O cárcere é quase tão antigo quanto o conceito de sociedade, em verdade sua função era diferente daquela para qual é usada hoje, conforme explica Filho, o cárcere servia para guardar escravos e prisioneiros de guerra. Na esfera penal, era usado para prender os delinqüentes que aguardavam sua sentença, também aqueles que deveriam ser submetidos à tortura, que era meio empregado na produção de provas.[1]
A Definição de prisão nos é bem apresentada por Messuti quando cita Hobbes:
“Por esta palavra, ‘ prisão’, entendo toda limitação do movimento causado por um obstáculo externo”.[2]
Messuti vai adiante em seu pensamento e explica:
É uma definição ampla que, como explica em seguida, compreende não só a prisão propriamente dita, mas também a deportação ou exílio, as galés, as pedreiras e minas, ou simplesmente os grilhões. Ocupar-nos-emos da pena de prisão propriamente dita, que é a única que permanece até hoje, pois a uniformização da pena consistiu também na uniformização do “obstáculo externo” que se opõe à liberdade de movimento: os muros da prisão.[3]
A prisão no sentido que tem hoje, segundo Gomes surgiu por volta do século XVI na Europa através da criação de casas de correção, que tinham por finalidade aprisionar bêbados, prostitutas, desocupados, e outros também excluídos da época. Conforme o autor, em 1552, em Londres foi inaugurada a “HOUSE OF CORRECTION”, que seria a primeira instituição prisional.[4]
Azevedo ao citar Luigi Ferrajoli, afirma que na ultima década do século XX, a pena de prisão entra em crise, vez que não se encontra apta a atingir os fins do direito
Azevedo aponta alguns problemas no que tange o fracasso da pena de prisão, são “condições degradantes, aflitivas e contraproducentes... alto custo econômico e ineficácia para a execução do exercício do controle social difuso.[5]
Vários são os problemas detectados no que diz respeito ao cárcere, inclusive concluindo-se que o sistema penitenciário no Brasil apresenta grandes falhas, sendo que as penas de reclusão ou detenção passaram a ser vistas como forma inadequada de se buscar reabilitar sentenciados que não oferecem grande ameaça a sociedade.
Neste sentido vejamos o que nos traz Gomes:
É nessa seqüência argumentativa que se pontua a constatação do desserviço que a pena privativa de liberdade presta às infrações penais de menor e médio potencial ofensivo, pois, tratando-se de situações em que o grau de impacto causado pela atitude desviante é baixo, não se justifica a imposição de uma modalidade de sanção revelada como a forma mais drástica de intervenção punitiva, atualmente [6]
Existe um problema dentro das cadeias, que parece ser insolúvel, além de grave, que é a formação de comunidades. São milhares de criaturas acumuladas no interior dos cárceres, que diante da convivência em grupo passam a viver com regime interno, e não se subordinam as autoridades originárias, ao contrário estabelecem entre si regras e normas de conduta que vão de encontro ao ideal ressocializador.
Sobre tal problema nos esclarece Thompson
O uso generalizado de privação de liberdade humana como forma precípua de sanção criminal deu lugar ao estabelecimento de grande número de comunidades, nas quais convivem de dezenas a milhares de pessoas. Essa coexistência grupal, como é obvio, teria de dar origem a um sistema social. Não se subordinaria este, porém, á ordem decretada pelas autoridades criadoras, mas, como é comum, desenvolveria um regime interno próprio, informal, resultante da interação concreta dos homens, diante dos problemas postos pelo ambiente particular em que se viram envolvidos.[7]
A vida em ergástulo é muito mais complexa do que somente viver intramuros.
Sobre tais constatações bem observa Thompson ao citar Sykes
A primeira observação importante decorre da constatação de que a cadeia não é uma miniatura da sociedade livre, mas um sistema peculiar, cuja característica principal, o poder, autoriza a qualificá-lo como um sistema de poder.[8]
Assim, fica claro que o poder que determina a pena de reclusão, é um poder fracassado, como bem nos demonstra Thompson, vez que baseado somente na força trás como efeito o fato de não ser visto ou sentido pelos que nele são absorvidos, como um poder legítimo, por isso tende a fracassar nos resultados a que se propõe.[9]
Thompson vai além, afirma que a cadeia possui grande quantidade de objetivos envoltos, o que ele chama de “multiplicidade de fins a que ela se propõe”, quais sejam, “confinamento, ordem interna, punição, intimidação particular e geral, regeneração”, tudo numa única estrutura.[10] Entendemos, que o único fim capaz de ser atingido, é o confinamento, tamanha limitação que oferecem tais estruturas. A barreira para atingir todas as metas neste caso, além de física/ estrutural, também vai além, afinal toda composição dos cárceres são limitados pela lei, pela sociedade e pelo governo que não alcança a importância no investimento correto neste setor.
Outro fator levantado por Thompson a respeito do problema da prisão, diz respeito á convivência dentro das cadeias, para demonstração serve-nos a intenção do doutrinador ao citar Sykes: “Não é a solidão que perturba os indivíduos na comunidade carcerária, mas sim a vida em massa” [11]. Mais adiante o autor retoma dizendo: “Outra terrível privação, imposta pela penitenciária refere-se à perda absoluta do direito à intimidade[12]. Filho aponta o mesmo problema e vai além:
(...) Não há privacidade também. A correspondência é censurada. Os familiares são tratados como cúmplices e submetidos a revistas humilhantes, o que estimula o afastamento paulatino. As relações afetivas anteriores são praticamente destruídas pelas barreiras impostas pela segregação. Os vínculos externos do detento são escassos e, ainda assim, combatidos[13]
Segundo as informações trazidas por Filho, resta claro além do problema da falta de privacidade, a dificuldade que os segregados encontram em receber o apoio familiar, o que auxilia no fracasso da ressocialização.
