Publicada em 2006, a lei 11343/06 “Lei de drogas” trouxe questões controvertidas que podem causar inúmeras interpretações. Aproveitando as anotações que fiz durante as aulas do Professor Davi André Costa Silva, em minha opinião um dos melhores penalistas da atualidade, escrevi este artigo na intenção de fornecer um material que contemple os conhecimentos necessários para o entendimento da referida Lei. O texto trata de questões importantes e que freqüentemente são abordadas em concursos e nos Exames da Ordem, bem como um breve comentário sobre os crimes ali previstos.
1 – Publicação, “vacatio legis” e vigência
A Lei de Drogas, 11343 foi publicada em 23 de agosto de 2006 e teve um período de “vacatio legis” foi de 45 dias, entrando em vigor em 08 de outubro do mesmo ano.
Em relação aos antecedentes legislativos, podemos analisar que, a questão das drogas inicialmente era tratada (desde 1940) pelo próprio Código Penal, os artigos 267 em diante continham os crimes contra a saúde pública, incluindo a questão das drogas.
Em 1976 recebemos uma lei extravagante que passou a dar maior amplitude ao tema, a Lei 6368/76, ocorre que o procedimento ficou defasado. Em 2002 surge a Lei 10.409/02 com a intenção de revogar a Lei 6.368/76, mas todo o título dos crimes foi vetado pelo Presidente da República.
Por um período foi necessário que os operadores do direito utilizassem os crimes previstos na Lei 6.368/76 com os procedimentos da Lei 10.409/02 que estavam mais adequados.
A Lei 11.343/06 revogou as anteriores e todo o tema é tratado por ela. Isto tudo acabou gerando questões de extra-atividade.
Quando estudamos o princípio da extra-atividade podemos verificar que:
- A nova lei poderá ter a característica de ser mais gravosa que a anterior, “lex gravior” que poderá ser “novatio legis” incriminadora (ocorre quando um indiferente penal em face de lei antiga é considerado crime pela posterior), ou “novatio legis in pejus” (quando lei posterior, sem criar novas incriminações ou abolir outras precedentes, agrava a situação do sujeito) ambas não retroagem, pois as leis que incriminam novos fatos é irretroativa uma vez que prejudica o sujeito. Aplica-se o princípio da irretroatividade da lei mais severa.
- A nova lei poderá ser menos gravosa, melhor que a anterior, “lex mitior” que poderá ser “abolitio criminis” (quando lei posterior deixa de considerar como infração um fato que era anteriormente punido; a lei nova retira do campo da ilicitude penal a conduta anteriormente incriminadora - “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime” artigo 2º do Código Penal ) ou “novatio legis in mellius” (ocorre se a lei nova, sem excluir a incriminação, é mais favorável ao sujeito), sendo nestes casos, retroativas e/ou ultra-ativas. Aplica-se o princípio da retroatividade da lei mais benigna.
2- Conceito de Droga
- Art. 1º, parágrafo único da Lei 11.343/06
Considera-se droga todo o produto ou substância capaz de causar dependência com previsão em lei[1] ou em listas emitidas pelo Poder Executivo da União. Quem faz a regulamentação do que é considerado droga, é a ANVISA –Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Em função disso, podemos dizer que a Lei de Drogas contempla tipos penais em branco. Normas penais em branco são disposições cuja sanção é determinada, ficando indeterminado o seu conteúdo; sua exeqüibilidade depende do complemento de outras norma jurídicas ou da futura expedição de certos atos administrativos; classificam-se em:
a) normas penais em branco em sentido lato ou homogênea, que são aquelas em que o complemento é determinado pela mesma fonte formal da norma incriminadora;
b) norma penais em branco em sentido estrito ou heterogênea, são aquelas cujo complemento está contido em norma procedente de outra instância legislativa.
Como a Lei 11.343/06 faz referência genérica a expressão droga, devendo por isso ser complementada por outra norma, podemos afirmar que se trata de norma penal em branco. No caso, a regulamentação é procedente da ANVISA (portaria 344/98). Trata-se de norma penal em branco heterogenia.
