RESUMO:
O presente trabalho tem como objetivo apresentar de forma clara, objetiva e precisa, conceitos, histórico, importância, espécies, legalidade, hipótese de cabimento e não cabimento, isto é, os aspectos necessários para o estudo do referido tema, qual seja: A constitucionalidade do aborto anencefálico.
Sabe-se que o assunto escolhido causa grande celeuma no mundo jurídico, devido à sua interdependência com os direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, quais sejam: direito à vida e direito à dignidade da pessoa humana. Além de ter também repercussão direta na sociedade, no tocante a valores éticos, sociais, religiosos e morais.
Diante da complexidade da questão não se pretende estabelecer soluções acerca do problema, mas, tão somente, levantar a discussão, perante a sociedade, sobre a conscientização da legalidade do aborto de anencéfalos.
Esse trabalho busca a igualdade material para a prática de tal conduta, tendo em vista que as classes sociais mais abastadas praticam-na com maiores privilégios, enquanto as camadas inferiores não os possuem. O referido artigo pretende explicar que o aborto anencefálico não constitui delito, por ser conduta atípica do Código Penal Pátrio.
PALAVRAS-CHAVE: Aborto anencefálico; Direitos fundamentais; Conduta atípica.
ABSTRACT:
The present work has as objective presents in a clear, objective and necessary way, concepts, historical, importance, species, legality, pertinence or not pertinence hypothesis, that is, the necessary aspects for the study of the related theme, which is: the constitutionality of the anencephaly abortion.
Knows that the chosen subject causes a great polemic in the legal world, due to the interdependence with the basic rights of the Federal Constitution of 1988, which is: right to the life and right to the dignity of the human person. Besides having also direct repercussion in the society, in regards to ethical, social, religious and moral values.
Ahead of the complexity of the question it is not intended to establish solutions concerning the problem, but only raise the quarrel, before the society, on the awareness of the abortion of anencephaly legality.
This work search the material equality for the practice of such conduct, tends in view that the wealthier social classes practice it with larger privileges, while the inferior layers don't possess them. The referred article intends to explain that the anencephaly abortion doesn't constitute crime, for being atypical conduct of the National Code.
KEYWORDS: Anencephaly abortion; Basic rights; atypical conduct.
1. INTRODUÇÃO
A construção do presente artigo examinará, através de análise doutrinária e jurisprudencial, a cognição a respeito de um assunto de elevada relevância no mundo jurídico contemporâneo, pois se trata de tutela de alguns dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil. Provenientes de conteúdos do Direito Constitucional, do Direito Penal, de conceitos médico-científicos, psicológicos serão abordadas questões relativas ao tipo penal aborto, especificamente o aborto anencefálico, cujo tema vem dividindo as camadas sociais sobre sua legalidade.
Vale salientar que o tema proposto é demasiadamente complexo, por tratar-se de questão predominantemente moral e envolver ensinamentos de cunho filosófico, religioso, cultural e histórico, razão pela qual se buscou o auxílio de conceitos científicos na medicina e na psicologia. Sendo assim, tentar-se-á oferecer motivos que justifiquem a necessidade da prática do aborto anencefálico. Dessa forma, não se fará uma apologia à conduta criminosa do aborto, apenas serão demonstradas situações em que se desmistificará a idéia delituosa dessa ação.
Por isso, como objetivo geral, far-se-á uma explanação sobre a evolução do tema acima mencionado. A fim de atingir tal objetivo, serão especificados os seguintes assuntos: a) mostrar a evolução histórica da eugenia; b) conceituar a eugenia, o aborto, a anencefalia, a vida e a morte; c) demonstrar a importância do estudo da eugenia; d) classificar as espécies; d) informar as hipóteses de cabimento e não cabimento; e) discorrer sobre as causas excludentes de ilicitude; f) relatar os danos causados à gestante caso haja o prolongamento da gravidez.
Com o intuito de atingir as finalidades propostas, utilizar-se-á a seguinte metodologia: a priori, escolher-se-á a bibliografia adequada para embasamento desse artigo; após se complementará o supracitado trabalho com análise jurisprudencial direcionada ao assunto em questão, por intermédio de vasta pesquisa.
2. NOÇÕES GERAIS SOBRE EUGENIA
2.1. CONCEITO
Para melhor compreensão do presente trabalho faz-se necessária a conceituação de termos médicos científicos, tais como a definição de eugenia, sua importância, uma evolução histórica, espécies de aborto eugênico, entre os quais o anencéfalo, conceituação de anencefalia, de vida, de morte como será visto abaixo.
