1. Introdução
O presente artigo tem por finalidade analisar o instituto das astreintes na tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.
O termo astreintes significa multa imposta a determinada pessoa, por descumprimento de uma obrigação. No caso específico de nosso estudo, essa multa é aplicada à parte que descumpre uma obrigação de fazer determinado ato ou se abster de fazê-lo. Mas o tema vai muito além disso, e com o seu desenvolvimento surgem diversas dúvidas relevantes, como por exemplo:
Essa multa tem caráter indenizatório ou punitivo? Será que há um limite de valor a ser observado ao se fixar a multa?
A multa pode ser fixada em caráter liminar? Em caso positivo, ela será devida mesmo se a ação for julgada improcedente? E se for extinta sem resolução do mérito?
A partir de quando a multa é exigível? É necessário aguardar o trânsito em julgado da ação para iniciar a execução? Como se executa este valor?
Nas linhas seguintes, abordaremos cada uma dessas questões.
O artigo finaliza com uma previsão de como evoluirá o tema, se for aprovado pelo Congresso Nacional o texto atual do anteprojeto do novo Código de Processo Civil.
2. Origem e conceito das astreintes
A origem histórica das astreintes é do direito francês. Como ensina o Desembargador e Doutrinador Rizzatto Nunes, houve uma dificuldade de tradução do instituto em nosso ordenamento jurídico [1]. O termo traduzido para o português significa “sanções”. É um significado muito vago. Que tipo de sanções? Aplicadas a quem? Por quais motivos?
Essa sanção é uma multa pecuniária, fixada a uma das partes no processo judicial, com a finalidade de forçá-la a cumprir determinada obrigação de praticar ou deixar de praticar certo ato.
Quando uma pessoa é condenada a cumprir uma obrigação de pagar quantia certa, por exemplo, o Estado tem meios coercitivos eficazes a fim de garantir que a decisão judicial seja cumprida, como a expropriação dos bens do devedor.
No entanto, quando a obrigação é de fazer ou não fazer, fica mais difícil de compelir o devedor a cumpri-la. E em grande parte das situações, a obrigação somente pode ser cumprida pelo devedor. O exemplo clássico é o da pintura de um quadro ou apresentação de um show musical. Mas podem existir inúmeras obrigações parecidas. Poderíamos citar a obrigação do vizinho não fazer barulho após determinado horário; a obrigação do locatário em deixar o proprietário mostrar o imóvel locado, que estiver à venda, a terceiros interessados; a obrigação do vendedor de um veículo em assinar o Documento Único de Transferência (D.U.T.) e por aí vai.
As astreintes se enquadram como um dos meios mais eficientes para a satisfação desse tipo de tutela. O devedor acaba por cumprir a obrigação para evitar a incidência da multa.
3. Previsão legal das astreintes para as obrigações de fazer e não fazer
A multa para o descumprimento da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer encontra previsão legal no Código de Processo Civil e também no Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 461 do Código de Processo Civil prescreve que o juiz, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, deve conceder “a tutela específica da obrigação” ou determinar “providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. O parágrafo 4º do referido artigo traz expressamente a previsão das astreintes, ao prever a possibilidade de imposição de “multa diária ao réu”, inclusive de ofício, em decisão liminar ou na sentença. Ainda, o parágrafo 5º do mesmo artigo prevê a possibilidade de “imposição de multa por tempo de atraso” em meio a um rol exemplificativo de medidas que têm por finalidade tornar eficaz a obrigação.
Além do descrito acima, o artigo 287 do Código de Processo Civil não deixa dúvidas quanto à possibilidade da cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento, quando for imposta ao réu obrigação para “abstenção da prática de algum ato”, “tolerar alguma atividade” ou “prestar ato”.
O Código de Processo Civil ainda traz a previsão das astreintes para o caso de execução da obrigação de fazer ou não fazer fundada em título extrajudicial, em seu artigo 645.
Por fim, o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor também prevê a aplicação da multa, contendo texto quase idêntico ao do artigo 461 do Código de Processo Civil.