3- Objetivos da Lei de Drogas
Conforme a previsão legal (art. 1º; art. 3º incisos I e II; art. 4º, inciso X e art. 5º, inciso III) os objetivos da Lei de Drogas são a prevenção do uso indevido e repressão a produção não autorizada e ao tráfico ilícito.
4- Disposições Penais Preliminares
Bem Jurídico Tutelado
O bem jurídico tutelado pela lei de drogas é a saúde pública, não obstante o tipo penal do art. 39 tutelar a incolumidade pública representada pela segurança aérea, marítima ou fluvial.
Natureza Jurídica dos Crimes
Quanto ao seu resultado naturalístico, os crimes podem ser materiais, formais e de mera conduta. Crime material é aquele em que há necessidade de um resultado, descrito na lei, (ex.: homicídio: morte). Crime formal é aquele em que embora exista a descrição do resultado naturalístico, ele não é exigido para consumação, também chamado de crimes de consumação antecipada (ex.: no delito de ameaça, a consumação dá-se com a prática do fato, não se exigindo que a vítima realmente fique intimidada; no de injúria é suficiente que ela exista, independentemente da reação psicológica do indivíduo). No crime de mera conduta a lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente.
Quanto ao seu resultado naturalístico os crimes da lei de drogas são classificados como materiais.
Ainda quanto ao resultado, os crimes poderão ser de dano (também chamados de crimes de lesão) ou de perigo. Os Crimes de dano só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico visado (ex.: lesão à vida). No crime de perigo, o delito consuma-se com o simples perigo criado para o bem jurídico.
Os crimes previstos na Lei de Drogas, com exceção do previsto no art.39, são de perigo abstrato, ha presunção legal de ameaça ou ofensa ao bem jurídico. O crime previsto no art. 39 é de perigo concreto.
Crime vago é aquele que tem como sujeito passivo, várias pessoas ou a coletividade. Os crimes da Lei de Droga podem ser classificados como crimes vagos.
5 – Usuário de Drogas – Arts 27 a 30 da Lei 11.343/06
Ao analisarmos o art. 27 da Lei de Drogas, surge a questão amplamente discutida na doutrina quanto ao não cabimento de penas restritivas de liberdade aos usuários de drogas. Baseia-se na idéia de reeducação através de amparo e orientação. Seriam aplicáveis medidas salutares no sentido de orientação, através da obrigatoriedade de participação em cursos e palestras. O problema é que, ao fracassarem tais medidas, na prática, o que resta é tolerar indefinidamente a figura do usuário de drogas.
Configuração do tipo básico, art. 28 caput da Lei
Anteriormente a lei incriminava o usuário como aquele que adquiria drogas, guardava drogas e/ou trazia consigo drogas para consumo pessoal. A lei atual configura usuário como aquele que adquiri, guarda, traz consigo, tem em depósito e transporta drogas.
A nova lei promoveu um alargamento na incriminação do usuário de drogas. Quanto às condutas de “ter em depósito” e “transportar”, o tipo penal apresenta a hipótese de “novatio legis incriminadora”. Significa que só se podem punir aqueles que praticaram tais condutas a partir do dia 08 de outubro de 2006. Aqueles que foram condenados por praticarem estas condutas (ter e depósito ou transportar drogas) antes do dia 08 de outubro de 2006, embora as evidências dos autos tenham demonstrado que ele era usuário, cabe Revisão Criminal.
Ao analisarmos cada um dos verbos deste artigo, precisamos ter com clareza o significado de cada uma das condutas previstas:
Adquirir – comprar, obter mediante pagamento.
Guardar - armazenar para consumir em curto período de tempo, tomar conta de algo, proteger.
Trazer consigo – Ter junto ao corpo, no bolso, na carteira, etc.
Ter em Depósito – ter armazenado suprimento que traga uma idéia de mais perpetuidade, maior quantidade.
Transportar – Levar de um lugar para outro, em malas, veículos, etc.
