1.Introdução
O presente trabalho aborda as peculiaridades da ação declaratória de constitucionalidade, espécie de ação direta de controle concentrado de constitucionalidade que foi introduzida em nosso ordenamento jurídico com a Emenda Constitucional n º 3, de 1993.
Como esta ação tem um procedimento especial, estabelecido pela lei 9868/1999, que traz dentre outras peculiaridades a ausência de réu e de contestação, a impossibilidade da intervenção de terceiros, a irrecorribilidade da decisão, a vedação da desistência da ação e que possibilita a decisão vinculante, grande interesse surgiu em verificar estas regras processuais, a funcionalidade desta ação, sua regularidade e constitucionalidade.
Fora especialmente analisado o controle concentrado de constitucionalidade através da ação declaratória, retratando como surgiu, demonstrando a necessidade de instrumentos de controle concentrado, uma vez que não era lógico e atentava contra a própria harmonização e conciliação das decisões judiciais, que o Judiciário mantivesse milhares de processos em tramitação, quando o STF, com uma única decisão, pudesse pôr fim a essas inúmeras controvérsias, o que resguardaria o princípio da isonomia, já que decisões conflitantes ensejam tratamento desigual de situações iguais.
Posteriormente, foram analisadas as peculiaridades processuais trazidas pela lei 9868/99 na ação declaratória de constitucionalidade, onde de forma clara e precisa comentou-se todo o processo e o julgamento da ADC, dispondo sobre a legitimidade ativa para sua interposição, restrita a algumas autoridades, órgãos e entidades.
Estabeleceram-se os requisitos especiais da petição inicial da ADC, cujo ajuizamento faz instaurar processo objetivo de controle normativo abstrato, supondo a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal e a impossibilidade de desistência desta ação devido à presença do interesse público em garantir-se a supremacia das normas constitucionais, consubstanciada no princípio da indisponibilidade da instância.
Esta ação direta não admite litisconsórcio ativo, passivo ou a intervenção assistencial de terceiro concretamente interessado, em face da natureza abstrata desta espécie de controle, incompatível com o acesso de terceiros interessados somente em defender seus direitos subjetivos.
Esta pesquisa foi desenvolvida tendo como base o estudo de leis, artigos, jurisprudências e principalmente da doutrina objetivando-se descobrir quais eram as peculiaridades processuais da Ação Declaratória de Constitucionalidade, disciplinada pela lei 9868/99.
2.Noções Gerais da Ação Declaratória de Constitucionalidade
A Ação Declaratória de Constitucionalidade, também chamada Ação Direta de Constitucionalidade é meio processual de garantia da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, consubstanciada no controle jurisdicional concentrado, por via de ação direta.
Foi instituída pela Emenda Constitucional nº 03/93, alterou o art. 102, I, a , 2ª parte ,criando o §2º do art 102 e o § 4º do art. 103 da CF. Depois, mereceu regulamentação pela Lei nº 9.868 de 10/11/99 , sofrendo ainda em 2004 algumas alterações pela Emenda Constitucional n º 45.
A idéia inicial de inseri-la na Constituição Federal surgiu, ainda, no governo Collor, como modo de frear as inúmeras controvérsias surgidas em torno da constitucionalidade de certas leis e medidas provisórias.
Tantas controvérsias existiam a cerca da constitucionalidade dos atos normativos elaborados neste período em que Brasil enfrentava um período de crises, com alta inflação, sucessão de planos econômicos, mudanças na legislação fiscal, passando a haver uma grande procura por soluções para conter o aumento do número de processo que assolou a justiça brasileira.
Na procura de novas soluções, que pudessem resolver os problemas existentes, diante da verdadeira avalanche de processos, que assolou a Justiça, tanto em virtude de sucessivos planos econômicos heterodoxos como de uma legislação fiscal que nem sempre atendeu aos princípios constitucionais, várias idéias e técnicas novas foram propostas.
Assim, os eminentes professores Ives Gandra Martins e Gilmar Ferreira Mendes propuseram, em artigo publicado na imprensa e em revista especializada, que se desse efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal.(Wald, 1996, p.18).
A ação declaratória de constitucionalidade, sendo uma ação que realiza o controle abstrato, tendo um processo objetivo e tendo como finalidade a defesa da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, tem sido objeto de grandes controvérsias, posto que com a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, foi trazida uma série de inovações no cenário jurídico.
3. Finalidade e Utilidade da ADC
Na sociedade liberal, o direito dependia basicamente do legislador; hoje, a sociedade técnica e de massa, busca o juiz como o guardião de seus valores, de seu aperfeiçoamento e de sua própria evolução. Essa busca desenfreada acaba por causar um congestionamento do Judiciário.
Daí a necessidade de instrumentos de controle concentrado, asseveram os defensores da ação, posto que não é lógico e atenta contra a própria harmonização e conciliação das decisões judiciais, que o Judiciário mantenha milhares de processos em tramitação no Brasil inteiro, quando o STF, com uma única decisão, poderia pôr fim a essas inúmeras controvérsias, tornando desnecessários milhares de processos.
Observe-se, ainda, que os conflitos judiciais de grandes proporções atentam contra o desenvolvimento econômico, social e político do país e, ainda, depõem desfavoravelmente contra a supremacia da Constituição e da segurança jurídica.
