I – BREVE HISTÓRICO DAS SANÇÕES PENAIS.
A origem das penas remonta aos mais antigos agrupamentos humanos, visto que mesmo nessas primeiras civilizações adotaram-se certas normas disciplinadoras objetivando o alcance da harmoniosa convivência social.
Nos tempos primitivos, as penas encontravam-se envoltas em um caráter metafísico e social, porquanto as mesmas decorriam das infrações de normas que causavam a ira dos deuses, os quais expressavam a sua reprovabilidade por meio de fenômenos naturais contra todo o grupo. Diante dessa resposta divina ao comportamento desajustado dos indivíduos, o chefe do grupo, encarregado do culto, aplacava o castigo que atingia toda a coletividade. De grande relevância por expor o caráter místico dessa propedêutica sanção penal é a lição do renomado jurista MANOEL PEDRO PIMENTEL1, para o qual: “as primeiras regras de proibição e, conseqüentemente, os primeiros castigos (penas), se encontrem vinculados às relações totêmicas”.
Com a natural evolução social, surge a “Pena de Talião”, adotada pelo Código de Hamurábi (Babilônia), no Êxodo (povo hebraíco) e na Lei das XII Tábuas (Roma), representando, à época, um grande avanço na história do Direito Penal justamente por limitar a reação à ofensa, a qual se circunscreve a um mal idêntico ao ato praticado, reduzindo-se, assim, a abrangência da ação punitiva e amoldando-a a um certo colorido de razoabilidade e proporcionalidade.
Em uma fase posterior, evoluiu-se para a vingança pública, libertando-se a pena de seu anterior caráter religioso, chegando-se a admitir a composição dos danos no Direito Germânico e a Pena de Prisão, a qual representou uma grande evolução da sociedade e da política criminal, por contribuir decisivamente para eliminarem-se as penas aflitivas, os castigos corporais e mutilações, a pena de morte, etc., alcançando seu apogeu no século XIX, representando-se como a principal resposta para os problemas penais.
Inobstante a relevância que a pena de prisão até hoje apresenta, posto o número de condenados que se encontram no cárcere, o que, por si só, demonstra a sua grande participação nas políticas criminais atuais, desde Beccaria, e mais modernamente os adeptos da corrente da Defesa Social, tem-se bradado pelo encontro de substitutivos ou alternativas que possam manifestar a reprovação da sociedade contra o crime e o criminoso, evitando-se ao máximo o cárcere e, quiçá, propondo a abolição das próprias prisões, haja vista o sistema prisional não vir cumprindo as suas funções ressocializadora e de prevenção social, agindo, no mais das vezes, às avessas, como instrumento estigmatizante do condenado, transformando-se, segundo diversos doutrinadores estudiosos do tema, em uma verdadeira “universidade do crime”.
É em meio à sugerida falência do sistema prisional e da execução da sua pena, até então considerada a panacéia das aflições sociais, que a sociedade passa a clamar pela criação de alternativas penais que tenham o condão de promover a efetiva pacificação social, retirando do cárcere os infratores que não ponham em risco a paz e a segurança da coletividade, como bem assevera JASON ALBERGARIA2:
As medidas alternativas resultaram, pois, da crise da prisão sobretudo nas hipóteses das penas privativas de liberdade de curta duração. Permitem que o condenado cumpra a sua pena junto à família e no emprego, com as restrições necessárias à sua educação e proteção da sociedade. Eliminam a contaminação carcerária, diminuem a superpopulação prisional e suprimem a contradição segurança com reeducação.
