1. INTRODUÇÃO
O mandado de injunção é uma garantia constitucional, prevista no artigo 5°, inciso LXXI da Constituição da República, que se destina a dar aplicabilidade a normas constitucionais de eficácia limitada, dentre as quais normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, que necessitam de lei regulamentadora, para o exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à soberania.
Direitos e liberdades constitucionais são aqueles expressamente previstos no artigo 5°, intitulados direitos fundamentais, e artigos 6° a 11 (direitos sociais), da CRFB/88, bem como os demais direitos assegurados pela Lei Maior, como, por exemplo, o previsto no artigo 196.
As prerrogativas inerentes à nacionalidade e à cidadania estão previstas no artigo 12 da Constituição Republicana. Já as prerrogativas inerentes à soberania referem-se à soberania popular.
Embora a existência deste writ no ordenamento jurídico brasileiro seja contemporânea à promulgação da Constituição Federal de 1988, apenas com o recente julgamento dos referidos mandados de injunção, pelo Supremo Tribunal Federal, relativos ao direito de greve dos servidores públicos, é que se pode acreditar que ele, finalmente, irá ter efetividade.
Durante quase vinte anos, na seara do mandado de injunção, predominou entre os membros do STF a teoria não concretista, segundo a qual o órgão judiciário, conhecendo a mora do Poder Legislativo, limitava-se a emitir um comunicado à autoridade responsável pela elaboração da lei, quanto à sua omissão em regulamentar determinada norma constitucional.
Entretanto, a composição da Suprema Corte, no que tange aos efeitos da decisão no mandado de injunção, esteve dividida entre três correntes, a saber: não concretista, concretista geral e concretista individual.
2. EFEITOS DAS DECISÕES JUDICIAIS EM SEDE DE MANDADO DE INJUNÇÃO
Mazzei (In: DIDIER JR., 2007, p. 146-165) vincula o efeito das decisões judiciais, no âmbito do mandado de injunção, às espécies de teorias existentes acerca do assunto. Isto é, o efeito da decisão em sede de mandado de injunção irá variar de acordo com a corrente utilizada pelo Judiciário.
Assim, na doutrina pátria as teorias aplicáveis ao mandado de injunção, no que tange aos efeitos das decisões judiciais, dividem-se em: corrente não concretista, corrente concretista geral, corrente concretista individual direta e corrente concretista individual intermediária (OLIVEIRA, 1993, p. 47-55; HONORATO, 2007, 24-1156/13-16; MACHADO, 1999, p. 104-136; MORAES, 2007, p. 163-168; LENZA, 2006, p. 585-586; PIOVESAN, 1995, p. 129-150).
De igual modo, estas correntes repartiram os entendimentos na composição do Supremo Tribunal Federal. Tal divergência foi observada pelo então Ministro Néri da Silveira (apud MACHADO, 1999, p. 105-106), quando do seguinte pronunciamento:
Há, como sabemos, no julgamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do mandado de injunção n° 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro a minha posição que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício dos direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucional assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que se o Congresso não fizer a lei, em certo prazo que se estabelece na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento da reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece concilia a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição, assegurando, mesmo se não houver elaboração da lei.
Desse modo, José da Silva Pacheco (apud MACHADO, op. cit., p. 104) valendo-se desta diversidade de teorias, propõe as seguintes orientações interpretativas : a) a ação do mandado de injunção e a sentença favorável visam a criar a norma inexistente; b) visa a obter o mandamento, ordenando que a administração e o legislativo elabore o ato regulamentador; c) visa a obter ação declaratória da omissão normativa; d) visa a, atendendo o pedido, proteger o direito reclamado, de acordo com os fins sociais, o bem comum e os princípios gerais e constitucionais; e) tem como finalidade propor que o responsável edite a norma em curto prazo, caso assim não o faça, o juiz decidirá o caso concreto.
Destarte, conclui o mencionado doutrinador que a decisão judicial poderá ser, a depender da corrente adotada, de natureza declaratória (quando houver a declaração de omissão normativa), condenatória (quando o judiciário concede o direito), constitutiva (quando houver a criação da norma regulamentadora) ou mandamental (quando o Judiciário determina que o Legislativo adote as providências necessárias) (MACHADO, op. cit., p. 104-105).
Porém, antes de adentrar propriamente no estudo das mencionadas correntes, faz-se mister tecer importante consideração.
Ao longo dos anos, desde a inserção do mandado de injunção no texto constitucional, em 1988, até bem pouco tempo, o writ ora estudado não cumpria a finalidade para a qual foi criado, qual seja: possibilitar o exercício dos direitos elencados em normas constitucionais de eficácia limitada, ainda que inexista regulamentação para a mesma.
Isto porque, até o final do ano de 2007, preponderava na Corte Constitucional a aplicação da corrente não concretista, que conforme será visto, atribui ao mandado de injunção efeito idêntico ao provocado pela ação de inconstitucionalidade por omissão (LENZA, 2006, p. 586).
