INTRODUÇÃO:
A Constituição Federal de 1988 traz disposição expressa sobre o Mandado de Injunção e a finalidade para o qual foi criado, qual seja, garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a Nacionalidade, Soberania e Cidadania, quanto estes estejam obstados pela falta de norma regulamentadora.
Ocorre que não obstante a clara pretensão do Constituinte Originário, o aludido remédio constitucional sempre fora alvo de infindáveis discussões, sobretudo quanto ao efeito atribuído à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece a omissão legislativa.
Ao que parece, houve verdadeiro embate doutrinário a este respeito, incitando aos mais desavisados acreditarem na existência de dois caminhos inconciliáveis: ou a Corte Máxima de nosso País se limitava a reconhecer a omissão regulamentar e a cientificar o Órgão Legislativo competente, resignando-se com o discricionário atendimento de sua recomendação ou o Supremo, no intuito de viabilizar os direitos e interesses em jogo, garantiria a aplicação de uma legislação suplementar ao caso concreto, fazendo as vezes de legislador ordinário e ferindo de morte o Princípio de Separação de Poderes.
O presente trabalho busca demonstrar a evolução do tema perante o Supremo Tribunal Federal, abordando as diferentes atuações adotadas desde a promulgação da Constituição Federal até os dias de hoje, bem como os diferentes graus de eficácia atribuídos ao importante Remédio Constitucional, abordando a nova tendência que parece nascer no âmbito de nossa Corte Máxima.
Pretende-se demonstrar, de fato, que os dois caminhos até então propostos não se apresentam inconciliáveis, mas devem ser interpretados de modo sistemático no intuito de proteger o exercício dos direitos e prerrogativas dos postulantes.
DESENVOLVIMENTO DO TEMA:
O Mandado de Injunção encontra-se previsto no artigo 5º, LXXI, da Constituição da República Federativa do Brasil, no capítulo destinado aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. O inovador instituto processual-constitucional, fora regulamentado nos seguintes termos:
LXXI – conceder-se-á Mandado de Injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
O vocábulo injunção vem do latim injunctio, que significa ordem formal, imposição. Tem, assim, o sentido de determinar, impor, indicando obrigação cujo cumprimento não pode ser desatendido.
Tal instituto fora viabilizado como uma espécie de antídoto contra a denominada “síndrome de inefetividade das normas constitucionais”, normas essas que no momento da promulgação da Constituição não detinha o poder de produzir efeitos de imediato, pois necessitava de lei infraconstitucional para lhe dotasse de plenitude.
Tal remédio constitucional, que pode ser manejado tanto pela pessoa física como jurídica, tem por escopo suprir a falta de regulamentação de uma norma constitucional. Em outras palavras, sua finalidade é proteger direitos inertes em virtude de ausência de regulamentação.
Toda vez em que for possível vislumbrar relação entre a omissão legislativa e a inviabilidade de exercer os direitos constitucionais, estar-se-á diante de hipótese de cabimento de tal remédio cuja intenção é garantir a efetividade do exercício de direitos fundamentais e liberdades constitucionais espalhados na Carta Magna. Tem aplicação, portanto, toda vez que for omissa norma regulamentadora que impeça a aplicação efetiva a norma constitucional.
Antes da Constituição de 1988, nenhuma outra havia se referido ao Mandado de Injunção, de modo que dispositivos constitucionais importantes acabavam sem aplicabilidade, já que não havia mecanismo à disposição do cidadão que garantisse eficácia imediata às normas constitucionais existentes.
Foi com o intuito de modificar a situação até então vigente que nasceu o Remédio Constitucional. A este respeito, discorre Pedro Lenza[1]:
O mandado de injunção surge para “curar” uma “doença” denominada síndrome de inefetividade das normas constitucionais, vale dizer, normas constitucionais que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional.
Não há dúvidas, portanto, que o instituto fora criado como mecanismo inovador, capaz de conferir efetividade aos direitos que até então só existiam no papel e que dependiam de dispositivo legal para se concretizarem. A celeuma, entretanto, refere-se à sua eficácia social ou efetividade: Será que o remédio possui efetivamente eficácia real e concreta? Ele cumpre seu papel de instrumento inibidor da inércia de determinadas normais constitucionais, conferindo garantia de efetividade aos direitos fundamentais tutelados pelo Constituinte?