Não constam no artigo os verbos usar, consumir (fumar, cheirar, injetar, etc), logo, se poderia concluir que usar drogas não é crime. Parte da doutrina defende a tese de que qualquer conduta relacionada ao consumo não deveria ser punida. Baseiam-se no princípio da alteridade ou transcendentalidade, segundo qual ninguém pode ser punido por fazer mal a si próprio.
Parece-nos uma tese pouco sustentável. Frente a este argumento, podemos considerar que os malefícios de usar drogas “adoecem” por reflexo toda a família do usuário de drogas. Tudo e todos em volta de um usuário de drogas terminam afetados. O Estado também acaba tendo gastos com este usuário. Por este ponto de vista, o usuário não deveria ter o direito de gerar todo este reflexo, portanto, deveria ser punido mesmo.
O art. 28, § 1º, configura o crime equiparado ao uso, contempla as condutas semear, cultivar (pequena quantidade) e colher. Trata-se daquele que não está fomentando o crime, pratica as condutas descritas para atender o seu consumo pessoal. Se praticadas visando posterior distribuição, configuram crime equiparado a tráfico, art. 33, § 1º, inciso II
As condutas acima são proibidas em todo o território nacional, salvo quando praticadas com autorização (fins científicos ou medicinais), ressalvado o caso de uso estritamente ritualístico-religioso.
Se observarmos bem, vamos verificar que, as cinco condutas previstas no artigo 28 da Lei de Drogas, também constam no artigo 33 que prevê o crime de tráfico, por isto, precisamos de fatores diferenciadores entre estas duas condutas (uso e tráfico). São fatores diferenciadores conforme o art. 28, § 2º a natureza da droga, sua quantidade[2], a analise do local e das condições gerais, as circunstâncias que envolveram a ação e a prisão, a conduta e os antecedentes do agente.
Em relação às penas previstas para o crime do art. 28, podemos afirmar que com a Lei 11.343/06 houve um abrandamento considerado por muitos, absurdo. Anteriormente o usuário, se condenado recebia como pena a detenção de 6 meses a 2 anos, atualmente as penas compreendem advertência sobre os efeitos do uso de drogas, prestação de serviços a comunidade ou comparecimento a programas educativos (cursos, palestras, etc). As penas podem ser aplicadas alternativa ou cumulativamente. A PSC e os programas educativos tem duração máxima de 5 meses e tanto a aplicação quanto a execução prescrevem em 2 anos. Se for caso de reincidência. Podem chegar a 10 meses.
Com o afastamento da pena privativa de liberdade do usuário, estamos diante do caso de “novatio legis in mellius”.
Conforme o que determina a Lei de Drogas no seu art. 48, flagrado, o usuário deverá ser imediatamente apresentado ao juiz (coisa que na prática não ocorre). Não havendo juiz será lavrado o termo circunstanciado pela autoridade policial (é o que ocorre na realidade do dia a dia). É vedada, sob qualquer pretexto, a detenção do usuário. Referimo-nos aqui a prisão, cabendo a condução do usuário até a delegacia. A condução coercitiva poderá ocorrer, podendo inclusive, utilizar-se de algemas desde que nos limites da Súmula Vinculante Nº 11.
Em seguida, após a lavratura do termo circunstanciado, deverá ser liberado. A autoridade que não fizer a liberação após a lavratura do termo circunstanciado estará cometendo abuso de autoridade e responderá conforme a Lei 4898/65.
Aplica-se ao usuário o procedimento da Lei 9099/95, procedimento comum, devendo ser tratado de regra[3] no JECRIM. Na transação penal com o usuário só poderá versar sobre as medidas educativas previstas no art. 28 (advertência sobre o uso de drogas, prestação de serviços a comunidade e comparecimento a programas educativos e a cursos). Não cabe a interdição temporária de direitos, limitação dos finais de semana, sexta básica.