Sobre o domínio de tal entendimento no STF, segue o esclarecimento do Ministro Moreira Alves (apud PIOVESAN, 1995, p. 134):
[...] Assentou o Supremo Tribunal Federal a orientação de que o instrumento processual criado pela Constituição com denominação de mandado de injunção, e que será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (Art. 5°, LXXI), serve, para qualquer titular desses direitos, liberdades e prerrogativas, de meio de declaração da omissão inconstitucional resultante da mora na feitura da norma regulamentadora, o que acarreta, normalmente, a mesma conseqüência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ciência ao Poder, órgão ou autoridade omissos, para a adoção das providências necessárias à regulamentação).
Felizmente, a mudança da composição do Supremo Tribunal Federal fez renovar também o seu posicionamento, quanto ao efeito da decisão judicial no mandado de injunção, o que motivou esta pesquisa, a fim de compreender as teorias aplicáveis e qual a consequência da mudança de paradigma no âmbito da Corte Maior.
2.1 Teoria não concretista
De acordo com a teoria denominada não concretista, o Poder Judiciário, no julgamento do mandado de injunção, apenas irá declarar a omissão normativa e cientificar ao órgão ou autoridade responsável pela elaboração da norma, o seu estado de inatividade (MORAES, 2007, p. 167). 1
O limite máximo a que a decisão poderá chegar é suspender os processos judiciais e administrativos que possam ocasionar danos ao impetrante, os quais não ocorreriam se o direito fosse plenamente executável (MACHADO, 1999, p. 107-108).
Assim:
Da forma como ainda defendem alguns juristas, o mandado de injunção se afastaria de sua natureza instrumental e assecuratória do direito público, com potencialidade imperativa e cogente, e abriga sentença meramente declaratória, isto é, sentença que simplesmente declara a omissão do legislador e a ele comunica este fato (HONORATO, 2007, p. 15).
Os seguidores desta corrente doutrinária argumentam que o mandado de injunção não poderá acarretar efeito mais expansivo que o provocado pela decisão judicial na ADIN por omissão, ou seja, ao julgar o mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal não poderá ter um poder maior que o designado na ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão (RIBEIRO, 2003, p. 125).
Sustenta ainda a corrente analisada que se o STF atribuísse efeitos constitutivos ao mandado de injunção, estaria a ferir o princípio da separação dos poderes, pois o Poder Judiciário não poderá fazer as vezes do Poder Legislativo (MACHADO, op. cit., p. 108).
No que toca aos argumentos da teoria concretista, assim dispõe Ribeiro (Op. cit., p. 126):
De todo o exposto, o que nos parece mais curioso é que os pressupostos trabalhados pelos doutrinadores tradicionais são, em grande parcela, os mesmos. A referência às possíveis violações ao princípio da separação dos poderes é uma constante. Associe-se à gama dos argumentos anteriores a idéia de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não pode ter efeitos inferiores ao mandado, razão pela qual deve ser dada a primazia aos efeitos meramente declaratórios. De resto, nenhum argumento mais profundo pode ser inferido.
Ademais, os que comungam com este entendimento não admitem a possibilidade de concessão de medida liminar em sede de mandado de injunção, pois se assim o fosse, os efeitos desta decisão interlocutória ultrapassariam os limites da própria decisão final (MACHADO, op. cit., p. 108-109). 2
Entretanto, grande parte da doutrina critica a corrente não concretista por confundir os efeitos da concessão da injunção com a ação de inconstitucionalidade por omissão, isto é, o mandado de injunção produz resultado idêntico ao da ADIN por omissão (MORAES, 2007, p. 167).
Neste aspecto, imperioso se faz transcrever considerável observação realizada por José Carlos Barbosa Moreira (apud MACHADO, 1999, p.111):
O melhor modo de compreender um remédio processual é aquele que leve a atribuir-lhe o máximo possível de eficácia. Conceber o mandado de injunção como simples meio de apurar a inexistência da ‘norma regulamentadora’ e comunica-la ao órgão competente para a edição (o qual, diga-se entre parênteses, presumivelmente conhece mais do que ninguém suas próprias omissões...) é reduzir a inovação a um sino sem badalo. Afinal, para dar ciência de algo a quem quer que seja, servia – e bastava – a boa e velha notificação. Nem se responda que a isto, ou a pouco mais, se reduz em verdade, na própria Carta da República, a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, §2°(...). Não se afigura crível, com efeito, que a Constituição haja querido fazer uma coisa só de dois instrumentos que forjou separadamente: um deles, é obvio, estaria sobrando. A assimilação mostra-se descabida – e funesta; despoja de individualidade o mandado de injunção e subtrai-lhe toda e qualquer possibilidade de frutificar. Sejamos sinceros: quem sairá de seus cuidados para requerer providência tão inócua?
A prevalecer esse entendimento, como há motivos para temer que aconteça, mais valerá que (na primeira reforma constitucional), se suprima pura e simplesmente o inciso LXXI do art. 5°. O mandado de injunção, porém, merece sorte melhor que essa morte precoce e inglória. Não será tempo, ainda de salva-lo? A última palavra, naturalmente, caberá ao legislador, que mais cedo ou mais tarde terá que regular a matéria.