4. Natureza jurídica
A referida multa tem caráter coercitivo e não indenizatório. Por isso, não há necessidade de que a fixação de seu valor esteja vinculada ao valor da causa. Cabe trazer as lições de Cassio Scarpinella Bueno:
“A multa não tem caráter compensatório, indenizatório ou sancionatório. Muito diferentemente, sua natureza jurídica repousa no caráter intimidatório, para conseguir, do próprio réu, o específico comportamento (ou a abstenção) pretendido pelo autor e determinado pelo magistrado. É, pois, medida coercitiva (cominatória). A multa deve agir no ânimo da obrigação e influenciá-lo a fazer ou não fazer a obrigação que assumiu. Daí ela deve ser suficientemente adequada e proporcional para este mister. Não pode ser insuficiente a ponto de não criar no obrigado qualquer receio quanto às consequências de seu não-acatamento. Não pode, de outro lado, ser desproporcional ou desarrazoada a ponto de colocar o réu em situação vexatória”. [2]
Percebe-se claramente que a finalidade das astreintes é forçar o devedor a fazer ou deixar de fazer algo, e não indenizar a parte contrária pelo descumprimento dessa obrigação.
Contudo, por vezes, apesar das medidas tomadas pelo juiz, o devedor não cumpre a obrigação, seja por desleixo ou descaso, seja por impossibilidade. Nestes casos, pode ocorrer a conversão em perdas e danos, diante de previsão expressa do artigo 461, parágrafo 1º do Código de Processo Civil: “A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente”.
Nesta hipótese, deverão ser apurados os prejuízos sofridos pelo credor, os quais serão, aí sim, indenizados pelo devedor inadimplente.
Cabe ressaltar que o artigo 461, parágrafo 2º do Código de Processo Civil prevê que nestas ocasiões, o valor devido a título de indenização será cobrado sem prejuízo de eventual multa fixada com caráter coercitivo. Entretanto, a jurisprudência vem relativizando tal dispositivo, nos casos em que se torna evidente a impossibilidade do cumprimento da obrigação.
Assim, o artigo 461, parágrafo 2º do Código de Processo Civil somente é aplicável nos casos em que o devedor deixa de cumprir a determinação judicial por desleixo ou por descaso.
5. Fixação do valor da multa
O instituto traz várias questões polêmicas. Uma delas se refere ao quantum que lhe é atribuído.
Será que há algum limite máximo a ser observado na fixação da multa? Essa multa pode ultrapassar o valor da causa? Se pode, até quanto?
A lei não prevê regras específicas a esse respeito. Vamos então analisar alguns casos concretos.
Essa discussão foi levada à colenda 23ª Câmara de Direito Privado do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.[3] No caso, o juiz determinou liminarmente que o devedor cumprisse determinada obrigação de fazer, impondo uma multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de atraso no descumprimento.
Ficou também bem caracterizado o fato de que o devedor não cumpriu a decisão judicial por puro desleixo e que o valor da multa não foi exorbitante. Ocorre que foram se passando os dias, e com a incidência diária, o valor devido chegou ao montante de R$ 117.257,80.
O devedor, então, pediu a redução do valor fixado diariamente (R$ 500,00), o que foi negado pelo juiz. Interposto o agravo de instrumento, a turma julgadora entendeu não ser possível a diminuição do valor fixado de R$ 500,00. Mas, por outro lado, considerou o valor total apurado muito elevado, tendo em vista o valor da condenação principal por danos chegar a apenas R$ 970,65.
Assim, pautando-se, pelo princípio da vedação do enriquecimento sem causa, a turma deu parcial provimento para reduzir o valor total para R$ 25.000,00. Assim, na prática, embora não com esse raciocínio, a turma julgadora acabou reduzindo o valor da multa diária, de R$ 500,00 para, aproximadamente, R$ 106,00.
Ainda em relação à desproporcionalidade da fixação das astreintes, cabe analisar outro caso concreto, trazendo trecho de um julgado do egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“Para logo, registro que a multa imposta revela-se extremamente desproporcional, tendo atingido o montante de R$1.230.000,00 em novembro de 2002, frente a um valor dado à causa, em 25/08/1999, de R$17.447,62.
A partir do momento que a fixação das astreintes atinge o ponto de ser mais interessante à parte do que a própria tutela jurisdicional do direito material em disputa, há uma total inversão da instrumentalidade caracterizadora do processo. Este não pode ser um fim em si mesmo, deve ser encarado por seu viés teleológico, sendo impregnado de funcionalidade. Não é a toa que um dos princípios do direito processual é a efetividade do processo”. [4]
A redução da multa é possível por previsão expressa do artigo 461, parágrafo 6º do Código de Processo Civil, o qual traz a seguinte redação: “O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”.
A modificação do quantum de forma retroativa, como ocorreu no caso ora analisado, é admitida pacificamente pela jurisprudência.
