INTRODUÇÃO
Este Artigo tem a finalidade de trazer à baila os elementos necessários para a compreensão do Neopositivismo como nova corrente epistemológico-jurídica que superou o legalismo estrito do Positivismo Normativista, notabilizando-se pela ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais. Trata-se de nova vertente do pensamento jurídico que, sob uma perspectiva principiológica, influenciou decisivamente a formação de uma moderna hermenêutica constitucional. Por conseguinte, nesse novo contexto de efetividade aos paradigmas principiológicos, se consolidou, principalmente nos nossos tribunais, o fenômeno jurídico nominado Ativismo Judicial.
DESENVOLVIMENTO
No decorrer de seu transcurso histórico, a evolução do pensamento positivista da modernidade promoveu um reducionismo do fenômeno jurídico, identificando o Direito com a lei, divorciando a ciência jurídica da realidade fático-valorativa, bem como dos preceitos ético-morais. Entendia-se que o Poder Legiferante, mediante a elaboração de regras legislativas, poderia disciplinar pormenorizadamente o pluralismo dinâmico das relações sociais. Defendia a concepção de que o Sistema Jurídico era composto tão somente de um subsistema, o normativo, desvinculado dos subsistemas fático e axiológico. Atrelados a esse entendimento, os positivistas asseveram que a única interpretação capaz de assegurar um das funções mais significativas do direito que é a realização justiça, seria a interpretação filológica, literal também chamada de gramatical, por reproduzir puramente o pensamento do legislador. Por conseguinte, segundo o professor Ricardo Maurício Soares, a aplicação da norma jurídica, aos casos concretos se limitaria a uma neutra operação lógico-formal - a subsunção – e, como tal refratária aos valores sociais (SOARES, 2010, p. 56).
A superação histórica do jusnaturalismo e o declínio político do positivismo desencadearam na seara jurídica o processo de projeção de uma nova corrente epistemológico-jurídica que propôs reflexões substanciais acerca do Direito, sua função social e sua interpretação (BARROSO, 2006, p. 349). Assim, abriu-se margem para que fossem oferecidos novos tratamentos cognitivos ao fenômeno jurídico, de molde a conceber o Ordenamento Jurídico como um sistema plural e, portanto, aberto aos influxos dos fatos e valores sociais da realidade cambiante. Nessa nova ambientação foi se erguendo um novo paradigma de reflexão jurídica – o Pós-Positivismo (SOARES, 2010, p. 56).
Na visão de Luís Roberto Barroso o pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem o resgate de valores, a distinção qualitativa entre princípios e regras, a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre o Direito e a Ética (2006, p. 385).
A teoria pós-positivista, segundo Barroso, consubstanciada no constitucionalismo, promoveu uma modificação de paradigma, evidenciando a força normativa da Constituição além de um novo mecanismo de encarar e interpretar o direito, na busca de um processo legítimo, eficaz e apto à efetiva tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Trata-se de nova concepção epistemológico-jurídica que promoveu uma reconstrução na ciência do direito ao defender o caráter normativo dos princípios, implícitos ou explícitos, espraiados na Constituição Federal, bem como a aplicação direta destes aos casos concretos submetidos ao crivo do poder judiciário, notadamente diante da ausência de previsão legislativa. Nessa nova ambientação os princípios jurídicos, outrora considerados como meros instrumentos secundários ou auxiliares na função de colmatar as vaguidades jurídicas, são considerados, hodiernamente, em razão do novo sopro que oxigena a ciência jurídica contemporânea, chamado de pós-positivismo, autênticos elementos de concretização jurisdicional.
No que se refere ao Ativismo Judicial trata-se de fenômeno jurídico que se consubstancia como manifestação cristalina do Neopositivismo, estando visceralmente ligados, caracteriza-se pela participação ativa dos magistrados na proteção dos princípios constitucionais, controlando a atividade dos demais poderes (principalmente sobre suas omissões e excessos), por meio do viés constitucional, tutelando axiologicamente os direitos fundamentais, especificamente aqueles que dizem respeito à dignidade da pessoa humana.
Luís Roberto Barroso, em seu Artigo sobre Judicialização, Ativismo, e Legitimidade Democrática assevera que:
A idéia de ativismo está associada a uma participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos princípios, valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição Federal a situações não expressamente contempladas em seu texto, independentemente da manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador; (iii) a imposições de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas (BARROSO, <http:// www.oab.br/oabeditora/users/revista/pdf, p. 6).
