SUMÁRIO: Introdução; Visão Histórica do Direito de Recorrer e sua previsão Constitucional; O Conceito de Recurso e sua Distinção em face de outros Procedimentos; Os Objetivos e os Requisitos Intrínsecos e Extrínsecos dos Recursos;Os Princípios que estruturam a Teoria Geral dos Recursos;Conclusão; Bibliografia.
PALAVRAS CHAVE: Constituição Federal; Recurso; Princípios, Código de Processo Civil.
RESUMO: O presente artigo tratará da Teoria Geral dos Recursos, delineando apontamentos acerca da construção histórica do Direito a “segunda decisão”, dispondo, também, acerca do conceito de Recurso, de seus objetivos, de suas condições e, posteriormente, apontar quais os principais princípios expostos pela Doutrina e Jurisprudência acerca da Teoria dos Recursos. Assim, tem-se como objeto deste trabalho, a apresentação de alguns pontos importantes no entendimento básico do direito de ter seu pedido julgado, no mínimo, por dois órgãos da jurisdição diferentes, ou seja, o direito de recorrer.
Introdução.
O presente artigo abordará a construção histórica da teoria dos recursos, demonstrando os conceitos básicos da palavra recurso, como se deu o surgimento deste direito, se pelas vias democráticas ou ditatoriais, bem como onde a Constituição Federal de 1988 disciplinou o direito de recorrer.
Neste contexto, serão abordadas, também, as condições necessárias para recorrer de uma decisão proferida nos autos de um processo judicial, especificando os objetivos que se pretende com a interposição de um recurso.
Por fim, serão alocados os principais princípios trazidos pela doutrina especializada para a explicação da teoria dos recursos, delineando, neste ponto, alguns fundamentos e conceitos destes princípios, que são a base de toda a teoria recursal exposta em nosso Código de Processo Civil (CPC).
Visão Histórica do Direito de Recorrer e sua previsão Constitucional.
A análise do sistema recursal brasileiro, sua origem, seus conceitos, suas mazelas, necessariamente deve ser abordada partindo-se do significado de recurso, onde se deu sua origem, em quais circunstâncias ocorreu essa configuração, bem como o modo pelo qual a atual Constituição Federal aborda o direito de recorrer.
Assim, percebe-se que a origem do recurso é autocrática, ao contrário do que se imagina, o recurso, que hoje expõe, ou seja, transmite uma noção de democracia, teve como nascedouro, um regime autocrático.
Desse modo, a figura do recurso, ou de algo que embasa essa visão contemporânea de recurso, surgiu no Império Romano do Ocidente, com o Imperador Justiniano, que vendo seu império, já decadente, resolveu concentrar em suas mãos o poder de decisão, de modo que as decisões dos pretores – aqueles romanos escolhidos para julgar os conflitos, a primeira noção de “juiz” – eram recorríveis, pelo que se chamava na época, de apelatio, de modo que a última palavra era dada pelo Imperador.
Nestes termos, somente com o surgimento da compilação legal, ou seja, com o aparecimento dos Códigos que, em que pesem as discussões históricas, surgiu com o Código Civil Francês de 1804 (Código de Napoleão), que a visão autocrática dos recursos deu lugar a visão democrática, essa que se percebe nos dias atuais.
Passados esses breves apontamentos acerca da origem dos Recursos como instrumentos/institutos dentro dos procedimentos processuais, verifica-se que sua alocação como direito das pessoas, encontra-se em sede constitucional, ou seja, a atual Constituição Federal de 1988, assegurou a possibilidade das pessoas terem uma segunda decisão frente ao direito discutido.
Neste desiderato, vê-se que tal direito encontra-se disposto como sendo um direito fundamental, tendo em vista sua disposição no rol do artigo 5º, da CR/88.
Desta feita, o art. 5º, LV, da CR/88 assegura que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Portanto, estando esta garantia no rol das Garantias e Direitos Fundamentais de todos os brasileiros e dos residentes que aqui residem, trata-se de norma de aplicação imediata, bem como de cláusula pétrea, ou seja, será aplicada imediatamente em todos os processos judiciais, não podendo ser restringido por legislação infraconstitucional, ou pela própria Constituição através de Emendas à Constituição[1].
O Conceito de Recurso e sua Distinção em face de outros Procedimentos.
