“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226, Constituição Federal)
Mais uma vez o já previsto impasse na questão da elevação do valor do salário mínimo. Sindicalistas pretendem um valor de R$ 580,00, porém o governo informa que só pode elevar para R$ 540,00 (inflação passada mais crescimento do PIB, que foi zero).
Vale lembrar que esse valor está arredondado para mais (além da inflação oficial), uma vez que para 2011 o Ministério do Planejamento propôs oficialmente aumento do mínimo de R$ 510 para R$ 538,13, o que corresponde à variação do IPCA prevista para este ano, de 5,5%, sendo que a variação do PIB em 2009 foi negativa.
O grande problema na elevação do salário mínimo é o seu impacto nas contas públicas por conta do “efeito cascata”. Para cada R$ 1,00 de aumento no salário mínimo, estima-se que há acréscimo de R$ 286,4 milhões anuais nos gastos da União, significando menos investimentos. Não é pouca coisa, num país carente de infra-estrutura, saneamento, habitação, saúde, segurança.
Em 2004 o governo se defrontava com esse problema. O salário mínimo, na época R$ 240,00, não poderia crescer tanto quanto era desejável. O impasse estava formado, pois no ano anterior o reajuste do salário mínimo já havia ficado aquém das expectativas.
Vale lembrar que o salário-mínimo, nos termos do art. 7°, IV, da Constituição, tem por objetivo – ao menos em tese – atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, e dentre essas necessidades, a alimentação.
Reforçando a questão da importância da alimentação, a Constituição plasmou uma série de dispositivos de segurança e de proteção alimentar: art. 7°, XII (salário-família); art. 170, caput (asseguramento de uma existência digna); art. 170, VII (redução das desigualdades sociais); art. 193 (bem-estar e justiça sociais); art. 201, IV (novamente o salário-família); art. 227 (asseguramento pelo Estado ao direito de alimentação).
Além disso, o Preâmbulo Constitucional invoca a missão do Estado democrático, no sentido de assegurar o exercício de uma série de direitos, e dentre eles, expressamente, o “bem-estar”.
Posto isto, naquela ocasião - nos idos de 2004 - apresentamos uma alternativa para o governo federal. Consistia-se na elevação maior do valor do salário família, que na ocasião tinha um valor pouco representativo (R$ 13,48), equivalente a apenas 5,6% do valor do salário mínimo (R$ 240,00).
Ressalte-se que o valor do salário família era tão pouco significativo que falava-se até na extinção do benefício, pois o custo de seu lançamento e de controles seriam, em tese, mais caros que o valor do beneficio em si. Talvez pensassem em adotar o Princípio da Razoabilidade, porém em prejuízo do Trabalhador. Vale lembrar que o Salário Família é o benefício previdenciário que o segurado empregado e o trabalhador avulso tem direito, por cada filho de até 14 anos de idade, desde que tenha um salário de contribuição inferior ou igual a remuneração máxima estabelecida pela tabela do salário família.
Assim, sugerimos a elevação maior no valor do salário família, simultaneamente à criação de duas faixas de renda para fins de percepção do beneficio. Quem ganhava menos (primeira faixa) receberia a maior cota do salário família. E quem estivesse na segunda faixa, receberia a menor cota do salário família.
A fundamentação da proposta era simples. A elevação do valor do salário família não causa desdobramentos em “cascata”, portanto não tem impacto significativo nas contas públicas. Por outro lado, o seu grande mérito é corrigir a distorção de renda entre os trabalhadores que ganham menos, porém com maiores despesas familiares (filhos) em relação a outros trabalhadores que, apesar de auferir renda mensal de mesmo valor, não tem filhos (ou tem menos filhos que os demais).
Essa estratégia constitui-se em excelente instrumento de redistribuição de renda e redução das desigualdades sociais, bem como para a elevação real do poder de compra das pessoas que ganham menos. Indiretamente, tem o efeito de elevar o valor do salário mínimo para os trabalhadores mais carentes.
Em 2004 a proposta foi a da elevação do valor do salário família (R$ 13,48) para R$ 30,00 (trinta reais), para o segurado com remuneração entre 01 (um) e 02 (dois) salários mínimos e de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) para o segurado com remuneração mensal entre 02 (dois) e 03 (três) salários mínimos.
Caso a proposta tivesse sido aprovada tal como apresentada, seriam estes (em 01.05.04) os valores (considerando que o salário-mínimo foi reajustado para R$ 260,00):
a) para os trabalhadores que ganhassem até R$ 520,00, o valor da cota do salário família seria de R$ 30,00;
b) para os trabalhadores que ganhassem entre R$ 521,00 a R$ 780,00, o valor da cota do salário família seria de R$ 25,00.
A proposta foi aprovada parcialmente, pois criou-se efetivamente duas faixas de renda para fins de percepção do beneficio, elevando-se significativamente o valor do salário-família para a primeira faixa e mantendo a correção padrão (apenas uma atualização) para os trabalhadores situados na segunda faixa de renda.
Desse modo, em 01.05.04 foram esses os valores aprovados pela Medida Provisória 182, de 29.04.2004:
I - R$ 20,00 (vinte reais), para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 390,00 (equivalente a 1,5 vezes o salário-mínimo);
II - R$ 14,09 (quatorze reais e nove centavos), para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 390,00 e igual ou inferior a R$ 586,19. O teto da segunda e última faixa equivalia a 2,25 vezes o salário-mínimo.
Os trabalhadores que ganhavam até 1,5 salários mínimos e tinham filhos de até 14 anos, tiveram uma elevação real em sua renda mensal, pois o valor de sua cota de salário família passou de R$ 13,48 para R$ 20,00, num aumento de 56%. Os demais trabalhadores tiveram apenas um reajuste padrão em seus benefícios, que passaram de R$ 13,48 para R$ 14,09.