Enquanto isso, é de desejar que ninguém assuma, para com o instituto de tão interessantes potencialidades, o triste papel de coveiro apressado.
É bem de ver que, de fato, não seria razoável que o constituinte originário estabelecesse resultados idênticos a institutos com tantas diversidades, quanto à legitimidade ad causam, competência, procedimento, pressupostos e, principalmente, efeitos da decisão (MACHADO, 1999, p. 123-130).
Neste sentido, preleciona Honorato (2007, p. 15):
Perceba-se que a pretensão material veiculada pelo mandado de injunção é de direito público, de natureza imperativa e cogente, diversamente do direito privado, essencialmente positivado. Ora, a adoção da posição não concretista encerra com pá de cal a “imperatividade” da decisão do mandado de injunção, agasalhando verdadeira “impotência fática” em nosso Direito.
Com a aplicação da teoria não concretista, destaca Graziela Honorato (Op. cit., p. 14) que não estaria havendo omissão apenas do Poder Legislativo, mas também do Judiciário no exercício de sua função, nos seguintes termos:
No percalço da corrente não concretista, não são apenas os direitos e liberdades constitucionais olvidados pela omissão da lei que restariam subjugados, mas o exercício da Jurisdição em si, pela chancela de uma Jurisdição sem efetividade.
Dir-se-ia, então, pela instituição da omissão em dois Poderes: a omissão legislativa (Poder Legislativa), ao não editar a norma regulamentadora necessária, e a omissão judicante, da tutela jurisdicional (Poder Judiciário) em não prover as decisões que lhes são submetidas. Na senda da corrente não concretista, repare-se, o Judiciário seria escravo de uma visão reducionista, postando-se ao exercício de mera função administrativa, qual seja, a de comunicar a outro Poder a omissão deste.
Ressalte-se ainda que inexiste sanção para a mora do Poder Legislativo, de modo que a omissão não poderá ser combativa através da mera declaração da omissão inconstitucional, no âmbito do mandado de injunção (MAZZEI In: DIDIER JR., 2007, p. 161).
Portanto, é bem de ver que desfecho mais razoável seria o Judiciário assegurar a efetivação dos direitos constitucionais, já na ação constitucional analisada.
4.2 Teoria concretista
A teoria concretista posiciona-se no sentido de que o Poder Judiciário, ao verificar a inexistência de norma regulamentadora, que impossibilita o exercício pelo impetrante do seu direito reclamado, deverá criar a norma faltante até que o órgão responsável venha a editá-la (MACHADO, 1999, p. 106).
Neste diapasão:
[...] o Poder Judiciário através de uma decisão constitutiva, declara a existência da omissão administrativa ou legislativa e implementa o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente [...] (MORAES, 2007, p. 164-165).
Assim:
[...] se é este o óbice fundamental ao exercício do direito, na ausência de uma norma, que o órgão competente para baixá-la se omite em faze-lo, não é destituído de sentido, à primeira vista ao menos, o pretender-se deslocar esta tarefa para o Poder Judiciário, que de forma substitutiva, de forma vicária, se comportaria como um legislador editando uma norma que a princípio deveria ser baixada pelo próprio legislador ou administrador remisso [...] (OLIVEIRA, 1993, p. 48).
A presente teoria subdivide-se em: teoria concretista geral e teoria concretista individual, 3 as quais passarão a ser analisadas nos próximos itens.
4.2.1 Teoria concretista geral
Pela teoria concretista geral, o Poder Judiciário deverá elaborar a norma até então inexistente, para atender a todos que se encontrem na mesma situação do impetrante, comportando-se como legislador substitutivo, até que a omissão seja suprida, ou seja, a decisão produzirá efeito erga omnes (OLIVEIRA, 1993, p. 47). 4
Ribeiro (2003, p. 132-133) aponta, na assertiva abaixo colacionada, os argumentos em que se apoiam os seguidores desta teoria:
No Brasil, os principais argumentos que sustentam essa tese se centram em dois flancos. De um lado, defende-se que o ente julgador não pode decidir de maneira aleatória sobre a regulação a ser feita. Deve haver uma padronização nos tipos de regulação, de modo que a melhor solução seria consagrar, em nome do princípio da isonomia, um efeito constitutivo erga omnes (Pfeiffer, 1999: 104). Acrescente-se a esse argumento que o juiz poderia muito bem ampliar a efetividade da Constituição para que se pudesse julgar o caso concreto sem a necessidade de qualquer complementação normativa. Utilizar-se-ia, para essa finalidade, os fundamentos dos art. 4 da LICC e art. 126 do CPC (GOMES, 1989: 43).
Sob outra ótica, deve-se lembrar que, caso não haja regulamentação erga omnes, haveria risco das Cortes superiores verem-se invadidas por milhares de ações versando sobre o mesmo tema. Haveria, assim, o total risco de ver-se a inviabilização da atividade judiciária por excesso de ações (Pfeiffer, 1999: 99).