Hélio Gomes conceitua eugenia da seguinte forma:
“A Eugenia é um conjunto de princípios científicos destinados a orientar a procriação hígida. [...] O termo eugenia deve ser definido como o estudo dos fatores que, sob o controle social, possam melhorar ou prejudicar as qualidades raciais das gerações futuras, quer física, quer mentalmente.”[1]
Uma outra definição de eugenia é dada por PINARD apud Gomes, que diz: “a puericultura (conjunto de técnicas empregadas para assegurar o perfeito desenvolvimento físico e mental da criança, desde o período de gestação até a idade de quatro ou cinco anos – Dicionário Aurélio) antes do nascimento.”[2]
OTÁVIO DOMINGUES apud Gomes “considera a Eugenia como a ciência do melhoramento genético do homem.”[3]
Após a conceituação de eugenia é interessante ressaltar a sua importância. O estudo da eugenia torna-se necessário, para conservar a boa geração, melhorar as más, banir as inservíveis e, por fim, aperfeiçoar a espécie humana no sentido físico, mental e moral.
2.2. RESUMO HISTÓRICO
Para melhor compreensão do surgimento da eugenia, deve-se fazer um relato histórico. A Eugenia teve precursores na antiguidade. Licurgo foi o primeiro eugenista do mundo, sua maior contribuição era procurar eliminar da espécie os frágeis e inválidos e ainda aconselhava aos pais que deixassem como herança não riqueza, mas saúde.
No contexto científico, a eugenia é estudo recente, seu criador foi FRANCIS GALTON. Por isso, a denominação de Eugenia de Ciência de Galton. Em 1864, Galton apresentou à sociedade suas idéias acerca da eugenia.
Galton e seus seguidores apresentaram as principais medidas eugênicas, isto é, aquelas que se destinam a favorecer a procriação saudável. São elas: exame pré-nupcial; interdição do casamento, ou seja, noivos que fossem tarados, deficientes mentais, epiléticos não poderiam casar ou se permitido o casamento houvesse uma esterilização prévia; esterilização dos anormais.
2.3 ABORTO
Segundo Alberto Silva Franco:
“a expressão ‘aborto’ corresponde a um elemento normativo do tipo e, portanto, a um elemento necessitado de valoração por parte do juiz ou do intérprete. É evidente que o preenchimento da área de significado desse dado compositivo da figura típica deve ser buscado em campo extra-penal, na medicina, ou mais especificamente, na biologia, na parte em que cuida do processo de formação da vida e de suas causas de interrupção.”[4]
O tema em questão é polêmico e complexo tendo em vista que quando suscitado traz a baila discussões religiosas, jurídicas, sociais e filosóficas. Ademais, deve-se reconhecer que se trata de assunto essencialmente moral encontrando amparo a depender do grau de evolução e costumes de cada sociedade.
Do ponto de vista jurídico e médico, vale lembrar que existem razões suficientes para justificar o aborto e, conseqüentemente não tratá-lo como conduta ilícita a qual ensejaria pagamento de penas previstas no Estatuto Penal Pátrio.
Sabe-se que o Código Penal Pátrio data-se de 1940, e embora reformado em 1984, na sua parte geral, não conseguiu solucionar problemas que surgem ao longo dos anos e que logicamente o legislador não poderia prever, porém deve-se destacar que o mesmo encerra em si conceitos antigos refletindo a sociedade do século passado.
É notório que as leis já nascem ultrapassadas, tendo em vista que a sociedade ao sentir necessidade de que alguma conduta seja regulamentada pelo direito, ela própria inconscientemente já a fez, pois as leis se originam dessa necessidade.
Com o avanço da Medicina e suas técnicas surgiu uma questão controversa em relação ao aborto anencefálico. Quanto à denominação deste já se pode vislumbrar uma discordância, tendo em vista que o tipo penal aborto, descrito na legislação, não se coaduna com a conduta típica, pois não se pode dizer que o anencéfalo possui vida independente do organismo materno, assim não há que se falar em aborto de anencéfalos, porque o aborto é a morte do feto causada pela interrupção da gravidez e, se o feto já está morto, de acordo com a Resolução nº 1.752/2004, do Conselho Federal de Medicina, os anencéfalos são natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco encefálico, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica, não é lesado o interesse protegido pela lei penal que é a vida, logo resta atípica a conduta de interrupção da gravidez do anencéfalo.
As discussões jurídicas sobre a retirada do feto anencéfalo podem ser direcionadas pra o campo estritamente jurídico e dentro deste especificamente restringe-se ao Direito Penal. Necessário se faz alguns esclarecimentos médicos, a fim de facilitar as decisões emanadas do Poder Judiciário.
Ressalte-se que existem várias espécies de aborto, sendo, regra geral, considerado crime o seu cometimento.
Será tratado neste trabalho o assunto referente às espécies de aborto eugênico, especificamente sobre o aborto de anencéfalos.