Em nosso país, após o advento da Lei no 7.209/84, responsável pela reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, acolheu-se o sistema de penas alternativas (substitutivas), com o papel de substituir as penas privativas de liberdade de curta duração e cujo o infrator não seja perigoso. Frisa-se, neste aspecto, a lição do insigne criminalista CEZAR ROBERTO BITENCOURT3. Ipsis litteris:
Assim, uma das primeiras penas alternativas surgiu na Rússia, em 1926, a prestação de serviços à comunidade, prevista nos artigos 20 e 30 do Código Penal soviético. Mais tarde, o diploma penal russo (1960) criou a pena de trabalhos correcionais, sem privação de liberdade, que deveriam ser cumpridos no distrito do domicílio do condenado, sob a vigilância do órgão encarregado da execução da pena, sendo que o tempo correspondente não poderia ser computado para promoções ou férias. Fora do continente europeu, a Inglaterra introduziu a prisão de fim de semana, através do “Criminal Justice Act”, em 1948, e a Alemanha fez o mesmo com uma lei de 1953, somente para infratores menores. Em 1963 a Bélgica adotou o arresto de fim de semana, para penas detentivas inferiores a um mês. Em 1967 o Principado de Mônaco adotou uma forma de execução fracionada da pena privativa de liberdade, um pouco parecida com o arresto de fim de semana, sendo que as frações consistiam em detenções semanais.
No entanto, o bem mais sucedido exemplo de trabalho comunitário foi dado pela Inglaterra com seu ‘Community Service Order’, que vigorava desde a ‘Criminal Justice Act’ de 1972, que teve, por sua vez, uma pequena reforma de 1982, diminuindo, inclusive para 16 anos, o limite de idade dos jovens que podem receber tal sanção penal. O êxito obtido pelos ingleses influenciou inúmeros países que passaram a adotar o instituto, ainda que com algumas peculiaridades distintas, como, por exemplo, Austrália, (1972), Luxemburgo (1976), Canadá (1977); e mais recentemente, Dinamarca e Portugal desde 1982, França desde 1983 e o Brasil com sua reforma de 1984, sendo que nos dois últimos, o trabalho comunitário pode ser aplicado como sanção autônoma e também como condição no sistema de sursis.
Por fim, nesta evolução histórico-positiva, destaca-se que a atuação das Penas Alternativas ainda se mostrava insuficiente ante o caos do sistema prisional, dando ensejo a intensa preocupação da ONU, a qual se consubstanciou em vários congressos e resoluções, sublinhando-se entre os primeiros o 9o Congresso da ONU, realizado em Viena que contou com a participação do Brasil. O resultado imediato desse congresso foi a publicação da inovadora Lei no 9.099/95, que introduziu no nosso sistema jurídico uma avançadíssima proposta despenalizadora, concretizada nos institutos da composição civil extintiva da punibilidade (art. 74), transação penal (art. 76), suspensão condicional do processo (art. 89), exigência da representação nas lesões corporais culposas e dolosas leves (art. 88), dentre outros institutos jurídicos.
II – SINOPSE ACERCA DAS MODERNAS TEORIAS SOBRE AS FINALIDADES DA SANÇÃO PENAL.
Para compreender o real papel a ser desempenhado pelas sanções penais, não se pode perder de vista o estudo, mesmo que panorâmico, das teorias versantes sobre as finalidades afeitas à essas reprimendas.
Não é nova a discussão sobre as finalidades da sanção penal, registrando a história a presença de várias correntes doutrinárias, por vezes até antagônicas, que buscam explicar a natureza e os fins das penas, revestindo-se o seu conhecimento de elevada indispensabilidade para a compreensão dos modernos problemas do Direito Penal.
Modernamente apresentam-se como correntes de maior ressonância internacional o NEO-RETRIBUCIONISMO, ABOLICIONISMO, as correntes da DEFESA SOCIAL e NOVA DEFESA SOCIAL e o DIREITO PENAL MÍNIMO que vêm orientando o sistema penal.
Sinteticamente, pode-se afirmar que o NEO-RETRIBUCIONISMO e o ABOLICIONISMO apresentam posicionamentos radicalmente opostos, sendo o primeiro pela busca de maior afetividade do mecanismo punitivo estatal, com a imposição implacável das sanções penais como meio apto à solução da problemática criminal, enquanto o último se arvora exatamente do reconhecimento da ineficácia absoluta de tais meios.