Para responder a esta indagação, mister se faz analisar algumas decisões proferidas no bojo de Mandados de Injunção pelo Supremo Tribunal Federal, que demonstram clara evolução no manejo do instituto, conferindo recentemente uma roupagem completamente surpreendente no que tange a eficácia do remédio estudado.
Inicialmente, entretanto, importa considerar o teor do artigo 102, I, “q” da CF/88, ao informar que compete ao STF processar e julgar, originariamente, o Mandado de Injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal.
Tal dispositivo justifica o fato das decisões emblemáticas sobre o assunto serem da lavra do STF já que diante da ampla competência legislativa na União quase todas as normas reguladoras dos direitos estabelecidos pela Constituição estão no âmbito de atribuição do Poder Legislativo Federal.
O que se pretende discutir ao longo deste trabalho é a intensidade da força conferida às sentenças concessivas do Mandado de Injunção. Ou melhor, resultariam tais sentenças na edição efetiva das leis que deveriam sanar as omissões inconstitucionais atacadas? Ou seriam elas meras recomendações perante o Poder Legislativo?
Pois bem, para responder a esta pergunta, há que se verificar os diversos tipos de eficácia que poderão ser conferidos a tal remédio, já que todas elas perfilharam o entendimento do Supremo, cuja atuação vem sofrendo uma espécie de “metamorfose” ao longo do tempo.
A primeira das atuações, conhecida por alguns autores como corrente não concretista, é talvez a de praticidade mais questionável, sobretudo diante da pouca eficácia social conferida ao instituto. No caso, a sentença concessiva do writ teria como principal função declarar inconstitucional a omissão e dar ciência ao órgão competente, na esperança de que este adote providências necessárias à colmatação da lacuna legislativa.
Em outras palavras: imagine que um cidadão, privado do exercício de um direito constitucionalmente previsto por falta de regulamentação, ingressa com Mandado de Injunção perante o Poder Judiciário, oportunidade em que resta caracterizado, de forma inequívoca, o silêncio inconstitucional do órgão competente para a edição da norma faltante. Entretanto, tal sentença exarada pelo Supremo Tribunal Federal tem como finalidade apenas cientificar o órgão legislativo para que adote as providências necessárias.
Tal efeito prevaleceu por muito tempo junto ao Supremo Tribunal Federal e apenas a título de exemplo cita-se o teor do MI 585-TO, cuja conclusão parece tornar inócuo o remédio constitucional. No caso, o Mandado impetrado pelo Sindicato dos Agentes de Fiscalização e Arrecadação do estado de Tocantins visava atacar a omissão de regulamento que dotasse de eficácia o inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal, relativo ao direito de greve dos servidores públicos.
Na oportunidade, o Ministro Relator Ilmar Galvão proferiu o seu voto do seguinte modo:
“Desse modo, na forma dos precedentes citados, meu voto defere em parte o Mandado de Injunção, tão-somente para assentar a omissão do Congresso Nacional na regulamentação do artigo 37, VII da Constituição Federal, determinando que tal decisão lhe seja comunicada”.
Frise-se que, na oportunidade, o Ministro Carlos Velloso, embora voto vencido, já defendia a aplicação suplementar da lei de greve dos trabalhadores, a lei 7.783, de 1989. Quando da fundamentação de seu voto, expôs brilhantemente:
“Sei que na lei 7.783 está disposto que ela não se aplicará aos servidores públicos. Todavia, como devo fixar a norma para o caso concreto, penso que devo e posso estender aos servidores públicos a norma já existente, que dispõe a respeito do direito de greve”.
Mencione-se, ainda, que tal julgamento proferido em 2002 ainda arrastava mesmo entendimento formulado em 1989, quando a Corte Suprema julgou o Mandado de Injunção de n. 107-3, um ano após a promulgação da Carta Magna.
A segunda atuação possível, também conhecida como teoria concretista individual (deixando de lado a sub-divisão entre direta e intermediária, irrelevante para a discussão proposta), é dotada de uma eficácia potencialmente maior, embora não ideal. Consiste em conferir ao Poder Judiciário a prerrogativa de, ao fixar a omissão legislativa, conferir prazo para atuação do órgão legiferante, sob pena do próprio Tribunal viabilizar soluções regulamentares provisórias, suprindo a omissão do legislador ou estipulando medida capaz de satisfazer o direito do impetrante, caso se depare com a inércia do órgão cientificado.