Alinha-se, ainda, como defesa da ADC, a emergência de se amparar importante lesão ao princípio da isonomia, posto que decisões conflitantes ensejam tratamento desigual de situações iguais.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade a ação que tem por finalidade confirmar a constitucionalidade de uma lei federal ou ato normativo. O objetivo da ADC é garantir que a constitucionalidade da lei não seja questionada por outras ações.
A ADC é um dos instrumentos de controle concentrado de inconstitucionalidade das leis. A própria norma é colocada à prova. O oposto disso seria o “controle difuso”, em que a constitucionalidade de uma lei é confirmada em ações entre pessoas (e não contra leis), onde a validade da norma é questionada para incidentalmente, se for o caso, ser aplicada ou não a uma situação de fato.
4. Objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade
A ação declaratória de constitucionalidade tem por objeto as leis ou atos normativos federais.
Cabendo ressaltar que a ação declaratória de constitucionalidade, assim como a ação direta de inconstitucionalidade não podem ter por objeto leis ou atos normativos municipais, posto que a Constituição só determina que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
O objeto da referida ação e lei ou ato normativo federal. Frise-se somente lei ou ato normativo federal, diferentemente do que ocorre com a ADIn genérica, cujo objeto engloba, também a lei ou ato normativo estadual ( cf. art.102, §2º ( LENZA, 2007, pg. 252.)
A partir disso, na doutrina chegaram a existir duas posições antagônicas, mas o STF por fim emitiu opinião afastando a interpretação com a ampliação dessa competência.
Enquanto algumas vozes na doutrina admitiam que a Constituição teria uma lacuna de formulação, e, por isso, a referência à lei estadual deveria contemplar também as leis municipais, sustentavam outras opiniões autorizadas que os Estados poderiam com base na autonomia estadual, instituir o modelo de ação direta com o objetivo de aferir a constitucionalidade da lei municipal. O Supremo Tribunal Federal não só afastou a possibilidade de aferição da constitucionalidade das leis municipais na via direta perante um tribunal estadual como recusou expressamente a ampliação de sua competência para aferir diretamente a constitucionalidade dessas leis, entendendo que tal faculdade para o controle fora confiada estritamente e destinava-se apenas à aferição de constitucionalidade de leis federais ou estaduais. A ampliação dessa competência por via de interpretação traduziria uma ruptura com o sistema.(MARTINS e MENDES, 2001, p.113).
Não existem controvérsias sobre a possibilidade de medidas provisórias serem objeto de controle concentrado de constitucionalidade, inclusive o Supremo Tribunal Federal tem concedido inúmeras liminares com o propósito de suspender a eficácia dessas medidas como ato dotado de força normativa, ressaltando, porém, a sua validade enquanto proposição legislativa suscetível de ser convertida ou não em lei[1].
Igualmente pacífico se afigura o entendimento segundo o qual “não prejudica a ação direta de inconstitucionalidade material de medida provisória a sua intercorrente conversão em lei sem alterações, dado que a sua aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigência , com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservada a identidade originária do seu conteúdo normativo, objeto de argüição de invalidade.[2]
Convindo ressaltar que não poderá ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade o direito pré-constitucional, embora seja reconhecido que anteriormente o Supremo tratava este tema como questão de preliminar, que haveria de ser decidida com o controle abstrato. Posteriormente, em favor do entendimento de que o processo do controle abstrato de normas destina-se, fundamentalmente, á aferição da constitucionalidade de normas pós-constitucionais a posição foi modificada. Devendo-se ressaltar que neste caso não mais haveria exame de constitucionalidade, mas exame da legalidade.
Tem o Supremo Tribunal Federal exigido que esses atos normativos sejam contemporâneos ao parâmetro constitucional de controle, vedando o controle abstrato de constitucionalidade do direito pré-existente. Desse modo, a ação direta de inconstitucionalidade não chega nem a ser conhecida, por entender-se que não seria o caso de exame de constitucionalidade (exame no plano de validade), mas sim de recepção ou não (exame no plano de vigência). Segundo o STF, a não recepção de uma norma pela Constituição não traduz a sua inconstitucionalidade superveniente e sim a sua revogação (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 183)
Também a ação de constitucionalidade não pode ter por objeto normas constitucionais originárias , assim afirmou Alexandre de Moraes.
As cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias inferiores em face de normas ou princípios constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites as Poder Constituinte derivado reformador, não englobando a própria produção originária.(2004, p. 631)
Atos regulamentares, com exceção dos definidos como autônomos também não podem ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade, pois a questão é de legalidade e não de constitucionalidade.
Sendo assim, só poderá haver ação declaratória de constitucionalidade tendo como objeto regulamento, quando este, no todo ou em parte, manifestamente não regulamente lei, sendo, portanto autônomo e necessitando de análise de compatibilidade com a Constituição para preservar o princípio da reserva legal.
Para José Afonso da Silva a verificação da constitucionalidade de leis ou atos normativos federais através desta ação não leva em conta a possível influência dos valores sociais.