Se o usuário for menor de idade, caberá ato infracional e vai se submeter ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com a supressão da pena privativa de liberdade, em nossa opinião, perderam o Estado e a Sociedade. As medidas cabíveis são singelas e ineficazes para evitar as atitudes ilícitas do usuário. Há os que entendem que, o usuário só não cria mais problemas para o Estado porque não quer. A visão é de que, na prática, se o usuário não cumprir o que lhe for imputado (não comparecer a audiências, por exemplo), nada ocorrerá. No máximo será conduzido coercitivamente onde lhe aplicarão as mesmas penas singelas. O resultado real (como já comentamos anteriormente) é que, a sociedade, sem alternativas, terá que tolerar o usuário.
Afinal, o que ocorreu, descriminalização, despenalização ou descarcerização?
Antes de sair a Lei de Drogas, o Professor Luiz Flávio Gomes disse que teríamos uma novidade, que o usuário de drogas não seria mais punido. Segundo ele, haveria uma descriminalização, pois se o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, diz que crimes são infrações penais punidos com reclusão e detenção e que, contravenções penais são infrações penais punidas com prisão simples, usar drogas segundo o artigo 28 da nova lei, não é crime nem contravenção. Trata-se segundo ele, de uma infração “sui generis”. Nesta corrente estão também Alice Bianchini, Willian Terra e Rogério Sanches Cunha.
Segundo o Professor Davi André Costa Silva, continua sendo crime, pois não é suficiente embasar estas conclusões apenas na Lei de Introdução. Avaliando-se a Constituição Federal no seu artigo 5º é claro quando diz que serão adotadas dentre outras as penas de privativa de liberdade, restrição de direitos e multa. Quando a Constituição Federal diz “dentre outras” autoriza ao legislador criar outros tipos de pena, com exceção as que a própria Constituição proíbe (pena de morte, banimento, trabalhos forçados, cruéis). O legislador criou as penas de advertência e os programas educativos. Segundo o Professor Davi, houve uma despenalização no sentido do afastamento da pena privativa de liberdade.
Segundo a doutrina majoritária e o STF adotam a corrente da despenalização. Para Saulo de Carvalho, continua sendo crime, continua tendo pena, não tem é cárcere, trata-se de descarcerização. Interessante a tese, porém ainda é posição isolada.
A produção não autorizada e o tráfico ilícito de drogas estão previstos no art. 33 da Lei 11.343/06. Note que as mesmas condutas poderão ser praticadas licitamente conforme podemos verificar no art. 31 da Lei. O tipo está baseado em 18 condutas que, quando associadas à finalidade de distribuição de drogas configuram fato típico. Trata-se de tipo misto, alternativo ou crime de conteúdo variado. Se no mesmo contexto fático o sujeito praticar duas ou mais condutas, estará praticando um só crime, o tráfico ilícito de drogas.
Parte da doutrina entende que a ínfima quantidade de droga pode fazer emergir falta de justa causa para a ação penal (Gilberto Thums e Bizzotto) . As cortes superiores, entretanto, não admitem o princípio da insignificância na Lei de Drogas por se tratar de crime de perigo abstrato. Neste sentido o STF (HC 88.820) e o STJ (HC 59190). O Princípio da Insignificância não afasta a tipicidade nos crimes de tráfico em casos onde a quantidade é ínfima.
Crimes equiparados ao tráfico
Nos crimes equiparados ao tráfico, previstos no Art.33, § 1º, inciso I (produtos químicos, insumos e matéria prima) não se exige que a substância contenha o efeito farmacológico (toxidade=princípio ativo) da droga que originará, bastando que se faça prova de que se destina ao seu preparo. O MP terá que provar que os produtos se destinam ao preparo da droga.
No inciso II, as condutas semear, cultivar ou colher podem referir-se a pequena, média ou grande quantidade, com finalidade de distribuição da droga. As plantações ilegais serão destruídas pela autoridade policial conforme previsão do Art. 32 da Lei de Drogas. As glebas utilizadas para o cultivo ilícito serão expropriadas pela união e se destinarão ao assentamento de colonos em função da reforma agrária Art. 243 da Constituição Federal.