Com isso fácil perceber que as sobreditas correntes doutrinárias são extremistas, apresentando fervorosos defensores como também críticos tenazes de seus respectivos fundamentos. Tais posicionamentos são, de certo modo, rejeitados, acolhendo-se, apenas, certas considerações de ordem lógica e prática, posto que, se por um lado, não se pode negar a ineficácia da imposição penal, por outro, não se pode deixar de reconhecer a sua utilidade, ao mesmo no atual estágio de desenvolvimento cultural de nossa sociedade.
Por seu turno, as correntes da DEFESA SOCIAL e da NOVA DEFESA SOCIAL concentram as forças na necessidade de neutralização das causas sócio-político-econômicas fomentadoras da criminalidade e na ressocialização do apenado. Em seus fundamentos, encontram-se as mesmas bases da Escola Positiva, adaptadas à realidade científica atual.
A primeira corrente adota uma posição extremamente reformista quanto à atividade punitiva do Estado, que há de ser exercida de modo não dogmático, repudiando o tecnicismo jurídico e preconizando que a Lei não é a única fonte do Direito e propondo a abolição do Direito Penal. Já a segunda, encabeçada por MARC ANCEL, embora não adotando inteiramente o pensamento extremista anterior, apresenta um movimento dinâmico e contrário à pena de prisão em si mesma, preconizando a adoção de Penas Alternativas em substituição à Pena de Prisão, mormente a de curta duração, destinando o cárcere, ultima ratio, como verdadeira medida de segurança para segregação dos delinqüentes perigosos.
Por fim, a teoria do DIREITO PENAL MÍNIMO propõe, em linhas gerais, que somente ostenta legitimidade os tipos penais que descrevem condutas gravemente atentatórias da segurança social. Por afetar bens jurídicos elementares, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que não tenham relevância social, sob pena de incorrer em ilegitimidade. Resumindo, antes de se socorrer ao Direito Penal, deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social, dando ensejo aos legisladores contemporâneos a adotarem medidas de desjurisdicização, despenalização e descriminalização.
III – A DERROCADA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E O IMPLEMENTO DAS ALTERNATIVAS PENAIS.
Tracejadas as balizas doutrinárias nos anteriores tópicos, cumpre agora, já com base nessas noções conceituais propedêuticas, examinar a imperiosidade da implementação de alternativas penais para o caso de delitos de menor gravidade, cujos infratores não representem grande perigo ao harmonioso convívio social.
Com efeito, quando alguém comete um ilícito penal, surge o incontestável dilema estabelecido por valores igualmente indisponíveis, representado pelo embate do status libertatis versus com o jus puniendi do Estado.
Na clássica sistemática adotado por nosso Código Penal, assim como disposto em várias legislações de todo mundo, a resposta social para o descumprimento de normas legais que tutelam determinados bens jurídicos era, e continua sendo, a submissão do infrator ao cárcere.
Imbuída por um sentimento de desprezo, a sociedade, pura e simplesmente, bradava, e muitas vezes ainda brada, pela cominação da pena privativa de liberdade como o meio eficaz de resolver os conflitos sociais, posto que, erradamente, imaginava-se a salvo de tais problemas sociais com o mero enclausuramento do criminoso, figura considerada anormal, e de sua conduta ilícita, verdadeira “doença social”, sem ao menos perquirir a respeito das circunstâncias que o levaram a delinqüir e o efeito mal causado à essa mesma sociedade. Considerava-se, portanto, a pena de prisão como o bálsamo de todas as tensões sociais, por afastar o delinqüente do convívio social.
Malgrado ainda se configura como a espinha dorsal do nosso Sistema Punitivo, a pena privativa de liberdade não vem correspondendo aos seus objetivos institucionais e aos anseios populares. Mergulhada em uma incontestável crise, mormente em face de sua aplicabilidade, vem sendo objeto das mais variadas críticas dos diversos setores sociais, especialmente dos estudiosos especialistas na matéria.