Dessa forma, após aquele reajuste em 2004, para o trabalhador que percebia um salário-mínimo sua cota de salário-família passou a representar 7,7% do novo salário-mínimo, já reajustado. Se comparado com o valor do salário-mínimo anterior (R$ 240,00), essa elevação passou a representar 8,33% do salário-mínimo, contra os anteriores 5,6%.
Importante lembrar que a proposta foi objeto do PL 2477/2000 e das Indicações nºs 780, 781, 782 e 783, apresentado pela deputada Marinha Raupp, na Câmara dos Deputados, em 2000, enviadas para a Presidência da República, Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e do Planejamento, respectivamente.
Em 2001 a proposta constou do relatório final da Comissão instalada em 2001, que estudava as alternativas para o reajuste do salário mínimo, sem que – apesar da relevância - o governo se interessasse pela proposta.
Em 22.04.2004 a parlamentar rondoniense fez pronunciamento na Câmara dos Deputados, lembrando o governo da adoção da medida, ou seja, viabilidade da elevação do valor do salário-família como alternativa a um reajuste maior do salário-mínimo.
Sete dias após o pronunciamento, precisamente em 29.04.04, o governo envia a Exposição de Motivos (EM) Interministerial nº 5 - MTE/MPS/MF/MP elevando o valor do salário-família e criando as duas faixas.
Dessa forma, entendemos que a mesma medida poderia ser tomada agora, em 2010, ou seja, uma elevação maior dos valores do salário-família como alternativa a um reajuste maior do salário-mínimo.
Atualmente são estes os valores das cotas de salário-família:
a) para quem ganha até R$ 539,03, o valor da cota é R$ 27,64;
b) para quem ganha entre R$ 539,04 até R$ 810,18, o valor da cota é R$ 19,48.
Importante observar que de 2004 até os dias de hoje, percebe-se um achatamento nas faixas dos segurados que tem direito a perceber o salário-família. Se em 01.05.04 a primeira faixa equivalia a 1,5 vezes o salário-mínimo, agora equivale a apenas 1,056 salários-mínimos.
Por outro lado, o teto (em 01.05.04) para os trabalhadores que tinham direito a receber o salário-família equivalia a 2,25 vezes o salário-mínimo. Hoje o teto está em 1,588 salários-mínimos.
Esse achatamento implica no fato de que de 2004 para 2010 reduziu-se drasticamente o número de trabalhadores segurados com direito à percepção do salário-família.
O montante de salário-família pago no Brasil, em 2009, foi de R$ 2,033 bilhões, numa média mensal de R$ 166,8 milhões, representando aproximadamente (por estimativa) 5,4 millhões de cotas de salários-famílias pagos no Brasil. Não dispomos dos valores pagos em 2010, mas o reajuste (de 2009 para 2010) foi de 7,7% para a primeira faixa e de 1,5% para a segunda faixa. Imaginando um reajuste médio de 5% sobre o total, e considerando-se a estabilidade no número de cotas, temos que os gastos com salário-família em 2010 implicarão numa elevação pouco significativa, em relação a 2009.
Se o atual salário-mínimo for elevado para R$ 540,00, como deseja o governo, isso implica num reajuste de 5,88%. Caso esse mesmo reajuste seja aplicado no salário-família, os valores das cotas atuais passariam a ser de R$ 29,26 e R$ 20,62, para a primeira e segunda faixas, respectivamente.
A proposta que apresentamos é a elevação dos valores das cotas para R$ 35,00 (primeira faixa) e R$ 22,00 (segunda faixa), representando uma elevação de 19,61% e de 12,49%, respectivamente.
Tal medida produzirá elevação real e expressiva na renda dos trabalhadores de menor renda, e não provocando o temível “efeito cascata” nas contas públicas.
Lembramos que sobre a cota de salário-família não incide quaisquer espécies de descontos (previdenciários, etc), representando para o trabalhador o recebimento de um valor integral.
Ainda que os valores sugeridos (R$ 35,00, na primeira faixa e R$ 22,00 na segunda faixa) não sejam aprovados, em razão de análises mais acuradas, o fundamento da presente proposta é propiciar um aumento real e mais efetivo nas atuais cotas de salário-família, elevando a renda do trabalhador e reduzindo a pressão por um maior salário-mínimo.
E por conseqüência, não pressionando as contas públicas em razão de um salário-mínimo maior, apesar de desejável.
Finalmente, poderá ser estudada a recomposição do teto da primeira faixa do salário-família (que tem a maior cota de salário-família), que em 01.05.04 equivalia a 1,5 vezes o valor do salário-mínimo. Tal medida provocará a inclusão de mais trabalhadores segurados na maior faixa do salário-família, sem que haja um acréscimo tão significativo nas despesas.
Tudo em perfeita sintonia com a Constituição, e sem a elevação mais acentuada dos gastos (prefiro dizer, neste caso: investimentos!) públicos.
Mestrando em Estudos Jurídicos Avançados, pela FUNIBER; graduação em DIREITO, pela UDF (2005); especialização em Direito Publico (UCAM-Universidade Cândido Mendes). Extensão em Defesa Nacional pela Escola Superior de Defesa; em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Política Externa para Altos Funcionários da Administração Pública, pelo Ministério das Relações Exteriores. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Milton Cordova. Salário-família, direito constitucional - uma opção à elevação do salário-mínimo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2010, 08:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22175/salario-familia-direito-constitucional-uma-opcao-a-elevacao-do-salario-minimo. Acesso em: 23 dez 2024.
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