Veja-se que o texto traz o termo “modificar”. Há casos em que é possível majorar a multa, quando esta não for suficiente para compelir o réu a cumprir a obrigação. Nesse sentido, é interessante citar o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“(...)
2. Sendo o descaso do devedor o único obstáculo ao cumprimento da determinação judicial para o qual havia a incidência de multa diária e considerando-se que ainda persiste o descumprimento da ordem, justifica-se a majoração do valor das astreintes.
3. A astreinte deve, em consonância com as peculiaridades de cada caso, ser elevada o suficiente a inibir o devedor – que intenciona descumprir a obrigação – e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a respectiva pena pecuniária. Por outro lado, não pode o valor da multa implicar enriquecimento injusto do devedor. Precedentes.
4. Na hipótese de se dirigir a devedor de grande capacidade econômica o valor da multa cominatória há de ser naturalmente elevado, para que se torne efetiva a coerção indireta ao cumprimento sem delongas da decisão judicial. Precedentes.
5. Recurso especial provido, para majorar a multa cominatória ao importe de R$7.000,00 (sete mil reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo das atualizações legalmente permitidas, adotando como termo inicial, da mesma forma como fez o Tribunal de origem, a data da intimação pessoal do representante legal da recorrida, qual seja, 28 de julho de 2006, de modo que, até o presente momento, resultam aproximadamente 49 meses de descumprimento”.
Em verdade, a discussão a respeito do limite da multa diária reside no choque entre duas injustiças. De um lado, a ineficácia e falta de efetividade da decisão judicial. Sendo o valor muito baixo, o devedor não se vê compelido a cumprir sua obrigação e, assim, a própria finalidade da tutela específica acaba por deixar de existir. De outro lado, a vedação do enriquecimento sem causa. Como admitir que o devedor acabe por arcar com um valor diversas vezes maior do que a própria obrigação principal? A fixação das astreintes, que deveria ser meio para atingir a finalidade da tutela específica, acaba se tornando a própria finalidade. Ou seja, a tutela específica se torna meio para atingir o objetivo de se conquistar condenações astronômicas a título de multa diária.
O que se deve buscar, portanto, é um equilíbrio, capaz de, por um lado, tornar realmente eficaz a tutela específica, e, por outro, não onerar o devedor de maneira desproporcional, o que inverteria a instrumentalidade do processo.
Percebe-se que a questão é muito subjetiva. Uma multa diária de R$ 500,00, por exemplo, pode ser suficiente para forçar uma pessoa física a cumprir uma obrigação, mas pode ser irrelevante para uma empresa de grande porte. É claro, que em ambos os casos, a tentativa de coerção poderá ou não atingir o seu fim, dependendo de quanto a parte irá perder ou ganhar se deixar de cumprir a obrigação. Por isso, é importante o bom senso do magistrado, e análise responsável do caso concreto.
Nessa linha de raciocínio, trecho de outro julgado, que revela o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria:
“Quanto ao valor da multa por descumprimento de ordem judicial, esta Corte já se manifestou no sentido de que eventual intervenção ficaria limitada aos casos em que o valor fosse irrisório ou exagerado, considerada as particularidades de cada caso”. [6]
6. Exigibilidade da multa
6.1 Casos em que a ação é julgada improcedente ou extinta sem julgamento do mérito
Outra questão controvertida é a possibilidade de se cobrar a multa fixada em antecipação de tutela, mesmo quando a ação for julgada improcedente ou for extinta sem resolução do mérito.