É mister incrementar que, segundo Luis Flávio Gomes, existem duas formas de ativismo judicial: o inovador, que se materializa quando o juiz cria uma norma de concreção a fim de solucionar um caso concreto; e o ativismo revelador, que ocorre quando o juiz, a partir de paradigmas principiológicos e axiológicos, ou ainda diante de uma regra lacunosa, cria um direito calcado na realidade fático-valorativa. Nesta última modalidade o Órgão Judicante chega a inovar o Arcabouço Jurídico, não no sentido de criar uma nova norma, mas no de complementar o entendimento de um princípio, de um valor constitucional ou de uma regra lacunosa (GOMES, 2009).
Hodiernamente temos vivenciado a Suprema Corte proferir várias decisões de natureza nitidamente ativista-concretista, dando total preponderância aos princípios, implícitos ou explícitos, espraiados na Lei Magna, a título de exemplo pode-se citar a recente decisão sobre a vedação do nepotismo aos Poderes Legislativo e Executivo, que deu origem à súmula vinculante nº. 13, não obstante a ausência de decisões reiteradas. Neste caso percebe-se que o Supremo Tribunal Federal, lastreando-se nos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, criou uma vedação que não estava explicitada em qualquer mandamento constitucional ou infraconstitucional.
O posicionamento ativista do Pretório Excelso também foi materializado na decisão proferida no julgamento de Mandado de Segurança interposto por partidos políticos acerca da fidelidade partidária. Em tal decisão o STF, dando preeminência ao princípio democrático, declarou que a vaga no Congresso pertence ao partido político. Assim procedendo, a Suprema Corte criou uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar além das que se encontram expressamente catalogadas no bojo do texto constitucional (BARROSO, p. 8.). Isso é, sem dúvida, manifestação cristalina do ativismo judicial no Ordenamento Jurídico Pátrio, além de caracterizar autêntica interpretação Hermenêutico-jurisdicional, haja vista a atitude do Poder Judiciário em dar maior efetividade às normas (princípios e regras) constitucionais.
Outra hipótese de ativismo judicial se vislumbra, segundo Luís Roberto Barroso, na “imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matérias de Políticas Públicas, o exemplo mais notório é o da distribuição de medicamentos e determinação de terapias mediante decisões judiciais” (BARROSO, p. 8-9). Não só na Suprema Corte mas em todo Poder Judiciário brasileiro proliferam-se decisões que condenam a União, o Estado, o Município, ou, em alguns casos, os três solidariamente, a custear medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais ou Municipais. Nesse sentido já se manifestou o STF (Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada, nº. 175/CE), ao proferir decisão compelindo a União a fornecer a paciente, portador de raríssima doença neurodegenerativa, o medicamento identificado como Zavesca, malgrado este, por seu alto custo, não tenha sido contemplado pela Política Farmacêutica da Rede Pública. Trata-se de decisão que deu efetividade a preceitos fundamentais da Constituição Federal (artigos 5º, caput, e 196), concretizando o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, e com preponderância em relação ao interesse financeiro do Estado (juízo de razoabilidade).
Na mesma linha de raciocínio, a Súmula vinculante nº. 11 do Supremo Tribunal Federal ao exigir as razões por escrito da excepcionalidade do uso de algemas, inovou no Ordenamento Jurídico, tendo em vista a inexistência de lei prevendo tal situação. A exigência de uma motivação por escrito, justificadora do uso de algemas, caracteriza claramente a decisão ativista-concretista da Suprema Corte. No julgamento do HC 91.952/SP, que impulsionou a criação do aludido preceito sumular, o STF reconheceu que o uso indiscriminado de algemas viola frontalmente os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e o da não-culpabilidade. Ademais é necessário ressaltar que tal regramento sumular foi criado não obstante a inexistência de decisões reiteradas, circunstância essa que caracteriza o ativismo judicial da Suprema Corte.
Malgrado tenha sido fortemente criticada e considerada como uma espécie de intromissão indevida do judiciário na atividade legiferante do Poder Legislativo, a atitude ativista-concretista do Poder Judiciário contemporâneo, especificamente do STF, dentro do novo modelo instaurado a partir do pós-positivismo, é induvidosamente, proporcional, adequada e necessária como meio eficaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais e atender aos reclamos sociais.
É inegável que o Direito é uma realidade dinâmica que abarca normas, fatos e valores, isomórficos entre si, devendo haver correlação entre eles, mas com suscetibilidade de surgir vaguidades jurídicas devido à quebra da isomorfia entre tais elementos. Assim, partindo da idéia de que o Direito é uma realidade fático-axiológico-normativa, mas com possibilidade de apresentar lacunas de várias espécies (normativa, axiológica, ontológica, de colisão, etc.) devido a incessante mutabilidade social (DINIZ, 2003, p. 68), é que exsurge a necessidade jurídica do Órgão judicante, diante da crise de funcionalidade do Poder Legiferante e em atenção ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, de decidir o caso sub judice concretizando os paradigmas principiológicos espraiados na Lei Magna.
