Em seu sentido lato, a palavra princípio significa começo, início, gênese. Dentro do ordenamento jurídico, princípio é o momento no qual se cria algo, é a causa primária do nascimento de alguma coisa. Enfim, é o componente essencial para a construção de um instituto.
Aduz Delgado (2008, p. 184) que princípios são “as proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”.
Vários foram os doutrinadores que formularam um conceito de princípios, sendo esta matéria, assim como a distinção entre princípios e regras, ainda muito polêmica, sem um entendimento unânime da doutrina, ao contrário da juridicidade dos princípios, tema sobre o qual já se firmou um consenso.
Ensina Paulo Bonavides (2007, p. 259), em seu curso de direito constitucional, que “a juridicidade dos princípios passa por três distintas fases: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.”
Na fase jusnaturalista, os princípios são tidos como diretrizes para concretizar a justiça, sendo praticamente nula a aplicabilidade destes em casos concretos, uma vez que, nesta época, os doutrinadores entendiam que os princípios não possuíam normatividade.
Com o êxito do movimento de codificação e com a inserção dos dispositivos em textos escritos, no século XIX, o jusnaturalismo entra em declínio dando lugar ao positivismo.
Na fase positivista, os princípios são codificados, sendo esta fase dominada pela doutrina do positivismo jurídico. Tal doutrina entendia o direito como um sistema de regras, que deveria ser semelhante às ciências exatas e às naturais. Para eles, os princípios não possuíam força normativa, servindo apenas para orientar a interpretação e preencher lacunas.
Esta doutrina entrou em derrocada após os regimes ditatoriais implementados na Itália, na Alemanha e na América Latina, na primeira metade do século XX, e, principalmente, depois dos acontecimentos ocorridos nos campos de concentração alemães. Isto porque, no direito, prevalecia a concepção do positivismo jurídico, que pregava a legalidade estritamente formal, estando o direito separado da moral e dos valores, o que deu fundamento jurídico de validade a esses episódios. Esse fato tornou necessária a reaproximação entre o direito e a moral, a fim de evitar que outros eventos repugnantes pudessem ter fundamento nas ordens jurídicas.
A volta dos valores para o Direito foi desenvolvida por uma dogmática denominada pós-positivismo ou neopositismo, assim nomeada por se contrapor ao positivismo tradicional. Essa nova concepção procurou manter a positividade do Direito, mas permeando esta de princípios, que passam a ter normatividade. Supera-se, assim, o positivismo estrito e reaproxima-se o Direito da moral.
O pós-positivismo influencou a doutrina moderna, e.g., J. J. Canotilho, Luís Roberto Barroso, Paulo Bonavides, Robert Alexy, Ronald Dworkin, que, ao contrário do que defendia doutrina clássica, para a qual existiam distinções entre princípios e normas, passa a entender que as normas são o gênero do qual fazem parte as espécies princípios e regras, já que ambos exprimem um dever ser.
As discussões a respeito das distinções entre princípios e regras tiveram início com a publicação de um artigo de Ronald Dworkin, no qual o escritor criticava o entendimento positivista defendido por Herbert Hart, no sentido de que existiam apenas regras no ordenamento jurídico e que, na ausência destas, poderia o magistrado decidir o caso concreto discricionariamente.
Para Dworkin, o ordenamento jurídico é composto por regras e princípios, devendo esses, em caso de lacuna, ser utilizados, mormente na resolução de casos difíceis, e não quedar a resolução da lide aos juízos de valor do magistrado.
Ainda segundo o jurista norte-americano, o princípio é um “padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2007, p. 36). São eles que orientarão o sentido da sentença proferida pelo juiz, evitando, assim, que as decisões sejam juízos discricionários do juiz e que o direito se desvincule da moral.
Afirma o autor:
A diferença entre princípios e regras é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula estão dados, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que fornece deve ser aceita, ou não é válida, caso em que neste caso em nada contribui para a decisão. (DWORKIN, 2007, p. 39)
Nessa linha, Dworkin entende que, na análise do caso concreto, ou a regra é aplicada, ou não é aplicada, se a situação se subsome ao disposto na norma e esta é válida, ela tem que ser aplicada. Já aos princípios, por não preverem situações concretas, não se aplica a regra do tudo ou nada. Um princípio pode prevalecer sobre outro na resolução de um caso concreto quando estes estejam colidindo e, numa outra circunstância, pode ter sua aplicabilidade minorada, ante a aplicação de outro princípio.