Utilização de local ou bem de qualquer natureza para o tráfico
O inciso III trata da utilização de local ou bem de qualquer natureza utilizado para o tráfico ilícito de drogas. O tipo penal pune o agente que não pratica o tráfico diretamente, mas o admite em local (casas noturnas, bares, hotéis, motéis, etc.) ou em bem de qualquer natureza (veículos, aeronaves e embarcações) de que tenha a posse, propriedade ou administração. O sujeito ativo é o proprietário, posseiro, administrador, etc. O sujeito passivo é a Sociedade. Não se admite a forma culposa, deverá ser feita a prova de que havia dolo (elemento subjetivo). Se o local ou o bem se destinarem ao uso indevido de drogas, há duas orientações:
1) Segundo Gilberto Thums a conduta é atípica. A lei é clara no sentido de que o crime consiste em utilização de local ou bem de consumo para o tráfico e não para o uso. Esta é a Posição de defesa, advogados e defensoria.
2) A conduta configura o crime do art. 33, § 2º, induzimento (Induzir significa criar uma idéia que até então não existia), instigação (Instigar significa reforçar uma idéia pré-existente) ou auxílio (Auxiliar significa prestar ajuda) ao uso indevido da droga. O que tem a posse, propriedade ou administração estaria auxiliando no uso indevido de drogas, está seria a posição da acusação. No entendimento de Guilherme Nucci, trata-se de crime de tráfico, pois o agente através de sua conduta se equipara ao traficante ou, no mínimo, seria partícipe do tráfico alheio.
A apologia ao uso ou ao tráfico
A apologia ao uso ou ao tráfico, que anteriormente era crime, deixou de ser considerada como tal. É livre a manifestação do pensamento conforme prevê o art. 5º da Constituição Federal. Segundo a doutrina a conduta “apologia ao uso, ao consumo e tráfico de drogas” deixou de ser incriminada pela Lei de Drogas, deste modo, manifestações, distribuição de panfletos ou passeatas, que falem sobre drogas, em primeira análise, não são crime.
Uso Compartilhado
Para que tenhamos a configuração de uso compartilhado, previsto no art. 33, § 3º, faz-se necessária a concomitância de alguns elementos, o oferecimento da droga de forma eventual, a ausência do objetivo de lucro (o sujeito que oferece não pode cobrar), consumo em conjunto (se entregar só para o outro fumar restará em crime de tráfico) e para pessoa do seu relacionamento.
A pena do uso compartilhado será de detenção de 6 meses a 1 ano e multa de 700 a 1500 dias multa. A doutrina vê a multa estabelecida como desproporcional em função de que, a multa para o tráfico, prevista no caput é de 500 a 1500. O agente deste crime é o usuário que por educação oferece a droga, logo deveria ter pena de multa menor que a do traficante. Todos os elementos descritos deverão estar presentes, na falta de um dos elementos irá responder por crime de tráfico.
Trata-se de crime bi próprio, pois exige vinculo (relacionamento) entre os agentes. Enquanto o “consumo em conjunto” é o elemento positivo do injusto penal, a “ausência de objetivo de lucro” é o elemento negativo. É infração de menor ofensivo, devendo portanto, ser processado no JECrim.
Tráfico Privilegiado
A causa de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, exige que o agente seja primário[4], tenha bons antecedentes[5] (sujeito que, anteriormente, não possuía condenações definitivas), não integre organizações criminosas e nem se dedique a atividades criminosas. Atendendo a todos estes requisitos, o agente terá uma redução de pena que poderá variar de 1/6 a 2/3.
Há vedação legal quanto à substituição desta pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Em recente decisão, em cede de controle difuso o STF declarou que esta vedação é inconstitucional por ferir o princípio da individualização da pena. Quem deve dizer se pode haver substituição ou não, analisando o caso concreto, é o Juiz.
Maquinário, aparelho, instrumento ou objetos destinados a preparação
O Maquinário, aparelho, instrumento ou objetos destinados a preparação, produção, transformação ou fabricação da droga, conforme previsto no art. 34 da Lei de Drogas, consistem em crime . Muitos se não todos os traficando misturam a droga (principalmente a cocaína) para ter um maior rendimento, exemplo de produtos que são misturados a cocaína são o cal, sal, cola em pó para papel de parede, pó de vidro, etc. Para fazer estas misturas são necessários maquinários, aparelhos e outros objetos como liquidificadores industriais, balanças de precisão, etc. Ao encontrarmos estes objetos, com esta destinação, estaremos diante de um crime autônomo.
