O instituto do litisconsórcio está previsto a partir do art. 46 do Código de Processo Civil Brasileiro e é um tema que se projeta para outros ramos do Direito, tais como o processo judicial trabalhista. A razão da sua criação está profundamente ligada a dois fatores: economia processual e harmonia dos julgados.
O intuito da pesquisa realizada tem como principal objetivo apontar distinções entre o litisconsórcio necessário e unitário, bem como compreender a dicção do art. 47 do Código de Processo Civil.
Vejamos os critérios utilizados pela doutrina para a classificação do litisconsórcio. Quanto à posição que ocupa, pode o litisconsórcio ser ativo, passivo ou misto, conforme se estabeleça vários autores ou vários réus ou ainda vários autores e réus na demanda.
Quanto ao momento de sua formação, o litisconsórcio poderá ser inicial, ou seja, quando já nasce com a propositura da ação, sendo vários os autores que a propõe ou vários réus convocados para a citação desde o início da relação processual; ou ulterior, quando se forma no curso do processo, depois de já instaurada a relação processual por um dos autores ou em face de algum dos réus, como é o caso da coisa litigiosa ser transferida a terceiros, e estes assumirem a posição da parte originária (arts. 42 e 43 do Código de Processo Civil).
Quanto à obrigatoriedade ou não de sua formação, o litisconsórcio poderá ser necessário ou facultativo. Haverá litisconsórcio necessário quando existir lei determinando a sua formação ou quando a natureza da relação jurídica exigir a presença de todos os seus sujeitos. O litisconsórcio necessário exige a presença de todos os litigantes, caso contrário, o processo não se desenvolverá em direção ao provimento final de mérito, e o juiz terá de extinguir o processo sem resolução do mérito. Dessa forma, mesmo com o acordo geral dos litigantes, imprescindível a presença de todos os sujeitos da relação processual para o desenvolvimento processual eficaz. Exemplo de litisconsórcio necessário decorrente da imposição legal é a ação de usucapião, a qual se forma entre aquele em cujo nome está registrado o prédio usucapiendo e todos os confrontantes do imóvel (art. 942 do Código de Processo Civil).
O litisconsórcio facultativo é aquele que se estabelece por vontade das partes, não há nada que imponha a formação do litisconsórcio, este existe pelo simples desejo das partes. Oportuno mencionar os ensinamentos do doutrinador Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 176):
Assim sendo, nos casos em que pode haver litisconsórcio facultativo, a ação poderá ser proposta por vários demandantes, ou em face de diversos réus. Verifica-se, assim, que no litisconsórcio facultativo há o exercício de diversos poderes de ação, que poderiam ter sido exercitados isoladamente, cada qual levando a um provimento de mérito independente. Ao contrário do que ocorre nesta espécie, no litisconsórcio necessário há apenas um poder de ação sendo exercido, uma vez que ali a demanda só poderia ser oferecida se todos os litisconsortes estiverem presentes.
Dessa forma, toda vez que não houver disposição legal ou relação jurídica impondo a formação do litisconsórcio e este tornar-se possível diante do caso concreto, ter-se-á litisconsórcio facultativo.
Vale ressaltar que existe a figura do litisconsórcio multitudinário, o qual é previsto no parágrafo único do art. 46 do Código de Processo Civil, onde o juiz pode limitar o número de litigantes toda vez que comprometer a rápida solução do litigo ou dificultar a defesa.
Observe-se que não há uma fixação legal de número de litigantes. Apenas o juiz, diante do caso concreto, dirá se o número de litigantes encontra-se excessivo ou não. A limitação poderá ser feita de ofício ou a requerimento. Em caso de requerimento, o réu demonstrará em seu prazo de resposta, sob pena de preclusão, a existência de prejuízo para o exercício da ampla defesa. O pedido de limitação do número de litisconsortes no prazo de resposta interromperá o prazo para o oferecimento desta.
Quanto ao regime de tratamento dos litisconsortes, existe o litisconsórcio unitário e o litisconsórcio simples ou comum. O litisconsórcio unitário caracteriza-se pela necessidade de uniformidade de decisão para todos os litisconsortes. Ademais, a obrigatoriedade de decisão uniforme é determinada pela presença da relação jurídica única ou incindível. Ou seja, trata-se de relação jurídica que provocará a prolação de uma decisão uniforme que atingirá a todos no processo, sem distinção. Como exemplo, pode-se citar a ação de anulação de casamento, na qual é impossível anular o casamento de um dos cônjuges sem anulá-lo quanto ao outro também.
Registre-se, que haverá litisconsórcio unitário, quando há obrigatoriedade de decisão uniforme, entenda-se, de julgar a causa de modo igual para todos os litisconsortes e não pelas circunstâncias do processo.
Já o litisconsórcio simples ou comum, o juiz poderá proferir decisões diferentes para cada um dos litisconsortes. Nesse tipo de litisconsórcio, não há obrigatoriedade de decisões diferentes, mas apenas uma possibilidade de que isto aconteça. Exemplo típico é a demanda ajuizada por diversas vítimas de um acidente em face do causador do dano, em que um dos autores não consiga demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta do demandado e o seu dano ou até mesmo não consiga demonstrar qualquer prejuízo.