Parte da doutrina e da jurisprudência entende que, nestes casos, a multa não é exigível. Rizzatto Nunes tratou do assunto em sua declaração de voto vencedor em um dos julgados analisados. Em forte crítica aqueles que entendem diversamente, afirma que somente é devida a multa cominatória se o credor for vencedor da demanda. Argumenta que não há sentido algum em condenar o réu a pagar uma multa fixada em virtude de uma obrigação que ele não tinha dever de cumprir. Cabe reproduzir integralmente parte de seus ensinamentos:
“E, realmente, aqueles que defendem a execução das astreintes, independentemente do resultado da demanda, ingressam na seara psicológica que acima demonstramos ser injustificável. Com efeito, não há qualquer fundamento para tanto. A função da multa cominatória, como exposto, é a de forçar o devedor a cumprir a obrigação de fazer ou não fazer. Todavia, até certo momento (o trânsito em julgado da sentença na ação principal) não se poderá afirmar que havia mesmo essa obrigação (...)” [1]
Em sentido contrário, Cassio Scarpinella Bueno, defende ser possível cobrar a referida multa, mesmo quando o devedor sair vencedor da demanda. Vejamos:
“Também em função da natureza da multa de cuja demonstração ocuparam-se os parágrafos anteriores é que se faz importante destacar que ela, a multa dos §§ 4º a 6º do art. 461 do CPC, subsiste mesmo em caso de a decisão final ser desfavorável ao autor, seja esta decisão final uma sentença e a multa ter sido fixada liminarmente (antecipadamente) com base no § 3º do art. 461 ou em sede de recurso interposto da decisão que fixa a multa antecipadamente ou da sentença. Pensamento contrário teria o condão de tornar inócua a fixação de multa e, por isto mesmo, conspirar contra sua natureza jurídica, aproximando-a, por exemplo, daquela prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC.” [2]
Em respeito às opiniões contrárias, entendo estar correta a última corrente. Isso porque a finalidade da multa é tornar eficaz a obtenção da tutela específica, a qual, no mais das vezes, também é de urgência. Ao vincular sua exigibilidade ao provimento final favorável, ocorre uma desmoralização do instituto. E não está aqui, defendendo uma eventual vaidade do magistrado que teve sua ordem descumprida, mas sim a efetividade da medida que deve atender o fim a que se destina, em consonância com o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.
Cabe lembrar que, em regra, as decisões que visam tutelar a urgência devem ser reversíveis. Assim sendo, não se justifica o descumprimento da decisão por parte do réu, pois a multa não se relaciona com o mérito da ação, mas sim com o descumprimento da tutela de urgência. Ao final, tendo razão no mérito, o réu será desobrigado. Se sofrer prejuízos em razão da medida coercitiva, poderá ser ressarcido pelo autor. O mesmo ocorrerá nos casos em que, excepcionalmente, atendendo ao princípio da proporcionalidade, se conceder tutela de urgência irreversível.
6.2 A forma de execução
A multa poderá ser cobrada no mesmo processo, com base nos artigos 475-J e seguintes do Código de Processo Civil. Após a reforma trazida pela Lei nº 11.232/2005, não faz sentido ingressar com execução autônoma. O texto do artigo 739-B do Código de Processo Civil, apesar de tratar do processo de execução, vem ratificar esse entendimento, o qual se baliza pela tendência de efetividade do processo.
6.3 O momento de exigibilidade
Quanto ao momento de exigibilidade, há divergência. Parte da doutrina entende que somente seria exigível a multa após o trânsito em julgado da decisão. É o que defendem, por exemplo, Rizzatto Nunes e Candido Dinamarco [7]. O entendimento se coaduna com a opinião de que a multa só é devida se a ação for julgada procedente.
Por outro lado, parte da doutrina que entende ser a multa devida em qualquer caso, defende a exigibilidade imediata. Vejamos:
“A multa é exigível a partir do instante em que a decisão que a fixa seja eficaz. É dizer: se fixada liminarmente (art. 461, §3º), desde que tenha ocorrido in albis o prazo fixado para a prática do ato tal qual determinado pelo magistrado ou a sua abstenção, a multa pode ser cobrada pelo autor, salvo se eventual agravo de instrumento for processado com efeito suspensivo (art. 558, caput).” [2]
Há quem defenda ainda que, apesar de ser exigível imediatamente, a multa somente é devida se a ação for julgada procedente. Nesse caso, a execução é provisória, sendo suspensa assim que satisfeita a penhora, devendo a execução prosseguir até os atos de expropriação de bens somente por ocasião do trânsito em julgado da sentença favorável. Esse entendimento deve prevalecer, integrando a atual redação do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, como veremos adiante.
7. Beneficiário da multa.
Como há silêncio da lei a respeito de quem seria o beneficiário da multa, esta acaba por ser revertida ao autor. Fato este, que recebe duras críticas da doutrina, pois como se trata de multa de caráter coercitivo e não indenizatório, não faz sentido que o autor a receba.
Mais correto seria que o beneficiário fosse o Estado, já que a multa visa coagir o réu a cumprir uma determinação do Poder Judiciário, representado pelo juiz.
Parte dos que defendem a impossibilidade de a multa ser devida mesmo quando a ação for improcedente, entendem que se o beneficiário fosse o Estado, ela então seria devida em qualquer caso.
Parece ainda mais adequado um regime misto, como ocorre em alguns países, onde o Estado receberia uma parte e o autor a outra, pois assim, o próprio Estado não precisaria interferir no processo, já que a iniciativa de iniciar a execução seria do autor.
