Coautora: IGÉSIA ROCHA BARRETO: Servidora Pública.e Pós-Graduada pela Unisul Graduada Pela Universidade Tiradente
A persecução penal é a atividade que consiste em investigar, processar, comprovar e julgar uma infração penal. Compõe-se de duas fases: A investigação preliminar e a ação penal.
A prática de um ato definido em lei como crime ou contravenção faz surgir, para o Estado, o jus puniendi, que somente pode ser concretizado por meio do processo. A pretensão punitiva do Estado será exclusivamente deduzida em juízo, mediante a ação penal, ao término da qual, sendo o caso, será aplicada a sanção penal adequada.
Para que se proponha a ação penal, entretanto, se faz necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração penal e sua autoria. O meio mais comum, embora não exclusivo, para a colheita desses elementos é o inquérito policial.
O inquérito policial é presidido pelo delegado e nada mais é que um procedimento administrativo inquisitorial destinado a angariar informações necessárias à elucidação de crimes. A fase inquisitiva tem como finalidade principal estruturar e dar justa causa à ação penal.
Conforme ensinamentos do mestre Tourinho Filho, o inquérito policial é “o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em Juízo” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: Saraiva, 2003. V1.p.73).
O inquérito possui natureza jurídica de procedimento de natureza administrativa, ou seja, são aplicáveis as regras de direito administrativo e a ele não se aplicam, ou pelo menos não são de observância estritamente obrigatória, diversos princípio informadores do processo penal, como o princípio do contraditório e da ampla defesa.
O inquérito policial é meramente informativo, escrito, dispensável, indisponível e sigiloso. É informativo posto que a principal finalidade é contribuir para a formação da opinião delitiva, opinio delicti, do titular da ação penal. Deve ser sempre escrito já que destinado a fornecer elementos ao titular da ação penal, os atos produzidos oralmente devem ser necessariamente reduzidos a termo. Dispensável para que o processo tenha início, já que em caso do agente ministerial ter material suficiente para embasar a Denúncia deverá oferecê-la sem prévia requisição de inquérito a autoridade policial. Indisponível, pois, uma vez instaurado regularmente não poderá o delegado arquivar os autos e sigiloso por natureza e determinação legal.
Dentre todas as características dá-se principalmente relevo a sigilosidade, cuja previsão legal apresenta-se no caput do artigo 20 do Código de Processo Penal que diz: “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Este sigilo pode ser analisado tanto do ponto de vista externo como do ponto de vista interno. O sigilo do ponto de vista interno diz respeito às partes diretamente interessada, aos sujeitos processuais propriamente ditos. Em que pese tenha sido muito polêmico hoje não há porque estender discussões por ser plena a divulgação interna. Segundo o STF na súmula vinculante n.º 14 não se pode impor sigilo ao advogado quanto aos autos da persecução penal, mesmo que ele não tenha procuração, art. 7.º XIV, Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Vale ressaltar apenas que, caso seja imposto este sigilo, admite-se a impetração de Mandado de Segurança, violação do direito liquido e certo do advogado, Habeas Corpus profilático ou trancativo, proteção da liberdade de locomoção do investigado que está indiretamente afetada, e Reclamação Constitucional, em razão do descumprimento da súmula vinculante.
Já o sigilo externo, este deve sempre existir e consiste na vedação a autoridade policial em dar publicidade aberta ao inquérito, como forma de preservação à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem do sujeito investigado, nos termos do art. 5.º, X, da CF, em razão da preservação do Estado de inocência, assegurado constitucionalmente, no art.5.º, inciso LVII, bem como em razão do próprio desenvolvimento e eficácia da fase preliminar, já que as divulgações dos atos praticados no inquérito podem prejudicar a investigação do fato.
É o sigilo garantia de eficácia da atuação estatal na investigação de delito já que a divulgação ampla coloca em perigo o êxito dos primeiros passos na busca da verdade.