Como bem se vê, a teoria concretista geral visa a resguardar o princípio da isonomia, segundo a qual, o efeito erga omnes evitaria resultados divergentes em demandas com a mesma fundamentação.
Entretanto, vale destacar que a doutrina recrimina a teoria concretista geral. Primeiro porque o mandado de injunção, como garantia constitucional, tutela direito subjetivo e não objetivo. Os vícios de inconstitucionalidade do direito objetivo são sanados através da ADIN por omissão (MACHADO, 1999, p. 107).
Depois, a aplicação da teoria concretista geral afronta o princípio da separação de poderes, pois estaria o Judiciário a apoderar-se da função do Poder Legislativo (MAZZEI In: DIDIER JR., op. cit., p. 148).
Noutros termos:
Também há que se considerar que atribuir ao Poder Judiciário a elaboração de normatividade geral e abstrata implica em afronta ao princípio da tripartição dos poderes, tendo em vista que a produção de norma geral e abstrata é atividade típica e própria do poder Legislativo (PIOVESAN, 1995, p. 131).
Contudo, tal comprometimento do princípio da separação dos poderes é afastado pela maioria dos doutrinadores na posição concretista individual, conforme será apresentado a seguir.
4.2.2 Teoria concretista individual
De acordo com a teoria concretista individual, o Judiciário, ao reconhecer a omissão normativa, irá viabilizar o exercício do direito reclamado no caso concreto, ou seja, com efeito inter partes (OLIVEIRA, 1993, p. 47).
Assim, o Poder Judiciário reconhecerá a omissão do órgão responsável pela elaboração da norma regulamentadora e, através de decisão constitutiva, possibilitará o exercício do direito ou liberdade constitucional ou da prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, in concreto (HONORATO, 2007, p. 14). 5
Esta é a corrente mais defendida pelos doutrinadores, posto que concilia a efetivação do direito, cujo exercício encontra-se obstaculizado pela ausência de norma regulamentadora, com o princípio da separação dos poderes, já que há criação de norma pelo Judiciário com efeito concreto e não abstrato.
Neste sentido, Piovesan (1995, p. 145) faz importante observação:
[...] Trata-se de verdadeiro dever jurisdicional inescusável, que encontra fundamento seja no princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, seja no princípio da proibição do non liquet, que impõe a obrigatoriedade da decisão [...].
Como defensor da teoria concretista individual, assevera Canotilho (apud MORAES, 2007, p. 165):
O mandado de injunção não tem por objeto uma pretensão a uma emanação, a cargo do juiz, de regulamentação legal regulamentadora com eficácia erga omnes. O mandado de injunção apenas viabiliza, num caso concreto, o exercício de um direito ou liberdade constitucional perturbado pela falta parcial de lei regulamentadora. Se a sentença judicial pretendesse ser uma normação com valor de lei ela seria nula (inexistente) por usurpação de poderes.
Conforme o exposto em linhas anteriores, a teoria concretista individual não atinge a tripartição dos poderes, como sustentam os adeptos da teoria não concretista, tendo em vista que a coisa julgada opera efeito inter partes, ao passo que o Poder Legislativo edita normas gerais e abstratas (HONORATO, op. cit., p. 14).
Neste diapasão, preleciona Piovesan (Op. cit., p. 150-151):
Na doutrina constitucionalista, há aqueles que apostam na ineficácia social do mandado de injunção, com a justificativa de que se trata de um instituto que exorbitou o lineamento das limitações dos Poderes. Neste raciocínio, não tem o Poder Judiciário obrigação de interferir em atos de exclusiva competência do Legislativo, sob pena de distorção da concepção da tripartição dos Poderes. Alega-se ainda que, diante de um poder constituído com a função precípua de editar leis, não se pode admitir a transferência do encargo de legislar para outro poder totalmente despreparado para o exercício deste mister e já integralmente absorvido pelas funções de exercer a jurisdição.
Acentue-se, todavia, que no mandado de injunção não há a transferência do encargo de legislar para o Poder Judiciário, posto que não cabe ao Judiciário elaborar normas gerais e abstratas, mas tão-somente tornar viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais no caso concreto. O Poder Judiciário assume assim, embora em dimensões mais alargadas, sua função típica e própria, qual seja, a função jurisdicional, respondendo satisfatoriamente ao caso concreto.
Destarte, ao Judiciário, na concessão da injunção pleiteada, compete viabilizar o exercício do direito constitucional, não cabe criar norma geral e abstrata, cuja atribuição é do Poder Legislativo. E viabilizando o exercício do direito reclamado, o magistrado não estará mais do que cumprindo o seu dever de prestar a função jurisdicional.
Além disso, sabe-se que o princípio da separação dos poderes não é absoluto, tendo em vista o sistema dos freios e contrapesos, através do qual são atribuídas aos Poderes funções típicas e atípicas, ou seja, não há exercício de funções exclusivas, mas predominantes.