O conceito de recurso[2] construído pela doutrina contemporânea liga-se, umbilicalmentecom as noções expostas no Texto Constitucional, ou seja, trata-se de um direito constitucional de impugnar a decisão proferida em seu desfavor, a ser exercido no mesmo procedimento.
Neste contexto, recurso pode ser definido como um instituto jurídico constitucional que garante o direito de impugnar a decisão no procedimento. Afigura-se como instituto jurídico, pois se trata de um conjunto de princípios que irão reger a estrutura do procedimento em faze de rediscussão do direito em conflito.
Assim, em sua obra Curso de Direito Processual Civil, 48ªed. vol. 1. p. 636, Humberto Theodoro Jr., citando Moacyr Amaral Santos, acentua, na conceituação do que venha a ser um recurso, que:
“o meio ou remédio impugnativo apto para provar, dentro da relação processual ainda em curso, o reexame de decisão judicial, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter-lhe a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração”.
Portanto, trata-se de meio impugnativo de uma decisão, obrigando, que a própria autoridade corrija o a decisão proferida, ou que, autoridade, hierarquicamente superior, o faça.
Percebidos os mencionados apontamentos acerca da conceituação de recurso, necessário se faz, distingui-lo de outros instrumentos processuais que, no fundo, buscam o mesmo objetivo do recurso, mas, nem por isso, com ele podem ser confundidos.
Em muitos casos, os operadores do direito, os estudantes da ciência do direito, confundem a figura do Sucedâneo Recursal, ou a expressão “meios recursais” com o próprio recurso, objeto de análise neste artigo.
Em face dessa dificuldade de separação dos institutos, deflagra-se a necessidade de discorrer breves apontamentos acerca da noção básica de cada expressão ou instituto, ou seja, sobre o quê cada um quer efetivamente retratar.
Percebido o recurso como meio de impugnação de uma decisão proferida, a ser levada nos mesmo autos, ou seja, dentro do mesmo procedimento, a nova decisão pela própria autoridade judicial que decidiu, ou a outra, hierarquicamente superior, se distingue de sucedâneo recursal no instante em que esse último, refere-se a outros meios processuais de impugnação, pois são manejados em outro procedimento.
Desta feita, sucedâneo recursal ocorrerá quando a parte, inaugurando outro procedimento, buscar impugnar uma decisão dada em seu desfavor em prévio conflito, ou seja, não há[3] recurso a ser manejado, devendo a parte que sofrer os efeitos da decisão, manejar o sucedâneo recursal, que fará às vezes de um recurso, sem sê-lo.
Pode-se considerar, portanto, como sendo sucedâneo recursal, procedimentos como o Mandado de Segurança, o Habeas Corpus, a Ação Rescisória (art. 585, do CPC), ou a Declaratória de Nulidade (art. 586, do CPC).
De outro modo, a expressão “meios recursais” se distancia da noção de recurso aqui exposta, no sentido de que, aquela refere-se as várias espécies de procedimentos legais que são utilizados para efetivar o direito de recurso, ou seja, é o que se utiliza, na prática, para exercer o direito constitucional de impugnar uma decisão proferida em seu desfavor.
Portanto, em sede de tratamento técnico dos termos advindos da Teoria dos Recursos, devem ser diferenciados, conforme visto acima, o instituto do recurso, daqueles conhecidos como sucedâneos recursais, bem como da expressão. sempre utilizada, “meios recursais”.
Os Objetivos e os Requisitos Intrínsecos e Extrínsecos dos Recursos.
Os recursos como meios de impugnação de uma decisão, podem possuir diferentes objetivos, mas todos com a finalidade de reanalisar a decisão proferida, em face desta, de algum modo, prejudicar o direito que se pretende efetivar.
Nestes termos, podem ser identificados como sendo os principais objetivos possíveis de um recurso: a reforma, a invalidação, o esclarecimento e, por fim, a integração[4].
Assim, fala-se em reforma da decisão, quando esta for substituída pela decisão da autoridade ad quem, ou seja, a decisão do órgão hierarquicamente superior tomará o lugar da decisão objeto de recurso, ocorre, por exemplo, no julgamento de um recurso de apelação, onde a sentença proferida é totalmente reformada no que tange ao alvo de recurso.
Noutro sentido, a invalidação ocorrerá quando a decisão do juiz a quo for anulada, ou seja, o Tribunal, ad quem, prolata uma decisão afastando a decisão acerca de determinado pedido, de modo que o processo voltará a autoridade hierarquicamente inferior, para sua apreciação, é o que ocorrerá, por exemplo, no julgamento do agravo de instrumento.