5. Discussão sobre a constitucionalidade da ADC
Tratando-se de matéria muito controvertida na doutrina brasileira, várias foram as objeções de renomados autores, tais como:
a) Todo ato normativo é presumidamente constitucional até que seja retirado do ordenamento jurídico. Declarar que a atividade legislativa do Estado é legítima, parece desnecessário;
Neste sentido proclamou Ana Maria Scartezzini:
Assim, nem se declara a legitimidade do ato administrativo, nem a constitucionalidade da lei. O estado não necessita declarar que sua atividade é legítima, seja no exercício de sua competência legislativa, seja no de sua competência administrativa (1996, p. 7)
Inclusive Marcelo Figueiredo afirmou “A ação declaratória de constitucionalidade – inovação infeliz e inconstitucional.” (1996, p. 115)
6. Necessidade de Lei Regulamentadora.
A Constituição de 1988, com redação da EC 03/93 não exige a edição de lei formal para a vigência da Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Segundo Nagib Slaibi Filho :
Foi feliz o legislador constituinte em permitir, desde já, a aplicabilidade do novo remédio constitucional, independentemente de legislação complementar, que poderia simplesmente manietar seu desenvolvimento, mesmo porque seria incapaz, em matéria tão delicada, de prover cerebrinamente. Evitou , assim , o erro cometido quanto à argüição de descumprimento de preceito fundamental , sobre qual o texto da Carta de 1988 expressamente exigiu a lei complementar ( art. 102, §1º), o que até hoje não ocorreu, abortando relevante processo de garantia constitucional.(1998, p.89)
Segundo Alexandre de Morais :
A lei 9868, de 10-11-1999, estabeleceu o procedimento da ação declaratória de constitucionalidade, seguindo os preceitos básicos fixados pelo STF. Observe-se que, anteriormente a edição da lei, o STF havia fixado entendimento sobre a imediata aplicabilidade da ação declaratória de constitucionalidade, independentemente de lei reguladora de seu procedimento. A lei 9868/99 seguiu, em sua essência, o procedimento consagrado pretoriamente pela Corte Suprema (2003, p 2385).
7 . Legitimidade
Antes da Emenda Constitucional 45/2004, a ação declaratória de constitucionalidade podia ser proposta pelo Presidente da República, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa do Senado Federal e Procurador-Geral da República.
Com a revogação do § 4º do art. 103 da Constituição Federal e a nova redação do caput do art. 103, pela aludida emenda, os legitimados para a propositura da Ação Declaratória passaram a ser os mesmos da ADIn genérica , ou seja, aqueles acima citados e mais os seguintes: Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito Federal, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
No tocante aos legitimados, o STF prescreve que alguns devem demonstrar interesse na aludida representação, em relação à sua finalidade institucional. Todos os membros acima citados são neutros ou universais, possuidores de legitimação ativa universal, ou seja, não precisam demonstrar pertinência temática, exceto os dos incisos IV- Mesa da Assembléia Legislativa( e como vimos, também da Câmara Legislativa Distrital) ; V- Governador de Estado ( também governador do DF) e IX- confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, que são autores interessados ou especiais, ou seja, devem demonstrar o interesse na propositura da ação relacionado à sua finalidade institucional. ( LENZA, 2007, pg. 217)
De acordo com Alexandre de Moraes “Pertinência Temática definida como o requisito objetivo da relação de pertinência entre a defesa do interesse específico do legitimado e o objeto da própria ação” (2004, p.636)
8. Características
De acordo com Clèmerson Merlin Cleve identificam-se as seguintes características na ADC
a) processo objetivo , essencialmente unilateral , não contraditório , sem partes , no qual há um requerente , mas não há necessariamente um requerido ;
b) processo que pode ser instaurado independente de demonstração de interesse específico e que tem por objetivo não dar uma solução a determinada pretensão deduzida por parte interessada , mas antes elidir a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a legitimidade de lei ou ato federal ;
c) uma vez proposta a ação, não se admite desistência;
d) não se adstringe o Tribunal, por outro lado, aos fundamentos constitucionais invocados (vinculação do Tribunal ao pedido, mas não á causa de pedir);
e) não pode haver intervenção de terceiros no processo, ou seja, partes que não estavam originariamente na causa não podem ingressar posteriormente;
f) não se compatibiliza com a ação rescisória.
Por fim é bom frisar que a Lei nº 9.869, de 10 de novembro de 1999, veio regulamentar o processo e o julgamento da ADIn e da ADC perante o Supremo Tribunal Federal, de forma que esta matéria será analisada no capítulo posterior.
9. Implicações da lei 9868/99 na ação declaratória de constitucionalidade
Diferentemente da maioria dos ordenamentos constitucionais, a Constituição da República brasileira não prevê expressamente a necessidade de edição de lei regulamentando o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF.
De acordo com Alexandre de Moraes deveria haver previsão constitucional de lei complementar para isto.
Entendemos que para a maior garantia do STF, a Constituição Federal deveria prever expressamente a necessidade de lei complementar – a fim de garantir-se maior estabilidade em face de seu quorum qualificado – que regulamentasse a organização, o funcionamento e as regras de processo e julgamento das matérias de competência do STF, da mesma maneira que as Constituições francesa, austríaca, portuguesa e a lei fundamental alemã.(2003, p. 2314).
Tradicionalmente, as regras destinadas à disciplina da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade estavam contidas ou no texto constitucional, ou no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Agora, com a entrada em vigor da Lei 9868 este quadro muda.
[...] as ações diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucionalidade, que são regulamentadas pela lei nº 9868/99 e a argüição de descumprimento de preceito fundamental, regulamentada pela lei 9882/99.
O restante da organização e do funcionamento do Tribunal deve ser regulamentado por seu regimento interno, nos termos do art. 96, I, a, da Constituição Federal .(MORAES, 2003, p. 2314 ).