No que tange à relativização da separação dos poderes, faz-se mister transcrever ensinamento do Celso Ribeiro Bastos (apud MACHADO, 1999, p. 121):
O esquema inicial rígido, pelo qual uma dada função corresponderia a um único respectivo órgão, foi substituído por outro onde cada poder, de certa forma, exercita as três funções jurídicas do Estado: uma de caráter prevalente e as outras duas a título excepcional ou de caráter meramente subsidiário daquele. Assim, constata-se que os órgãos estatais não exercem simplesmente as funções próprias, mas desempenham também funções denominadas atípicas, quer dizer próprias de outros órgãos. É que todo poder (entendido como órgão) tende a uma relativa independência no âmbito estatal e é compreensível que pretenda exercer na própria esfera três mencionadas funções em sentido material.
Desse modo, a função precípua do Legislativo é legislar, mas também possui atribuições jurisdicionais e administrativas, assim como no âmbito Executivo e Judiciário há função típica, administrativa e judiciária, respectivamente, e funções atípicas.
Feitas estas considerações, esclarecedor é o ensinamento de Carlos Augusto Alcântara Machado (Op. cit., p. 122):
[...] não vislumbramos nenhum óbice em, atipicamente, o Poder Constituinte Originário conceder atribuição ao Poder Judiciário para, supletivamente, no caso concreto, “criar” a norma regulamentadora individual e possibilitar a fruição do direito por parte do interessado.
Diante do exposto, com Lênio Luiz Streck, também afirmamos que a situação inédita do mandado de injunção é uma “delegação expressa do legislador constituinte ao órgão aplicador da lei, para que este, na falta de norma regulamentadora de um direito, edite a referida norma, para o caso sub judice”, sem possibilidade, evidentemente, de alcance erga omnes.
É o que também propõe Diomar Ackel Filho, ao afirmar que hoje já não se pode falar em separação dogmática e absoluta de poderes e, sim, em independência.
Pelo visto, não se trata de pretensa usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário e, sim, de exercício de uma atribuição conferida constitucionalmente. Assim, como não se trata de atividade legislativa stricto sensu, da criação de norma geral e abstrata, o STF suscita um pseudoproblema, não podendo ser acolhido.
De tudo o quanto foi exposto até o presente momento, já é possível verificar que a teoria concretista individual possui melhor interpretação acerca da natureza jurídica da decisão em sede de mandado de injunção, pois é a que mais se aproxima do seu escopo.
É inaceitável que o instrumento destinado a dar total efetividade às normas constitucionais não pudesse cumprir a sua finalidade, em razão do pseudoproblema, como diz Machado, criado pelos operadores do direito e que durante vários anos implicou na ineficiência do mandado de injunção.
Impende destacar ainda que a esta teoria subdivide-se em: teoria concretista individual direta e teoria concretista individual intermediária.
4.2.2.1 Teoria concretista individual direta
A luz da teoria concretista individual direta, o Judiciário, imediatamente, após reconhecer a omissão normativa, implementará a eficácia da norma constitucional, cujo exercício encontra-se impossibilitado (MACHADO, 1999, p. 107; MORAES, 2007, p. 165; LENZA, 2006, p. 585).
4.2.2.2 Teoria concretista individual intermediária
De acordo com esta teoria, após julgar procedente o mandado de injunção, o Judiciário fixará prazo para o responsável elaborar a norma regulamentadora. Se, mesmo assim, persistir o estado de mora, o Poder Judiciário estará autorizado a implementar o direito reclamado (MACHADO, 1999, p. 107; MORAES, 2007, 165-166; LENZA, 2006, p. 585).
Esta foi a forma que a corrente concretista individual intermediária encontrou para conciliar a prerrogativa do Poder Legislativo na elaboração das leis e a possibilidade de o Poder Judiciário efetivar o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, independentemente da existência de norma regulamentadora (MORAES, op. cit., p. 166; HONORATO, 2007, p. 12).
4.3 Análise da jurisprudência do STF
Da observação dos julgados oriundos do Supremo Tribunal Federal, ao longo dos últimos 20 anos, é possível extrair a predominância nesta Corte da corrente não concretista, nas decisões em sede de mandado de injunção.
O MI nº 107-3/DF foi o primeiro acórdão que analisou os efeitos das decisões no mandado de injunção e, em razão disso, é tido como paradigma da preponderância da teoria não concretista no STF, posto que melhor representa os argumentos utilizados pelos magistrados na defesa do mencionado entendimento (RIBEIRO, 2003, p. 125-128).6
Oportunamente já foi visto que a teoria não concretista entende que o writ estudado tem como finalidade declarar a omissão normativa, que impede o exercício de um direito assegurado constitucionalmente, de modo que o impetrante jamais poderia obter uma decisão viabilizadora do direito constitucional reclamado.
Neste sentido foi o posicionamento do relator no MI nº 107-3/DF abaixo transladado:
Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e a ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providência necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional (MI nº 107/ DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 21.11.1990; Tribunal Pleno, DJU 02.08.1991).
Para se valerem da teoria não concretista, sustentavam os ministros do STF que o mandado de injunção não poderia extrapolar os limites fixados para o efeito da decisão judicial na ação direta de inconstitucionalidade, que inclusive possui rol de legitimados ativos taxativo.
