O que impulsionou a confecção do presente artigo foi a presença, no mundo hodierno, de um vício que atormenta e compromete a eficiência de nossa justiça, qual seja, a litigiosidade, que parece estar de sobremodo embutida na mentalidade da sociedade brasileira.
Não são raras as vezes em que a parte procura o Judiciário, sem sequer ter tentado por uma única vez solucionar de forma pacífica o conflito; desvirtuando, dessa maneira, a finalidade da Justiça, que está longe de ser a de tudo solucionar, mas sim apenas aquilo que não foi possível fazê-lo extrajudicialmente.
Prova maior disso, é que mesmo após o acionamento do Judiciário o Juiz tentará conciliar as partes através da realização da audiência preliminar de conciliação. Assim, o importante é a solução do conflito, que se dá de forma muito mais célere e eficaz quando há a conciliação.
Podemos dizer de forma acertada que a única via escapatória para esse quadro patológico que é a tendência pela litigiosidade dos conflitos, seria a utilização dos meios alternativos de solução de litígios.
Nesse sentido, inteligente o raciocínio do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, exposto em evento organizado pela Associação de Advogados de São Paulo, onde o mesmo diz que a utilização dos métodos de pacificação social dos conflitos, como o é a conciliação, a mediação e arbitragem, não se limitaria a diminuir o número de demandas no judiciário. Aduz este que:
A ideia é dar à própria sociedade uma via de se tornar mais pacífica. Tentar resolver os conflitos de modo pacífico, com soluções que nasçam do diálogo dos próprios sujeitos do conflito é, do ponto de vista prático, extremamente frutífero.[1]
Infelizmente, esse anseio pela litigiosidade e espera por uma sentença definitiva de mérito – como se com ela tudo fosse resolvido de forma incontestável –, faz com que as pessoas se valham do Poder Judiciário como sendo o único meio eficaz de resolver seu conflito. Tal fato gera essa preocupante excessividade de processos no Judiciário de todo o país, fazendo com que, em muitas das vezes, sejam desrespeitados princípios, como da celeridade processual, e até mesmo o tão basilar princípio da dignidade da pessoa humana.
Vislumbra-se, por razão óbvia, a imprescindibilidade do papel do Juiz de direito na cura desse “vício”social, já que esse pode instruir as partes sobre o benefício de tentar resolver seu conflito de forma pacífica, tentando retirar de suas mentes essa expectativa criada em torno da sentença, mostrando que essa não é assim tão absoluta, e que pode até mesmo criar outros problemas.
Ocorre que essa cultura calcada na litigiosidade não é apenas atribuída a sociedade, como litigantes, mas também aos próprios Magistrados que compõe o Judiciário do país. O problema da pouca utilização dos mecanismos não tradicionais de resolução dos conflitos não está atrelado apenas à resistência da população, mas principalmente a ausência dessa cultura dentro do Judiciário.
A mentalidade dos Juízes precisa ser modificada. Uma boa parte destes, pela falta de compreensão e preparação, possuem a idéia de ser mais importante para eles e litigantes que se conduza o processo com todo as suas vicissitudes, mesmo que isso custe uma espera que parece ser interminável.
É de imensurável importância mostrar aos Magistrados que não é inteligente, nem tão pouco benéfico para a sociedade, ficar alimentando processos e a produção de sentenças quando possível for a utilização de um meio alternativo de resolver o conflito que lhe fora apresentado. Isso implicaria uma significante mudança da concepção dos juízes em relação ao exercício de suas funções, de modo que também passe a ser a de ao menos tentar solucionar o conflito por meio de mecanismos que não são a via tradicional.
Entende o autor e advogado, especialista em Direito Processual Civil, Clovis Brasil Pereira, ser de salutar importância a tentativa pelo Magistrado de conciliar as partes. Aduzindo em artigo publicado no Portal do Advogado Memes Jurídico que:
A conciliação entre os litigantes, no curso de um processo judicial, é medida salutar para a solução dos conflitos, e contribui de forma eficaz para abreviação do tempo das demandas entre os jurisdicionados.
Atento a essa realidade, nosso legislador, possivelmente movido pelo clamor da sociedade em geral, e da comunidade jurídica em especial, tem procurado criar, ao longo do tempo, mecanismos processuais para estimular a conciliação entre as partes, nos diversos procedimentos judiciais de natureza cível em nosso país. [2]
Então, a partir do que foi exposto, pode-se extrair que a atuação do juiz, até mesmo na forma como ele desenrola o processo, é capaz de atribui credibilidade aos meios alternativos de solução dos litígios, posto que pode ele tentar demonstrar para as partes o real fim do Judiciário, que é pôr fim ao conflito, tentando sempre que possível a conciliação dos litigantes. Conciliação que poderia, de forma eficaz e muito mais rápida e econômica, ter sido obtido por meios extrajudiciais.
Podemos afirmar com toda certeza que a utilização dos meios alternativos de solução dos conflitos está intimamente associada a um avanço do Poder Judiciário. Um desapego a desnecessárias formalidades, buscando efetivar o fim principal de qualquer demanda judicial, qual seja, solucionar de forma eficaz o litígio.
Corroborando o entendimento supracitado, afirma o ilustre jurista e filósofo Miguel Reale:
Tudo indica, por conseguinte, que será sinal de maturidade jurídica a crescente utilização da arbitragem para a solução dos conflitos de direitos e interesses patrimoniais disponíveis, sem continuarmos a nos perseverar em querer resolver a Crise da Justiça lançando mão apenas de reformas de ordem legislativa estatal, sobretudo quando dependam de alterações no plano constitucional.