Também há hipóteses de objetos como o papel utilizado para enrolar o cigarro de maconha, ou o garrote aquela borracha para colocar no braço e saltar a veia onde é injetada a droga serem utilizados para o uso pelo próprio usuário de drogas. Se os objetos se destinarem ao uso indevido, não há tipicidade, não será crime.
Discute-se na doutrina a existência de concurso entre os tipos dos artigos 33 e 34 na hipótese em que, no mesmo contexto fático, a conduta se amolda aos dois dispositivos. Há duas orientações:
1- concurso material entre as duas infrações com a conseqüente soma de penas;
2- O artigo 34 é subsidiário ao do artigo 33.
Se forem encontrados no mesmo contexto fático as drogas e os objetos para prepará-las, haverá dois crimes em concurso material somando-se as penas, esta é a posição de Guilherme Nucci, Juiz de Direito. Para o promotor Rogério Sanches (LFG) há apenas um crime, o tráfico de drogas previsto no art. 33 da lei, restando subsidiário o crime do art. 34 por ser o mesmo bem jurídico atingido, a saúde pública.
Parece-nos que a imputação deverá, na visão da promotoria, sempre ser dos dois crimes ficando para o Juiz decidir se vai dar prosseguimento para os dois ou não. Via de regra o Juiz não fará concurso material, mas irá aplicar a pena do crime previsto no art. 33 e na primeira fase da dosimetria, aumentará a mesma argumentando que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis pelo fato de terem sido praticadas as duas condutas.
Associação para o Tráfico
O art. 35 da Lei de Drogas 11.343/06 trata do crime de Associação para o Tráfico e capitula que, quando dois ou mais agentes associarem-se para fins de praticar, reiteradamente ou não, os crimes dos artigos 33, caput e parágrafo 1º e 34 desta Lei estarão realizando a conduta prevista.
Trata-se de uma espécie de quadrilha ou bando que se aperfeiçoa com apenas dois agentes, mas da mesma forma, exige estabilidade e permanência na associação. Provada a associação, os agentes respondem também pelo tráfico praticado. Estamos diante de concurso material.
É difícil de fazer a prova de associação em função do caráter de estabilidade e permanência. Se houver provas suficientes, o agente será condenado não apenas pela associação, mas também pelo tráfico praticado e as penas dos dois tipos penais serão somadas.
Mesmo que não seja praticado crime algum, que não seja consumado o tráfico, mas se provar a associação para o tráfico, os agentes serão responsabilizados. Questão controvertida em função de tratarmos aqui de Direito Penal do Autor onde se pune as pessoas por ser alguma coisa e não por ter feito alguma coisa.
Para entender a gravidade deste embasamento é só olharmos a história, o Direito Penal do autor foi à base do Nazismo. Hitler estava legitimado, apoiado sobre o Princípio da Legalidade. Temos que ter muito cuidado, pois em nome da legalidade já se cometeu muitas atrocidades. O Direito Penal do autor ou do inimigo traz a fragilidade de que, de acordo com quem está no poder e dos interesses do momento qualquer um poderá ser o inimigo.
Financiamento ou Custeio do Tráfico
Ambos são formas de investimento ilícito, mas temos diferenças entre financiar e custear. No financiamento o agente não tem qualquer ingerência sobre o tráfico, o financiador apenas entrega o dinheiro em busca de lucro fácil ao final de determinado período. O agente que custeia, por sua vez, além de bancar as despesas do dia a dia, interfere nas decisões do tráfico.
Nesse tipo penal o legislador quebrou a teoria monista ou unitária do artigo 29 do Código Penal na medida em que cominou pena autônoma para aquele que embora não pratique diretamente o tráfico com ele contribui pelo financiamento ou custeio.
