Sumário: 1 Introdução; 2 Princípio da interpretação conforme a Constituição; 3 Aspectos da interpretação conforme a Constituição; 4 Considerações Finais; 5 Referências.
1 INTRODUÇÃO
Ao se realizar a Interpretação Constitucional ou como sugere o eminente doutrinador e Ministro Carlos Ayres Britto[1], a Hermenêutica da Constituição, deve o aplicador do Direito utilizar, aliado aos métodos de interpretação, os princípios de interpretação específicos.
A interpretação da Constituição não possui diferença material em relação a que se realiza nas outras áreas, de tal sorte que também se aplicam os mesmos métodos de interpretação (teleológico, histórico, gramatical etc). E aliado a estes, “como decorrência da superioridade hierárquica das normas constitucionais, existem alguns princípios e métodos próprios, que norteiam a interpretação das Constituições”.[2]
É válido ressaltar que tais princípios balizam a interpretação ao caminho da alma, do verdadeiro sentido da Constituição. A atuação principiológica é capaz de gerar efeitos imediatos e mediatos, estes ocorrem quando funcionam como critério interpretativo e integrativo do texto constitucional e aqueles quando são aplicáveis diretamente a uma determinada relação jurídica.
Resumidamente, os princípios constitucionais denotam os valores mais relevantes da ordem jurídica e variam no âmbito da amplitude de sua atuação e até mesmo no espectro de sua influência.
A real efetividade dos princípios permite que o intérprete ou aplicador do direito possa superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa para cada caso.
A carta fundamental, por ser a norma regente de todo o ordenamento, assim como determina o Princípio da Supremacia da Constituição, não admite a existência de atos contrários às suas disposições.
Em decorrência de referido princípio, o intérprete ou aplicador do direito, ao se deparar com normas dotadas de várias perspectivas de interpretação, deve priorizar aquela que mais se coadune com as disposições constitucionais, conforme dispõe o Princípio da Interpretação conforme a Constituição, que será analisado neste estudo.
2 PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Quando uma norma não for manifesta ou inequivocamente inválida ou até mesmo quando houver dentre as interpretações possíveis, uma que possa ser compatibilizada com a Constituição, ela não deverá ser declarada inconstitucional[3].
A Interpretação conforme a Constituição denota uma técnica de controle de constitucionalidade e não somente um método de interpretação hermenêutico, estabelecendo que o intérprete ou aplicador do direito, ao se deparar com normas que possuam mais de uma interpretação (polissêmicas ou plurissignificativas), deverá priorizar aquela interpretação que mais se coadune com o texto constitucional.
Significa dizer que sempre que houver mais de uma interpretação possível para uma determinada norma deverá ser utilizada aquela que esteja em maior grau de conformidade com os ditames da Carta Magna. O objetivo da interpretação conforme a constituição é, especificamente, o de promover, através da interpretação extensiva ou restritiva, conforme o caso, uma alternativa legítima para o conteúdo de determinado preceito legal[4].
Compete, porém, ao aplicador observar a forma de utilização deste princípio, como forma de evitar a ocorrência de excessos, o que de certo poderá desnaturar a sua finalidade, já que no instante da interpretação do preceito legal o mesmo não deve ser estendido ou restringido em demasia, pois se assim o for, tal conduta estará claramente invadindo a esfera de competência do Poder Legislativo.
Nesta senda, tanto a doutrina quanto a jurisprudência limitam a utilização da interpretação conforme, como ensinam os juristas Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, in verbis[5]:
a) O intérprete não pode contrariar o texto literal e o sentido da norma interpretada, a fim de obter a concordância com a Constituição;
b) A interpretação conforme a Constituição só é admitida quando existe, de fato, um espaço de decisão (espaço de interpretação) em que sejam admissíveis várias propostas interpretativas, estando pelo menos uma delas em conformidade com a Constituição, que deve ser preferida às outras, em desconformidade com ela;
c) No caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma lei inequivocamente em contradição com a Constituição, não se pode utilizar a interpretação conforme a Constituição; nessa hipótese, impõe-se a declaração de inconstitucionalidade da norma;
d) Deve o intérprete zelar pela manutenção da vontade do legislador, devendo ser afastada a interpretação conforme a Constituição, quando dela resultar uma regulação distinta daquela originariamente almejada pelo legislador. Se o resultado interpretativo conduz a uma regra em manifesta dissintonia com os objetivos pretendidos pelo legislador, há que ser afastada a interpretação conforme a Constituição, sob pena de transformar o intérprete em ilegítimo legislador positivo.
