Em 1940, Miguel Reale, em seu livro Fundamentos do Direito, começou a elaborar a tridimensionalidade. . Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor. E, pela primeira vez, na introdução do livro Teoria do Direito e do Estado, relatou aquilo que generosamente um dos maiores discípulos de Kelsen, Josef Kunz, qualificou de "fórmula realeana": "o Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores"[1].
A noção de tridimensionalidade continuou sendo estudada por Reale e foi em 1953 que surgiu a dialeticidade dos três elementos que são fato, valor e norma. Estes três não se correlacionam, apenas se dialetizam. Há uma dinamicidade integrante e convergente entre esses três fatores, de tal maneira que temos três ordens de estudos distintos, mas correlatos, conforme o seguinte quadro direcional: Ciência do Direito (fato ===> valor ===> norma); Sociologia do Direito (norma ===> valor ===> fato) e Filosofia do Direito (norma ===> fato ===> valor) ¹.
Mas somente em 1968 é que foi elaborada a Teoria Tridimensional do Direito por Miguel Reale. Segundo essa teoria, o Direito se compõe de três dimensões. Primeiramente, há o aspecto normativo, em que se entende o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência. Em segundo lugar, há o aspecto fático, em que o Direito se atenta para sua efetividade social e histórica. Por fim, em seu lado axiológico, o Direito cuida de um valor, no caso, a Justiça [2].
Para Miguel Reale todo fenômeno jurídico pressupõe sempre de três elementos: fato, valor e norma, ou melhor, “um elemento de fato, ordenado valorativamente em um processo normativo. (2000)” [3].
O fato – uma dimensão do Direito – é o acontecimento social referido pelo Direito objetivo. O valor é o elemento moral do Direito; é o ponto de vista sobre a justiça. Toda obra humana é impregnada de sentido ou valor, ocorrendo da mesma forma com o Direito. A norma consiste no padrão de comportamento social, que o Estado impõe aos indivíduos, que devem observá-la em determinadas circunstâncias. Desta maneira, fato, valor e norma encontram-se intimamente vinculados, existindo uma interdependência entre os três elementos 4.
Paulo Nader (2000) apresenta a concepção de Reale de interdependência entre fato, valor e norma e, que a referência a um deles implica, necessariamente, a referência aos demais, e que somente por abstração o Direito poderá ser apreciado sob essas três perspectivas:
a) Direito como valor do justo
b) Como norma jurídica
c) Como fato social (2000).
Segundo Miguel Reale, enquanto que para as demais fórmulas tridimensionalistas denominadas genéricas ou abstratas, os três elementos (fato, valor e norma) se vinculam como em uma adição, quase sempre com prevalência de algum deles, em sua concepção chamada específica ou concreta, a realidade fático-axiológico-normativa se apresenta como uma unidade, havendo nos três elementos uma implicação dinâmica. Cada qual se refere aos demais e por isso só alcança sentido no conjunto. As notas dominantes do fato, valor e norma estão, respectivamente, na eficácia, fundamento e vigência [4].
Tendo em conta o tridimensionalismo específico, eis a definição dada por Reale: "direito é a realização ordenada e garantida do bem comum, numa estrutura tridimensional bilateral atributiva". Analisemos de início o bem comum. Para Luiz Legaz y Lacambra, trata-se de um bem estabelecido a partir de relações entre as pessoas, relações cujo valor é o da realização da justiça. Por sua vez, a bilateralidade atributiva consiste na união que faz relacionarem-se dois ou mais sujeitos, atribuindo-lhes pretensões e estabelecendo-lhes formas de agir e de ser. Em outras palavras, entende-se por direito a totalização de valores e fatos em normas que obrigam os seus destinatários a determinadas condutas, possibilitando a convivência destes em sociedade. O mérito desta definição vê-se de pronto: o fato de uma visão holística ser a que se ajusta o melhor ao estudo do direito [5].