Neste caso, o interesse resguardado pelo judiciário restringe-se apenas ao impetrante, não se estendendo a mais ninguém. Com tal atuação, o Supremo entendia proteger de um lado o direito do jurisdicionado e do outro o Princípio da Separação de Poderes sacramentado na Constituição Federal.
Casos emblemáticos foram julgados neste sentido pela Corte Máxima e pela influência que essa postura exerceu para uma nova concepção da finalidade do Remédio Constitucional, duas decisões serão analisadas no intuito de facilitar a compreensão do tema, vejamos:
O primeiro Mandado de Injunção analisado é o 232 – RJ, impetrado por entidade beneficente de assistência social (Centro de Cultura Prof. Luiz Freire), cujo objeto consistia na regulamentação do disposto no parágrafo 7º, do artigo 195 da Constituição Federal. A ementa do referido julgado já esclarece a atuação do Supremo no sentido de erradicar a omissão detectada:
Ementa: Mandado de injunção.
- Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no par. 7. do artigo 195 da Constituição Federal.
- Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providencias legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par.7., da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida. (G. N.)
O Excelso Pretório, rompendo com a linha de precedentes que vinha adotando, não apenas declarou a omissão do Congresso Nacional, mas fixou-lhe prazo de seis meses para que desse efetivação do direito consagrado no artigo 195, § 7º da Carta de 1988. E mais, uma vez esgotado o prazo sem que fosse tomada qualquer providência legislativa, o impetrante passaria imediatamente a usufruir da imunidade perseguida.
Nesta Decisão, o STF acabou por avocar para si, ainda que provisoriamente, a atividade legislativa, resguardando, no caso concreto, os direitos do impetrante até então tolhidos.
Quanto ao acerto de tal decisão, pertinente citar posicionamento de professor Dirley da Cunha Junior ao discorrer sobre a função do Mandado de Injunção[2]:
Cumpre ao mandado de injunção, isto sim, uma função louvável e digna de um verdadeiro writ ativador da jurisdição constitucional das liberdades: garantir, no caso concreto, o imediato desfrute dos direitos fundamentais, violados em virtude da omissão do poder público.
Todavia, não podemos ignorar que, para tornar exercitável o direito fundamental paralisado em face da inércia do poder público, tem o Judiciário que suprir tal omissão, formulando a norma necessária para prover o caso concreto. Essa norma supridora da omissão consistirá no próprio provimento judicial, que estabelecerá os critérios relevantes e as condições necessárias para o desfrute imediato do direito, com vistas à resolução do caso concreto, sem qualquer solução de continuidade. Com o presente writ of injunction, portanto, o juiz não mais faz senão garantir o imediato desfrute de um direito fundamental, tornando realidade a sua pressuposta aplicabilidade imediata, a teor da normativa-principiológica consagrada no § 1º do art. 5º da Carta Federal. Daí afirmar-se que o mandado de injunção destina-se a conferir operacionalidade prática ao princípio da aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais (art. 5º, § 1º), o que consiste, em última instância, em realizar o direito fundamental à efetivação da Constituição.
Outro julgamento importante ocorreu no Mandado de Injunção n. 283-DF, cujo objeto consistia em tornar possível o exercício do direito previsto no artigo 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A ementa do julgamento resume claramente o posicionamento do Tribunal Superior naquela ocasião:
- Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos.
1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contém o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232).
2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - "Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição" - vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.
3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito.
4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. (G.N.)
Na mesma linha da decisão anterior, o Supremo não apenas declarou a omissão do legislador como também fixou o prazo de quarenta e cinco dias, acrescido de quinze dias para a sanção presidencial, a fim de que restasse viabilizado o direito constitucionalmente previsto, pondo fim a inércia regulamentar.
Além disso, determinou que, em caso de descumprimento do prazo referido sem que fosse editada a lei, restaria franqueado ao impetrante a faculdade de obter contra a União sentença líquida de condenação a reparação constitucional, devida pelas perdas e danos que fossem eventualmente arbitradas, se valendo, para tanto, das vias processuais adequadas.