Com o advento desse diploma legal, se inaugura um novo momento histórico brasileiro do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos em nosso País, mormente quanto a ampliação dos poderes conferidos ao STF, bem como ao fato de o legislador ordinário sedimentar em lei a jurisprudência cristalizada nas decisões proferidas em sede de ações diretas de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade pela Corte Suprema.
Esta lei regula exaustivamente a ação declaratória de constitucionalidade tratando sobre a admissibilidade e o procedimento da ação, da medida cautelar e das decisões na ação declaratória de constitucionalidade.
Nos aspectos formais, a petição inicial da ação declaratória obedece aos requisitos gerais da petição inicial, devendo ainda indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido, no entanto, deve-se frisar que conforme determina o art.103, § 4ºda Constituição Federal , só poderá ser pretendida a declaração de constitucionalidade de leis e atos normativos federais, estando portanto excluídas as leis e atos normativos estaduais .
No entanto da mesma forma que a Ação Direta de Inconstitucionalidade a Ação Declaratória de Constitucionalidade não pode aferir a constitucionalidade de leis municipais e nem auferir a constitucionalidade de direito pré-constitucional e nem de regulamentos, com exceção dos definidos como autônomos como já foi exposto no capítulo anterior.
A lei 9886/ 99 também estabelece outro requisito que deve constar da inicial que é a indicação dos fundamentos que embasam o pedido de declaração de constitucionalidade.
Devendo-se ressaltar que essa exigência já constava da jurisprudência do STF, entretanto é oportuno esclarecer que o Supremo não fica adstrito aos fundamentos no exame da constitucionalidade do dispositivo questionado.
Ressalte-se que o motivo impeditivo dessa nova análise decorre do fato de o Supremo Tribunal Federal, como já visto anteriormente, quando analisa concentradamente a constitucionalidade das leis e atos normativos, não estar vinculado a causa de pedir, tendo, pois cognição plena da matéria, examinando e esgotando todos os seus aspectos constitucionais.(MORAES, 2004, p 664).
Sendo um dos requisitos essenciais da petição inicial, o pedido pode abranger além do requerimento de um juízo definitivo, a emissão de juízo provisório através de uma medida cautelar.
O parágrafo único do art.14 também determina que a petição inicial deverá vir acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advogado, deverá ser apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar a procedência do pedido de declaração de constitucionalidade.
Resta caracterizado, exatamente como já acontecia no âmbito jurisprudencial, a necessidade de advogado regularmente estabelecido nos autos, no entanto conforme entendimento de Pedro Lenza somente os partidos políticos ou as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional é que deverão ajuizar ação por Advogado.
O STF entendeu que somente os partidos políticos e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional é que deverá ajuizar a ação por advogado (art.103, VIII e IX). Quanto aos demais legitimados( art. 103, I- VII), a capacidade postulatória decorre da Constituição.( LENZA, 2007, pg. 218).
Além dos requisitos formais já previstos no artigo 3° desta Lei, surge no art.14, para a ação declaratória de constitucionalidade, mais um que consagra a jurisprudência do STF: a demonstração, por parte do agente provocador, da existência de controvérsias judiciais em número suficientemente relevante para justificar a provocação dessa modalidade de fiscalização abstrata.
Ora, se a presunção é a de constitucionalidade da lei, não consegue o Tribunal perceber-se no papel de mero consultor, exige, outrossim, que tal presunção esteja firmemente abalada para que se justifique o acionamento do controle abstrato de constitucionalidade.
Assim, se a jurisdição ordinária, por meio de diferentes órgãos, passar a afirmar a inconstitucionalidade de determinada lei, poderão os órgãos legitimados, se estiverem convencidos de sua constitucionalidade, provocar o Supremo Tribunal Federal para que ponha termo à controvérsia instaurada.
Embora as decisões judiciais sejam provocadas ou mesmo estimuladas pelo debate doutrinário, é certo que simples controvérsia doutrinária não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não obsta à plena aplicação da lei. (MARTINS e MENDES, 2001, p.265).
Insta observar que este pré-requisito de admissibilidade formal não existe na ação direta de inconstitucionalidade, até porque a tese do agente provocador, neste caso, contraria a presunção de constitucionalidade da qual se reveste a lei nova.
Convém, por oportuno, acrescentar também que o ato normativo federal objeto desta ação deverá, necessariamente, ter sido promulgado após setembro de 1993, data em que a Emenda Constitucional n° 03/93 foi publicada.
Uma vez proposta a ação declaratória não se admite desistência, isto ocorre em sede de controle de constitucionalidade devido à presença do interesse público em garantir-se a supremacia das normas constitucionais. Trata-se do princípio da indisponibilidade da instância.
Na ação declaratória de constitucionalidade o Supremo Tribunal Federal passa a admissibilidade do pedido por três crivos genéricos: a) legitimação ativa; b) o objeto juridicamente possível (normas constitucionais originárias, leis anteriores à Carta de 1988, atos tipicamente regulamentares, leis municipais, etc. não podem figurar como objeto de uma Adin).
Entende-se inepta a petição inicial não apenas pela inobservância dos pressupostos do artigo anterior, mantém-se aqui, como antes, a liberdade de interpretação do alcance da norma.
Além dos requisitos próprios da petição inicial já elencados acima, aplicam-se subsidiariamente as regras do CPC . Devendo ser ressaltado que pela lei o agravo será o recurso cabível contra a decisão que indefere a inicial, sendo julgado pelo Tribunal, na forma de seu Regimento, diversamente do CPC que prevê apelação.