A gênese da norma pode ser comparada à imagem de um raio luminoso (impulsos, exigências axiológicas, valores) que, incidindo sobre um prisma (o multifacetado domínio dos fatos sociais, econômicos, técnicos etc.), se refrata em um leque de "normas possíveis", uma das quais apenas se converterá em "norma jurídica", dada a interferência do Poder [6].
Para nossa discussão na tese, poderíamos aprofundar a dimensão da interferência do Poder. Para Reale, o Poder pode ser estatal, costumeiro, jurisdicional ou negocial. Cada modelo jurídico, considerado de per si, corresponde a um momento de integração de certos fatos segundo valores determinados, representando uma solução temporária (momentânea ou duradoura) de uma tensão dialética entre fatos e valores, solução essa estatuída e objetivada pela interferência decisória do Poder em dado momento da experiência social.
O autor da Teoria Tridimensional definiu o Direito como "realidade histórico-cultural tridimensional, ordenada de forma bilateral atributiva, segundo valores de convivência. O Direito é fenômeno histórico, mas não se acha inteiramente condicionado pela história, pois apresenta uma constante axiológica. O Direito é uma realidade cultural, porque é o resultado da experiência do homem. A bilateralidade é essencial ao Direito. A bilateralidade-atributiva é específica do fenômeno jurídico, de vez que apenas ele confere a possibilidade de se exigir um comportamento [7].
Miguel Reale afirma que: "mister é não olvidar que a compreensão do direito como ´fato histórico-cultural´ implica o conhecimento de que estamos perante uma realidade essencialmente dialética, isto é, que não é concebível senão como processus, cujos elementos ou momentos constitutivos são fato, valor e norma, a que dou o nome de ´dimensão´ em sentido, evidentemente, filosófico, e não físico-matemático" [8].
A experiência jurídica, como estrutura tridimensional, precisa ser compreendida como forma de uma experiência tridimensional de natureza normativo bilateral-atributiva. Tal caracterização se torna necessária porque a experiência jurídica é feita não só de pessoas e das coisas pertencentes ao mundo, mas também das valorizações daí decorrentes [9].
A tridimensionalidade, ao trabalhar com a experiência jurídica, tem como um dos seus traços a própria atualização dos valores e o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico 9.
A modelagem da experiência jurídica é feita, portanto, pelo jurista em contato direito com as relações sociais, como o faz o sociólogo, mas enquanto este se limita a descrever e explicar as relações existentes entre os fatos, em termos de leis causais ou motivacionais, o jurista opera mediante regras ou normas produzidas segundo o processo correspondente a cada tipo de fonte que espelha a solução exigida por cada campo de setores 9.
Miguel Reale não se limitou a vislumbrar na experiência jurídica a existência de outros fenômenos sociais além da norma, o que dá origem à Teoria Tridimensional: o que ocorreu foi minha progressiva convicção de que o tridimensionalismo deve ser por interior o mesmo para jurista, sociólogo e jusfilósofo, com a mudança apenas no enfoque do tema em apreço (...) que o jurista examina a norma jurídica em função do fato e do valor; o sociólogo o fato social em função dos dois fatores; e o filósofo do direito, o valor tendo em vista o fato e a norma [10].
O Direito não pode ser considerado um esquema puramente lógico, fechado, uma abstração, sem resultado prático. A razão de ser da ordem jurídica é observada na medida em que trouxer soluções práticas ao homem, sobretudo como ente social, no seu dia-a-dia. Segundo Anabela Rodrigues, jurista portuguesa, pode-se afirma que "uma estreita ligação entre normas jurídicas e realidade social é a premissa para a construção de um sistema que aspira a uma perspectiva de praticidade". O Direito deve estar voltado para o homem, ao seu bem estar social, ao seu livre desenvolvimento, à solução do que lhe ocorre ao longo da sua vida, não para as construções abstratas, para o além [11].
