Inicialmente, tem-se que, diversos tem sido os fundamentos utilizados pelos Juízes de Direito, com a finalidade de embasar o indeferimento de realização de diligências requeridas pelo Ministério Público no bojo de um processo criminal. Dentre eles, destacam-se a promoção de metas pelo Conselho Nacional de Justiça, com o intuito, inclusive, de reduzir a utilização de materiais, a exemplo de folhas de papel, e de mão de obra.
Ocorre que, as decisões de indeferimento acima mencionadas se encontram em dissonância com o preconizado pelo ordenamento jurídico pátrio, principalmente, no que toca aos processos de competência do Tribunal do Júri.
Nesse sentido, depreende-se do ordenamento jurídico pátrio que o processo penal brasileiro é regido pelo Princípio da Busca da Verdade Real, ou seja, possui o processo penal a finalidade precípua de alcançar a verdade dos fatos. Nesse sentido, cumpre salientar que o destinatário da prova é o Magistrado, no caso de processos do Tribunal do Júri, em momento posterior, os integrantes do Conselho de Sentença, este Juiz Natural da Causa.
Sendo assim, o interesse maior na elucidação das circunstâncias que envolvem o evento delitivo compete também ao Magistrado, ou seja, o Juiz, de igual forma, deve buscar a verdade real. Tal interesse não rege somente as partes. Logo, alcança a atividade jurisdicional. Como corolário de tal princípio, encontra-se a previsão legal de que pode o Juiz de Direito determinar a produção de provas que entenda relevantes, para alcançar este mister.
A esse respeito, ensina Edilson Mougenot Bonfim1:
6.6. Princípio da verdade real
Toda a atividade processual, em especial a produção de prova, deve conduzir ao descobrimento dos fatos conforme se passaram na realidade. O conjunto instrutório deve refletir, no maior grau de fidelidade possível, os acontecimentos pertinentes ao fato investigado.
(…)
O dever de produção de provas não é apenas das partes, portanto. Havendo interesses maiores em discussão, as provas são produzidas em favor da sociedade. Para tanto, além das próprias partes, também o órgão julgador deverá diligenciar na busca de todos os elementos que permitam a reconstrução dos acontecimentos levados a juízo. Nesse sentido, o juiz, por expressa previsão legal, poderá determinar a produção de provas que repute relevantes (art. 156 do CPP).
Corroborando este entendimento, encontra-se o Superior Tribunal de Justiça, a exemplo da seguinte decisão.
Processo AgRg no Ag 1216282 / SP
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009/0158308-0
Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120)
Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento 06/04/2010
Data da Publicação/Fonte DJe 03/05/2010
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 183 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRECLUSÃO DA APRESENTAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO DE DECLARAÇÃO PRESENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO JUNTADO AOS AUTOS. ANÁLISE DO JUÍZO A QUO COM BASE NO CONJUNTO-FÁTICO PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 7 DESTA CORTE.
1. Não há que se falar em preclusão da produção de prova testemunhal para o julgador, que pode, em busca da verdade real dos fatos, realizar diligências ou admitir provas, desde que oportunize à parte contrária o exercício do contraditório, o que ocorreu no caso dos autos. A prova é produzida para o juiz e não para as partes. Precedentes.
2. Ademais, foi colacionado aos autos o "Termo de Esclarecimento" da testemunha ROBERVALDO DOMINGOS DE LIMA, oriundo do Processo Administrativo n.º 23.800-7 que embasou a Portaria de Demissão n.º 011.01.2.000, de onde o julgador de 1.º grau poderia obter informações semelhantes às juntadas posteriormente (às fls. 26/28).
3. Conclui-se, assim, que a convicção do juízo a quo calcou-se no conjunto fático-probatório dos autos. Desse modo, a reforma do acórdão recorrido demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça.
4. Agravo regimental desprovido.
(grifo nosso)
Em processos pertinentes ao Tribunal do Júri, o Princípio da Verdade Real alcança maior realce, razão pela qual, inclusive, deve o Magistrado presidente se preocupar com as provas que merecem ser produzidas. Nesse diapasão, cumpre salientar que, em um segundo momento, o que foi produzido em fase instrutória perante o Juiz de Direito, deverá ser reproduzido para o Conselho de Sentença. Este, por seu turno, formado por pares, carecem, em regra, de conhecimento jurídico e de conhecimento acerca dos fatos e das circunstâncias que envolvem o processo a ser julgado.
Por estas razões, tudo que estiver ao alcance das partes e do Poder Judiciário deve ser feito, com a única finalidade de instruir adequadamente os naturais julgadores da causa, com o objetivo precípuo de assegurar ao acusado a plenitude de defesa. Aqui reside a crucial importância do cumprimento das diligências requeridas pelo Ministério Público, uma vez que as mesmas interferem em diversos pontos da trajetória do processo.