Considerando a sistemática específica referente ao controle concentrado de constitucionalidade e à natureza do STF, a lei determina que a decisão que indefere liminarmente a petição inicial poderá ser agravada. De forma diversa do CPC, que prevê a apelação (art.296), pela Lei 9868/99 esse agravo será julgado pelo Tribunal na forma do seu Regimento. (MARTINS E MENDES, 2001, p. 155).
O STF não vem admitindo litisconsórcio ativo ou passivo ou a intervenção assistencial de terceiro concretamente interessado, em face da natureza abstrata desta espécie de controle, incompatível com o acesso de terceiros interessados somente em defender seus direitos subjetivos.
Ressalte-se, porém, que tal vedação não deve ser aplicada, por óbvio aos vários legitimados constitucionalmente.(MORAES, 2003, p 2368).
Da mesma forma, afigura-se digna de realce a determinação formulada com o sentido de permitir que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, admita a manifestação de outros órgãos ou entidades (arts. 7o, § 2o).
Positiva-se, assim, a figura do "amicus curiae" no processo de controle de constitucionalidade, ensejando a possibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões.
Com efeito, observa-se que o caput do art. 7º não admite a intervenção de terceiros, o referido parágrafo 2o,, no entanto, permite a manifestação de órgãos ou entidades, desde que os postulantes demonstrem a sua representatividade e a relevância da matéria.
Esse último dispositivo serviu para a consagração da presença do Amicus Curiae4 no processo de controle da constitucionalidade.
O uso de vocábulo “consagração” foi proposital, pois a Suprema Corte já havia, embora timidamente, admitido, antes da lei, a sua presença no processo de controle da constitucionalidade. É o que se viu no julgamento de Agravo Regimental em ADIN nº 748-45, quando, por unanimidade de votos, o plenário do STF confirmou decisão monocrática do eminente Min. Celso de Mello e permitiu que um memorial, preparado por um colaborador informal, permanecesse juntado por linha ao processo.
Essa inovação passou a consagrar no controle abstrato de constitucionalidade brasileiro a figura do amicus curiae, ou ´amigo da Corte’, cuja função primordial é juntar aos autos parecer ou informações com o intuito de trazer à colação considerações importantes sobre a matéria de direito a ser discutida pelo Tribunal, bem como acerca dos reflexos de eventual decisão sobre a constitucionalidade da espécie normativa impugnada . (MORAES, 2003, p. 2370.)
Pedro Lenza analisa a natureza jurídica do Amicus Curiae .
O STF, do ponto de vista burocrático, ao fazer a anotação no processo e indicar o andamento na internet, fala em ”parte interessada”.
O art. 131, § 3º, do Regimento Interno do STF, nos termos da Emenda Regimental n.15, de 30.03.2004, passou a admitir uma declarada hipótese de intervenção de terceiros.
È claro que a sua natureza jurídica é distinta das modalidades de intervenção de terceiros prevista no CPC, até em razão da natureza do processo objetivo e abstrato do controle concentrado de constitucionalidade.
Assim, por todo o exposto , parece razoável falarmos em uma modalidade sui generis de intervenção de terceiros, inerente ao processo objetivo de controle concentrado de constitucionalidade, com características próprias e muito bem definidas. (LENZA, 2007, pg. 228).
De acordo com o art. 19º decorrido o prazo das informações, será aberta vista ao Procurador-Geral da República, que deverá manifestar-se, no prazo de quinze dias.
A oitiva do Procurador Geral da República tem fundamento no artigo 103, § 1º da Constituição da República. Funciona como custos legis devendo pronunciar-se a respeito da controvérsia constitucional. Funciona como elemento catalizador da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Note-se que existe a possibilidade de o Procurador Geral da República ser concomitantemente autor (art. 103, IV) e fiscal (art. 103, § 1º) em determinada ação direta. Tal hipótese é majoritariamente admitida pelo Pretório Excelso em sua jurisprudência.
O dispositivo apenas teve o mérito de estabelecer um prazo de quinze dias corridos e sucessivos para cada uma das manifestações. Deve-se entender como termo a quo do prazo a data do recebimento dos autos. Todavia a lei não prevê uma sanção para o descumprimento deste ou de qualquer outro prazo por ela estabelecido.
Com relação ao Advogado Geral da União não existe disposição expressa na lei 9868/99 que determine a sua manifestação na ação declaratória de constitucionalidade, mas tão somente na ação direta de inconstitucionalidade.
Afirma Alexandre de Moraes
[...] como curador da norma infraconstitucional, o Advogado Geral da União está impedido constitucionalmente de manifestar-se contrariamente a ela, sob pena de frontal descumprimento da função que lhe foi atribuída pela própria Constituição Federal, e que configura a única justificativa de sua função processual, neste caso.(2003, p 2371)
Outra inovação consta dos arts. 9o, § 1o, e 20, § 1o, que autorizam o relator, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, a requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data, para, em audiência pública, ouvir depoimentos e pessoas com experiência e autoridade na matéria.
Igualmente relevante afigura-se permitir que o relator solicite informações aos tribunais superiores, aos tibunais federais e aos tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição (arts. 9o, § 2o, e 20, § 2o). Trata-se de providência que, além de aperfeiçoar os mecanismos de informação do Tribunal, permite uma maior integração entre a Corte Suprema e as demais Cortes federais e estaduais.