A meu ver, a arbitragem vem abrir novo e amplo capo de ação nessa matéria, permitindo que a própria sociedade civil venha trazer preciosa contribuição, valendo-se da alteração verificada na experiência jurídica contemporânea no tocante às fontes do Direito, enriquecidas pelo crescente exercício do chamado poder negocial, em complemento à lei, às decisões judiciais e às normas constitucionais, como penso ter demonstrado em meu livro Fontes e Modelos do Direito.[3]
Ainda sobre a participação do Juiz na elaboração dessa nova mentalidade jurídica, fundamentada na necessidade de aplicação dos meios alternativos de pôr fim a conflitos – fato que fará surgir novos horizontes para o Poder Judiciário brasileiro –, será apresentado um dos planos estratégicos capaz de modificar a atual estrutura desse poder. Pois bem, quanto ao ponto, interessante a proposta apresentada pelo processualista e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Kazuo Watanable. Este propôs ao Conselho Nacional de Justiça uma norma que apresentava um novo critério para promoção de magistrados por merecimento, que seria a quantidade de conflitos dirimidos sem sentença judicial.
A regra utilizada para promoção na carreira da magistratura é de quantas sentenças e decisões foram proferidas pela juiz de direito, estando fora do índice o número de processos em que foi alcançado a pacificação do litígio. Jamais foi perguntado aos juízes quantos processos terminaram sem sentenças, mas sim quantas decisões e sentenças foram proferidas. Diante do exposto, conclui-se que a própria forma utilizada no processo de apuração de merecimento é um incentivo à perpetuação dos processos, obstando a difusão das formas não jurisdicionais de resolver conflitos dentro do Poder Judiciário. .
Frise-se ainda que a própria formação acadêmica dos nossos operadores do direito dificulta a formação dessa nova cultura desapegada da litigiosidade, posto que as faculdades de direito não incluem em sua grade curricular disciplina voltada a apresentar para o aluno o que seriam os meios parajurisdicionais de pacificação social e sua importância para modificação do atual cenário do Poder Judiciário. Fato que faria com que o estudante de direito saísse da faculdade sabendo de sua principal missão, qual seja, resolver conflitos de forma célere e inteligente. Em assim sendo, o problema não pode ser atribuído ao ordenamento jurídico, mas sim a cultura de como se usa esse ordenamento.
Pelas razões acima expostas, é indiscutível que os indivíduos que pretendam a solução de causas que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis devam ser incentivados pelos juízes e advogados (todos operadores do direito) a buscarem a utilização dos meios não-jurisdicionais de solução de conflitos
Em assim sendo, o judiciário aliviado do trabalho “extra” – entenda-se por trabalho extra as causas que poderiam ser solucionadas extrajudicialmente –, renderá muito mais e melhor ao solver os conflitos de interesse que só a ele é dado solucionar, ou seja, que não se podem resolver pelas fórmulas alternativas.
A meu ver, a utilização das formas de pacificação social apresentaria uma nova cultura do litígio, fundamentada em valores como cooperação, boa-fé e ética, já que não é possível a utilização dos meios alternativos de solução de conflito sem que as partes cheguem mais ou menos a um acordo comum. Ambas devem estar despidas de posições radicais. A ausência dos valores citados dificulta de sobremaneira a aplicação dessa forma inteligente de resolver conflito de interesses, fazendo com que as pessoas apenas sintam-se seguros sob o manto do Poder Judiciário
Dito isto, só a partir da conscientização dos cidadãos, acadêmicos do curso de direito, juízes e advogados, sobre a importância social de todas as formas de resolver de maneira pacífica os conflitos, e consequente utilização dessa nova cultura do litígio, é que poderemos vislumbrar de perto o final desse grande problema atual, que é a excessiva quantidade de processos a opor obstáculo ao Judiciário de todo o país.
9 – REFERÊNCIAS:
CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Editora de Direito Ltda, 1997. p. 80.
CLÁUDIO, Viana Lima. Arbitragem a solução. Ed. Forense Rio de Janeiro p. 24. 1994.
DELGADO, José Augusto. A arbitragem: direito processual da cidadania. São Paulo: Revista Jurídica, 2001. p. 55
PELUSO, Cézar. Entrevista realizada em evento organizado pela Associação de Advogados de São Paulo. Página do Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em:http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo=161044. Acesso em: 11/08/2010.
PEREIRA, Clovis Brasil. A audiência de conciliação, um instrumento pouco ou mal utilizado pelos juízes. Portal do Advogado Memes Jurídico. Disponível em: http://www.memesjuridico.com.br/jportal/portal.jsf?post=6156. Acesso em: 23/09/2010.
REALE, Miguel. Crise da Justiça e Arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 113.
[1] PELUSO, Cézar. Entrevista realizada em evento organizado pela Associação de Advogados de São Paulo. Página do Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em:http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo=161044. Acesso em: 11/08/2010.
[2] PEREIRA, Clovis Brasil. A audiência de conciliação, um instrumento pouco ou mal utilizado pelos juízes. Portal do Advogado Memes Jurídico. Disponível em: http://www.memesjuridico.com.br/jportal/portal.jsf?post=6156. Acesso em: 23/09/2010.
[3] REALE, Miguel. Crise da Justiça e Arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 113.
Acadêmica do Curso de Direito e Técnica do Ministério Público de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Glaucia Fontes de. A importância da participação do Magistrado na eliminação do vício da litigiosidade, fazendo com que sejam aplicados os meios de pacificação social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2010, 08:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21770/a-importancia-da-participacao-do-magistrado-na-eliminacao-do-vicio-da-litigiosidade-fazendo-com-que-sejam-aplicados-os-meios-de-pacificacao-social. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.