Como instrumento, em tese, de reedução e reinserção social, a prisão não vem cumprindo nenhum dos seus objetivos, porquanto nem ao menos o seu caráter retributivo vem realizando a contento, visto que, inserida tal sanção em um Estado Democrático de Direito (Art. 1o caput da C.F.), a própria expiação deve moldar-se aos fundamentos jurídicos deste, consubstanciados no respeito aos mais elementares direitos do ser vivo, destacando-se, entre estes, o respeito à dignidade humana (Art. 1o, III da C.F.). Outro não é o entendimento dos mais renomados juristas sobre a questão em foco, a exemplo do prelecionado por BEAUMONT e TORQUEVILLE citados por JASON ALBERGARIA4. Ipsis litteris:
Poucos são capazes de entender quanta tortura e agonia inflige aos castigados esta pena terrível e prolongada. Deduzindo o que vi escrito em seus rostos, de sentimentos, sinto, seguro de minha intuição, que há um abismo terrivelmente profundo que somente os punidos compreendem e que ninguém tem o direito de impor ao seu próximo pena semelhante. Considero esta lenta e diária manipulação dos mistérios da mente infinitamente pior que qualquer tortura física.
Da mesma sorte, assim se manifesta VON LISZT, o conforme leciona o douto CEZAR ROBERTO BITENCOURT5. Verbis:
Se é verdade que o Direito Penal começa onde o terror acaba, é igualmente verdade que o reino do terror não é apenas aquele em que falta a lei e impera o arbítrio, mas é também aquele onde a lei ultrapassa os limites da proporção, na intenção de deter as mãos dos delinqüentes.
Outrossim, a pena privativa de liberdade também vem fracassando no seu ideal de intimidação e prevenção, seja geral ou específico, visto que, no primeiro caso, face a aplicação de penas extremamente rígidas paradoxalmente ao recrudescimento da criminalidade, com novas roupagens, aliada à morosidade da justiça, vem gerando o descrédito popular no mencionado sistema punitivo e, como alertava o MARQUÊS DE BECCARIA6 há mais de dois séculos, “o rigor do suplício não é que previne os delitos com maior segurança, porém a certeza da punição. ... A perspectiva de um castigo brando, porém inflexível, provocará sempre uma impressão mais forte do que o impreciso medo de um suplício horrendo, em relação ao qual aparece alguma esperança de não punição.”
No concerne à segunda finalidade, é incontestável a frágil possibilidade de prevenção e reinserção social do apenado, diante do caráter estigmatizador do cárcere. Certamente o condenado, além de se ver privado de sua liberdade, absorve, inconscientemente, novos padrões comportamentais totalmente diversos dos vigentes na sociedade a qual pertence. Essa separação da sociedade em dois blocos estanques, materializado pelos muros da prisão, além de concorrer para afastar essa mesma sociedade à sua responsabilidade para com o criminoso – ser social – e o crime – fato sócio-cultural – também estimula a aquisição pelo delinqüente da cultura da prisionalização, obstacularizando o desenvolvimento de valores humanísticos no recluso, estimulando a sua carreira no crime, a coisificação do homem e a perda da sua dignidade humana. Para se observar o resultado prático dessa estigmatização do egresso do sistema penitenciário, basta verificar quantos empregadores ofertam empregos a ex-presidiários?
Importante nesse sentido colacionar a sábia lição de ANTONIO GARCÍA PABLOS Y MOLINA, manifestada na obra mencionada de CEZAR ROBERTO BITENCOURT7. Verbis:
A pena não ressocializa, mas estigmativa, que não limpa, mas macula, como tantas vezes sem ter lembrado aos expiacionistas; que é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão somente se lá estive ou não.
Em meio a esse clima de desconfiança na aplicação da pena privativa de liberdade, surgiram diversas críticas, que no sistema prisional pátrio, refletem-se, basicamente, nas enunciadas por LUIZ FLÁVIO GOMES8. In litteris:
Aliás, um sistema penitenciário que conta com quase cento e cinqüenta mil presos, quando só poderá abrigar metade deles, que os amontoa sem nenhuma preocupação humanística ou ressocializadora, produzindo cenas diárias de horror e crueldade indescritíveis, que mantém em regime fechado mesmo os que foram beneficiados com o regime semi-aberto, que não separa os condenados definitivos dos provisórios, que não permite, em muitos estabelecimentos penais, sequer a possibilidade de dormir em posição horizontal etc., pode ser qualificado, para se dizer o mínimo, de caótico, desumano e cruel.