Já o esclarecimento visa a tentativa, por meio de recurso, de sanar os vícios de uma decisão que padece de obscuridade ou de contradições, ou seja, quando em sua decisão a autoridade se contradiz nos argumentos dados a decisão, ou quando estes são obscuros, maneja-se recurso para acertá-la as determinações da CR/88. Tais fatos serão debatidos via embargos de declaração.
Por fim, no tocante a integração, o objetivo precípuo da parte, é a autoridade reveja uma omissão em sua decisão, ou seja, algum pedido efetuado não foi objeto de análise pela autoridade julgadora, tornando sua decisão, aquém dos pedidos feitos, sendo assim, citra petita. Tal fato também ocorrerá, por exemplo, em sede, e por meio, de embargos de declaração.
Passados acima, os pontos mais relevantes acerca dos objetivos dos recursos, faz-se necessário a exposição dos requisitos intrínsecos e, posteriormente, dos extrínsecos, dos recursos.
Diante disso, tem-se por requisitos intrínsecos, ou seja, aqueles que estão presentes no interior dos recursos, que corroboram o direito de recorrer, o cabimento, a legitimidade recursal e o interesse recursal.
Para uma melhor compreensão desses requisitos expostos, basta conjugá-los com as condições da ação, ou seja, no tocante ao cabimento, pode-se analisá-lo em conjunto com a possibilidade jurídica do pedido; a legitimidade recursal, com a legitimidade ad causam – para a causa; o interesse recursal, com o interesse de agir.
No tocante ao cabimento de um recurso, serão analisados dois aspectos, a recorribilidade e a adequação do recurso, ou seja, se a decisão proferida é recorrível, e, se for, se o meio utilizado pela parte é adequado para chegar ao fim pretendido. Em uma análise com a possibilidade jurídica do pedido, vê-se que nesta será analisado a existência de uma lei que autorize o direito pleiteado.
De outro modo, a legitimidade recursal[5] verifica-se como a possibilidade da parte recorrer da decisão preferida. Assim, serão legítimos a recorrer as pessoas com interesse no conflito, ou seja, a parte vencida[6], o terceiro prejudicado[7] e o Ministério Público[8].
Por fim, no tocante ao interesse recursal, serão observados,no recurso interposto,sua utilidade, bem comosua necessidade para se alcançar o bem da vida pleiteado, ou seja, como ocorre no interesse de agir – condição da ação – visará a análise do recurso manejado como sendo, ou não, o meio mais eficiente de se chegar a proteção do bem da vida.
Já de outro lado, com relação aos requisitos Extrínsecos dos Recursos, pode-se elencar como tais: a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado e, por fim, o preparo.
A tempestividade recursal está ligada ao prazo que as partes possuem para manejar seu recurso, esse prazo que começará a ser contado da intimação acerca da decisão proferida, seja por ato processual, seja em audiência.
A regularidade formal de um recurso está adstrita a demonstração dos requisitos de determinado recurso, ou seja, se o recurso interposto está formalmente regular. Exemplo dessa regularidade formal, é verificar, no caso de um recurso extraordinário, se houve ofensa a Constituição Federal, apontando o artigo violado.
Com relação a inexistência de fato impeditivo ou extintivo de direito, será analisado se há, no caso narrado, incidência de fato que possa extinguir ou impedir que seja dado procedência ao pedido do recurso, tendo em vista de que, se houver, não haverá julgamento do recurso, pois trata-se de requisito extrínseco. Exemplo seria a existência de uma compensação, ou de uma novação em face do crédito executado.
Por fim, o preparo é a regularidade econômica de um recurso, ou seja, se foi efetivado o pagamento do porte de remessa e de retorno, bem como as custas recursais. A falta desse pagamento impede a análise do recurso pela deserção. Caso o preparo seja insuficiente a parte será intimada para completa-lo em 5 dias, conforme artigo 511 do CPC[9].
Os Princípios que estruturam a Teoria Geral dos Recursos.
O primeiro princípio em matéria de teoria geral dos recursos é o princípio do Duplo Grau de Jurisdição, também conhecido como duplo grau de competência.
Este princípio não tem previsão expressa na Constituição Federal de 1988, verificando-se como direito presente em nosso ordenamento jurídico, tendo como base a lógica do sistema processual civil vigente, ou seja, se há tribunais superiores, logo existe a possibilidade da parte impugnar a decisão dada ao menos uma única vez.