Em caso de conflito de princípios, segundo o jurista norte-americano, como os princípios não vaticinam decisões conclusivas para solução das lides, caso a resposta dada pelo princípio não seja acolhida, ele permanece intacto. Enquanto isso, as regras propõem resultados. Se um resultado proposto por uma regra não for concretizado, ela será abandonada ou modificada. “Um sistema também pode preferir a regra que é sustentada pelos princípios mais importantes”. (DWORKIN, 2007, p. 43)
A diferença de aplicabilidade citada nos leva a outra distinção entre princípios e regras, que é a existência de dimensão, peso, valor e importância entre princípios, que não existe nas regras, as quais só possuem dimensão de validade.
Além de Dworkin, muitos foram os autores pós-positivistas que formularam critérios de diferenciação entre princípios e regras, mas sobre o tema grande destaque ganhou a teoria desenvolvida por Robert Alexy.
Em sua teoria, Robert Alexy concorda com Dworkin quando este afirma que há uma diferença na resolução do conflito de regras e do conflito de princípios:
Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão alta quanto possível relativamente a possibilidades fáticas ou jurídicas. Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização. Como tais, eles podem ser preenchidos em graus diferentes. A medida ordenada do cumprimento depende não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas. Estas são, além de regras, determinadas essencialmente por princípios em sentido contrário. As colisões de direitos fundamentais supra descritas devem, segundo a teoria dos princípios, ser designadas como colisões de princípios. O procedimento para a solução de colisão de princípios é a ponderação. Princípios e ponderação são dois lados do mesmo objeto. Um é o tipo teórico normativo, o outro, metodológico. Quem efetua ponderações no direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios e quem classifica normas como princípios deve chegar a ponderações. O litígio sobre a teoria dos princípios é, com isso, essencialmente um litígio sobre ponderação. (ALEXY, 2007, p. 64) (grifo do autor)
E prossegue:
Completamente de outra forma são as coisas nas regras. Regras são normas que, sempre, só ou podem ser cumpridas ou não-cumpridas. Se uma regra vale, é ordenado fazer rigorasamente aquilo que ela pede, não mais e não menos. Regras contêm, com isso, fixações no espaço do fática e juridicamente possível. Elas são, por conseguinte, mandamentos definitivos. A forma de aplicação de regras não é a ponderação, mas a subsunção. (ALEXY, 2007, p. 64) (grifo do autor)
A inovação mais importante da teoria de Robert Alexy foi ter concebido os princípios como comandos de otimização, uma vez que a aplicação dos princípios passa a ser pensada em graus, ou seja, os princípios podem ser aplicados em maior ou menor grau, dependendo da situação concreta que se apresenta.
Por esta concepção de princípio, foi possível ao jurista alemão antever que os princípios são comandos prima facie e as regras são comandos definitivos, já que aqueles, ao contrário dessas, possuem uma aplicabilidade graduada, porquanto não expressam uma determinação que resolva o caso concreto ou o conflito existente entre dois princípios.
Outros critérios bastante utilizados para distinguir regras de princípios foram enumerados por Canotilho (2006, ps. 1160/1161):
a) Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida.
b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa.
c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito).
d) “Proximidade” da idéia de direito: os princípios são “standards” juridicamente vinculantes radicados nas exigências de “justiça” (Dworkin) ou na “ideia de Direito” (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
f) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função nomogenética fundamentante.
Conclui-se que o pós-positivismo consagrou a normatividade dos princípios, acabando com as discussões que existiam a respeito do tema, todavia ainda não há um consenso na doutrina sobre critérios de diferenciação entre princípios e regras.
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Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, pós-graduanda em Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera Uniderp - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, Analista do Ministério Público do estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Narjara Andrade. A força normativa dos princípios e a distinção entre princípios e regras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2010, 09:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21750/a-forca-normativa-dos-principios-e-a-distincao-entre-principios-e-regras. Acesso em: 23 dez 2024.
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