1- INTRODUÇÃO
O presente artigo visa abordar os argumentos favoráveis e contrários a atuação do Ministério Público no âmbito da investigação criminal, fornecendo jurisprudência atualizada dos Tribunais Superiores bem como os principais posicionamentos trazidos pela doutrina.
Observe-se que neste artigo não está em discussão quem presidirá o inquérito policial, pois não há qualquer dúvida de que a autoridade policial é quem deve presidi-lo, e sim demonstrar a possibilidade do exercício da investigação criminal pelo membro do Ministério Público.
Apesar da amplitude da matéria, buscou-se apresentar de maneira clara e concisa os principais pontos controvertidos, e inicialmente para melhor compreensão do tema, separou-se os argumentos favoráveis dos contrários a investigação criminal pelo Ministério Público.
2- O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO TITULAR DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
No processo penal o Ministério Público é considerado sujeito singular, sua atuação na investigação de crimes caracteriza atividade de interesse da sociedade, visando a apuração da verdade e a promoção da justiça.
Ao lado disso, de acordo com o artigo 129, incisos I, VI, VIII e IX da Constituição Federal, são funções institucionais do Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial, indicado os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; bem como exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade.
Ademais, o Conselho Nacional do Ministério Público editou no dia 02 de outubro de 2006, a Resolução nº 13, a qual disciplina a instauração e as regras de tramitação do procedimento investigatório no âmbito do Ministério Público.
Existem inúmeros diplomas legislativos autorizando esta espécie de investigação pelo Ministério Público tais como: artigo 4º, parágrafo único e artigo 47, ambos do Código de Processo Penal; artigo 8º da Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União); artigo 26 da Lei nº 8.625/93(Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados); artigo 201, inciso VII, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); artigo 74, inciso VI, da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso); artigo 29 da Lei nº 7.492/86 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional) e artigo 356, §2º da Lei 4.737/47 ( Código Eleitoral).
Cumpre ainda ressaltar que, de acordo com a Súmula 234 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “A participação de membro do Ministério Público na fase de investigação criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.
Nesse trilhar, o STF no RE 535478, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 21/11/2008 reconheceu os poderes investigatórios do Ministério Público: “Contudo, ainda que se tratasse da temática dos poderes investigatórios do Ministério Público, melhor sorte não assistiria ao recorrente. A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves, como o presente, que envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em contas bancárias”.
Ao lado disso, o STF no HC 89837/DF, REl. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ de 20/10/20019 decidiu: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos os advogados, sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado Democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promotores de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alega a nulidade da ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusivamente pelo Ministério Público e que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática de tortura.
Além disso, a investigação criminal pelo Ministério Público é admitida de forma pacífica pelo STJ, como se vê no julgado ROHC 11888/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma: “CRIMINAL. RHC. INVESTIGAÇÃO EM INQUÉRITO CIVIL. ATOS INVESTIGATÓRIOS REALIZADOS PELO MP. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS A PRESIDENTE DA CÂMARAMUNICIPAL. LEGALIDADE DA SOLICITAÇÃO, QUE PODE SER DIRIGIDA AQUALQUER DOS PODERES. PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DO DIREITO DE ESCOLHERO QUE DEVE SER ENCAMINHADO À INVESTIGAÇÃO MINISTERIAL.IMPROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA DE ORDEM IMINENTE DE PRISÃO. LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. I. Não há ilegalidade nos atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos a fim de instruir seus procedimentos administrativos, visando a eventual oferecimento de denúncia, havendo previsão constitucional e legal para tanto. II. Improcede a alegação de que os Poderes Executivo e Legislativo não estariam obrigados a atender a requisições ministeriais, pois pode ser destinatário da requisição qualquer órgão da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes Públicos. III. Não se pode aceitar a verdadeira pretensão, da paciente, de se atribuir o direito de escolher o tipo de documentação que deva remeter ao Ministério Público, sob pena de inconcebível inversão de valores e de situações. IV. É descabido o pretendido reconhecimento de ameaça à liberdade de locomoção, se não há ordem iminente de prisão, mas, ao revés, evidencia-se a mera advertência genérica – prevista em lei – para o caso de ser obstaculizada a investigação afeta ao Ministério Público proceder, o que não pode ser considerado, de plano, ilegal. III. Recurso desprovido.”