Da mesma forma, pautando-se nos resultados negativos e nas críticas expostas à pena de prisão, avolumaram-se movimentos em todo o mundo buscando alterar a referida situação caótica, surgindo como resposta à inoperância do sistema penitenciário, duas vertentes principais.
A primeira capitaneada pela Criminologia Crítica que pugna pela mudança estrutural da sociedade e o modo de produção capitalista, além de se fulminar o controle social desenvolvido pelo Direito Penal. A segunda, mais moderada e consentânea com a atual realidade propunha a aplicação de uma nova política criminal, fulcrada na adoção de Alternativas Penais, a princípio como uma atitude desprisionalizadora, v.g. pela utilização de medidas como sursis, livramento condicional, progressão de regime prisional, etc., partindo-se posteriormente para a desinistitucionalização da sanção penal, desjurisdização da mesma e, por fim, objetivando-se a despenalização e descriminalização.
Dentre essas Alternativas Penais, tanto no campo material como no processual, destaca-se a Pena de Prestação de Serviços à Comunidade e demais penas restritivas de direito, substitutivas das penas de curta duração e cujo delinqüente não revele periculosidade ao meio social, como bem assevera JASON ALBERGARIA9. Verbis:
As medidas alternativas resultaram da crise das penas privativas de liberdade, sobretudo das penas de curta duração. Permitem que o condenado cumpra a pena junto à família e no emprego, com as restrições necessárias à sua educação e proteção da sociedade. Eliminam a contaminação carcerária, diminuem a superpopulação prisional e suprimem a contradição, segurança e reeducação. ... As exigências dos vários países, quanto ao aumento das medidas alternativas e à diminuição do emprego da prisão, baseavam-se em critérios de humanidade, justiça e tolerância, bem como na interpretação racional dos dados da justiça criminal e achados de pesquisa penal e sociológica. De outra parte, constatou-se que em termos da análise custo/benefício, a prisão é altamente dispendiosa, com prejuízo para os recursos humanos e societários. O custo com a prisão é mais alto do que com a educação universitária. ().
Cabe também ressaltar que sob a locução Alternativas Penais engloba-se as Penas Substitutivas (Alternativas) como as Medidas Alternativas à Prisão, consoante a lição de RENÉ ARIEL DOTTI10:
Alterar não significa apenas escolha, porém um processo racional de escolha. É possível falar-se em alternativas para a prisão ou alternativas da prisão. Na primeira hipótese, substitui-se a pena de liberdade por outra espécie de sanção (penas restritivas e/ou multa); na segunda, adotam-se critérios para a descontinuidade da chamada prisionalização (regimes semi-aberto e aberto e a autorização de saída).
Podem umas e outras Alternativas Penais, na flagrante preocupação do legislador em promover substitutos à arcaica e débil política criminal, serem consensuais (transação penal preconizada na Lei no 9.099/95, em que se exige consenso do autor do fato; suspensão condicional do processo; composição civil extintiva da punibilidade) ou não consensuais (sursis, perdão judicial, etc.). As Penas Alternativas, por seu turno, podem ser Diretas (aplicadas diretamente pelo juiz, sem passar pela pena de prisão, como a multa, por exemplo, prevista no artigo 135 do C.P.) ou Substitutivas (o juiz fixa primeiro a prisão para depois substituí-la). A pena de prestação de serviços à comunidade, como as demais penas restritivas de direito comportam-se nas penas substitutivas.