Tendo em vista o fato d não estar presente expressamente no Texto Constitucional vigente, alguns autores, extraindo norma contida no Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, “h”), asseveram que o duplo grau de jurisdição estaria presente apenas quando se trata-se de matérias de direito penal, afastando sua aplicação na órbita do direito civil e processual civil[10].
Esse pensamento agride a CR/88, pois afasta a possibilidade do cidadão participar na construção da decisão. Dá lugar, assim, a arbitrariedade, afetando o Estado de Direito Democrático.
O segundo princípio a ser estudado é o princípio da Taxatividade. Muitos autores ligam o princípio da taxatividade com o disposto em nosso ordenamento jurídico no art. 496, do CPC, ou seja, vinculam o significado de taxatividade com os recursos em espécie no CPC, levando-nos a falsa ideia de que somente aqueles presentes no citado enunciado seriam efetivamente recursos[11].
Contudo, o princípio da taxatividade quer dizer algo a mais, ou seja, por ele entende-se que os recursos existentes estão disciplinados em lei, d modo que só será recurso o que a legislação assim determinar. Exemplo dessa visualização acerca do princípio da taxatividade é o recurso inominado, presente na Lei 9.099/95, que estatui e regula os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, reconhecido como recurso, mas que está, como visto, fora do art. 496, do CPC, este que não é numerusclausus.
Ademais, com a necessidade de disposição legal aferindo a qualidade de recurso, mecanismos como o sucedâneo recursal, o reexame necessário (art. 475, do CPC) e o pedido de retratação, pela falta de taxatividade, não podem ser considerados recursos.
Outro princípio a ser estudado na teoria geral dos recursos é a Singularidade ou Unirrecorribilidade ou Unicidade. Por este princípio entende-se que cada tipo de decisão desafia um tipo específico de recurso.
Portanto, não existirá decisão que desafia mais de um tipo de recurso, para cada uma, a legislação estipula um recurso. Nestes termos, o artigo 513, do CPC determina que “da sentença caberá apelação”, ou seja, o ato processual/decisão sentença, caberá um único recurso, qual seja: apelação.
Ressalta-se, entretanto, que poderão ocorrer hipóteses onde se aviará contra a mesma decisão, dois tipos de recurso, sendo estes, contudo, interpostos em face de tribunais diversos. É o caso, por exemplo, de interposição de Recursos Especial e Recurso Extraordinário em face de uma decisão, por afronta a Lei Infraconstitucional – ordinária – (Resp. ao Superior Tribunal de Justiça) e, também, por afronta a Constituição Federal (Rext. Ao Supremo Tribunal Federal).
Nestes casos, não se efetivará afronta ao citado princípio, tendo em vista que essa decisão, que a priori é única, é hipótese de incidência de dois tipos de recursos, haja vista ferir tanto o ordenamento constitucional quanto o infraconstitucional.
Ainda, cabe ressaltar, que no caso de sucumbência recíproca, também não haverá quebra ao princípio ora estudado, pois, apesar de uma única decisão, são dois recursos diversos, aqui, não pela matéria, como nos casos acima, mas pelas partes, ou seja, cada um dos polos da lide interporá um recurso próprio para combater a mesma decisão.
O quarto princípio, é a Fungibilidade Recursal. Falar-se-á em fungibilidade, quando, pela legislação, ou por entendimentos dos tribunais superiores, aparecerem dúvidas – dúvida objetiva[12] – sobre qual recurso a parte adotará para pleitear a defesa de seu direito.
Existe, além desse posicionamento – que, para a aplicação da fungibilidade, só requer a ‘dúvida objetiva’ – existe outra corrente, que requer, além dessa dúvida de natureza objetiva, a conjugação de mais dois outros requisitos, são eles: prazo menor e inexistência de erro grosseiro.
Para essa segunda corrente, a maioria, portanto, em um caso onde se interpôs uma apelação no lugar de um agravo de instrumento, só caberia a fungibilidade, e a consequente apreciação do recurso, se a parte demonstrar a dúvida objetiva, utilizar-se do prazo menor, ou seja, tiver interposto a apelação em 10 dias, prazo este, do agravo de instrumento, e, por fim, ficar demonstrado a inexistência de erro grosseiro.
Outro princípio que também faz parte da teoria geral dos recursos é a Voluntariedade, ou seja, todo e qualquer recurso interposto no decorrer de um processo, necessariamente surge da vontade pessoal de uma das partes.