O direito é dinâmico porque o sentido de justiça se dá em “tensão” permanente. Essa dinâmica só pode ser percebida se levarmos em conta as outras dimensões do direito que são valor e fato. Pra entender tridimensionalidade do direito, é preciso entender a relação entre valor, fim e dever-ser. O axiológico se manifesta em teleológico, fundando o deontológico. O fim (teleológico) é determinado com base no valor (axiológico). Para se atingir o fim é preciso escolher meios adequados, que se transformam em dever-ser (deontológico) [12].
A descoberta e a escolha de valores têm fator emocional, afetivo, mas a escolha dos meios adequados envolve a dimensão racional, pois se trata de adequação de meios a fins, causas e efeitos 12.
Ressalta-se, ainda, que Miguel Reale afirma que “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo”13.
Em suma, o termo “tridimensional” pode ser compreendido como traduzindo um processo dialético, no qual o elemento normativo integra em si e supera a correlação fático axiológica, podendo a norma, por sua vez, converte-se em fato, em um ulterior momento do processo, mas somente com referência e em função de uma nova integração normativa determinada por novas exigências axiológicas e novas intercorrências fáticas. Desse modo, quer se considere a experiência jurídica, estaticamente, na sua estrutura, quer em sua funcionalidade, ou projeção histórica, verifica-se que ela só pode ser compreendida em termos de normativismo concreto, consubstanciado-se nas regras de direito toda a gama de valores, interesses e motivos de que se compõe a vida humana, e que o intérprete deve procurar captar, não apenas segundo as significações particulares emergentes da “praxis social”, mas também na unidade sistemática e objetiva do ordenamento vigente[13].
Notem que o tridimensionalismo não serve somente para a área do direito, mas para qualquer atividade cultural. Como podemos observar, o artista, inspirado ante certa realidade factual, projeta a sua preferência valorativa, impressionista ou expressionista, por exemplo, e esta se concretiza numa forma expressa por uma pintura ou um escultura. Ora, o que é forma para o artista, é norma para jurista. A norma é forma que jurista usa para expressar o que deve ou não deve ser feito para realização de um valor ou impedir a ocorrência de um desvalor [14].
Nenhuma expressão de beleza é toda a beleza. Uma estátua ou um quadro, por mais belos que sejam não exaurem as infinitas possibilidades do belo. Assim, no mundo jurídico, nenhuma sentença é a Justiça, mas um momento de Justiça. Se o valor e o fato se mantêm distintos, exigindo-se reciprocamente, em condicionalidade recíproca, podemos dizer que há entre eles um nexo ou laço de polaridade e de implicação. Como, por outro lado, cada esforço humano de realização de valores é sempre uma tentativa, numa conclusão, nasce dos dois elementos um processo, que denominamos “processo dialético de implicação e polaridade”, ou, mais amplamente, “processo dialético de complementariedade”, peculiar à região ôntica que denominamos cultura [15].
A Teoria Tridimensional do Direito se fez necessária com o objetivo de integrar a norma jurídica aos fatos e valores do ser humano, uma vez que uma norma jurídica, sem sofrer mudanças com o passar do tempo, torna-se obsoleta, ou seja, a justificativa para tais alterações são justamente essa necessidade de adaptação das normas, aos fatores e valores no tempo me no espaço. Segundo o professor Soares “(...) quando uma norma deixa de corresponder às necessidades da vida, ela deve ser revogada, para nova solução normativa adequada, o que nos revela a riqueza das soluções que a vida jurídica apresenta” . Desta maneira, podemos concluir que a Teoria Tridimensional prova ser o Direito uma ciência dinâmica, que acompanha as transformações dos fatos ocorridos nas relações sociais, dependendo do momento histórico e valores vividos pelo homem que se encontra em constante evolução [16].