Tamanha a relevância que o movimento Renovador vem imprimindo a esses substitutivos penais, que em duas passagens de uma de suas obras, EDMUNDO OLIVEIRA11 prelecionou:
Sair da prisão é encontrar a possibilidade de abandonar um processo de morte por outro de vida. Por isso vale a pena ficarmos atentos às alternativas penais que estão surgindo, sobretudo para os soft crimes, diante da expectativa geral pela descoberta ou inauguração de um novo estilo de pena, em condições de respaldar um decisivo movimento de respeito e reconhecimento à dimensão humana da imensa legião de pessoas condenadas pela justiça Penal. As modernas reações penais, sobretudo as penas comunitárias, não devem ser vistas como políticas de clemência legislativa, e sim como autênticas fórmulas de tratamento bem definido, com variedade de procedimentos aptos a dar adequada resposta a problemas específicos das zonas de delinqüências. ... Quando o Código Penal enumera uma gama de crimes dependentes de acusação do ofendido, isto é, dependente de uma representação da vítima, o Código Penal quer dar a chance para que se opere, em certo momento, a mediação mitigada por uma pessoa da família, por um terceiro que conseguiu as partes em conflito ou até mesmo uma mediação resultante do próprio esforço pessoal da vítima que não pretende aprofundar a discórdia com quem a ofendeu.
Realce-se, da mesma forma, que a previsão de Penas Alternativas nas legislações penais de inúmeros países vem concorrendo para a verificação de resultados benéficos comparados à Pena de Prisão, conforme bem ilustra o jurista LUIZ FLÁVIO GOMES12. In verbis:
O discurso das penas alternativas, embora se saiba que elas isoladamente não significam a solução para o grave problema carcerário, é muito atual e importante, porque o Brasil, que as aplica para apenas 2% dos condenados, está incomparavelmente atrás da Alemanha, Cuba e Japão (que impõem tais penas a 85% dos casos), Estados Unidos (68%), Inglaterra (50%) etc. Países com melhores condições econômicas adotam difusamente as penas alternativas e o índice de reincidência é de 25%. No nosso pobre e equivocado modelo penitenciário, que deposita fé no encarceramento de todos os criminosos, a taxa de reincidência é de 85% e ainda nos damos ao ‘luxo’ de gastar quinhentos reais por mês, em média, com cada um dos presos. Cerca de 45 mil pessoas não violentas, cujos delitos causavam prejuízo médio de mais ou menos cem reais. Não fosse por humanitarismo, razões econômicas já seriam o bastante para uma profunda e radical mudança de atitude e mentalidade. É preciso racionalidade! Não tem nenhum sentido pagarmos caro para transformar, nos presídios que temos, jovens e primários em criminosos violentos.
IV – CONCLUSÃO.
Conclusivamente, percebe-se que o problema criminal é antes de tudo um fenômeno sócio-cultural decorrente do convívio social e como tal deve ser encarado na adoção de Políticas Criminais e na aplicação dos instrumentos tendentes a minorar os seus efeitos prejudiciais à própria mantença coletiva.
Nessa ótica, impõe-se uma dupla mudança: a primeira de ordem jurídica, com o inventário dos tipos penais vigentes, alguns artificialmente criados sob o influxo do movimento da Lei e da Ordem, eliminando-se desse âmbito as condutas ilícitas que não merecem tratamento penal, dotando-lhes de regulamentação por outros ramos do Direito. Da mesma sorte, afigura-se imperiosa uma reciclagem de nossa legislação processual, expurgando-se entraves de ordem legal caráter meramente protelatório, sem arranhar o ideal de justiça e os principais do contraditório e Ampla Defesa, a fim de que se tenha uma prestação jurisdicional célere, evitando-se, desta forma, o abarrotamento e morosidade do judiciário e o conseqüente descrédito popular, a exemplo das inovações contempladas pela Lei no 9.099/95.
Com isso, também pugna pela criação de penas verdadeiramente Alternativas que, desde o início, já sejam cominadas em lugar de Pena de Prisão, além do implemento de novos instrumentos alternativos e da inevitável contribuição de outras ciências, jurídicas e não jurídicas, visto que há como responsabilizar apenas e tão somente o Direito Penal pela resolução do complexo problema criminal, de intensas razões sócio-político-econômicas, como se fora um verdadeiro “Salvador da Pátria”.