Claro está que o princípio em tela fornece um meio de escolha de um dos possíveis direcionamentos interpretativos de certa norma em detrimento de outros, obviamente que sempre na busca de coerência entre a norma infraconstitucional e a Lex Fundamentalis.
Neste aspecto, a busca por um entendimento interpretativo correlato à Constituição há de ser cautelosa, já que o ato de interpretar não significa modificar o conteúdo da lei. O jurista Luís Roberto Barroso[6] afirma que o procedimento da interpretação conforme a Constituição pode, didaticamente, ser dividido nos elementos adiante descritos:
1)Trata-se de escolha de uma interpretação de norma legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita.
2)Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto.
3)Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.
4)Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara legítima determinada leitura da norma legal.
Nesse sentido, cabe trazer à colação entendimento do ilustre Ministro do Supremo Tribunal Gilmar Mendes, in verbis:
“oportunidade para interpretação conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição” (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 222).
De igual forma o ilustre Ministro da Corte Suprema Moreira Alves:
“a interpretação da norma sujeita a controle deve partir de uma hipótese de trabalho, a chamada presunção de constitucionalidade, da qual se extrai que, entre dois entendimentos possíveis do preceito impugnado, deve prevalecer o que seja conforme à Constituição” (RTJ 126/53)
Assim, dada a presunção de constitucionalidade das normas, deve prevalecer a interpretação constitucional.
Assim, percebe-se que a interpretação constitucional deve sempre prevalecer, pois, revestida está da presunção de constitucionalidade, devendo ser utilizada todas as vezes que algum preceito legal for dotado de duas ou mais possibilidades de interpretação, fazendo com que o operador do direito exclua as interpretações que colidam com a Constituição e priorize aquela que esteja em conformidade com a carta mãe.
3 ASPECTOS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
A interpretação conforme, inicialmente, funciona como elemento estritamente ligado ao princípio da unidade da ordem jurídica, isto é, a Constituição deve ser compreendida como norma superior do ordenamento.
O fato de as normas constitucionais serem supremas e existir presunção de constitucionalidade dos atos e das leis editadas pelo Poder Público faz com que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja dada preferência à interpretação da norma que esteja em consonância com a Constituição.
A justificativa para a existência do princípio em comento é dado através de dois posicionamentos doutrinários, assim como afirma o jurista Luís Henrique Martins dos Anjos[7].
Um entendimento diz que existe a presunção de que há a constitucionalidade das normas, que as normas são elaboradas de forma constitucional e, como existe esta presunção, temos sempre que procurar dar um entendimento constitucional. Para entender melhor, vamos ilustrar o raciocínio. É impetrada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, porque se sustenta que determinado ato normativo é inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal, então, diz que pode dar a este texto legal uma interpretação que seja adequada à Constituição e não uma interpretação que fira a Constituição. Logo, o primeiro comportamento da Corte Suprema é fazer a interpretação daquele ato normativo de forma a adequá-lo à Constituição e não aplicá-lo de forma que fira a Constituição o que implicaria a declaração da sua inconstitucionalidade. O motivo para a utilização da interpretação conforme seria que a presunção é de que o ato surge constitucional. Vamos, então, interpretar de forma constitucional.
E continua o autor:
Outro entendimento traz a idéia de que essa Interpretação conforme à Constituição pelo Supremo Tribunal Federal se justificaria no sentido de que é feita em respeito ao Princípio da Economia do Ordenamento, que é o mesmo Princípio do Máximo Aproveitamento dos Atos Jurídicos Normativos. Economia do ordenamento significa exatamente aproveitar o máximo da ordem jurídica; não é uma questão de presunção ou não-presunção, esta interpretação é feita para dar a máxima utilidade ao ato jurídico. Vamos procurar salvar este ato jurídico, salvar, no sentido de que primeiro deve ser buscada a compreensão que coadune o texto normativo ao constitucional, ao invés de já declarar que é inconstitucional, mas procurar dar a aplicação do ato que não fira a Constituição.