Desse modo, não seria razoável que uma ação – mandado de injunção -, cuja legitimidade é atribuída a qualquer pessoa, física ou jurídica, ou a coletividade que se encontra impossibilitada de exercer o direito constitucional, pudesse ter efeitos mais extensos que a ADIn por omissão.
Ademais, ainda de acordo com esse entendimento, a concretização do mandado de injunção pelo Poder Judiciário afrontaria o princípio da separação dos poderes, uma vez que a função legislativa é reservada ao órgão do Poder Legislativo.
Entretanto, utilizando-se das palavras de Machado, este foi um pseudoproblema criado pela Corte Maior, pois conforme o exposto é inaceitável que o Poder Constituinte Originário tenha criado dois instrumentos para a mesma finalidade, qual seja: declarar inconstitucional a omissão normativa.
Em verdade, o writ destina-se a dar plena eficácia às normas constitucionais que dependem de regulamentação posterior (normas de eficácia limitada), quando o responsável pela elaboração desta norma regulamentadora encontra-se inerte.
Honorato (2007, p. 13) observa com maestria que há uma contradição na referida decisão, pois o STF ao julgar o MI nº 107-3/DF reconhece a aplicação imediata do mandado de injunção, a fim de garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais. Entretanto, por via inversa, aplica-lhe a teoria não concretista, que é incapaz de driblar a omissão legislativa.
Assim, se o STF pode estabelecer a auto-aplicabilidade do mandado de injunção, ainda que inexista norma para regulamentar o seu procedimento, assim também poderia ter possibilitado o exercício do direito fundamental, mesmo na ausência de norma regulamentadora.
É bem de ver, com absoluta clareza, que, por todas as razões alhures expostas, esta solução dada ao instituto injuncional desvirtua o seu fim. Em função disso, Ribeiro (Op. cit., p. 158-169), ao analisar o “leading case” - MI 107-3/DF – denomina este posicionamento de discurso descaracterizador do mandado de injunção.
Isto significa que o STF ao aplicar a teoria não concretista faz com que o mandado de injunção perca as suas características e o seu propósito, produzindo efeito para o qual não foi criado.
A Corte Maior também adotou a teoria não concretista para solucionar o caso submetido à sua apreciação, através do MI n° 20/DF. Nesta ação constitucional, a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil pleiteava a garantia do exercício do direito de greve por esta classe, o que foi impossibilitado, diante do conteúdo declaratório da decisão, como bem se pode extrair da jurisprudência colacionada:
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO - PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DO SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve do servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. [...] (MI n° 20, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19.05.1994, Tribunal Pleno).
Neste diapasão, esclarecedora é a lição de Ribeiro (Op. cit., 175):
Do ponto de vista dogmático, a ação merece uma boa dose de estudos, uma vez que resultou no deferimento da simples comunicação ao Congresso Nacional da mora legislativa. Isso foi feito logo após a “mudança de paradigmas” promovida pelos MI n° 232 e MI n° 283. Em verdade, nos deparamos com uma “volta” à tese clássica, motivada por uma série de argumentos. Os principais: a norma constitucional supracitada é de eficácia limitada, não há como usar, analogicamente, a lei de greve destinada aos trabalhadores privados e, por fim, garantir o direito de greve aos servidores, sem a devida regulamentação, seria “ilegítimo” ou “injusto”.
Vê-se que não obstante a Carta Magna ter assegurado o direito de greve dos servidores públicos no artigo 37, inciso VII, esta classe por muito tempo se viu impossibilitada de exercer tal direito constitucional, primeiro porque se trata de norma de eficácia limitada, que depende de posterior regulamentação, depois em virtude da inércia do Congresso Nacional e, por fim, em razão do posicionamento dominante no STF, cujas decisões tinham natureza meramente declaratória.
Entretanto, no final do ano de 2007, a Corte Maior de Justiça, em mandados de injunção com a mesma finalidade do MI n° 20, alterou o seu entendimento, no que tange aos efeitos da decisão judicial na ação constitucional objeto desta análise.
Esta mudança deu-se através dos mandados de injunção n° 670, n° 708 e n° 712, por meio dos quais os impetrantes, Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado de Espírito Santo (SINDPOL), Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (SINTEM) e Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (SINJEP), respectivamente, buscaram o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis.
Da análise destas ações constitucionais ajuizadas, o STF adotou a teoria concretista geral para solucionar a omissão normativa, ou seja, os ministros reconheceram que a mora legislativa caracterizava-se irrazoável, motivo pelo qual entenderam por bem efetivar o exercício do direito reclamado.
Entretanto, superaram os efeitos concretos, pois como dito, abraçaram a teoria concretista geral, cuja decisão judicial possui efeito erga omnes, ou seja, aplicável a todos que se encontrem na mesma situação dos impetrantes. Assim, todos os servidores públicos civis do Brasil devem obedecer aos limites fixados nos referidos mandados de injunção.