Nesse contexto de obtenção de informação adequada, afigura-se relevante a possibilidade de que o Tribunal consulte os Tribunais Superiores, os tribunais federais e os tribunais de justiça sobre a aplicação da lei ou da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição(art 9 º ,§ 2º).(MARTINS E MENDES, 2001, p 158).
Por fim, convém salientar que em qualquer das hipóteses, o prazo para manifesto será de 30 dias, a partir da solicitação do relator, prazo determinado pelo § 3º do art 20 .
A partir de uma análise do art. 97 da Constituição Federal, observa-se que já existia a previsão de exigência de um quorum mínimo para a declaração de constitucionalidade e inconstitucionalidade, já que a Carta Magna reserva para o Plenário do STF decisão de tal importância .
A lei também preservou a orientação do Regimento Interno do Supremo que já estabelecia que o julgamento dessas ações só será efetuado se presentes na sessão pelo menos oito ministros, devendo-se proclamar a decisão se tiverem se manifestado pelo menos seis.
Com relação ao art. 24 Ives Gandra dispõe:
O art. 24 acentua o caráter “dúplice ” ou “ambivalente” da ADIn ou da ADC, estabelecendo que, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória , e, proclamada a inconstitucionalidade , julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.(MARTINS E MENDES, 2001, p.288).
O caráter dúplice ou ambivalente dessa modalidade de controle abstrato restou inequivocamente demonstrado neste dispositivo. Convém notar que a jurisprudência do STF já acenava com essa possibilidade.
Estes efeitos serão não apenas erga omnes, mas, também, podem impedir manifestação futura do Poder Executivo ou do Poder Judiciário, já que são também vinculantes.
10. Efeitos da decisão
Como se sabe, a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, ao criar a ação declaratória de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu que a decisão definitiva de mérito nela proferida incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
Sendo assim, da própria constituição infere-se que a decisão proferida em ADC tem, além de eficácia erga omnes, produzindo efeitos contra todos e efeito vinculante para os órgãos do Poder Judiciário e do Executivo Federal, Estadual e Municipal que ficam obrigados a observar a interpretação emanada pela Corte Constitucional. Questão que a lei 9868/99 veio para reforçar.
A eficácia erga omnes significa que a declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da lei se estende a todos os feitos em andamento, paralisando-os com o desfazimento dos efeitos das decisões neles proferidas no primeiro caso ou com a confirmação desses efeitos no segundo caso. Mas quer dizer também que o ato dali por diante, vale na medida mesma da declaração proferida na ação declaratória de constitucionalidade, ou seja, é constitucional, sem possibilidade de qualquer outra declaração em contrário, ou inconstitucional, com o que se apaga de vez sua eficácia no ordenamento jurídico.( SILVA, 2000, p.62)
O efeito vinculante relativamente à função jurisdicional dos demais órgãos do Poder Judiciário, portanto já decorria da própria afirmativa de eficácia contra todos, mas, assim mesmo, o texto quis ser expresso para alcançar também os atos normativos desses órgãos que eventualmente tenham sido objeto de uma decisão em ação declaratória de constitucionalidade. Assim nenhum juízo ou Tribunal poderá conhecer de ação ou processo em que se postule uma decisão contrária à declaração emitida no processo de ação declaratória de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, nem produzir validamente ato normativo em sentido contrário àquela decisão. (SILVA, 2000, p. 62/63)
Dentro deste contexto, surge a dúvida se o Supremo Tribunal Federal encontra-se vinculado à sua própria decisão. Ou seja, quais seriam os limites subjetivos do efeito vinculante em Ação Declaratória de Constitucionalidade.
José Afonso da Silva afirma “A questão é processual e se resolve com a teoria da coisa julgada material oponível a todos os órgãos judiciários, inclusive o que proferiu a decisão".
Neste caso, o Supremo Tribunal Federal não poderia sequer apreciar o processo em que se pleiteie decisão contrária ao seu entendimento já consolidado.No entanto, argumenta-se ainda que o próprio texto constitucional refere-se "aos demais órgãos do Poder Judiciário", dando a impressão de estar excluindo o STF.
Gilmar Ferreira Mendes ao comentar este assunto, afirma.
De um ponto de vista estritamente material também é de se excluir uma autovinculação do Supremo Tribunal aos fundamentos determinantes de uma decisão anterior, pois isso poderia significar uma renúncia ao próprio desenvolvimento da Constituição, afazer imanente aos órgãos de jurisdição constitucional .(2001, p. 343)
Clemerson Merlin afirma "a declaração de constitucionalidade da lei não pode impedir, diante da alteração das circunstâncias fáticas ou da realidade normativa , a propositura da ação direta de inconstitucionalidade.” (2000, p 306)
Sendo assim , para este último não se pode congelar a hermenêutica constitucional sob pena da Carta Magna tornar-se incapaz de adaptar-se à dinamicidade da vida e seus novos conceitos e valores. Aplicaria-se, nesta hipótese, o conceito de mutação constitucional, enquanto processo não formal de mudança das constituições rígidas.
Por outro lado, a respeito disso Alexandre de Moraes afirma :
O Supremo Tribunal Federal fixou novo entendimento em relação á sua vinculação em sede de jurisdição constitucional. A vinculação do próprio Pretório excelso aos seus julgados, em sede de controle concentrado, era o entendimento pacificado pelo Tribunal, por entender que, na análise concentrada da constitucionalidade das leis e atos normativos, não estaria o STF vinculado à causa de pedir, tendo pois cognição plena da matéria e portanto, podendo examinar e esgotar todos os seus aspectos constitucionais.