A decisão é peculiar, já que, ainda que de forma velada, o STF arbitrou verdadeira “punição” pelo desrespeito do prazo fixado, fazendo com que o Instituto ora analisado começasse a ganhar outra roupagem, que não a de mera recomendação ou sugestão destinada ao Congresso Nacional.
O terceiro efeito já considerado pelo Supremo quando de suas decisões em Mandado de Injunção, pela amplitude e efetividade que lhes são inerentes, merecem maiores considerações. Trata-se do efeito concretista geral, que leva essa nomenclatura por resultar numa atuação mais comprometida com a efetividade do direito em face da ausência de legislação, não reconhecendo somente a mora do legislativo, mas viabilizando, no caso concreto, o exercício de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional que se encontra obstada por falta de norma regulamentadora.
Frise-se que neste caso, o Poder Judiciário deve reconhecer a existência da omissão legislativa ou administrativa e possibilitar efetivamente a concretização do exercício do direito, até que seja editada a regulamentação pelo órgão competente. O grande diferencial desta atuação é que a decisão produz efeitos "erga omnes" até que sobrevenha a norma faltante, de modo que a abrangência do julgamento não se restringe apenas aos impetrantes.
De fato, há que se reconhecer a configuração inovadora que será conferida ao Instituto caso este efeito venha a ser adotado com preponderância perante o Supremo, o que tende a ocorrer, mesmo porque decorre da necessidade de tornarem efetivos e viáveis os direitos já conferidos pela Carta Magna. Retroceder significaria arrancar o artigo 5º, LXXI da CF, transformando a previsão de manejo do Mandado de Injunção em letra morta.
Nunca é demais reiterar a mudança de atuação drástica de uma Corte que, a pouco tempo atrás se limitava a reconhecer a existência da omissão ao impetrado, cruzando os braços para a tomada de qualquer providência capaz de garantir o exercício do direito invocado, sob a justificativa de obediência ao Princípio de Separação dos Poderes.
Os casos emblemáticos, ponto de partida para o “renascimento” do novo Mandado de Injunção, foram as decisões dos mandados n.º 670, n.º 708 e n.º 712, impetrados para viabilização do direito de greve aos servidores públicos, até então obstado em razão da falta de regulamentação do artigo 9.º da CF.
MI 670. Ementa: Mandado de Injunção. Garantia Fundamental (CF Art. 5º, Inciso LXXI). Direito de Greve dos Servidores Públicos Civis (Cf, Art. 37, Inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos Parâmetros de Competência Constitucional para apreciação no Âmbito da Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do Art. 37, VII, Da CF. Em observância aos ditames da Segurança Jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o Direito de Greve dos Servidores Públicos Civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de Injunção deferido para determinar a aplicação das Leis ns 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. Sinais de Evolução da Garantia Fundamental do Mandado de Injunção na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
MI 708. Ementa: Mandado de Injunção. Garantia Fundamental (CF, art. 5º, inciso lXXI). Direito de Greve dos Servidores Públicos Civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da Segurança Jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos Servidores Públicos Civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de Injunção deferido para determinar a aplicação das leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989. 1. Sinais de evolução da Garantia Fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
MI 712. Ementa: Mandado de Injunção. Art. 5º, LXXI da Constituição do Brasil. Concessão de efetividade à norma veiculada pelo artigo 37, inciso VII, da Constituição do Brasil. Legitimidade ativa de entidade sindical. Greve dos trabalhadores em geral [art. 9º da constituição do Brasil]. Aplicação da Lei Federal n. 7.783/89 à greve no serviço público até que sobrevenha lei regulamentadora. Parâmetros concernentes ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos definidos por esta corte. Continuidade do serviço público. Greve no serviço público. Alteração de entendimento anterior quanto à substância do mandado de injunção. Prevalência do interesse social. Insubsistência do argumento segundo o qual dar-se-ia ofensa à independência e harmonia entre os poderes [Art. 2º da Constituição do Brasil] e à Separação dos Poderes [Art. 60, § 4o, III, da Constituição do Brasil]. Incumbe ao Poder Judiciário produzir a norma suficiente para tornar viável o exercício do direito de greve dos Servidores Públicos, consagrado no Artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.