O princípio da voluntariedade decorre de outro princípio, este, reitor de toda a ciência jurídica, qual seja: princípio dispositivo – arts. 2º e 128, ambos do CPC.
Neste diapasão, para a existência de um recurso, há necessidade da manifestação da vontade de uma das partes neste sentido, tendo em vista que a Função Jurisdicional do Estado é de natureza inerte, necessitando que as partes, assim, busquem aquilo que lhes convierem.
A voluntariedade também está presente no que tange a desistência do recurso manejado, haja vista que, diferentemente do que ocorre com a petição inicial, em sede de recurso, cabe à parte, por sua vontade, mesmo já tendo sido intimado a parte contrária acerca da interposição de recurso, decidir se continua ou não com o trâmite recursal.
Por este ponto, também, é que o disposto no art. 475, do CPC, conhecido como remessa necessário, ou “recurso” necessário, em casos onde a Fazenda Pública houver sofrido os efeitos de uma decisão, não é considerado recurso, pois lhe falta a voluntariedade em recorrer.
Um princípio de suma importância para a compreensão da sistemática recursal de nosso direito é o princípio da Proibição da Reformatio in Pejus, ou seja, a reforma para pior.
Aqui, a parte recorrente não poderá ter sua situação piorada em sede recursal, ou seja, se já há uma decisão desfavorável à parte, caso esta venha a manejar recurso na tentativa de melhorar sua situação, o órgão julgador não poderá, quando decidir, piorara, ainda mais, a situação do recorrente.
Exceção a esse princípio ocorre no caso de conhecimento, em sede de recurso, de matéria de ordem pública, de modo que, caso a parte recorra, por exemplo, para aumentar a condenação da outra parte de 60, para 100 reais, e o órgão julgador, além de não aumentar a condenação, conforme pedido reconhece uma ilegitimidade ad causam em desfavor do recorrente.
Neste citado caso, não se configurará afronta ao estudado princípio, tendo em vista que não houve reforma para pior, pois o direito querido nem ao menos era da parte, ou seja, não há possibilidade de reformar, de modo a prejudicar o recorrente, se no caso, esta pessoa nem ao menos poderia estar litigando.
Ademais, para finalizar a análise do princípio da reformatio in pejus, destaca-se que se restringe ao objeto da causa, ou seja, possíveis condenações, em sede de recurso, por litigância de má fé não serão consideradas afrontas ao mencionado princípio, pois se trata de punição por alguma atitude aquém ao objeto da causa.
Princípio também importante na órbita recursal é o princípio da Dialeticidade Recursal. Deriva-se de dois outros princípios que não são adstritos ao mundo recursal, quais sejam: o contraditório e a ampla defesa.
Pelo princípio da dialeticidade verifica-se que quando uma parte interpõe um determinado recurso, a parte contrária tem direito de contradizer, no mesmo prazo recursal, os argumentos trazidos pelo recorrente, ou seja, trata-se de princípio não exclusivamente recursal.
Existem, também, algumas regras de procedimento do Recurso de Agravo, que alguns autores costumam tratar como sendo princípios, classificando-os como: Princípio da Recorribilidade em Separado das Decisões Interlocutórias e Princípio das Decisões Judicialmente Relevantes.
No tocante ao primeiro, verifica-se a determinação que em sede de agravo de instrumento, haverá a formação de, como o próprio nome já demonstra, um instrumento, uma forma d autos apartados, que levará a análise do tribunal a decisão recorrida, a lesão ou a grave ameaça de lesão grave ou de difícil reparação, e os documentos que comprovem tais fatos e preencham os requisitos do citado recurso.
Assim, pela recorribilidade em separado das decisões interlocutórias, serão recorridas por agravo de instrumento, já aquelas que não possuem condão de afetar seriamente o direito querido, serão recorridas por agravo, que ficará retido nos autos sendo que, no caso de interposição posterior de apelação, será analisado antes do julgamento do mérito daquela.
Com relação ao princípio das Decisões Juridicamente Relevantes, também adstrito a processualística do recurso de agravo, denota que em havendo relevância na proteção do direito tolhido pela decisão, está será recorrida por agravo de instrumento, caso contrário, por agravo retido.
Desse modo, em que pesem as determinações do artigo 523, do CPC acerca do agravo retido oral, frente a decisões proferidas em audiência, caso esta decisão seja relevante, será recorrível por agravo de instrumentos no prazo de dez dias, conforme art. 522, parte final, do CPC.