Assim, convém transcrever o seguinte ensinamento:
Atualmente, porém, o Supremo Tribunal Federal, alterando seu antigo posicionamento, julgou procedente mandado de injunção adotando a posição concretista geral. Dessa forma, a Corte conheceu o mandado de injunção relativo à efetividade da norma prevista no art. 37, VII, da Constituição Federal (direito de greve do servidor público) e decidiu no sentido de suprir a lacuna legislativa, determinando, em regra, a aplicação da legislação existente para o setor privado; porém, possibilitando, quando tratar-se de serviços ou atividades essenciais, de fixação de regime de greve mais severo (MORAES, 2008, p. 179).
Na oportunidade, o STF determinou que fosse aplicada à greve dos servidores públicos a Lei 7.783/89, que cuida do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada. Porém, os ministros fizeram algumas adaptações na mencionada lei, para que fosse possível atender também ao interesse público.
Feitas estas considerações, imperioso se faz trasladar a citada jurisprudência inovadora:
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO, GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5°, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISI VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, INCISO VII DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS N° 7.701/1988 E N° 7.783/1989. [...] (MI n° 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25.10.2007, Tribunal Pleno, DJU 31.10.2007).
Nos três mandados de injunção – n° 670, n° 708 e n° 712 – houve divergência entre os ministros apenas no que concerne à aplicação da teoria concretista individual ou da concretista geral, tendo sido vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello, que não concordavam com a aplicação da teoria concretista geral (PASSOS, 2007).
Quanto à aplicação da Lei 7.783/89, esta sofreu alguns ajustes para se adequar às peculiaridades do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em atendimento ao princípio da continuidade do serviço público.7
Extrai-se deste julgado que o ministro relator preocupou-se em determinar que a paralisação no serviço público seja sempre parcial, a fim de regular a continuidade da prestação do serviço público. Aumentou o prazo para notificar o empregador de 48 para 72 horas de antecedência e admitiu a possibilidade de contratações temporárias, caso seja necessário. 8
Não se pode negar que a adoção deste novo posicionamento pelo STF possui um aspecto positivo, que é dar maior efetividade ao mandado de injunção, na medida em que viabiliza o exercício do direito assegurado constitucionalmente, finalidade que tanto se buscou alcançar durante todos esses anos de vigência da Constituição Republicana de 1988.
Não obstante tal contribuição, a aplicação da teoria concretista geral é um tanto quanto temerária, pois a Suprema Corte agiu como verdadeiro legislador, uma vez que a regulamentação por ela realizada possui efeito erga omnes.
Neste diapasão:
[...] O STF adotou, então, a “teoria concretista geral”. É dizer: exerceu um papel regulamentador genérico, um papel normativo. Essa posição surpreende porque um dos principais óbices que a própria Corte levantava (em sua antiga posição) para a adoção da “teoria concretista” era o da separação de poderes. A função normativa primária do Poder Legislativo seria usurpada. A nova orientação – se se firmar – representará, aí sim, exercício de amplo poder normativo geral que, a princípio, é função do Poder Legislativo (MOTEIRO, 2007).
Portanto, pode-se afirmar que a conduta de atribuir efeito para todos que se encontrem na mesma situação dos impetrantes, viola o princípio da separação dos poderes, pois cria norma geral e abstrata, quando seria mais prudente que a decisão tivesse apenas efeito inter partes.
Ao que demonstra a mais recente jurisprudência,9 tudo indica que, finalmente, a corrente concretista irá vingar no Supremo Tribunal Federal, resta aguardar as próximas manifestações da Corte Maior e torcer para que este órgão da Justiça se desprenda de uma vez por todas da interpretação clássica que, por muito tempo, impossibilitou que o mandado de injunção cumprisse o seu desígnio.
3. CONCLUSÃO
Levando-se em conta toda a explanação realizada neste trabalho, pode-se concluir que o mandado de injunção é ação constitucional que visa a atribuir total efetividade às normas constitucionais de eficácia limitada. Estão autorizados a impetrá-lo todos os titulares de direito ou liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, cujo exercício encontra-se inviabilizado pela ausência de regulamentação.
O Poder Constituinte Originário criou um remédio sem precedentes para resolver o problema da reduzida eficácia de determinadas normas constitucionais.
De fato, seria um contra-senso que os indivíduos ficassem impossibilitados de exercer direito assegurado pela Constituição, em virtude de o órgão competente pela elaboração da norma regulamentadora encontrar-se omisso em sua função legislativa, isto é, ver seu direito reconhecido pela Carta Política, mas não poder gozar de seus benefícios.
Diante disso, a Corte Suprema, através de decisão injuntiva, deve viabilizar o exercício do direito constitucionalmente garantido, cujo exercício encontra-se impossibilitado pela norma faltante. Esta seria a decisão mais condizente com a função do writ estudado.
Entretanto, por longos anos tal desígnio não foi alcançado, uma vez que o Supremo Tribunal Federal até o final do ano de 2007 insistia em emitir decisão com conteúdo meramente declaratório, arrimando-se no princípio da separação dos poderes, que, segundo os adeptos da teoria não concretista, impedia que o Judiciário atribuísse plena eficácia ao dispositivo constitucional reclamado.
