e 22, combinados com o inciso II do art. 23 da Lei 5.250/1967. Inquérito nº 2134. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. 23 de março de 2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=2134.NUME.+E+$Inq$.SCLA.&base=baseAcordaos>. Acesso em: 09 set. 2010.
FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2006.
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1998.[1] FERRAZ, Sérgio Valladão. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2006, p. 381.
Notas:
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Denúncia rejeitada. Inquérito nº 1958. Relator: Ministro Carlos Velloso. 29 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000096831&base=baseAcordaos>. Acesso em: 10 set. 2010.
[3] HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 582.
[4] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1998, p. 131.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extinção do Processo Penal. Inquérito nº 2330. Relator: Ministro Celso de Mello. 09 de agosto de 2007. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2010.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Proposta de concessão, de ofício, da ordem de "habeas corpus", que se rejeita. Inquérito nº 1400. Relator: Ministro Celso de Mello. 04 de dezembro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 09 set. 2010.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Queixa-crime parcialmente recebida, para instauração de processo penal contra o querelado pelos crimes de difamação e injúria contra funcionário público no exercício de suas funções, nos termos dos artigos 21 e 22, combinados com o inciso II do art. 23 da Lei 5.250/1967. Inquérito nº 2134. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. 23 de março de 2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=2134.NUME.+E $Inq$.SCLA.&base=baseAcordaos>. Acesso em: 09 set. 2010.
[8] Ibid., p. 584.
Técnico do Ministério Público do Estado de Sergipe e Graduando do Curso de Direito pela FANESE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Milton Barreto Freitas. Aplicabilidade da inviolabilidade parlamentar dentro e fora do recinto legislativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2010, 01:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21571/aplicabilidade-da-inviolabilidade-parlamentar-dentro-e-fora-do-recinto-legislativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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