Este breve arrazoado remete à importância do jurista Hans Kelsen para o controle de constitucionalidade. O presente artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente de apresentar ideias básicas que influenciaram o controle da constitucionalidade das normas no Brasil.
O referido autor contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento do referido controle, em especial por suas proposições que resultaram na criação de Tribunais Constitucionais, para a efetiva avaliação de constitucionalidade, dado que o Legislador não pode estabelecer o controle sobre normas por ele mesmo produzidas.
Nesse sentido, ensina o Professor Dirley da Cunha Júnior:
“KELSEN, em suma, defendeu a criação da jurisdição constitucional, em especial de um Tribunal Constitucional, partindo do pressuposto de que ninguém pode ser juiz em causa própria, de modo que: não se pode confiar a invalidação de uma lei inconstitucional ao mesmo órgão que a elaborou; assim, tal competência deve ser atribuída a um Tribunal Constitucional.”[1]
A criação de um Tribunal constitucional retira da órbita do legislador o controle sobre a constitucionalidade de suas normas e ao mesmo tempo invoca a necessidade de se concentrar tal controle em um Tribunal Constitucional, o que, no caso brasileiro, ainda que não em sua totalidade, dado o julgamento de recursos extraordinários advindos de outras instâncias, o Supremo Tribunal Federal.
O modelo de controle concentrado, por seu turno, está assim definido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes:
“O controle concentrado de constitucionalidade defere a atribuição para o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou a uma Corte Constitucional. O controle de constitucionalidade concentrado tem ampla variedade de organização, podendo a própria Corte Constitucional ser composta por membros vitalícios ou por membros detentores de mandato, em geral, com prazo bastante alargado”[2]
É de se ver que a ideia kelseniana infundiu na cultura jurídica a concepção de Corte Constitucional. Veja-se que suas ideias foram apresentadas quando da construção de uma nova sistemática constitucional na Áustria, no início do século XX, a pedido do próprio governo austríaco. Atente-se para o fato de que a concepção de controle de constitucionalidade já existia nos Estados Unidos. No entanto, somente após os estudos de Kelsen é que, na promulgação da Constituição austríaca de 1920, é que se lançou, no continente europeu, a noção de controle de constitucionalidade.
De fato,
“KELSEN concebeu um sistema de jurisdição constitucional “concentrada”, no qual o controle de constitucionalidade estava confiado, exclusivamente, a um órgão jurisdicional especial, conhecido por Tribunal Constitucional, sistema, portanto, significativamente distinto do sistema de jurisdição constitucional “difusa” do direito norte-americano.”[3]
Nesse caso, o único órgão habilitado a determinar a constitucionalidade ou não de determinada lei seria o tal Tribunal Constitucional, definido nas ideias de Kelsen, que também trazia em suas concepções a ideia de sanção associada à inconstitucionalidade e possibilidade de um procedimento de anulação do ato inconstitucional pelo órgão competente. Nesse caso, o jurista
“não se limita (…) a reconhecer a sanção como elemento integrativo do conceito de inconstitucionalidade. Considera indispensável, igualmente, a existência de uma sanção qualificada, isto é, do procedimento de anulação do ato inconstitucional por órgão competente.”[4]
Assim, e de acordo com as ideias kelsenianas, o Tribunal Constitucional assume o monopólio do controle de constitucionalidade, trazendo para si a competência da referida declaração. Destaque-se ainda o fato de que a teoria de Kelsen estabelece ainda o entendimento de que o Tribunal Constitucional exerce uma espécie de Poder Legislativo Negativo[5], ao julgar única e tão somente a legislação em abstrato e se ela é ou não compatível com a ordem constitucional vigente.
Assim, leciona o Professor Dirley da Cunha Júnior:
“Com efeito, na visão kelseniana o Tribunal Constitucional não julga nenhuma pretensão concreta, mas examina tão-só o problema puramente abstrato de compatibilidade lógica entre uma lei e a Constituição. Daí haver KELSEN assegurado que não há nesse juízo puramente lógico uma aplicação ou não aplicação da lei a um caso concreto, de modo que não se estaria, em conseqüência, diante de uma verdadeira atividade judicial, que supõe sempre uma decisão singular a respeito de um caso controvertido. Se assim o é, diz KELSEN, o Tribunal Constitucional é um legislador, só que um legislador negativo. Ambos os órgãos – o fiscalizado e o fiscalizador – são legislativos, só que o Tribunal Constitucional tem organização jurisdicional. Em decorrência disso, KELSEN sustenta que, enquanto uma lei não for declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, ela presume-se válida, circunstância que veda aos juízes e tribunais ordinários deixar de aplicá-las. Desse modo, não haverá, no sistema proposto por KELSEN, um vício de nulidade como ocorre no sistema difuso, mas, sim, de mera anulabilidade, o que implica em emprestar às decisões da Corte Constitucional uma natureza meramente constitutiva, com eficácia ex nunc, isto é, somente para o futuro.”[6]
Vale consignar a real importância do modelo austríaco de controle concentrado, tanto o é que o mesmo foi difundido pelo continente europeu, influenciando o sistema constitucional italiano, alemão, cipriota, turco, iugoslavo, espanhol, português e belga[7], demonstrando a sua força.
É de se atentar, por fim, que o sistema constitucional brasileiro, inserto na Constituição Federal de 1988, contém elementos do controle concentrado instituído pela teoria kelseniana, uma vez que há a possibilidade do controle em abstrato das normas, por forças de ações diretas de inconstitucionalidade e das ações declaratórias de constitucionalidade, julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunais de Justiça Estaduais, órgãos diversos daqueles em que as normas são produzidas, demonstrando a importância das ideias de Hans Kelsen para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA JUNIOR, Dirley. O Controle de Constitucionalidade e sua legitimidade democrática ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Breves Anotações. Controle de Constiticuinalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 1ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG
CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva, 2007
[1] CUNHA JUNIOR, Dirley. O Controle de Constitucionalidade e sua legitimidade democrática ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Breves Anotações. Controle de Constiticuinalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 1ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG. Pág. 13
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva, 2007, Pág. 955.
[3] CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 10
[4] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva, 2007, Pág. 954.
[5] Nesse sentido anota J. J. Gomes Canotilho que, consoante a formulação kelseniana de jurisdição constitucional, o controle de constitucionalidade não é propriamente uma atividade de fiscalização judicial, mas uma função constitucional autônoma, que se pode caracterizar como função de legislação negativa (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 833-834). In: CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 12
[6] CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 12.
[7] CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 11.
Advogado, Assessor Parlamentar, Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília, Pós Graduado em Direito Administrativo pelo IDP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Adovaldo Dias de Medeiros. A contribuição de Hans Kelsen para o controle de constitucionalidade de normas - uma pequena reflexão sobre o modelo austríaco de controle Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2011, 08:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22974/a-contribuicao-de-hans-kelsen-para-o-controle-de-constitucionalidade-de-normas-uma-pequena-reflexao-sobre-o-modelo-austriaco-de-controle. Acesso em: 23 dez 2024.
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