O sistema prisional é complexo, aqueles que adentram o aparelho se vêem obrigados a se adaptar aquela comunidade à qual foram forçados a fazer parte, sob pena de não serem aceitos e colocar em risco suas vidas e sua integridade física. Os problemas estruturais, a higiene precária e a falta de recursos mínimos por sua vez facilitam o contagio por doenças, e agravem as pré-existentes, como a tuberculose, que segundo Márcio Louzada Carpena explica em seu artigo, Uma visão de um Presídio e seus Habitantes é a enfermidade por excelência das prisões[14], tornando aquele submundo cada vez mais propicio à revolta, a indignação e por conseqüência a reincidência. As cadeias estão cheias de fatores incisivos que contribuem para a degeneração psicológica e física dos encarcerados.
Há que se concluir então, que a prisão falhou no seu sentido mais importante por assim dizer, que seria exatamente aquele em que o cárcere deveria ser ambiente ressocializador. Nesse contexto, não há dúvidas de que a prisão, ou a pena privativa de liberdade em nenhum momento reeduca, ao contrário corrompe o ser humano.
A verdade é que um Estado Democrático de Direito, teria como principal meta, garantir o respeito à dignidade da pessoa humana, porém, ao analisarmos a questão penitenciária, concluímos que as unidades de reclusão não respeitam o ser humano, enquanto sujeito dotado de direitos. As condições em que estão “depositados” os entes nas casas prisionais não oferecem o mínimo de condições que possa ao menos impedir a degradação do sujeito e sua personalidade.
O sistema penitenciário no estado em que se encontra atualmente é no mínimo uma violação de direitos previstos na carta magna, eis que se trata de um atentado a dignidade da pessoa.
A realidade atual é de cadeias superlotadas, sendo que em média existem cinco presos a mais do que a capacidade por cela, todos expostos a condições deploráveis, sem atendimento médico apropriado, ou qualquer atividade producente, como se pode verificar no site Antenados[15].
Um dos grandes exemplos que temos aqui perto de nós é o Presídio Central de Porto Alegre, o maior presídio do sul do país, que deveria abrigar somente presos temporários, hoje conta com mais quatro mil homens, sendo que sua capacidade é de 1.600 presos conforme matéria publicada no site pontosbr.[16]
Outro fator que também se faz importante e decisivo para frear o processo de ressocialização dos apenados, é o ócio forçado a que são submetidos e levam a um estado de inércia que acaba por acompanhar a pessoa na vida extramuros, impedindo a vontade de desenvolver alguma atividade produtiva, conforme informações do site Antenados.[17]
Assim, percebe-se que a cadeia, repleta de fatores degradantes, humilhantes, é castigo demasiadamente grande para qualquer pessoa que tenha a infelicidade de adentrá-lo.
Vencer a criminalidade não é tarefa fácil, contudo, não são penas demasiadamente rigorosas e desumanas que poderão vencer tal problema. Fosse assim, países que adotaram a pena de morte estariam livres da violência.
Por todos os motivos expostos, foi que a prestação de serviços a comunidade foi escolhida como alvo do presente trabalho, uma vez que se acredita que esta modalidade de pena pode auxiliar na solução dos problemas vivenciados no sistema penal brasileiro.
Para encerrar, aproveitemos o pensamento de Dotoievski, quando citado por Thompson
Não consigo compreender, hoje em dia, como pude passar ali, dez anos. Na espécie de tarimba que servia de leito comum a trinta de nós, todo o meu domínio se reduzia ao espaço de três tábuas[18]
[1] FILHO. Luis Francisco Carvalho. A Prisão. São Paulo: Publifolha, 2002 p 20
[2] MESSUTI, Ana. O Tempo como Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 p 27
[3] GOMES, Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão: Alternativas Penais: Legitimidade e Adequação. Salvador: Podivm, 2008 p 30
[4] GOMES. Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão. Alternativas Penais: Legitimidade e Adequação. Salvador: Jus Podivm, 2008 p 54
[5] AZEVEDO, Mônica Louise de . Penas Alternativas à Prisão: Os Substitutivos Penais no Sistema Penal Brasileiro.Curitiba:Juruá 2005 p 134
[6] GOMES, Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão: Alternativas Penais: Legitimidade e Adequação. Salvador: Podivm, 2008 p 61.
[7] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p 21
[8] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p 19
[9] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p 22
[10] GOMES, Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão: Alternativas Penais: Legitimidade e Adequação. Salvador: Podivm, 2008 p 61.
[11] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p 23
[12] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p 61
[13] FILHO. Luis Francisco Carvalho. A Prisão. São Paulo: Publifolha, 2002 p 69
[14] CARPENA, Márcio Louzada.
Disponível: http://www.datavenia.net/artigos/Direito_Penal/carpena.html
Acesso: 12/10/2010 (01h36min)
[15]Disponível:http://www.boasnovas.tv/programas/antenados/index.php?option=com_content&task=view&id=89&Itemid=26
Acesso: 13/10/2010 (01h43min)
[16] Disponível:http://www.pontosbr.com/detalhes.php?cod=626
Acesso em: 03/10/2010 (22h00min)
[17]Disponível :http://www.boasnovas.tv/programas/antenados/index.php?option=com_content&task=view&id=89&Itemid=26
Acesso: 13/10/2010 (01:43)
[18] THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p 65
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Camila Fernandes. O problema da prisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2011, 06:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23874/o-problema-da-prisao. Acesso em: 23 dez 2024.
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