Outro princípio tratado por diversos autoresque, no entanto,se refere tão somente a aplicação de uma regra procedimental, é o princípio da Consumação.
Assim, pela consumação, o ato de interposição do recurso consumi-lo-á, ou seja, uma vez interposto o recurso não será possível sua alteração, pois terá ocorrido a preclusão consumativa.
Por fim, aparece o princípio da Complementariedade.
Conforme visto acima, uma vez interposto o recurso, não será lícito alterá-lo, fazendo inserir argumentos que anteriormente não haviam sido declinados no recurso.
Entretanto, há hipóteses, em que não se afronta a consumação, mas se alterar licitamente o recurso que já havia sido aviado aos autos. Nestes casos ocorrerá a incidência do princípio da complementariedade.
Assim, por exemplo, no caso de uma sentença que julgar um pedido de despejo cumulado com a cobrança de alugueis em atraso, onde o juiz só decide acerca do despejo, omitindo-se frente ao pedido de cobrança de alugueis em atraso. A parte ré, nos primeiros dias do prazo, após a intimação da sentença, interpõe sua apelação, essa adstrita à discussão do despejo. Por outro lado, sendo intimado da decisão, o autor, interpõe embargos de declaração para sanar a omissão.
Neste caso, portanto, ocorrerá a seguinte situação: a decisão do embargos de declaração aumentará a matéria a ser recorrida; no entanto, o recurso de apelação, atacando a sentença dada já manejado.
Desta feita, tendo sido interposta a apelação, no caso acima, pelo princípio da complementariedade, a parte ré, poderá complementar seu recurso, para que também verse, se assim quiser a parte, sobre a matéria aumentada à discussão, pelo julgamento dos embargos de declaração, o que impedirá a ocorrência de lesão ao direito da parte ré.
Conclusão.
Percebidos os pontos introdutórios da matéria, bem como passados os pontos mais relevantes da visão histórica do Direito de Recorrer e sua previsão Constitucional, analisou-se também o conceito de Recurso e sua distinção em face de outros Procedimentos, seus Objetivos e seus Requisitos Intrínsecos e Extrínsecos, sendo que, por fim, analisou-se os vários princípios que estruturam a Teoria Geral dos Recursos, que a maioria dos autores trazem em suas obras acerca do direito processual em nosso ordenamento.
Delineados tais pontos, vê-se que a existência dos recursos é a garantia constitucional de que o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição serão observados, tendo em vista que decorre dos recursos a possível rediscussão, com mais de um julgador, em pelo menos uma vez, daquilo que fora decidido.
Neste sentido, mesmo que muitos imputam aos recursos a morosidade jurisdicional, não faz sentido tal afirmativa.
Recorrer é ato garantido pela essência do ser humano, que, não vendo mas algum meio de solucionar o problema, “apela” ao divino, aos santos, ao profano, ou seja, é da natureza do ser humano apelar, pedir socorro a alguém quando suas preces não forem atendidas.
Negar os recursos, ou a possibilidade deles, pela simples noção de quê delesoriginam da morosidade jurisdicional, é negar direitos aos brasileiros, é retardar uma reforma estrutural decente, que possibilite, não “um país de juízes”, mas sim, um país onde existam juízes.
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2O artigo 5º, §1º, da CR/88, determina que: “As normas definidoras dos Direitos e Garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Por outro lado, o inciso IV, do §4º, do artigo 60 da CR/88, assegura que: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...); IV – os direitos e garantias individuais.”
3 A palavra recurso vem da expressão em latim recurrere, ou seja, passar pelo mesmo caminho novamente, percorrer de novo o caminho.
4 Como será percebido mais a frente, os recursos existentes decorrem dos efeitos do princípio da taxatividade, ou seja, só serão reconhecidos como recurso, aqueles que a legislação determinar como tal..
5 Os objetivos dos recursos expostos nestes artigo, seguem o entendimento de Humberto Theodoro Jr., que assim, entende em sua obra: “quanto ao fim colimado pelo recorrente, os recursos podem ser classificados como: a) de reforma, quando se busca uma modificação na solução dada à lide, visando obter um provimento mais favorável ao recorrente; b) de invalidação, quando se pretende apenas anular ou cassar a decisão, para que outra seja proferida em seu lugar; ocorre geralmente em casos de vícios processuais; c) de esclarecimento ou integração, são os embargos declaratórios onde o objeto do recurso é apenas afastar a falta de clareza ou imprecisão do julgado, ou suprir alguma omissão do julgador”. (THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo Civil e Processo de Conhecimento. 48ªed. vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 636.).