Inegável, entretanto, que não obstante a plenitude conferida ao Mandado de Injunção, com tais decisões o Supremo provocou perplexidade entre os autores que defendem que assim agindo o Judiciário adota a postura de legislador positivo, exercendo função tipicamente conferida ao Poder Legislativo, posição que gera infindáveis polêmica e embates doutrinários.
O receio de que a nova atuação represente verdadeira afronta ao Princípio de Separação dos Poderes fez com que, no próprio Tribunal, a decisão não tenha sido pacífica, posicionando-se alguns Ministros pela manutenção do entendimento anterior.
Seguindo essa linha, o Ministro Ricardo Lewandowsky, posicionou-se nitidamente contrário a mudança de entendimento da corte, ressaltando que se tal ocorresse representaria verdadeira invasão de um Poder do Estado nas competências de outro, o que violaria o princípio da separação dos poderes. Veja alguns pontos abordados pelo citado Ministro:
Em outras palavras, não me parece possível, data venia, ao Poder Judiciário, a pretexto de viabilizar o exercício de direito fundamental por parte de determinada pessoa ou grupo de pessoas, no âmbito do Mandado de Injunção, expedir regulamentos para disciplinar, em tese, tal ou qual situação, ou adotar diploma normativo vigente aplicável a situação diversa.
Por isso, entendo, com o devido respeito, que não se mostra factível o emprego da Lei 7.783/89 para autorizar-se o exercício do direito de greve por parte dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Pará, inclusive fazendo tabula rasa de disposição legal nela contida que expressamente veda tal hipótese. Ademais, ao emprestar-se eficácia erga omnes a tal decisão, como se pretende, penso que esta Corte Suprema estaria intrometendo-se, de forma indevida, na esfera de competência que a Carta Magna reserva com exclusividade aos representantes da soberania popular, eleitos pelo sufrágio universal, secreto e direto.
(...)
Embora comungue da preocupação de que é preciso dar efetividade às normas constitucionais, sobretudo àquelas que consubstanciam direitos fundamentais, estou convencido de que o Judiciário não pode ocupar o lugar do Poder ao qual o constituinte, intérprete primeiro da vontade soberana do povo, outorgou a sublime função de legislar.
Frise-se que o próprio relator do Mandado de Injunção n. 670/ES, o Ministro Maurício Corrêa defendeu em seu voto que o Poder Judiciário não poderia garantir ao impetrante o direito de greve, “caso assim procedesse, substituir-se-ia ao legislador ordinário, o que extrapolaria o âmbito de competência prevista na Constituição”.
Defendendo posicionamento oposto, vencedor por maioria de votos, o Ministro Gilmar Mendes sustentou que a manutenção dos efeitos conferidos ao Mandado de Injunção que até então prevalecia na Suprema Corte acaba por reduzi-lo a instrumento incapaz de conferir efetividade aos direitos e liberdades assegurados na Constituição, de modo que o Poder Judiciário seria reduzido a mero “cúmplice” da omissão legislativa. Foram estas as palavras utilizadas pelo r. Ministro:
Comungo das preocupações quanto a não-assunção pelo Tribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não atuação no presente momento já se configuraria quase como uma espécie de ”omissão judicial”.
(...)
Nesse contexto, é de se concluir que não se pode considerar simplesmente que a satisfação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis deva ficar submetida absoluta e exclusivamente a juízo de oportunidade e conveniência do Poder Legislativo.
Estamos diante de uma situação jurídica que desde a promulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja, há mais de 18 anos), remanesce sem qualquer alteração. Isto é, mesmo com as modificações implantadas pela Emenda n. 19/1998 quanto a existência de lei ordinária específica, o direito de greve dos servidores públicos não recebeu o tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com os imperativos constitucionais.
Por esta razão, não estou a defender aqui a assunção do papel de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal.
Frise-se, ainda, que atualmente tramita Mandado de Injunção n. 1312/DF perante o Supremo impetrado pela Associação Nacional dos Agentes de Segurança do Poder Judiciário da União - AGEPOLJUS , requerendo a regulamentação do artigo 40, parágrafo 4ª da Constituição federal, que prevê a possibilidade de concessão de aposentadoria especial, desde que atendido os termos de lei complementar. Como a referida lei nunca foi publicada, os servidores esperam que aposentadorias sejam concedidas de acordo com as regras do artigo 57 da Lei 8.213/91, que regulamenta aposentadoria especial de celetistas, até que lei específica venha a ser criada.