Com brilhantismo o mestre Fernando da Costa Tourinho Filho, afirmou que:
“Não se concebe investigação sem sigilação. Sem o sigilo, muitas e muitas vezes o indicado procuraria criar obstáculos às investigações, escondendo produtos ou instrumentos do crime, afugentando testemunhas e, até, fugindo à ação policial. Embora não se trate de regra absoluta, como se entrevê da leitura do artigo 20, deve a autoridade policial empreender as investigações sem alarde, em absoluto sigilo, pra evitar que a divulgação do fato criminoso possa levar desassossego à comunidade. E assim deve proceder para que a investigação não seja prejudicada. Outras vezes o sigilo é mantido visando amparar e resguardar a sociedade, vale dizer, a paz social”. (Processo Penal. Vol. 01. Ed. 31ª. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 49)
Sendo a investigação criminal um procedimento pré-processual, fase anterior a ação penal, de cognição sumária, cuja finalidade é estruturar, fundamentar e dar justa causa à ação penal, a sigilosidade é imprescindível.
No momento em que se assegura o sigilo do inquérito Policial está-se diante de um Estado que reconhece e instrumentaliza tornando efetiva a proteção da intimidade, da vida privada, honra e imagem do investigado. Independentemente do fato ocorrido, atrocidade ou “monstruosidade” do crime cometido o investigado é pessoa humana por sua própria essência e deverá ter sua vida respeitada, imune a ofensas e humilhações. Sendo a dignidade da pessoa humana direito fundamental. Conforme lecionado pelo ilustre Nelson Rosenvald “A dignidade é um atributo intrínseco à pessoa humana, como valor de todo ser racional, subsistirá independentemente da forma como se comporte” (Nelson Rosenvald. Dignidade Humana e Boa Fé no Código Civil.Saraiva. 2007.p.19).
Ademais, findo o Inquérito Policial o investigado pode ser no máximo indiciado, jamais acusado. Seja qual for a prévia classificação atribuída pela autoridade policial ela será revista pelo agente ministerial, titular da Ação Penal. Ressalta-se que nem sempre a investigação resultará em denúncia, que nem sempre a denúncia resultará em condenação de 1.ºgrau, e que nem sempre existirá acórdão condenatório.
Sendo o Inquérito procedimento apenas preparatório da Ação Penal ele não visa emitir juízo de valor sobre a conduta do indiciado. A violação do sigilo na fase preliminar é o mais grave prejuízo que pode sofrer um inocente e assim são todos, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, já que se expõe de forma prematura no banco de acusação sendo exposto ao prévio julgamento social e a conseqüente “condenação”. A violação do sigilo fere frontalmente a preservação do estado de inocência garantido constitucionalmente e depois de violado mesmo que o suspeito sequer seja indiciado ou se indiciado não seja denunciado e se denunciado seja absolvido, ele jamais conseguirá “restabelecer” sua condição de inocente, situação esta que jamais poderia ter deixado de existir.
Conforme o ensinamento do grande promotor Paulo Rangel o “Inquérito não é para apurar a culpa, mas sim a verdade de um fato da vida que tem aparente tipificação penal” (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.p.73). Manter o sigilo externo do Inquérito Policial é de importância tanto no plano do utilitarismo judicial, como no plano garantista.
A ausência do devido sigilo no Inquérito Policial além de ser prejudicial ao êxito das investigações, é incompatível com a preservação das garantias fundamentais do cidadão investigado.
Exemplos de inquéritos policiais que não obtiveram o êxito esperado ou macularam indevidamente a imagem do investigado em decorrência exclusivamente do desrespeito ao devido sigilo não faltam, porém vale lembrar apenas o tão comentado caso “Escola Base”, onde a autoridade policial responsável pelas investigações disse à imprensa que as provas colhidas no inquérito eram verdades absolutas e permitiu que a sociedade “condenasse” suspeitos que posteriormente foram judicialmente absolvidos.
Do exposto, se extrai que o sigilo do inquérito é mais que uma simples característica é essencial para o sucesso da investigação, a plena elucidação e descoberta das infrações penais e uma forma não apenas de reconhecer, mas de instrumentalizar e tornar efetivas garantias constitucionais.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Vade Mecum. Organização de PINTO Antônio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristiana Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. 6.º Ed. Atual e ampl. São Paulo; Saraiva, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Processo Penal Comentado. 8° ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008
RANGEL, Paulo. Rio de Janeiro; Lúmen Juris, 2005.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007.
Servidora Pública Estadual. Graduada Pela Universidade Tiradentes. Pós Graduada em Direito Privado e Ciências Criminais pela Universidade Gama Filho/RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDONCA, Danielle Costa. O inquérito policial e a exposição da autoridade policial na mídia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2010, 09:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21783/o-inquerito-policial-e-a-exposicao-da-autoridade-policial-na-midia. Acesso em: 23 dez 2024.
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