Esse posicionamento foi alterado pela nova composição plenária do STF, que embora salientando a necessidade de motivação idônea, crítica e consciente para justificar eventual reapreciação de uma questão já tratada pela Corte concluiu no sentido de admitir o julgamento das ações diretas, por considerar que o efeito vinculante previsto no §2º do art. 102 da CF não condiciona o próprio STF, limitando-se aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, e que , no caso ficou demonstrada a distinção entre os dispositivos impugnados.(2004, p.649)
Outro ponto digno de menção concerne aos limites objetivos do efeito vinculante, grande parte da doutrina ao contrário do sistema alemão inspirador da ADC brasileira entende que o efeito vinculante restringe-se apenas à parte dispositva da decisão de mérito e não aos seus fundamentos ou motivos determinantes .
Para Alexandre de Moraes, não haveria vinculação aos fundamentos conforme afirmação abaixo.
Ressalte-se que o motivo impeditivo dessa nova análise decorre do fato de o Supremo Tribunal Federal, como já visto anteriormente, quando analisa concentradamente a constitucionalidade das leis e atos normativos, não estar vinculado à causa de pedir, tendo, pois cognição plena da matéria, examinando e esgotando todos os seus aspectos constitucionais.(2004, p 664).
No campo processual a inobservância da decisão do Supremo enseja do jurisdicionado a possibilidade da propositura de Reclamação, a fim de garantir a autoridade da decisão do Pretório Excelso, como determina o art. 102, I, "l", da Constituição.
Com os efeitos acima expostos, percebe-se que a ação declaratória de constitucionalidade é remédio bem mais célere que eventual recurso extraordinário, solução cabível caso não houvesse a previsão da força vinculante da decisão.
O objetivo do efeito vinculante é: a) pôr fim a uma série de decisões referentes a questões constitucionais em processos concretos, visando através de uma decisão definitiva, vincular os juízes de 1o grau e tribunais inferiores, bem como o Poder Executivo e, dessa forma, diminuir o número de feitos que chegam diariamente ao STF; b) buscar maior homogeneidade das decisões e segurança jurídica.
A Lei 9868 trouxe uma disposição muito polêmica no art.27, já que contém autorização para que o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restrinja os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de estabelecer que ela tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, desde que tal deliberação seja tomada pela maioria de dois terços de seus membros.
Dessa forma, a lei conferiu ao STF não apenas o poder de conservar a eficácia do ato normativo declarado inconstitucional, mas ainda de fixar o tempo dessa eficácia discricionariamente, segundo sua própria avaliação quanto ao excepcional interesse social ou razões de segurança.
Para Alexandre de Moraes para que o STF manipule os efeitos da ação declaratória são necessários dois requisitos, sendo um formal e um material .
Pelo requisito formal, a lei exige que o STF tome sua decisão de alteração dos efeitos por maioria de dois terços dos membros do Tribunal; enquanto pelo requisito material, exige-se a presença de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social . (2003, p. 2414)
Alexandre de Moraes reconhece que temos como regra os efeitos retroativos (ex tunc) das decisões declaratórias da constitucionalidade, no entanto ele estabelece as exceções abaixo transcritas
Pela primeira exceção, os efeitos serão ex nunc, ou seja, não retroativos , a partir do trânsito em julgado da decisão em sede de ação direta de inconstitucionalidade, desde que fixados por 2/3 dos Ministros do STF.
Pela segunda exceção, os efeitos serão fixados a partir de qualquer momento escolhido pelo STF , desde que fixados por 2/3 de seus Ministros .
Essa hipótese de restrição temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade tem limites lógicos . Assim, se o STF entender pela aplicação dessa hipótese excepcional, deverá escolher como termo inicial da produção dos efeitos qualquer momento entre a edição da norma e a publicação oficial da decisão.
Dessa forma, não poderá o STF estipular como termo inicial para produção dos efeitos da decisão data posterior à publicação da decisão no Diário Oficial , uma vez que a norma inconstitucional não mais pertence ao ordenamento jurídico, não podendo permanecer produzindo efeitos.(2003, p. 2414).
Sendo assim, competirá ao Supremo Tribunal Federal escolher entre dar efeito ex tunc ou ex nunc à decisão de inconstitucionalidade; sendo ex tunc, o STF poderá precisar o alcance do efeito pretérito da decisão declaratória, mais ou menos longínquo no tempo; e, sendo ex nunc, a Corte tem a prerrogativa de definir o momento futuro, até o trânsito em julgado da decisão, em que a lei efetivamente perderá eficácia por conta do vício da inconstitucionalidade que a macula.
Trata-se de uma inovação muito polêmica esse poder atribuído à Corte Constitucional que, em última análise, repita-se, significa a faculdade de inverter temporariamente a hierarquia normativa do ordenamento jurídico, fazendo com que a Constituição ceda espaço, durante certo prazo, a uma lei que com ela conflite.
Na realidade, o artigo 27 da Lei n° 9.868 somente formalizou em lei uma prática reiterada do Supremo Tribunal Federal. Nossa Corte Constitucional, muito antes da promulgação do referido diploma legal, já invocava razões de segurança, de salvaguarda dos superiores interesses do Estado, do princípio da boa-fé, entre outros, a fim de emprestar efeito ex nunc ou limitar os efeitos ex tunc da decisão declaratória de insconstitucionalidade em ação direta, de modo a conservar a eficácia pretérita do ato normativo.