6O artigo 499, do CPC, determina quem são os legítimos a recorrer de uma decisão jurisdicional, asseverando que: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”.
7 Com relação a possibilidade/legitimidade da parte vencedora vir a recorrer, tem-se que, a única hipótese em que poderá ocorrer um recurso aviado pela parte que ganhou o bem da vida em discussão, será no caso de interposição de um Embargos de Declaração, por obscuridade, contradição ou omissão.
8 O terceiro prejudicado é aquele que não faz parte do procedimento, mais que sofre danos com os efeitos da decisão que definiu o bem da vida pleiteado. É aquele que deveria ter sido assistente de uma das partes, mas não o fez. Exemplo recorrente é do locatário de um imóvel cuja propriedade é discutida em juízo.
9 O Ministério Público será parte legítima para recorrer quando for parte no procedimento, ou quando atuar em face deste, como custus legis.
10 Nos juizados especiais, por determinação da Lei 9.099/95, o preparo do recurso inominado poderá ocorrer em até 48 horas de sua interposição, o que se difere das vias ordinárias, onde o momento do pagamento do preparo é o mesmo da interposição do recurso, de preferência, sendo efetuado anteriormente, a protocolização daquele. Ressalta-se que haverá recursos onde não serão obrigatórios os respectivos preparos, quais sejam: embargos de declaração, agravo retido e, por fim, agravo contra decisão que inadmite Recurso Especial ou Recurso Extraordinário. A lógica, portanto, para a cobrança de preparo, é perceber se os autos onde se apresenta o recurso sairão ou não do juízo, ou se formará “novos autos”, no caso do Agravo de Instrumento.
11O Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678, de 6 de novembro de 1992) determina em seu artigo 8º, II, “h”, que: “Garantias Judiciais: (...). II – Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...); h –direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”. Tal disposição leva alguns juristas a extrair a ideia de que o duplo grau de jurisdição estaria abarcado somente para o direito penal e processual penal. Data máxima vênia, pensar assim é, desvirtuar o ordenamento jurídico, tratando iguais de forma desigual, o que contrariaria o art. 5º, caput., da CR/88, além de macular toda a processualística em que se fundou a criação da Teoria Recursal e dos Recursos em Espécie.
12 O art. 496, do CPC, dispondo sobre os recursos que serão regulados pelo Código de Processo Civil de 1973, assim determina: “São cabíveis os seguintes recursos: I –Apelação; II – Agravo; - Embargos Infringentes; IV – Embargos de Declaração; V – Recurso Ordinário; VI – Recurso Especial; VII – Recurso Extraordinário; VIII – Embargos de Divergência em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário”.
13Dúvida objetiva é aquela que levaria qualquer um ao equívoco, tendo em vista o modo como a legislação foi escrita, os termos utilizados, ou por divergência, acerca da matéria, nos tribunais superiores. Exemplo de dúvida objetiva está presente na atual legislação falimentar (Lei 11.101/2005), de onde se extrai, no art. 99, da citada lei, que: “A sentença que decretar a falência do devedor (...):.” Nos termos exposto, resposta acerca de qual recurso cabível, em conjugação com o art. 513, do CPC, seria que a sentença que decreta a falência do devedor será recorrível via apelação. No entanto, tendo em vista que após a decretação da falência, há atos que se seguirão, pois o procedimento falimentar não se interrompe nem suspende, a “sentença” que decreta a falência, por não ser terminativa, é recorrível via agravo de instrumento.
Mestre em Direito - Direitos e Garantias Fundamentais - pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais da FDV. Membro Diretor da Academia Brasileira de Direitos Humanos - ABDH. Professor no Curso de Direito da Faculdade São Geraldo - Cariacica/ES. Advogado (OAB/MG - 132.455)<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Heleno Florindo da. Ponderações acerca da Teoria Geral dos Recursos: uma análise do conceito, objetivos, condições e princípios recursais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2011, 06:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23955/ponderacoes-acerca-da-teoria-geral-dos-recursos-uma-analise-do-conceito-objetivos-condicoes-e-principios-recursais. Acesso em: 23 dez 2024.
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