8. O que deve mudar com o novo Código de Processo Civil?
A redação do anteprojeto do novo Código de Processo Civil traz inovações a respeito do tema, o qual estará inserido no capítulo II do Código, na seção IV, cujo título será: “Do cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer”.
A redação do artigo 502 e parágrafo único trará basicamente do que está disposto hoje no artigo 461 e parágrafo 5º, respectivamente.
As inovações serão inseridas nos parágrafos do artigo 503. O referido texto trata das astreintes em antecipação de tutela. Já no parágrafo 1º, se resolverá a questão do momento da execução. Estabelece que a multa poderá ser executada de imediato, inclusive nas decisões liminares, mas o levantamento só poderá ocorrer após o trânsito em julgado ou na pendência de agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial.
Isso parece resolver também a questão da multa devida em caso de demanda julgada improcedente ou extinta sem resolução do mérito. Embora não se compartilhe desse entendimento, parece clara a conclusão de não ser possível ao autor levantar o valor se não sair vencedor da demanda. Do contrário, a execução poderia ser definitiva.
O parágrafo 2º prevê que a execução abrange as multas vincendas, até que a decisão seja cumprida.
O parágrafo 3º estabelece hipóteses em que o juiz poderá aumentar ou diminuir a multa, bem como excluí-la. A hipótese de exclusão da multa é novidade que virá com o novo código, se for aprovado com essa redação. Ao que parece, esse texto visa prestigiar uma das possibilidades de incidência do artigo, prevista no inciso II, a qual também é novidade. Trata da hipótese em que o obrigado comprovar o cumprimento parcial superveniente ou a justa causa para o descumprimento. Já o inciso I, repete as hipóteses atuais, em que a multa se verifique insuficiente ou excessiva.
O parágrafo 4º estabelece que a multa incidirá enquanto a obrigação não for cumprida.
O parágrafo 5º deve trazer uma inovação, atendendo às críticas da doutrina. Prevê que o valor da multa será devido ao autor até o montante equivalente ao valor da obrigação. O que exceder será devido ao Estado, seja a União ou o Estado Membro, dependendo da onde tramita o processo. A dívida devida ao Estado será inscrita na dívida ativa.
O parágrafo 6º regula a situação em que o valor da obrigação for inestimável. Nestes casos, caberá ao juiz decidir o montante que cabe ao autor.
O parágrafo 7º estabelece que a multa será paga integralmente ao autor, quando este for a Fazenda Pública.
O parágrafo 8º finaliza o artigo, disciplinando que o juiz poderá conceder providência de caráter mandamental, sob pena de crime de desobediência, quando o descumprimento da obrigação prejudicar diretamente a saúde, a liberdade ou a vida do autor.
Como se pôde perceber, o novo Código de Processo Civil virá pacificar a questão da execução da multa, permitindo sua execução imediata, estabelecendo, porém, que é provisória.
Além disso, atende às críticas doutrinárias, estabelecendo um sistema misto, no qual autor e Estado receberão o valor devido a título de multa cominatória, quando o seu valor ultrapassar o valor da obrigação.
O quantum devido pelo réu continuará devendo ser observado caso a caso pelo magistrado, que pode aumentar, diminuir ou até excluir a multa retroativamente.
É importante lembrar que o conteúdo ora analisado se refere ao texto do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, o qual não está em vigência no momento em que este artigo é redigido. Assim, o texto pode ser modificado, ou até mesmo nem entrar em vigência. Vamos aguardar a tramitação no Congresso Nacional e conferir posteriormente.
9. Conclusão
As astreintes, trazidas do direito francês, representam importante mecanismo a fim de viabilizar a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Isso porquanto geram um efeito coercitivo no réu, que deve se sentir pressionado a cumprir a obrigação para não ter prejuízos maiores do que teria ao inadimpli-la.
Com esse objetivo, o texto do artigo 461, caput e parágrafos prevê a fixação de multa, inclusive de ofício, em liminar ou na decisão final. Com efeito, por seu caráter coercitivo e não indenizatório, a multa é devida independentemente de eventual apuração de perdas e danos.
Assim, a única finalidade da multa é a de tornar eficaz a medida. Por isso, a sua fixação adequada é muito importante, observando a proporcionalidade e razoabilidade. Não pode ser tão baixa, a ponto de permitir que o réu considere mais vantajoso pagar a multa e não cumprir a decisão, mas por outro lado, também não pode ser tão alta a ponto de inverter a instrumentalidade do processo, fazendo com que a multa cominatória passe a se tornar mais interessante que a própria obrigação principal, deixando de ser meio para ser fim.