Com a finalidade de entender o aborto eugênico, deve-se explicar a priori o significado de aborto, seu conceito, previsão legal, natureza jurídica e sujeito ativo e passivo.
O art. 54, §§ 1º e 2º do Código de Ética Médica conceitua aborto como a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo perigo de vida e inexistir outro meio para salvá-la.
A natureza jurídica é causa excludente de ilicitude sendo lícita a conduta daquele que pratica o aborto legal, que está previsto no art.128 do Código Penal, o qual diz: “Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário – inciso I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro – inciso II – se a gravidez resulta de estupro o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz de seu representante legal. O primeiro é conhecido como aborto terapêutico e, o último é chamado também de aborto sentimental, humanitário ou ético.
Vale ressaltar que nos casos citados anteriormente, a excludente de ilicitude abrange somente a conduta do médico, porém, no caso de estado de necessidade, art. 24 do Estatuto Penal, a enfermeira ou parteira que assim proceder, não incidirá em crime.
2.4 ABORTO EUGÊNICO E ANENCEFALIA
Após as considerações gerais expostas, aborda-se um tipo peculiar de aborto, qual seja, o aborto eugênico. Tem-se discutido bastante na doutrina e jurisprudência sobre a questão do aborto eugênico também conhecido como eugenésico, piedoso ou de antecipação terapêutica do parto. Esta última denominação é específica para os casos de anencefalia.
“Anencefalia é um defeito do tubo neural (uma desordem envolvendo incompleto desenvolvimento do cérebro, espinha dorsal e suas coberturas de proteção). O tubo neural é de envoltura estreita que dobra e fecha entre a terceira e quarta semana da gravidez para formar o cérebro e a espinha dorsal do embrião. Anencefalia ocorre quando o fim "cefálico" ou de cabeça do tubo neural não fecha, enquanto resultando na ausência de uma porção principal do cérebro, crânio, e couro cabeludo. Crianças com esta desordem nascem sem ambos (a parte dianteira do cérebro) e quando acontece que o "encefálico" ou de cabeça do tubo de neural não fecha, resultando na ausência de uma porção principal do cérebro, crânio, e couro cabeludo. [...] O tecido de cérebro restante está freqüentemente exposto – não coberto através de osso ou pele. A criança é normalmente surdo, inconsciente, e incapaz de sentir dor. Embora alguns indivíduos com anencefalia podem nascer com um talo de cérebro rudimentar, mas a falta de um cérebro funcionando permanentemente, regras que refogem a possibilidade de já ganhar consciência. Ações reflexivas como respiração (respirando) e respostas para soar ou toque pode acontecer. A causa de anencefalia é desconhecida. Embora é criado que a dieta da mãe, a falta de vitamina podem ter um papel importante, os cientistas acreditam que muitos outros fatores também são envolvidos.”[5]
Maria Helena Diniz conceitua o anencéfalo da seguinte maneira:
“[...] pode ser um embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais). Como os centros de respiração e circulação sangüínea situam-se no bulbo raquidiano, mantendo suas funções vitais, o anencéfalo poderá nascer com vida, vindo a falecer minutos, horas, dias ou semanas depois.”[6]
Em termos científicos, o cientista William Bell afirma com precisão que “entre 75% a 80% dos recém-nascidos são natimortos e os restantes falecem horas ou dias depois.”[7]
O aborto eugênico é realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável, sendo os casos de anencéfalos um tipo de eugenia.
Quando se fala em aborto de anencéfalos não se pode omitir a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54 ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, em 2004 que retrata o pedido de uma mãe em impedir o nascimento do feto anencefálico. Tal ação é de grande importância, posto que permitiu uma discussão acirrada da sociedade e a alertou sobre o cometimento do aborto clandestino.
Na ação acima foram esclarecidos conceitos da área médica que embasaram fundamentos jurídicos pré-existentes com a finalidade de favorecer a retirada do feto sem calota craniana. Tais esclarecimentos permitiram aos operadores do direito terem a noção do que seja vida e morte, para que, conseqüentemente os períodos possam ser protegidos.
Com o intuito de explicitar a afirmação do parágrafo anterior, deve-se esclarecer que a ciência médica nada pode fazer quanto à inviabilidade do feto anencefálico, no entanto quanto à saúde da gestante, o corpo clínico pode certamente asseverar que se o feto anencefálico permanecer no ventre materno e neste mesmo vier a falecer poderá causar graves danos à saúde da mãe, podendo ocasionar risco de vida.