O conteúdo da tradicional decisão judicial em sede de mandado de injunção resumia-se em declarar inconstitucional a omissão normativa e cientificar o responsável que se encontrava em estado de mora.
Somente no julgamento dos mandados de injunção n° 670, n° 708 e n° 712 é que se pode verificar a concretização do mandado de injunção.
Assim, a princípio, é inegável que o atual posicionamento tenha vivificado o mandado de injunção, diante da adoção da teoria concretista. Porém, a preocupação com a obediência ao princípio da separação dos poderes foi abandonada e este foi o fato que mais surpreendeu os estudiosos do direito.
Isso porque o STF sempre se valeu da justificativa do respeito à tripartição dos poderes para não atribuir efetividade ao mandado de injunção e agora esquece completamente este preceito constitucional ao se valer da teoria concretista geral.
Segundo esta corrente, o Judiciário, ao reconhecer a omissão legislativa, deverá viabilizar o exercício do direito, mediante elaboração da norma regulamentadora com efeitos erga omnes.
Neste toar, a Corte Constitucional, através dos referidos mandados de injunção, entendeu por bem atribuir efeitos erga omnes à sua decisão, alargando os limites fixados para o exercício do direito de greve a todos que se encontrem na mesma situação dos impetrantes.
Em que pese esta jurisprudência ter contribuído para o início de uma nova fase de concretização do mandado de injunção, viabilizadora do exercício dos direitos constitucionais, o STF exerceu típica função legislativa, em desrespeito ao princípio da separação dos poderes.
Desse modo, a teoria concretista geral peca pelo excesso, pois admite que o Judiciário possa extrapolar sua função, ao elaborar norma geral e abstrata, cuja atribuição compete ao Poder Legislativo.
Além disso, não se pode esquecer que o mandado de injunção visa a tutelar direito subjetivo e não direito objetivo. O vício da inconstitucionalidade deste último é sanado através da ADIn por omissão.
Portanto, a corrente que melhor concilia o dever da prestação jurisdicional com a tripartição dos poderes é a concretista individual, pois garante o exercício do direito apenas para o caso concreto. Assim, não haveria usurpação de poder pelo Judiciário, uma vez que o Legislativo permaneceria com a sua prerrogativa de elaborar a norma geral e abstrata.
REFERÊNCIAS
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1 Rodrigo Mazzei (In: DIDIER JR., 2007, p. 147-148), acompanhando a divisão apresentada por Regina Quaresma (1995, p. 51-53), denomina esta corrente de teoria da subsidiariedade, onde o mandado de injunção corresponde à via subsidiária, se comparado com a ação de inconstitucionalidade por omissão.
2 Ver MI n° 342-4/DF, MI nº 530-3/SP, MI n° 535-4/SP e MI n° 536-2/MG.
3 Curiosamente, Herzeleide de Oliveira (apud RIBEIRO, 2003, p. 133) entende que se a omissão for provocada por ato administrativo ou judicial, haverá efeito constitutivo concreto, mas se tratar-se de omissão regulamentar, consequentemente, a decisão teria eficácia erga omnes.
4 Na divisão de Regina Quaresma (1995, p. 51), adotada por Mazzei (In: DIDIER JR., 2007, p.148), a autora denomina esta teoria de tese da independência jurisdicional, segundo a qual o Judiciário possui total independência para editar norma com força de lei.
5 O posicionamento com tais contornos é denominado por Regina Quaresma (Op. cit., p. 51) de tese resolutiva, segundo a qual a decisão judicial deverá ser constitutiva inter partes, ou seja, possibilitar que o prejudicado exercite o seu direito, mesmo que inexista norma regulamentadora.
6 Como exemplos de mandados de injunção, cujas decisões são fundamentadas na teoria não concretista podem ser citados: MI nº 168-5/ RJ; MI nº 219-3; MI nº 330-1/DF; MI nº 332-7/DF; MI nº333-5/DF; MI nº 335-1/DF; MI nº 342-4/SP; MI nº 361-1/RJ; MI nº 376-9/SP; MI nº 377-7/SP; MI nº 387-4/SP; MI nº 432-3/DF; MI nº 470/DF; MI nº 487-7/SP; MI nº 573-3/DF; MI nº 586-5/RJ.
7 Ver o voto do Min. Eros Grau que adaptou a Lei 7.783/89.
8 Para melhor compreender as adaptações, é interessante que se faça uma confrontação com o texto original da Lei 7.783/89.
9 MI n° 758, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 01.07.2008, Tribunal Pleno, DJU 26.09.2008.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe, graduada em Direito pela Universidade Tiradentes, em 2004-2008, ex-estagiária do Ministério Público do Estado, através de aprovação em concurso.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marília Oliveira Santana da. A concreção e efetividade do mandado de injunção frente à nova jurisprudência do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2010, 18:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21676/a-concrecao-e-efetividade-do-mandado-de-injuncao-frente-a-nova-jurisprudencia-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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