Por fim, exige-se uma imediata e radical mudança na aplicação da pena de prisão, considerada como “ultima ratio”, e nos próprios estabelecimentos penitenciários, humanizando-os, dotando-lhes, no mínimo, das mais elementares condições para o desenvolvimento da vida humana, já que, no atual estágio sócio-cultural, não podemos prescindir desse valioso instrumento de coação estatal nos casos de extremo prejuízo à vida social, na hipótese da prática de crimes graves e cujos autores demonstram elevada periculosidade, posto que, certamente soltos levariam ao pânico o convívio social.
BIBLIOGRAFIA
ALBERGARIA, Jason. Das Penas e da Execução Penal. 3a edição. Belo Horizonte (MG): Ed. Del Rey, 1996.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 1764. Trad. de TORRIERI GUIMARÃES. 11a edição. São Paulo (SP): Ed. Hemus, 1995.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão. 2a edição. Porto Alegre. (RS): Ed. Livraria do Advogado, 1996.
DOTTI, René Ariel; JÚNIOR, Miguel Reale & Outros. Penas Restritivas de Direitos. Críticas e Comentários às Penas Alternativas (Lei no 9.714 de 25/11/1998). São Paulo. (SP): Ed. Revista dos Tribunais, 1999.
GOMES, Luiz Flávio. Penas e Alternativas à Prisão. Coleção Temas Atuais de Direito Criminal. Vol. 1. 2a edição. São Paulo. (SP): Ed. Revista dos Tribunais, 2000.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I. 5a edição. Rio de Janeiro. (RJ): Ed. Forense, 1949.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Vol I. 21a edição. São Paulo. (SP): Ed. Saraiva, 1998.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 1. 11a edição. São Paulo. (SP): Ed. Atlas, 1996.
______. Execução Penal. Comentários à Lei no 7.210, de 11/07/1984. 8a edição. São Paulo. (SP): Ed. Atlas, 1997.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Monografia Jurídica. 2a edição. São Paulo. (SP): Ed. Saraiva, 1999.
OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal & Alternativas à Prisão. 1a edição. 2a tiragem. Rio de Janeiro. (RJ): Ed. Forense, 1997.
OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. Monografia Jurídica. Orientações Metodológicas para o Trabalho de Conclusão de Curso. 1a edição. Porto Alegre. (RS): Ed. Síntese, 1999.
SILVA, Juary C. da Silva. A Macrocriminalidade. São Paulo. (SP): Ed. Revista dos Tribunais, 1980.
1 Apud. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I, 11a. edição. São Paulo: Atlas, 1996. p. 241.
2 ALBERGARIA, Jason. Das Penas e da Execução Penal. 3a edição. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 69.
3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão. 2a edição. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1996. págs. 193/194.
4 ALBERGARIA, Jason. Das Penas e da Execução Penal. 3a edição. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1996, p. 40.
5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão. 2a edição. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1996. p. 21
6 BONESANA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 1974. Trad. de TORRIERI GUIMARÃES. 11a. edição. São Paulo: Ed. Hemus, 1995. p.56.
7 BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Prisão. 2a edição. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1996. p. 231.
8 GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. 2a edição. São Paulo. (SP): Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p 96.
9 ALBERGARIA, Jason. Das Penas e da Execução Penal. 3a edição. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1996, págs. 47 e 70.
10 DOTTI, René Ariel & Outros. Críticas e Comentários às Penas Alternativas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. p. 33.
11 OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal e Alternativas à Prisão. 1a edição. Rio de Janeiro.: Ed. Forense, 1997. págs. 03 e 32
12 GOMES, Luiz Flávio. Penas e Alternativas à Prisão. Coleção Temas Atuais de Direito Criminal. Vol. 1. 2a edição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 98
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe. Formado pela Universidade Tiradentes (UNIT) .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MáRCIO DOS SANTOS DóRIA, . A Importância das Alternativas Penais à Sanção Privativa de Liberdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2010, 09:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21837/a-importancia-das-alternativas-penais-a-sancao-privativa-de-liberdade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.