Tal direito já fora conferido a outros servidores em sede de Mandado de Injunção, como é o caso do MI 721, entretanto, os efeitos da decisão estavam limitados aos impetrantes. A expectativa é que após o precedente do Supremo ao tratar do direito de greve dos Servidores Públicos o julgamento do MI 1312 também adote efeito concretista geral. Caso isso ocorra, restará firmado, ao que parece, o novo entendimento do STF relativo aos efeitos do Mandado de Injunção.
Julgamentos à parte, o que se sabe é que, como já anteriormente afirmado, existem sérias discussões quanto a implicação dessas decisões na sistemática do Princípio de Separação de Poderes.
O tema é extremamente polêmico e acarreta a discussão quanto aos limites de atuação do Poder Judiciário. Veja-se, por exemplo, a descrição traçada com maestria e de modo quase poético por Canotilho[3] acerca do Mandado de Injunção:
“Resta perguntar como o mandado de injunção ou a ação constitucional de defesa perante omissões normativas é um passo significativo no contexto da jurisdição constitucional das liberdades. Se um mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras atuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começar a destruir o “rochedo de bronze” da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará os seus objetivos”.
Partindo da citação de Canotilho é possível vislumbrar a questão que causa maior perplexidade: é possível atingir uma proteção jurídica sem lacunas, limitar a “arrogante” discricionariedade dos órgãos normativos, sem extravasar a função judicial?
Há quem defenda que os novos precedentes do STF acabam criando uma regulamentação de caráter geral, que fará as vezes, ainda que provisoriamente, da regulamentação que deveria ter sido criada pelo Poder Legislativo, provocando verdadeira e imprópria usurpação de função pelo Judiciário, comprometendo o arranjo de divisão de poderes entre os diferentes órgãos constitucionais.
Contrariamente, há que se considerar que o legislador não é livre para, se valendo de sua omissão, inviabilizar o exercício de direitos fundamentais. Não é admissível que a separação dos poderes, a democracia e o princípio da legalidade sejam utilizados como justificativas para impedir o exercício dos direitos fundamentais já legitimamente conferidos aos indivíduos por meio da Constituição Federal.
Neste sentido, considera Dirley da Cunha Jr[4]:
O direito não pode ficar à espera do legislador ordinário, como o amanhecer à espera do sol, se foi o próprio povo, através do poder constituinte, que o criou, para ser exercido e desfrutado, sem percalços ou óbices de qualquer ordem.
De fato, ao trazer uma solução concreta e geral no bojo do Mandado de Injunção, o Supremo não pretende comprometer a concepção da tripartição dos Poderes, mas tão-somente viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais, caso contrário, estaria apenas reforçando um sistema de omissões e inércia, se abstendo de assumir sua função típica e própria, qual seja, a função jurisdicional. O impetrante, já “refém” da omissão legislativa acabaria diante de situação insolúvel, vez que o único instrumento de efetivação de seu direito, previsto pela própria Constituição Federal e manejado perante o STF não teria outra função a não ser afirmar o que ele próprio já sabia: a omissão legislativa.
A atuação do Poder Judiciário apresenta-se imprescindível para que os direitos perseguidos pelos postulantes venham efetivamente ter eficácia prática. Neste sentido, transcreva-se entendimento formulado por Luiz Roberto Barroso[5]:
Ao Poder Judiciário, como intérprete qualificado da Constituição e das leis, cabe um papel mais destacado do que aquele até aqui desempenhado na tutela dos direitos constitucionais. A positivação da regra que consagra a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, bem como remédios como o mandado de injunção, servirão como suporte de legitimidade para a ampliação de seus poderes.
Frise-se, ainda, que o princípio da separação dos poderes deve ser considerado à luz da sistemática de checks and balances, em que um órgão do Poder há de ser fiscalizado e controlado por um órgão de outro Poder. Há que se promover uma releitura da separação de Poderes, sob pena de torná-los fechados e inacessíveis, um fim em si mesmo, incapazes de trabalharem em benefício dos seus verdadeiros destinatários.