Destarte, com fulcro no Princípio da Verdade Real, não podem as diligências requeridas pelo Ministério Público ser indeferidas. Outrossim, deve-se acrescentar o fato de que não dispõe o Ministério Público, em regra, de estrutura cartorária para efetivar o cumprimento das citadas diligências. Logo, inequivocadamente evidenciada está a impossibilidade de o Ministério Público realizar as diligências requeridas ao Poder Judiciário.
O Superior Tribunal de Justiça compartilha deste mesmo entendimento, consoante se depreende da decisão abaixo transcrita.
Processo REsp 820862 / SC
RECURSO ESPECIAL 2006/0033782-3
Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120)
Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento 17/08/2006
Data da Publicação/Fonte DJ 02/10/2006 p. 310
RT vol. 856 p. 558
Ementa
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. RECLAMAÇÃO. REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO JUÍZO LOCAL. CAPACIDADE DE REALIZAÇÃO PELO PRÓPRIO PARQUET. ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL. DESNECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA HIPÓTESE VERTENTE.
1. A Constituição Federal preceituou acerca do poder requisitório do Ministério Público para que pudesse exercer, da melhor forma possível, as suas atribuições de dominus litis e a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
2. Ressalte-se que o referido poder conferido ao Parquet não impede o requerimento de diligências ao Poder Judiciário, desde que demonstre a incapacidade de sua realização por meios próprios. Precedentes.
3. Na hipótese vertente, contudo, o Ministério Público requereu ao Juízo diligências para localizar as testemunhas arroladas na denúncia, sem demonstrar existir empecilho ou dificuldade para tanto.
4. Recurso especial desprovido.
(grifo nosso)
Em derradeiro, a esse respeito, cumpre salientar que ao Magistrado não cabe simplesmente indeferir diligências solicitadas pelas partes, mormente quando se tratam de requerimentos indispensáveis a boa produção de prova no processo. Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
Processo RHC 20176 / SP
RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2006/0203025-8
Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)
Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento 01/12/2009
Data da Publicação/Fonte DJe 18/12/2009
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS A EMPRESAS E ÓRGÃOS. PRETENSÃO DE COMPROVAR A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. PEDIDO INDEFERIDO PELO MAGISTRADO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Esta Corte já decidiu, por inúmeras vezes, que o deferimento de diligências é ato discricionário do magistrado, que pode negar os pedidos que considerar protelatórios ou desnecessários, desde que em decisão devidamente fundamentada.
2. No confronto entre o fundamento do Juiz - de que cabe à parte produzir as provas pretendidas - e o argumento da defesa - de que a recorrente, em razão da falência da empresa, não mais possui meios para obter os documentos que comprovariam a inexigibilidade de conduta diversa -, deve prevalecer aquele que beneficia a ampla defesa, o contraditório e a busca da verdade real, ou seja, o da defesa.
3. Embora caiba ao magistrado, de maneira discricionária, decidir pela conveniência da prova, a motivação por ele utilizada pode ser objeto de avaliação. E na hipótese, não tendo o magistrado afirmado que a prova seria desnecessária ou protelatória, e diante da razoabilidade da alegação da defesa, é evidente o constrangimento ilegal.
4. Recurso provido para determinar que sejam produzidas as provas requeridas pela defesa, com a expedição de ofícios aos órgãos e empresas apontados, abrindo-se, após, prazo para a manifestação das partes sobre a prova acrescida, antes da prolação da sentença.
(grifo nosso)
Dessa maneira, ao não demonstrar em sua decisão, eis que ausente de fundamentação nesse sentido, de que a prova requerida é dispensável e irrelevante, não pode o Magistrado simplesmente indeferir a realização de diligência para a sua obtenção, consoante se infere da decisão acima.
Superadas tais considerações acerca do Princípio da Verdade Real, passa-se aos comentários acerca do cristalino cerceamento de acusação verificado em casos de indeferimento de diligências requeridas pelo Parquet.
O Magistrado, ao indeferir as diligências já mencionadas, além de violar frontalmente o Princípio da Verdade Real, ocasiona nítido cerceamento de acusação. Aqui, o MM Juiz impede que o Ministério Público exerça seu munus de maneira plena e inequívoca. Ou seja, com as decisões em comento quem perde, em suma, é a sociedade, considerando-se que, ao ser defendida pelo Ministério Público, não pode ser defendida de forma adequada.
Em assim sendo, trata-se de ato arbitrário que, além de violar o Princípio da Verdade Real, implica em necessário cerceamento de acusação.
Ante o exposto, pode-se concluir que o indeferimento de diligências requeridas pelo Ministério Público, em sede de processos criminais, em especial, nos processos de competência do Tribunal do Júri, encontra-se em total dissonância com os preceitos jurídicos pátrios, uma vez que, além de violar frontalmente o Princípio da Busca da Verdade Real, implica em necessário cerceamento de acusação.
Nota:
1BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007, p. 48/49.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe - especialidade Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALVIANO, Helen Martha Dias. Da impossibilidade de indeferimento de diligências requeridas pelo Ministério Público em processos de competência do Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2010, 08:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21905/da-impossibilidade-de-indeferimento-de-diligencias-requeridas-pelo-ministerio-publico-em-processos-de-competencia-do-tribunal-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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