O dispositivo em questão permite que o próprio Supremo Tribunal Federal, por uma maioria diferenciada, decida sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fazendo um juízo rigoroso de ponderação entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional, de um lado, e os postulados da segurança jurídica e do interesse social, de outro (art. 27).
Assim, o princípio da nulidade somente será afastado "in concreto" se, a juízo do próprio Tribunal, se puder afirmar que a declaração de nulidade acabaria por distanciar-se ainda mais da vontade constitucional.
Entendeu, portanto, o legislador que, ao lado da ortodoxa declaração de nulidade, há de se reconhecer a possibilidade de o Supremo Tribunal, em casos excepcionais, mediante decisão da maioria qualificada (dois terços dos votos), estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, proferindo a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc ou pro futuro, especialmente naqueles casos em que a declaração de nulidade se mostre inadequada (v.g.: lesão positiva ao princípio da isonomia) ou nas hipóteses em que a lacuna resultante da declaração de nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional. (MARTINS E MENDES, 2001, p.324).
A lei estabelece, ainda, que, dentro de dez dias após o trânsito em julgado, o Supremo Tribunal Federal fará publicar a parte dispositiva do acórdão proferido em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da Justiça (art. 28).
O parágrafo único do art. 28 estabelece que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
11. CONCLUSÃO
Neste artigo foi feita uma análise da ação declaratória de constitucionalidade que foi instituída pela Emenda Constitucional n º 03/93 e que depois, mereceu regulamentação pela Lei nº 9.868 de 10/11/99, sofrendo ainda em 2004 algumas alterações pela Emenda Constitucional n º 45.
Observou-se que a ação declaratória de constitucionalidade, também chamada ação direta de constitucionalidade é meio processual de garantia da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, consubstanciada em características especiais que a diferenciam das demais ações.
Dentre outras particularidades, pudemos observar que possui um processo objetivo apto a exercer o controle em abstrato, essencialmente unilateral, sem partes, no qual há um requerente, mas não há necessariamente um requerido e que tem por objetivo não dar uma solução a determinada pretensão deduzida por parte interessada, mas antes elidir a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a legitimidade de lei ou ato normativo federal.
Diversamente do controle difuso, na medida em que nele se aplicam os princípios processuais da jurisdição comum, na ação declaratória de constitucionalidade os princípios processuais sofrem temperamentos para que esta ação possa atingir a sua finalidade e garantir a supremacia da constituição sobre as demais normas.
Sendo assim, esta ação tem princípios e regras autônomas, segue um procedimento diferenciado estabelecido pela lei 9868/99 que não admite a desistência, nem a intervenção de terceiros, não permite a interposição de recurso e nem possibilita ação rescisória, mas não se vislumbra nenhuma inconstitucionalidade ou irregularidade em seu procedimento, já que desnecessárias se mostram a citação, intimação, notificação da parte prejudicada, uma vez que não existe parte prejudicada neste processo objetivo.
Isso porque, a legitimidade passiva na ADIN recai sobre os órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou o ato impugnado. Tal situação inexiste na ADC, que é proposta com vistas à defesa e confirmação da constitucionalidade da lei ou do ato. Nesse caso, não há legitimado passivo.
A não identificação do réu configura típico processo objetivo, não constituindo vício algum no desempenho de uma função constitucional autônoma ou jurisdição constitucional objetiva, não se lhe aplicando os princípios que disciplinam a atividade jurisdicional voltada à solução de conflitos intersubjetivos de interesses.
A introdução do efeito vinculante, que fora alvo de várias controvérsias, mostrou-se absolutamente necessário para a realização do controle de constitucionalidade em tese das leis e atos normativos constituindo uma de suas principais características.
Inclusive da própria constituição infere-se que a decisão proferida em ADC tem, além de eficácia erga omnes, produzindo efeitos contra todos e efeito vinculante para os órgãos do Poder Judiciário e do Executivo Federal, Estadual e Municipal que ficam obrigados a observar a interpretação emanada pela Corte Constitucional. Questão que a lei 9868/99 veio para reforçar. No campo processual a inobservância da decisão do Supremo enseja do jurisdicionado a possibilidade da propositura de Reclamação, a fim de garantir a autoridade da decisão do Pretório Excelso, como determina o art. 102, I, "l", da Constituição.
Assim, neste artigo foram ressaltadas as principais peculiaridades da Ação Declaratória de Constitucionalidade, que com seu procedimento próprio permite a efetivação do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos federais.
REFERÊNCIAS
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16. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
Notas:
[2] ADin 525, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ, 4 set. 1991, p.11929..
4 amicus curiae (New Latin, literally, friend of the court): one (as an individual or organization) that is not a party to a particular lawsuit but is allowed to advise the court regarding a point of law or fact directly concerning the lawsuit <a brief of an amicus curiae may be filed – Federal Rules of Appellate Procedure Rule 29> - called also friend of the court.
5 EMENTA – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL – IMPOSSIBILIDADE – ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PEÇAS DOCUMENTAIS – DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE – IRRECORRIBILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
- O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes.
- Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvantum.
- Os despachos de mero expediente – como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteúdo decisório, não são passíveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504).
-
Bacharela em Direito, formada pela Universidade Tiradentes. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Unisul, Pós-Graduanda em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fase/Esmese. Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Juliana Vasconcelos de. Peculiaridades da Ação Declaratória de Constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2010, 08:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21963/peculiaridades-da-acao-declaratoria-de-constitucionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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