REFERÊNCIAS
1 - SOARES, Luís Eduardo Leança. Preliminares ao Estudo da Teoria Tridimensional do Direito. Disponível em: http://br.geocities.com/jurismeta/filosofia/preliminares.htm
2 - Teoria Tridimensional do Direito Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_Tridimensional_do_Direito
3 - BAGATELLI, Marizete F.R. Definição de Direito à Luz de correntes específicas (axiológica, sociológica e normativista) e a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reali. Disponível em: www.forumjuridico.org/index.php?act=Attach&type=post&id=10464
4 - NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 30ª Ed. Ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 438 p.
5 - PENHA, Álvaro Mariano da. Conceitos de direito e a tridimensionalidade jurídica. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2619
6 - TAGLIAVINI, João Virgílio Teoria Tridimensional do Direito segundo Miguel Reale. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?gbv=2&hl=pt-BR&q=author:%22Reale%22+intitle:%22Teoria+tridimensional
+do +direito%22+&um=1&ie=UTF-8&oi=scholarr
7 - SILVA NETO, Francisco da Cunha Teoria Tridimensional do Direito em Miguel Reale. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/franciscodacunhaesilvaneto/teoriatridimensional.htm
8- ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Doutrina: TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: BREVES CONSIDERAÇÕES. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&coddou=3642
9 - GOLDONI, Lilian Rosana. Aspectos Relevantes sobre a Teoria Tridimensional. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11308
[1] SOARES, Luís Eduardo Leança. Preliminares ao Estudo da Teoria Tridimensional do Direito. Disponível em: http://br.geocities.com/jurismeta/filosofia/preliminares.htm
[2] Teoria Tridimensional do Direito Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_Tridimensional_do_Direito
[3] BAGATELLI, Marizete F.R. Definição de Direito à Luz de correntes específicas (axiológica, sociológica e normativista) e a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reali. Disponível em: www.forumjuridico.org/index.php?act=Attach&type=post&id=10464
[4] NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 30ª Ed. Ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 438 p.
[5] PENHA, Álvaro Mariano da. Conceitos de direito e a tridimensionalidade jurídica. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2619
[6] TAGLIAVINI, João Virgílio Teoria Tridimensional do Direito segundo Miguel Reale. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?gbv=2&hl=pt-BR&q=author:%22Reale%22+intitle:%22Teoria+tridimensional
+do+direito%22+&um=1&ie=UTF-8&oi=scholarr
[7] Teoria Tridimensional do Direito Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_Tridimensional_do_Direito
[8] ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Doutrina: TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: BREVES CONSIDERAÇÕES. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&coddou=3642
[9] SILVA NETO, Francisco da Cunha Teoria Tridimensional do Direito em Miguel Reale. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/franciscodacunhaesilvaneto/teoriatridimensional.htm
[10] GOLDONI, Lilian Rosana. Aspectos Relevantes sobre a Teoria Tridimensional. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11308
[11] ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Doutrina: TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: BREVES CONSIDERAÇÕES. Disponível em: http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&coddou=3642
[12] TAGLIAVINI, João Virgílio Teoria Tridimensional do Direito segundo Miguel Reale. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?gbv=2&hl=pt-BR&q=author:%22Reale%22+intitle:%22Teoria+tridimensional
+do+direito%22+&um=1&ie=UTF-8&oi=scholarr
[13] SILVA NETO, Francisco da Cunha Teoria Tridimensional do Direito em Miguel Reale. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/franciscodacunhaesilvaneto/teoriatridimensional.htm
[14] SOARES, Luís Eduardo Leança. Preliminares ao Estudo da Teoria Tridimensional do Direito. Disponível em: http://br.geocities.com/jurismeta/filosofia/preliminares.htm
[15] SILVA NETO, Francisco da Cunha Teoria Tridimensional do Direito em Miguel Reale. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/franciscodacunhaesilvaneto/teoriatridimensional.htm
[16] GOLDONI, Lilian Rosana. Aspectos Relevantes sobre a Teoria Tridimensional. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11308
Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe; Acadêmica de Direito da Universidade Tiradentes - UNIT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Kristiane Ferreira da Silva. Teoria Tridimensional do Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2010, 01:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21852/teoria-tridimensional-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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