Dessa feita, o Ministério Público como instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, para o cumprimento dessas funções constitucionais deve se valer de todos os meios indispensáveis, o que inclui o poder de investigação criminal.
Pois bem, vale destacar que a investigação criminal não é atividade exclusiva da polícia judiciária, uma vez que o titular da ação penal é o Órgão Ministerial. Note que o inquérito policial é uma peça meramente informativa, portanto, nos termos do artigo 39, §5º, do Código de Processo Penal, poderá haver a sua dispensa, desde que existam elementos suficientes para a propositura da ação penal.
A expressão “com exclusividade” constante no artigo 144, §1º, inciso IV da Constituição Federal apenas visou excluir a possibilidade de que as demais polícias referidas neste artigo (polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpo de bombeiros militares) exerçam funções de polícia judiciária da União, cabendo apenas a polícia federal referida atribuição.
3- IMPOSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E CRÍTICAS A TAL POSICIONAMENTO
Segundo Guilherme de Souza Nucci, o Ministério Público não poderia presidir a investigação pois “permitir que o Ministério Público por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal”.
Ora, tal argumento não merece prosperar pois existem as denominadas cláusulas de reserva de jurisdição que estabelecem determinadas barreiras à atuação do Órgão Ministerial, principalmente no tocante às liberdades públicas, exigindo-se para o seu regular exercício autorização judicial.
Deve-se registrar ainda que o Ministério Público nunca age desprovido de qualquer fiscalização uma vez que internamente já há um controle na própria instituição, como é o caso das Corregedorias e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Outrossim, leciona Carlos Roberto de Castro Jathay: “Na hipótese de excesso ou subversão da lei por parte do Ministério Público quando de suas investigações, lícito será ao ofendido a impetração dos remédios constitucionais previstos para todos os casos de abuso de autoridade e agressão à lei, especialmente o habeas corpus ou o mandado de segurança, devendo figurar o Ministério Público como agente coator.”
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo afirma que “dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada da prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade desatende à justiça”.
No entanto, não há que se falar em comprometimento da imparcialidade do membro do Ministério Público, tanto isso é verdade que o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº234 na qual reconhece a inexistência de suspeição ou impedimento para o oferecimento da denúncia quando este participa da fase de investigação.
Há ainda quem alegue que a investigação criminal conduzida exclusivamente pelo representante do Ministério Público prova o desequilíbrio das partes do eventual futuro processo e que o mesmo órgão que acusa não poderia investigar por conta própria.
Pois bem, o Ministério Público como fiscal da lei deve sempre estar atento ao seu fiel cumprimento podendo requerer o arquivamento do inquérito policial, pedir a condenação do réu, bem como a sua absolvição e até mesmo recorrer em favor deste.
Neste sentido, Eugênio Pacelli Oliveira afirma: “De se notar, então, que a investigação empreendida pelo parquet não lhe impõe, previamente determinada convicção. Ou seja, uma vez encerrada a investigação, tanto pode o MP requerer o arquivamento quanto o oferecimento da denúncia. Nada há que lhe condicione o agir, desta ou daquela maneira.”
Acrescente-se que segundo Leonardo Barreto Moreira Alves não há incompatibilidade entre a investigação e a acusação, muito pelo contrário, até porque a investigação, em regra, é dirigida justamente ao Ministério Público, para formação de sua opinio delicti.
Por fim, há ainda quem sustente a tese de que a investigação criminal é exclusiva da polícia judiciária, com fundamento na literalidade do artigo 144, § 1º, inciso IV, da Constituição Federal.