Entre as demais complicações que podem surgir na gestação de feto anencefálico relacionam-se as seguintes:
“[...] a manutenção da gestação de feto anencefálico tendem se prolongar além de 40 (quarenta) semanas; sua associação com polihidrâminio (aumento de volume de líquido amniótico) é muito freqüente; associação com doença hipertensiva específica da gestação; associação com vasculopatia periférica de estase; alterações do comportamento e psicológicas de grande monta para a gestante; dificuldades obstréticas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo; necessidade de apoio psicoterápico no pós-parto e no puerpério; necessidade de registro de nascimento e sepultamento desses recém-nascidos; necessidade de bloqueio de lactação; puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina; maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstetrícias do parto de termo.”[8]
Não se pode dizer que os problemas acima descritos só aconteceriam no caso dos anencéfalos, porém não existe dúvida que na gestação dos mesmos, os riscos acima mencionados seriam maiores.
Com o intuito de informar sobre decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da interrupção da gravidez de feto anencefálico tem-se a seguinte jurisprudência. Trata-se de habeas corpus nº 84.025-6 Rio de Janeiro, cujo Relator foi o Ministro Joaquim Barbosa.
“(...) com relação ao próprio mérito da impetração, tenho que a questão deva ser analisada de dois ângulos. O primeiro diz respeito à liberdade individual, da qual a autodeterminação da gestante é uma manifestação. Já o segundo refere-se aos diferentes graus de tutela penal da vida humana. Em primeiro lugar, ressalto que, neste caso concreto, estamos diante de uma situação peculiar em que estão em flagrante contraposição o direito à vida, no sentido amplo, e o direito à liberdade, à intimidade e à autonomia privada da mulher, no sentido estrito. Em outras palavras, busca-se, no presente habeas corpus, a tutela da liberdade de opção da mulher em dispor de seu próprio corpo no caso específico em que traz em seu ventre um feto cuja vida independente extra-uterina é absolutamente inviável. (...) Em se tratando de feto com vida extra-uterina inviável, a questão que se coloca é: não há possibilidade alguma de que esse feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois qualquer que seja o momento do parto ou a qualquer momento que se interrompa a gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica da mulher contrapõe-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso, a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser considerada crime? Entendo que não, Sr. Presidente. Isso porque, ao proceder a ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo direito, a vida extra-uterina inviável e a liberdade e a autonomia privada da mulher, entendo que, no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve prevalecer o indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projeto espiritual. Isso porque, em casos de malformação fetal que leve a impossibilidade de vida extra-uterina, uma interpretação que tipifique a conduta como aborto estará sendo flagrantemente desproporcional em comparação com a tutela legal da autonomia privada da mulher, consubstanciada na possibilidade de escolha de manter ou interromper a gravidez nos casos previstos no Código Penal. Em outras palavras, dizer-se criminosa a conduta abortiva, para a hipótese em tela, leva ao entendimento de que a gestante cujo feto seja portador de anomalia grave e incompatível com a vida extra-uterina está obrigada a manter a gestação. Esse entendimento não me parece razoável em comparação com as hipóteses já elencadas na legislação como excludente de ilicitude de aborto, especialmente porque estas se referem a interrupção da gestação de feto cuja vida extra-uterina é plenamente viável (...)”[9]
É controvertida a questão do aborto eugênico e a anencefalia, pois algumas decisões de juízes têm autorizado abortos de fetos com graves anomalias que inviabilizariam a sua vida futura. O juiz invoca a tese da inexigibilidade de conduta diversa, porque a norma penal protege a vida humana e não a falsa existência levando-se em conta que o feto apenas está vivo devido organismo materno que o sustenta.
A tese suscitada pelo juiz abrange duas vertentes: o da gestante, que não suportaria gerar por nove meses no ventre uma criança que não teria condições de sobreviver ou sobrevivendo, viveria por um curto espaço de tempo; e o do médico que julga salvar a mãe do abalo psicológico que vinha sofrendo. O avanço da medicina proporciona ao juiz uma avaliação das condições de sobrevivência do feto para detectar anomalias graves e interromper a gestação.
3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A CONSTITUCIONALIDADE DO ABORTO EUGÊNICO
A celeuma jurídica que se instala é o choque entre dois direitos humanos fundamentais e deve ser solucionada; de um lado o direito à vida que é a todos assegurados após a concepção e de outro o direito à dignidade a todos garantidos expressamente na Constituição e que protege a vida humana de qualquer dor e sofrimento e afirma que não é suficiente viver, deve-se viver com dignidade.
Tais direitos acima referidos são complementares e como estão em atrito devem ser analisados calmamente usando-se as técnicas de ponderação valendo-se dos princípios também constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de que possam conviver harmoniosamente e complementarem-se de acordo com cada caso.
Ademais, sabe-se que no Direito Penal Pátrio admite-se o aborto no caso de a gravidez resultar de estupro, conforme o artigo 128, inciso II do Código Penal. Assim seria uma desproporcionalidade e irracionalidade não admitir o aborto nos casos de anencefalia.