Luís Roberto Barroso tecendo comentário sobre as razões do ativismo judicial no Brasil, invocou duas causas, ao asseverar que:
A nova composição do STF, por Ministros bastante preocupados com a concretização dos valores e princípios constitucionais; e a crise de funcionalidade do Poder Legislativo, que estimula tanto a emissão de Medidas Provisórias pelo Executivo como o ativismo judicial do judiciário. Todo poder quando não exercido (ou quando não bem exercido) deixa vácuo e sempre existe alguém pronto para preencher esse espaço vazio por ele deixado (O Globo, 22.03.09, p.4) - (BARROSO, 2009, p. 4).
Expendendo argumentações a favor da postura ativista-concretista da Suprema Corte, Dirley Cunha pontifica que:
O Estado, inclusive o Estado Brasileiro, está submetido ao ideal de uma democracia substantiva ou material, pelo que as eventuais inércias do Poder Legislativo e do Poder Executivo devem ser supridas pela atuação do Poder Judiciário, mediante mecanismos jurídicos previstos pela própria Constituição que instituiu um Estado Democrático de Direito (2004, p. 107).
O Professor Ricardo Maurício Freire Soares na obra - Hermenêutica e Interpretação Jurídica – citando Alexy, proclama que:
Sobre os princípios jurídicos, sustenta Alexy (2001, p. 248) que a sua formulação forma uma classe final. Princípios são proposições normativas de um tão alto nível de generalidade que podem, via de regra, não ser aplicados sem o acréscimo de outras premissas normativas, e habitualmente, são sujeitos às limitações por conta de outros princípios (2010, p. 62).
Em outra passagem de sua Obra, o citado Professor enfatiza que:
Deste modo, como se infere dos contributos de Perelman, Dworkin e Alexy, a difusão deste novo paradigma pós-positivista, na esteira da crise da modernidade, pode oferecer um instrumental metodológico mais compatível com o funcionamento das ordens jurídicas atuais, sobretudo, no sentido de viabilizar uma interpretação/aplicação do Direito preocupada com a realização dos valores enunciados pelos princípios jurídicos (SOARES, 2010, p. 62).
Não obstante o entendimento esposado por alguns juristas, refutando a idéia de aplicação direta dos princípios constitucionais sem lastro normativo ordinário ou regulamentador, argumentando o seu elevadíssimo grau de generalidade, ousamos dissentir de tais asserções justamente porque a crise de funcionalidade do Poder Legiferante não pode atravancar a dinâmica do Direito, os avanços da ciência jurídica. Diante das vaguidades jurídicas sejam elas de natureza ontológica, axiológica, ou até mesmo normativa, o Órgão Judicante tem o dever de formular uma norma de concreção balizando-se na realidade fático-valorativa para dar efetividade aos direitos fundamentais epigrafados na Constituição Federal.
Conclusão
Hodiernamente, conforme dito, em razão do novo sopro que oxigena a ciência jurídica contemporânea, denominado pós-positivismo é indispensável dar prevalência e concreção aos paradigmas principiológicos previstos na Constituição mesmo na ausência de previsão normativa ordinária ou regulamentária, pois a inércia do Poder Legislativo não pode atravancar os avanços da Ciência jurídica. Por conseguinte, não labora em erro a Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo ao proferir decisões de natureza ativista objetivando tutelar direitos fundamentais em demandas da sociedade que não foram satisfatoriamente disciplinadas ou regulamentadas pelo Congresso Nacional, consoante as hipóteses aventadas neste trabalho científico, e ainda quanto ao exercício do direito de greve. Assim podemos asseverar que o Poder Judiciário ao assumir uma posição ativista de concretização de princípios constitucionais está assegurando, induvidosamente, a realização de justiça no caso concreto, e assim, cristalizando a função social do direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
__________.Judicialização, Ativismo e Legitimidade democrática. Disponível em < http: //www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em 05 jul.2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, vol 1, 68 e 69 p.
GOMES, Luís Flávio, Jus2.uol.com.br/doutrina/texto asp?id=12921. Acesso em 05 jul.2010.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009.
KONRAD, Hesse. A Força Normativa da Constituição: Die normative Krafder Verfassung. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e Interpretação Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.
Bacharel em Direito. Servidor Público. Pós-Graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Eduardo Farias. O pós-positivismo e o ativismo judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2010, 21:59. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21853/o-pos-positivismo-e-o-ativismo-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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