Referido fundamento não está sendo interpretado corretamente porque existem procedimentos administrativos que podem muito bem viabilizar a propositura da ação penal independentemente da instauração do inquérito policial. Vale ressaltar que de acordo com o artigo 4º, parágrafo, único do Código de Processo Penal, outros órgão da Administração Pública também podem investigar crimes desde que no exercício de suas funções, como é o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, Receita Federal, Banco Central, INSS e as Corregedorias. Com efeito, se mencionados órgãos são aptos a apurar fatos que podem configurar infração penal, com maior razão o Ministério Público não pode ser impedido de investigar no âmbito criminal já que ele é o titular exclusivo da ação penal pública.
4- CONCLUSÃO
Diante do exposto, deve-se entender que não há porque criar obstáculos a atuação do Ministério Público na investigação criminal, pois sendo este o órgão responsável pela deflagração da ação penal, ninguém melhor do que ele para identificar a existência de indícios de autoria e a materialidade do delito.
A própria Constituição Federal no artigo 129, incisos I, VI, VIII e IX ao tratar das funções institucionais do Ministério Público dotou-lhe de poderes investigatórios. Nesse contexto, Pinto Ferreira leciona: “Quando o constituinte concede a determinado órgão ou instituição uma função (atividade-fim), implicitamente está concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento do seu objetivo, sob pena de ser frustrado o exercício do múnus constitucional que lhe foi cometido”.
Oportuna é a colocação de Eugênio Pacelli de Oliveira: “Evidentemente, nem o Ministério Público, nem o Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal Federal, nem quaisquer agentes políticos estão a salvo de observações críticas quanto ao desempenho funcional da totalidade de seus integrantes. Do mesmo modo, também a Polícia não está a cavaleiro da crítica, sobretudo em razão das arbitrariedades e atrocidades notoriamente praticadas no período da ditadura militar. O fato é que os eventuais equívocos de membros do parquet não podem ser suficientes para que a Constituição da República seja rasgada por quem tem a dura e nobre missão de defendê-la. O que se vê, a cada ida que passa, é que a razão estava com o velho Kelsen, ao menos sob uma perspectiva: na aplicação da lei parece não haver como fugir da vontade pessoal do intérprete.”
Por derradeiro, o ideal seria que houvesse uma maior integração entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, dessa maneira as investigações fluiriam mais rápido e teríamos uma resposta mais eficiente do Estado na punição de eventuais infratores. Desse modo, a atuação direta do Ministério Público não deve afastar a Polícia Judiciária, estes devem agir conjuntamente, muitas das vezes o Ministério Público não dispõe de aparato suficiente para levar adiante a investigação criminal, portanto, nessas situações a Polícia Judiciária se torna indispensável, sem ela, não teríamos informações suficientes para a propositura da ação penal.
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual, Salvador, Jus Podivm, 2008.
ALVES, Leonardo Barreto Moreira Alves. Coleção Sinopses para Concursos. Processo penal – Parte Geral, Vol. 7, Salvador, Jus Podivm, 2010.
ARAÚJO, Fábio Roque; TÁVORA, Nestor. CPP para Concursos, Salvador, Jus Podivm, 2010.
CALDEIRA, Felipe. Processo Penal: Informativos do STF e STJ Comentados e Sistematizados, Salvador, Jus Podvm, 2010.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 16ª edição, São Paulo, Saraiva, 2009.
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo, Saraiva,1989.
JATHAY, Carlos Roberto de Castro. Curso de Princípios Institucionais do Ministério Público, Rio de Janeiro, Roma Victor, 2004.
NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal, Volume I, 1ª edição, São Paulo, Edipro, 2002.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 5ª edição, São Paulo, RT, 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 5ª edição, São Paulo, RT, 2008.
OLIVEIRA, Pacelli Oliveira de. Curso de Processo Penal, 13ª edição, Lumen Juris, 2010.
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Procedimento administrativo criminal, realizado pelo Ministério Público. Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, n. 22, jun.-ago.2003.
Técnico do Ministério Público do Estado de Sergipe. Bacharel em Direito, Formado Pela Universidade Tiradentes- UNIT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOIS, Max Fernandes. Controvérsias quanto a admissiblidade da investigação criminal pelo Ministério Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2010, 07:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21976/controversias-quanto-a-admissiblidade-da-investigacao-criminal-pelo-ministerio-publico. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.