Ressalta-se que eventual regulamentação aplicada no Mandado de Injunção para suprir omissão legislativa possui natureza provisória e subsidiária de modo que somente teria efeitos enquanto a falta da norma regulamentadora não fosse colmatada pelo órgão competente, que poderá, a qualquer tempo, exercer sua função constitucional.
Ademais, é importante considerar que a atuação da Corte maior é legitimada pelo art. 5º, LXXI da Constituição Federal que previu expressamente a possibilidade de manejo do Mandado de Injunção e, por certo, não o fez por mera formalidade. Imaginar que a atuação reservada ao STF limita-se ao reconhecimento da mora do Poder Legislativo, seria defender que o Constituinte Originário criou instrumento ineficaz e inseriu no bojo da Constituição Federal letra morta, desprovida de qualquer eficácia social.
Ora, a prática vinha demonstrando claramente que todas as “recomendações” encaminhadas pelo STF ao Poder Legislativo, relatando a mora e omissão regulamentar, foram recepcionadas e arquivadas perante a Câmara de Deputados sem que nenhuma delas tenham resultado na edição de norma capaz de assegurar o direito do postulante.
Daí se conclui que ao dar efeitos concretos ao Remédio Constitucional, a Corte nada mais fez do que atuar conforme o disposto na própria Constituição, provendo de efetividade um instrumento de proteção previsto para produzir efeitos práticos, viabilizando ao impetrante o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e legitimando os ideais de justiça distributiva, igualitária e efetiva.
Esta parece ser a fórmula mais adequada e justa conferida ao Mandado de Injunção, que deve ser visto como instrumento capaz de viabilizar efetivamente um direito subjetivo constitucional. Tal objetivo apenas poderá ser integralmente alcançado a medida em que o Poder Judiciário se comprometa com a edição de decisões que venham de fato suprir eventual inefetividade do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional do cidadão. É dizer, ao Judiciário, apenas cabe desempenhar o seu papel.
CONCLUSÃO:
Através de uma análise histórica da atuação do Supremo Tribunal Federal perante o Mandado de Injunção, pretendeu-se demonstrar neste trabalho a evolução quanto ao grau de efetividade que o referido remédio constitucional trilhou ao longo dos anos, desde a publicação da Carta Magna de 1988.
Ao delinear as teorias não-concretistas, Concretistas Individuais e Concretistas Gerais restou claro que a Corte Suprema veio adaptando os efeitos de suas decisões aos anseios gerais que clamavam pelo atendimento dos direitos e prerrogativas constitucionais através da correta aplicação do Mandado de Injunção, que até então era utilizado como instituto meramente formal, nitidamente ineficaz e imprestável às finalidades “sonhadas” pelo Constituinte Originário.
Demonstrou-se, por fim, que ao contrário do que sustentam aqueles que condenam a atuação concretista do Supremo Federal, a criação de soluções efetivas que decorrem necessariamente da criação de regulamentação concreta e geral, ainda que provisória, não afeta o Princípio de Separação de Poderes, sobretudo porque tal atuação encontra-se consubstanciada na própria Constituição Federal, que ao prever a possibilidade de manejo do Mandado de Injunção com certeza pretendeu dotar-lhe de alguma eficácia prática, o que não ocorria com os posicionamentos conservadores que até então prevalecia no âmbito do Supremo.
BIBLIOGRAFIA:
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[2] Dirley da Cunha Júnior, Controle de Constitucionalidade, Bahia, Ed. Podivm, 3ª edição, 2008 – p.133.
[3] José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional. Coimbra: Editora Almedina, 1993 – f. 367.
[4] Dirley da Cunha .... f. 137.
[5] Luis Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 3ª ed., Rio de janeiro: Renovar, 1996.
Procuradora da Fazenda Nacional com lotação na cidade de Vitória da Conquista-Ba, Especialista em Direito Tributário e Direito Público. Professora de Direito Previdenciário da Central de Cursos. Ex-Servidora Pública Federal do INSS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Flávia David. Os diferentes graus de eficácia social já conferidos ao Mandado de Injunção e a nova tendência adotada pelo Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 set 2010, 09:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21685/os-diferentes-graus-de-eficacia-social-ja-conferidos-ao-mandado-de-injuncao-e-a-nova-tendencia-adotada-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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