É claramente perceptível que referidos posicionamentos se complementam. A interpretação conforme a Constituição busca manter vivas na ordem jurídica as normas que à primeira vista pareçam estar eivadas do vício da inconstitucionalidade, quando, em verdade, possam ser mantidas no ordenamento jurídico através da interpretação de acordo com a Constituição.
Notadamente, o aplicador do direito quando da interpretação de uma norma conforme a constituição poderá declará-la parcialmente inconstitucional, ocorrendo a denominada interpretação conforme com redução do texto, ou mesmo excluir o malfado entendimento da norma rebatida, com o nítido objetivo de compatibilizar o preceito legal com a Constituição, nesse último caso ocorrendo a chamada interpretação conforme sem redução de texto.
Sobre esse aspecto, o jurista Alexandre de Moraes[8] afirma que, no âmbito da interpretação conforme, três hipóteses são vislumbradas:
Interpretação conforme com redução do texto: essa primeira hipótese ocorrerá quando for possível, em virtude da redação do texto impugnado, declarar a inconstitucionalidade de determinada expressão, possibilitando, à partir dessa exclusão de texto, uma interpretação compatível com a Constituição Federal.
(...)
Interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade: nessas hipóteses, salienta o Pretório Excelso, "quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal, técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto em decorrência de este permitir interpretação conforme a Constituição”
(...)
Interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade: nesses casos, o Supremo Tribunal Federal excluirá da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a Constituição Federal, ou seja, será reduzido o alcance valorativo da norma impugnada, adequando-a à Carta Magna.
Deste modo, tem-se que a interpretação conforme a Constituição, também, objetiva que nenhuma lei seja declarada inconstitucional quando uma de suas possíveis interpretações esteja em harmonia com a Magna Carta. Ao ser interpretada desta maneira, conserva-se o seu real sentido sem que hajam invasões na competência de quaisquer dos poderes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a interpretação conforme a Constituição não significa apenas a escolha de uma interpretação no âmbito de um universo interpretativo, mas trata-se também de uma garantia à efetividade da supremacia da Magna Carta e respeito ao princípio da separação dos poderes.
A interpretação conforme funciona como um mecanismo de controle de constitucionalidade, mas deve-se salientar que para salvar uma lei não se admite interpretação contra legem, até mesmo porque o uso deste princípio deve ser feito com cautela, para que não haja invasão na competência do Poder Legislativo.
No Brasil, cabe ao STF a atribuição de fiscalizar a constitucionalidade das leis, mas a interpretação sistemática pode ser feita tanto pelo Supremo quanto pelos demais juízes.
Por todo o exposto, nota-se que referido princípio busca manter a integridade da Constituição, albergada pelo sentimento de segurança jurídica, já que não se deve declarar inconstitucional uma norma que não for manifesta ou inequivocamente inválida ou até mesmo quando houver dentre as interpretações possíveis, uma que possa ser compatibilizada com a Constituição.
5. Referências
AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 24, abr. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=132>. Acesso em: 24 set. 2010.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora – 6° ed. Ver., atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2008.
BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
MARTINS DOS ANJOS, Luís Henrique. A Interpretação Conforme a Constituição enquanto técnica de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Disponível na Internet: < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/15728/15292>. Acesso em 25 de setembro de 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 13° ed. – São Paulo: Atlas, 2003.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 6ª Ed. – São Paulo: Método, 2010.
[1] BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição, p.144.
[2] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado, p.67.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, p.188.
[4] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, p.190.
[5] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado, p.73.
[6] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, p.189.
[7] MARTINS DOS ANJOS, Luís Henrique. A Interpretação Conforme a Constituição enquanto técnica de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Disponível na Internet: < http://www.buscalegis.ufsc.br>. Acesso em 25 de setembro de 2010.
[8] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 46-47.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe - especialidade Direito, Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL/LFG, graduada em Direito pela Universidade Tiradentes em Aracaju/SE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Danielle Tavares da. Princípio da interpretação conforme a Constituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2010, 19:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21653/principio-da-interpretacao-conforme-a-constituicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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