Contudo, a fixação da multa não está limitada ao valor da causa, exatamente pelo fato de não estar vinculada ao mérito, mas sim ao cumprimento da ordem judicial. Entretanto, quando soma valores exorbitantes, cabe ao juiz diminuir o seu montante, a fim de evitar a inversão da instrumentalidade do processo.
Ponto controvertido é se a multa é ou não devida nos casos em que a demanda foi julgada improcedente ou extinta sem resolução do mérito. Embora parte da doutrina entenda que não é devida, optou-se pelo entendimento divergente, primando-se pela efetividade da medida, e ressaltando-se que eventual abuso de direito por parte do autor pode ser indenizado, com base nas regras da responsabilidade civil por ato ilícito.
A execução da multa pode ser feita no mesmo processo, em autos apensos, sendo desnecessária a propositura de ação de execução autônoma.
Outra questão controvertida surge ao se analisar o momento de sua exigibilidade. Parte da doutrina e jurisprudência entende que somente é possível iniciar a execução após o trânsito em julgado, e outra parte entende que o início pode se dar de forma imediata, assim que o réu descumprir a determinação judicial, em sentença ou em liminar. Os defensores deste posicionamento subdividem-se, uns entendendo que a execução seria provisória, outros defendendo que ela seria definitiva. A jurisprudência vem firmando entendimento de que seria provisória.
O beneficiário da multa é o autor, pois a lei silencia a esse respeito, não obstante as fortes críticas da doutrina no sentido de que o ideal seria que o valor fosse pago ao Estado.
O novo Código de Processo Civil, caso venha a entrar em vigência, trará novidades acerca do assunto, resolvendo alguns pontos controvertidos. Ficará pacificada a questão a respeito do momento da exigibilidade. O texto prevê expressamente que a multa é exigível de imediato, mas o levantamento somente será possível após o trânsito em julgado. Ao prever a execução provisória, o legislador também resolverá a dúvida a respeito da multa ser ou não devida nas demandas julgadas improcedentes. Parece claro que se o autor não tiver razão no mérito, também não poderá levantá-la.
O texto também prevê que o autor não poderá levantar valor maior do que o da obrigação, cabendo ao juiz fixá-lo nas causas de quantum inestimável, e ao Estado a quantia que ultrapassar este limite. Com essa redação, fica claro que a condenação do réu não está restrita ao valor da obrigação, já que o Estado levantará o excedente. Porém, isso não quer dizer que o réu poderá ser condenado a valores exorbitantes. A lei continuará permitindo que o juiz aumente ou reduza a multa, quando for insuficiente ou excessiva. Aliás, o texto inova ao permitir, inclusive, a exclusão da multa, o que poderá acontecer nas hipóteses em que a obrigação for impossível de ser cumprida, demonstrando o réu justa causa para o descumprimento.
Referências
[1] NUNES, Rizatto, declaração de voto vencedor no Agravo de Instrumento nº 7.340.709-3, TJSP, 23a Câmara de Direito Privado, rel. Des. Elmano de Oliveira, j. 17-06-2009, v.u.
[2] BUENO, Cássio Scarpinella, Código de Processo Civil Interpretado, coordenação de Antonio Carlos Marcato, São Paulo: Atlas, 2008, p. 1474-1477.
[3] TJSP, 23a Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 7.340.709-3, rel. Des. Elmano de Oliveira, j. 17-06-2009, v.u.
[4] STJ, 4a Turma, REsp 661.683/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 06-10-2009, v.u.
[5] STJ, 3ª Turma, REsp 1.185.260/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07/10/2010, v.u.
[6] STJ, 3ª Turma, AgRg no Ag 829.414/PR, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 14/10/2008, v.u.
[7] DINAMARCO, Candido, A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 240 apud Declaração de voto vencedor do Des. Rizatto Nunes no Agravo de Instrumento nº 7.340.709-3, TJSP, 23a Câmara de Direito Privado, rel. Des. Elmano de Oliveira, j. 17-06-2009, v.u.
Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Site: www.alexravache.net.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAVACHE, Alex Quaresma. Astreintes nas obrigações de fazer e não fazer Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 fev 2011, 10:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23390/astreintes-nas-obrigacoes-de-fazer-e-nao-fazer. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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