É a maior pena da Lei 11.343/06, é difícil entender o porquê, pois na maioria das opiniões doutrinárias, o traficante deveria receber a maior atenção, a maior pena por ser ele o elemento mais prejudicial à sociedade. Não se aplica a majorante do artigo 40, inciso VII em face do princípio “ne bis in idem”.
Colaborador do Tráfico
O artigo 37 prevê o crime para os agentes que estão mais abaixo na “cadeia do tráfico”, conhecidos como sinalizadores, fogueteiros, quando menores chamados de falcãozinho, fumacinha ou luzinha. Anteriormente era condenado como partícipe o que era inadequado, pois não se trata do traficante propriamente dito.
Neste tipo penal o legislador compreendeu a proporcionalidade na medida em que cominou pena mais branda àquele que, embora não praticando diretamente o tráfico, com ele contribui prestando informações.
Prescrição ou Ministração culposa de Drogas
O Artigo 38 trata do único crime culposo da Lei de Drogas e tipifica a conduta daquele que prescreve (autoriza o uso, dá receita) ou ministra (entrega a consumo) drogas lícitas. As mesmas condutas podem caracterizar tráfico quando praticadas dolosamente. Prevalece na doutrina que é crime próprio, pois só pode ser praticado por agentes da área da saúde.
Condução de Embarcação ou Aeronave pós-consumo de Drogas
Previsão do artigo 39 da Lei de Drogas. Em caso de veículo automotor a conduta se amolda ao artigo 306 da Lei 9.503/97 Código de Trânsito, chamado de embriaguês toxicológica. Se o sujeito estiver conduzindo uma embarcação ou aeronave após consumir álcool, a conduta não pode se amoldar a este tipo porque o álcool não está na lista da ANVISA.
Bibliografia
Leis Penais e Processuais Penais comentadas - Nucci, Guilherme de Souza – 5ª Edição ver. Atual. e ampl. – São Paulo – Ed. Revista dos Tribunais, 2010.
Nova Lei de Drogas – Thums, Gilberto, Vilmar Pacheco – 2ª Edição - Ed. Verbo Jurídico, 2008.
Nova Lei de Drogas – Comentários à Lei Número 11343 – 2ª Edição – Ed. Verbo Jurídico, 2007.
RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007 . Informativo n.º 456/2007 [3] Site: http://www.lfg.com.br. 12 dez. 2006.
Comentários a Lei 11.343/06 - www.blogdosantin.blogspot.com
[1] A “salvia divinorum” que vem sendo consumida, em forma similar a maconha, por seus efeitos alucinógenos, até então, não consta da lista da ANVISA. No caso da autoridade flagrar um usuário com a referida “droga”, seria caso de Atipicidade, pois não atenderia um dos requisitos, a previsão legal, ou melhor, em listas emitidas pelo Poder Executivo da União.
[2] Precisamos de muito cuidado na analise de alguns dos fatores diferenciadores, é o caso da quantidade, que nem sempre representa o que aparenta. Uma pequena quantidade pode estar destinada ao tráfico, do mesmo modo que, uma grande quantidade poderá estar destinada a consumo próprio.
[3] Não se aplica a regra quando se tratar de usuário com foro privilegiado.
[4] Reincidente é o que cometeu novo delito nos cinco anos da condenação, diferente do Primário é o que não tem condenação transitada em julgado, ou se tiver, passaram-se 5 anos dessa sem que o agente tenha cometido novo delito; observa-se ainda que é primário o que não é reincidente (Guilherme Nucci).
[5] Primário é sujeito que, anteriormente, não possuía condenações definitivas.
Bacharel em Ciências Jurídicas. Pós Graduando em Direito Penal e Processual Penal. MBA em Gestão Financeira e Controladoria FGV-RS (em curso)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCELO SANTIN GONçALVES, . Comentários à Lei de Drogas - Lei 11 343/06 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 abr 2011, 07:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24028/comentarios-a-lei-de-drogas-lei-11-343-06. Acesso em: 23 dez 2024.
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