Note-se que existem diferenças entre os conceitos de aborto do ponto de vista médico e jurídico. Para este, a lei não estabelece limite mínimo e máximo para a idade gestacional.
“Entende-se por aborto a interrupção da gravidez com fim de morte fetal, quanto ao conceito médico, define-se o aborto como a interrupção da gravidez, voluntária ou não, antes de se completarem vinte semanas de idade gestacional, quando o peso for menor que 500g ou ainda quando o feto medir até 16,5 centímetros.”[10]
Nessas últimas situações não há que se falar em crime de aborto, pois não existe vida e sim formação incompleta ou deficiência na evolução da concepção.
Vale salientar que não se está fazendo uma apologia ao aborto e o Estado não deve obrigar nenhuma gestante a extrair do ventre materno o feto anencéfalo, no entanto é bastante digno que se permita tal escolha à mãe.
No entanto, deve-se evitar o abuso de autorizações judiciais para praticarem o aborto, pois não se pode cometê-lo tão-somente pela existência de fetos que darão origem a seres humanos com deformidades ou má formações. Percebe-se que algumas decisões autorizam o aborto a fim de evitarem sofrimento aos pais de terem em gestação um feto anormal, mas com possibilidade de vida.
Assim, vale o argumento que embasou uma sentença permitindo a interrupção da gravidez por anencefalia, na qual foi prolatada a seguinte decisão:
“[...] não se está admitindo por indicação eugênica com o propósito de melhorar a raça, ou evitar que o ser em gestação venha a nascer cego, aleijado ou mentalmente débil. Busca-se evitar o nascimento de um feto cientificamente sem vida, inteiramente desprovido de cérebro e incapaz de existir por si só.”[11]
Portanto, o direito não autoriza o aborto, pois abalos psicológicos não podem justificar a interrupção da gestação, mesmo porque a medicina evolui a cada dia e possibilita a cura de anomalias, aumentando a perspectiva de vida futura.
Nota-se, portanto, que o bem jurídico tutelado pelo direito é a vida, logo, não se pode decretar a sentença de morte de fetos com deformidades, ademais estaríamos tratando os fetos em desatenção ao princípio da igualdade tão fortemente defendido pelos juristas e pela sociedade.
Hodiernamente, tem-se procurado várias exegeses da lei penal que permitam a antecipação do parto do anencéfalo. Alguns falam em adicionar ao artigo 128 uma nova regra de exclusão da ilicitude, porém como não há tipicidade também não haverá comportamento ilícito. Outros interpretam o aborto anencefálico como sendo crime impossível, no entanto como não existe dolo na ação de retirada do feto não há que se falar em delito. Em 2004, uma decisão do Supremo Tribunal Federal derrubou liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello ao pedido de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental para retirada de feto anencefálico baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade e autonomia da vontade e direito à saúde.
Outrossim, como a extração do feto anencefálico do organismo materno não constitui fato ilícito, as condutas acima referidas tornam-se desnecessárias, já que o fato é atípico e como tal não é punido.
Nesse diapasão, seguindo o raciocínio da morte cerebral do feto “o Direito Civil utiliza o critério do reconhecimento da vida para se adquirir personalidade”[12], assim como bem jurídico principal a ser tutelado é a vida, o nascituro possui expectativa de direitos, e em se diagnosticando a morte cerebral do feto não há que se falar em bem jurídico a ser protegido.
Consoante o Ministro Marco Aurélio de Mello, “a interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico não caracteriza aborto, porque não há expectativa de vida fora do útero”[13]. Já o Ministro Joaquim Barbosa diz que: “o feto anencefálico, mesmo estando biologicamente vivo (porque feito de células e tecidos), não tem proteção jurídica.”[14]
É de suma importância, para a compreensão do tema proposto, definir o objeto jurídico vida e o momento em que esta é cessada, ou seja, morte. Percebe-se que se trata de assunto bastante complexo, porém de relevante finalidade para o entendimento sobre a ilicitude da conduta de extração do feto anencefálico.
Analisando o direito, no tocante ao tema proposto, nos diversos países mundiais, observa-se que não é somente o Brasil que resiste à legalização do aborto dos casos de anencefalia. Conforme o jornal “O ESTADÃO” de São Paulo, “nações islâmicas, africanas e grande parte da América Latina dividem com o país a proibição e, por isso, lideram o ranking dos nascimentos com a má-formação. O Brasil ocupa a quarta posição.”[15]
Curiosamente, países desenvolvidos de tradição católica como Espanha, Itália, Portugal, Estados Unidos e Canadá não vêem problema algum em autorizar a interrupção da gravidez nos casos de anencéfalos. Logo, feito o diagnóstico da anencefalia, dá-se a mulher o direito de escolher entre continuar a gestação ou interrompê-la.