Diante da classificação acima, não podemos confundir litisconsórcio necessário com litisconsórcio unitário, tampouco pensar que o litisconsórcio unitário é espécie do litisconsórcio necessário. Os dois fenômenos apresentam nítidas distinções. Nesse sentido, os ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 181):
Quando se afirma ser necessário determinado litisconsórcio, esta afirmação nos leva apenas a concluir que a presença de todos os litisconsortes é essencial para que o processo se desenvolva em direção ao provimento final de mérito. Nada se diz sobre a forma como será decidida a causa submetida ao judiciário. De outro lado, quando se afirma ser unitário o litisconsórcio, o que se diz é que a decisão de mérito será, obrigatoriamente, uniforme para todos os litisconsortes, não se admitindo, que os mesmos recebam, na decisão, tratamento diferenciado. Nada se diz, porém, quanto a ser ou não ser indispensável a presença de todos os litisconsortes na relação processual.
Um dos motivos da confusão entre os dois litisconsórcio é sem dúvida o caput do art. 47 do Código de Processo Civil, o qual tenta conceituar litisconsórcio necessário e unitário. Vejamos:
Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
A análise desse dispositivo deixa clara a confusão entre os dois conceitos de litisconsórcio, pois como visto, o legislador afirma que haverá litisconsórcio necessário quando o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Ora, quando o juiz tem de decidir a lide de modo uniforme, é caso de litisconsórcio unitário e não necessário como diz o Código. Portanto, tal dispositivo define litisconsórcio necessário com características de unitário, quando na verdade, fora visto que pode existir litisconsórcio necessário e não unitário.
Diante desse equívoco do legislador, Alexandre Freitas Câmara (2007) explica que a redação do art. 47 do Código de Processo Civil sofreu apenas uma imprecisão na palavra “quando”, pois essa pequena palavra se colocada em seu devido lugar nos dará o correto conceito de litisconsórcio necessário. Sendo assim, para ele, a redação legal deveria ser assim escrita: “Há litisconsórcio necessário por disposição de lei, ou quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo” (CÂMARA, 2007, p. 183).
Ou seja, todo litisconsórcio necessário pela presença da relação jurídica incindível, será também unitário, pois o juiz terá de decidir de modo uniforme para todos os litisconsortes. Dessa forma, bastaria o legislador colocar a palavra “quando” em seu devido lugar e o conceito de litisconsórcio necessário estaria correto.
Diante do exposto, compreende-se que nem todo litisconsórcio necessário é unitário, visto que a necessariedade pode advir de duas causas: por disposição legal e pela natureza da relação jurídica. Ora, o certo é que quando o litisconsórcio é necessário por disposição legal, há apenas a obrigação da presença de todos os sujeitos da relação processual, sem que se torne necessário a mesma decisão para todos. Entretanto, tratando-se de litisconsórcio necessário pela natureza da relação jurídica, este também será unitário, pois existindo relação jurídica incindível, não há como decidir de modo diferente para os litisconsortes. É o exemplo clássico da ação de anulação de casamento proposta pelo Ministério Público, na qual ambos os cônjuges deverão ser citados (litisconsórcio necessário) e ambos terão a mesma decisão (litisconsórcio unitário).
Por outro lado, o litisconsórcio unitário, será geralmente, também litisconsórcio necessário. Como dito acima, o litisconsórcio necessário e unitário apresentam um ponto em comum e uma mesma fonte geradora, qual seja, a relação jurídica incindível. Dessa forma, em regra, o litisconsórcio unitário será também necessário. Embora essa seja a regra, não significa que não possa existir litisconsórcio unitário facultativo. Vejamos os exemplos concebidos por Câmara (2007, p. 182):
Pense-se, e.g, numa demanda em que diversos acionistas de uma determinada sociedade anônima pretendem, em litisconsórcio, a anulação de uma assembléia de acionistas. O litisconsórcio é iniludivelmente unitário, visto que não seria dado ao juiz anular a assembléia para um dos acionistas e não o fazer em relação aos demais. Ninguém poria em dúvida, por outro lado, o caráter facultativo do litisconsórcio.
Para o doutrinador Marcus Vinícius Rios Gonçalves (2007), só é possível litisconsórcio facultativo unitário, quando há uma relação jurídica una e incindível, com mais de um titular e que possa ser defendida por apenas um deles, por expressa autorização legal. Nesse sentido, afirma que só é possível o litisconsórcio facultativo unitário no campo da legitimação extraordinária, pois será necessária sempre a previsão legal permitindo que a relação, embora com mais de um titular, possa ser defendida e pleiteada em juízo por apenas um titular.
Destarte, percebe-se que o litisconsórcio necessário e unitário além de pertencerem a diferentes classificações não significa que a necessariedade e unitariedade estejam sempre unidas, pois pode haver litisconsórcio necessário e não unitário, bem como litisconsórcio unitário e não necessário.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988: atualizada até a Emenda Constitucional nº. 53, de 19-12-2006. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. D.O.U. de 17/01/1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil03/ LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 12 dez. 2008.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. v.1.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10. ed. Salvador: PODIVUM, 2008. v.1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1996.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.v.1.
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil interpretado: artigo por artigo parágrafo por parágrafo. 6. ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2007.
MARCATO, Antonio Carlos. Código de Processo Civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do Direito Processual Civil e Conhecimento. 36. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. v.1.
Servidora Pública.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Aline Wiltshire Carvalho Rodrigues. Diferença entre litisconsórcio necessário e unitário e a compreensão do Art. 47 do Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 out 2010, 11:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21980/diferenca-entre-litisconsorcio-necessario-e-unitario-e-a-compreensao-do-art-47-do-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.