Com a finalidade de melhor entender quando começa o nascimento, vale-se do conceito sugerido pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a vida, entre outras acepções é “o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte.”[16]
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, reza que: “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”[17]
A Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, caput, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à vida, in verbis: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, e a propriedade.
Ainda segundo a Constituição Federal, para ser brasileiro é necessário que se tenha nascido com vida, conforme o artigo 12 que estabelece:
São brasileiros: I – natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II – naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
Socorrendo-se do Direito Constitucional tem-se as seguintes abordagens. Segundo José Afonso da Silva apud Alfradique:
“[...] no texto constitucional (art. 5º, caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que mude de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte.”[18]
Consoante Aurélio Buarque de Holanda Ferreira a definição de vida é a seguinte:
“Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução , e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte.”[19]
Ante o exposto na Constituição Federal de 1988, observa-se o cuidado com o resguardo do bem-jurídico vida, também com a disposição do tema na legislação infraconstitucional, infere-se que o aborto é prática que afronta incisivamente o direito à vida. O desrespeito aos direitos do nascituro, as técnicas utilizadas para interromper a vida no ventre materno, os medicamentos abortivos, são práticas adotadas de forma errônea. É correto afirmar que o aborto, fora dos casos legais e morais, ferem o direito fundamental à vida.
Entendem-se os direitos fundamentais como sendo princípios constitucionais fundamentais, tendo em vista que estabelecem os pilares da Ordem Jurídica e de um Estado Democrático de Direito.
Vale salientar que a nossa legislação pátria protege a vida como direito fundamental, porém se faz imperioso que esta esteja em consonância com a dignidade da pessoa humana fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo o princípio-valor fundamental segundo o qual devem ser interpretados todos os demais direitos, assim, antes de se falar em direito à vida, necessário se faz compreender a dignidade da pessoa humana.
A todo o momento surgem técnicas médicas que permitem uma melhor definição do que seja morte e quais os critérios definidores desse instante. O critério respiratório já foi determinante para constatação da morte, porém descobriu-se falho, pois com o avanço da medicina criaram-se aparelhos que possibilitam a respiração de organismos vegetativos.
“A medição dos batimentos cardíacos passou a ser a forma utilizada para detectar a presença da vida, assim quem não tivesse seu sangue circulando no corpo estaria morto, entretanto a evolução da ciência permitiu o advento de aparelhos que possibilitem massagens cardíacas e o uso de desfibriladores derrubou a crença em tal critério.”[20]
O critério acima citado permitiu que inúmeros corpos em estado vegetativo ficassem vivos apenas pelos aparelhos e, com isso surge o problema dos transplantes, pois não era possível deixar pessoas esperando pela parada cardíaca desses seres, a fim de que pudesse ser realizado o transplante. Diante de tal necessidade a medicina criou o conceito de morte cerebral ou encefálica para solucionar o problema.
“O conceito de morte encefálica foi introduzido na legislação brasileira por meio da Lei n° 9.434 de 04 de fevereiro de 1997 que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo para consecução de transplantes e tratamento médico. O art. 3° da referida Lei estabelece: a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.”[21]
Do artigo supramencionado e dos conceitos acima referidos infere-se que todo aquele ser humano que perde irreversivelmente as funções do encéfalo, não possui condição de vida extra-uterina, não se constituindo ilícita a conduta da retirada do feto.
Como esteio da afirmação anteriormente citada, encontra-se a proteção do princípio jurídico da dignidade da pessoa humana, o qual encontra sua atual concepção na filosofia grega. A Grécia antiga deixou de dar explicações mitológicas aos fenômenos da natureza e utilizou-se da razão para explicar os fenômenos naturais criando várias leis e princípios universais.
Convém salientar que, para os gregos, a dignidade não se manifestava de forma linear, ou seja, para todos igualmente e sim, verticalmente, pois levava em consideração a posição social ocupada pelo indivíduo.
No entanto o pensamento estóico defendia que todos os homens eram iguais e livres, posto que todos possuíam idêntica capacidade de pensar, dessa forma eram contrários à escravidão. Diante disso, percebe-se que coexistiam duas noções de dignidade: para os estóicos, dignidade moral e para os demais, dignidade sócio-política.
Com o surgimento do cristianismo, espalhou-se a idéia de que o homem foi concebido a imagem e semelhança de Deus, por isso todos são iguais e de valor próprio inerente a cada um. Logo, a visão da dignidade perdeu a dimensão da acepção sócio-política e adquiriu uma dimensão qualitativa, isto é, não importa a posição social do indivíduo, não existe homem mais digno ou menos digno a depender da condição social.
Segundo Tomás de Aquino:
“que chegou a se referir expressamente à dignitas humana, procurou conjugar a doutrina cristã e a acepção estóica da dignidade clássica. Para o pensador, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, dotou-o de razão qualidade peculiar que lhe permite construir sua vida de forma livre e independente. Esta capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, para Tomás de Aquino, é o fundamento da dignidade da pessoa humana.”[22]
Ou seja, a idéia de dignidade mescla a concepção estóica e cristã, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e é possuidor de razão, qualidade que permite ao mesmo utilizar do livre arbítrio, a fim de que cada um construa sua vida de maneira livre e independente ao que se chama autodeterminação, fundamento da dignidade da pessoa humana.
Para Immanuel Kant:
“a natureza racional do ser humano lhe confere autonomia da vontade, ou seja, a faculdade de determinar a si mesmo e agir (ou não) em conformidade com as normas. Esta característica, apenas encontrada no homem, constitui-se fundamento da dignidade da pessoa humana.”[23]
Logo, o ser humano é dotado de dignidade e nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo, assim a dignidade se baseia na própria autonomia do indivíduo, ou seja, na capacidade que cada indivíduo tem de se submeter às leis que constituem o Estado exercendo a autonomia de vontade.
Consoante Sartre:
“rejeita a idéia de natureza humana intrínseca. Para ele, o homem primeiro existe, para depois ter sua essência, pelo que, o seu futuro está inteiramente por construir e sob sua responsabilidade. O homem, então, nada mais é que o que ele faz de sua própria vida, só existindo na medida em que se realiza. Assim, para Sartre, a dignidade da pessoa humana não é inata, ao contrário, reside justamente no fato de sua existência estar toda por construir. Ao contrário das coisas, que já possuem uma existência predeterminada, o homem tem plena liberdade para fazer-se. Aí reside sua dignidade.”[24]
Então, repele a idéia de dignidade interior, porque primeiro o homem existe para depois ter a sua essência, dessa maneira a dignidade da pessoa humana não é inata e se sustenta exatamente no fato da vida que se vai construir para existir.
Para Hannah Arendt:
“por fim, a dignidade da pessoa humana representa um conjunto de direitos inerentes ao homem que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. A autora, ao analisar o fenômeno totalitário, percebeu que, neste tipo de Estado, criam-se as condições para que se considerem os homens supérfluos, subtraindo sua condição humana. Para evitar a formação desse tipo de Estado e a conseqüente coisificação do homem, sugere a autora o pleno exercício da liberdade e da palavra, de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.”[25]
É da acepção da autora supracitada que decorre o fenômeno de constitucionalização do valor dignidade da pessoa humana sob forma de princípio em várias constituições mundiais.
Especificamente, na Constituição de 88, a noção de dignidade da pessoa humana funde-se à definição material de constituição, posto que tal preocupação consagrou-se como uma das finalidades constitucionais, assim um dos objetivos da Carta Magna é a proteção da dignidade humana e a sua promoção.
Importante destacar que tais objetivos representam a vontade da Constituição tão defendida por Konrad Hesse face a sua força normativa. Desse modo, a preservação da dignidade da pessoa humana é princípio estruturante do Estado brasileiro.
Maria Celina Bodin de Moraes explica que:
“[...] a "raiz da palavra ‘dignidade’ é derivada do latim dignus - aquele que merece estima e honra, a quem se deve respeito, aquele que é importante", acentuando: "Foi o Cristianismo que, pela primeira vez, concebeu a idéia de que a cada ser humano era preciso atribuir a deferência devida à dignidade de Deus, porque somos todos seus filhos e, em conseqüência, todos irmãos" (pág. 125). Adiante, acrescenta (op. cit., p. 126): "Ressalte-se que o princípio constitucional não garante o respeito e a proteção da dignidade humana apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, nem tampouco traduz somente o oferecimento de garantias de integridade física, psíquica e moral do ser humano. A Constituição Federal considera esta dignidade ‘fundamento da República’. Dados o caráter normativo dos princípios constitucionais e a unidade do ordenamento jurídico, para o que nos interessa nesta sede, para o Direito Civil, isto vem a significar uma completa transformação, uma verdadeira transmutação.”[26]
Conforme o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal constitui fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio de Estado e Nação sobre o indivíduo e unifica os direitos e as garantias fundamentais, posto que são ambos inatos às personalidades humanas.
4.CONCLUSÃO
Pelos argumentos acima, pode-se observar que o tema discutido é por demais complexo devido ao envolvimento de questões de cunho religioso, moral, social, cultural, científico, jurídico, filosófico e, acima de tudo, ético. À medida que se pesquisa acerca do trabalho em tela percebe-se que a discussão a respeito do aborto ganha vulto, fato que demonstra que a sociedade preocupa-se e deseja buscar solução adequada para o referido problema. No entanto, como não poderia deixar de ser os interesses individuais ainda preponderam sobre os coletivos.
É sabido que não existem argumentos que justifiquem a morte, porém o presente trabalho visa esclarecer que a prática da retirada do feto anencefálico do ventre materno não constitui a conduta típica, ilícita descrita na legislação penal pátria, pois como já fora visto anteriormente o anencéfalo só permanece vivo no interior do organismo da gestante e dele depende para continuar vivo, assim não possui vida autônoma e não pode ser sujeito passivo do crime de aborto.
Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à saúde da gestante e a legalidade, liberdade e autonomia da vontade são justificativas suficientes que robustecem a tese do parágrafo anterior. Tais argumentos encontram validade na Constituição da República Federativa do Brasil e, a princípio, podem parecer contraditórios com o direito à vida, contudo fazendo uma análise compassada e racional nota-se que são princípios ou direitos fundamentais que serão sopesados mediante o princípio da proporcionalidade e da lesividade, a fim de que a gestante e o feto não necessitem sofrer além do que o peso da própria doença anencefalia já traz.
Não se deseja, em momento algum, neste trabalho, a legalidade do aborto, mas tão somente proporcionar debates que possibilitem, o mais rápido possível, a solução para os casos dos portadores de anencefalia, com a finalidade de atender aos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade, porque não é suficiente estar vivo, todavia é preciso viver com o mínimo de condições dignas e, acima de tudo, é imperioso que estas sejam oferecidas a todos eqüitativamente.
O intuito maior deste artigo é esclarecer o que acontece quando a gestante possui em seu ventre um feto que não terá diminuto tempo de sobrevivência fora do corpo materno e, caso tenha sobrevida esta se dará em poucos minutos, horas ou dias. Afora isso, o estado emocional em que a mesma se encontra por saber que carrega consigo um ser que está fadado a morte, pois não se pode obrigar alguém a se submeter a tal constrangimento.
Vê-se que não se está defendendo a eugenia, pois esta tem o objetivo de extirpar da sociedade seres humanos defeituosos e feios, entretanto assegurar ao feto moribundo e a sua mãe os direitos tutelados pela Carta Magna.
5. REFERÊNCIAS
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MORAES, Maria Celina Bodin de. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. (Org.). "O Direito Civil Constitucional", na coletânea "1988 - 1998 - uma década de Constituição". Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2006.
[1] GOMES, Hélio. Medicina legal. 25 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987. p. 267.
[2] Idem. p. 268.
[3] Ibidem, p. 268.
[4] FRANCO, Alberto Silva. “Aborto por indicação eugênica”, in Estudos Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 90.
[5] ALFRADIQUE, Eliane. Direito à vida: aborto – estupro - feto anencefálico. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=448.
Acesso em: 09 jan 2008.
[6] CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
[7] Idem.
[8] MARTINS, Guylene Vasques Moreira. A polêmica (i) legalidade do aborto de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9190&p=1. Acesso em: 09 jan 2008.
[9] BRASIL. STF. HC 84.025-6 Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp. Acesso em: 26 fev 2008.
[10] MARTINS, Guylene Vasques Moreira. A polêmica (i) legalidade do aborto de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9190&p=1. Acesso em: 09 jan 2008.
[11] FRANÇA, Genival Veloso de. Alvará emitido pela Comarca de Londrina, 2ª Vara Criminal. Diagnóstico: Anencefalia; em 1/12/1992, 7 ed., Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2004. p. 266.
[12] LARA, André Martins e WILHEMS, Fernando Rigobello, FREITAS, Ana Clélia de, FAYET, Fábio Agne. Existe aborto de anencéfalos? Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6467. Acesso em: 09 jan 2008.
[13] Idem.
[14] Idem.
[15] CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
[16] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
[17] PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538&p=2. Acesso em: 09 jan 2008.
[18] ALFRADIQUE, Eliane. Direito à vida: aborto - estupro - feto anencefálico. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=448.
Acesso em: 09 jan 2008.
[19] HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed., rev. e ampl. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1994.
[20] CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
[21] CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875&p=3. Acesso em: 09 jan 2008.
[22] PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538&p=2. Acesso em: 09 jan 2008.
[23] Idem.
[24] Idem.
[25] Idem.
[26] MORAES, Maria Celina Bodin de. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. (Org.). "O Direito Civil Constitucional", na coletânea "1988 - 1998 - uma década de Constituição". Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.
Graduada em Pedagogia, em 2003, pela Faculdade Pio Décimo. Graduada em Direito, em 2008, pela Universidade Tiradentes. Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe. Pós-graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil, pela Universidade Tiradentes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Luciana Bastos. A constitucionalidade do aborto anencefálico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2010, 10:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21970/a-constitucionalidade-do-aborto-anencefalico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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