INTRODUÇÃO
O Código Civil em seu art. 170 trouxe a importante medida conservatória do negócio jurídico denominada conversão, a qual consiste no aproveitamento de elementos materiais de um negócio nulo ou anulável, transformando-o em outro válido e lícito.
Embora ainda não muito utilizado e difundido junto à comunidade jurídica, o que se constata pela tímida jurisprudência a respeito da temática, há que se destacar sua profunda relevância, haja vista que por meio desta se pode obter o aproveitamento de negócios jurídicos no todo ou ao menos em parte, sendo indiscutíveis seus reflexos econômicos e sociais.
DESENVOLVIMENTO
O princípio da conservação trouxe para o Direito Civil uma importante medida denominada conversão substancial do negócio jurídico[1], a qual se traduz numa relevante medida sanatória apta a convalidar negócios anuláveis e a aproveitar os elementos materiais dos negócios jurídicos nulos[2].
Acerca da medida de conversão substancial do negócio jurídico preconiza o Código Civil em seu art. 170 que “se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visava as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.
Explicando a medida conservatória, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 437) conceituam a conversão substancial como “por meio da qual aproveitam-se os elementos materiais de um negócio jurídico nulo ou anulável, convertendo-o, juridicamente, e de acordo com a vontade das partes, em outro negócio válido e de fins lícitos”.
Ou seja, a conversão se consubstancia no expediente técnico de aproveitar um ato jurídico inválido (nulo ou anulável) para a formação de um ato jurídico válido, sanando assim o vício anteriormente existente, conservando, ao menos que parcialmente o negócio jurídico.
Entretanto, de acordo com José da Silva Pacheco (2003, p. 611), para a aplicação da medida conservatória é indispensável a verificação de três elementos:
1º) que haja um negócio nulo; 2º) que o negócio nulo contenha os requisitos necessários de outro negócio jurídico[3], e que esses requisitos necessários sejam apropriados a produzir efeitos jurídicos para satisfazer, razoavelmente, os interesses das partes; 3º) que o fim a que as partes tinham em vista leve à convicção de que elas teriam querido este novo contrato, em lugar daquele, que originariamente fizeram, se houvessem previsto a sua nulidade.
Ou seja, para que possa haver a possibilidade da aplicação da medida conservatória da conversão substancial, é necessário que exista um negócio jurídico nulo ou anulável, que este traga elementos materiais aptos a produzir efeitos sob a égide de um novo negócio jurídico válido e satisfatório ao interesses das partes envolvidas, além da indispensabilidade da intenção das partes em recategorizar o negócio jurídico nulo ou anulável em um novo negócio válido.
Insta ainda mencionar que conforme lecionado por Karl Larenz (1978, p. 643) “não se admite a conversão se o negócio perseguido pelas partes persegue fins imorais ou ilícitos”.
Fundamentando a preferência pela função social dos negócios jurídicos em detrimento do rigor legal excessivo Pontes de Miranda (2001, p. 104) asserta em benefício da conversão substancial:
O fundamento da conversão está em que, nas relações da vida, mais se há de atender aos propósitos de cada um, econômicos ou não, do que à coincidência entre tudo que se quis e a regra jurídica em que se pensou, querendo-se determinada categoria jurídica. Mais à vida que à rigidez das normas em que se atentara, explícita, ou apenas implicitamente pela pré-escolha do negócio jurídico.
A medida conservatória de conversão substancial do negócio jurídico é instituto de elevado valor jurídico, principalmente na área do Direito Contratual, visto tratar-se de uma figura que atenua as exigências do direito positivo, promovendo o aproveitamento de atos imprestáveis para a formação de um novo negócio jurídico que realize o interesse das partes e atenda a finalidade lícita exigida pela legislação.
Ainda acerca da relevância da medida para a ciência jurídica, Celso Souza Guerra Júnior (2007, p. 63) sustenta que a medida da conversão guarda reflexos econômicos e sociais, sendo que sua utilidade jurídica surge quando estes negócios são admitidos como categorias, e a consequência da conservação deste no fato de que, como negócio concreto, útil juridicamente e emanado de vontade real, deve ser concluído pela realização da satisfação negocial.
Dada a importância da medida conservatória, o Direito Processual Civil também lhe reservou previsão legal, principalmente na esfera das tutelas possessórias, dispondo no art. 920 que “a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz reconheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados”, ou seja, a lei traz taxativamente a fungibilidade ou a conversibilidade de interditos.
Conforme as lições de Elpídio Donizete (2011, p. 1236), a conversão substancial acima nominada encontra previsão legal em razão da dificuldade de se distinguir entre uma situação de esbulho e turbação ou entre esta e a de simples ameaça de ofensa à posse. Ademais é comum o autor ajuizar a demanda possessória em razão de determinada conduta do réu e ocorrer, no curso do processo, mudança substancial na situação fática, impondo ao juiz a concessão da tutela possessória diversa da pleiteada, o que caso contrário não traria nem celeridade, tampouco eficácia à satisfação da pretensão das partes envolvidas.
Inobstante à magnitude da conversão, desafortunadamente o instituto ainda é pouco difundido na comunidade jurídica.
É imprescindível que a lei preveja mecanismos aptos a salvaguardar ou ao menos aproveitar negócios jurídicos que, embora existentes, encontram-se eivados de vícios, sendo nulos ou anuláveis. Acerca da ponderação, mister ressaltar a importância lição ministrada por Voss (apud MIRANDA, 2001, p. 103):
O nulo é como a criança que nasceu viva sem poder, em situação normal, viver; não como a criança que veio à luz morta. Por isso mesmo, é possível pensar-se em que viva, em outra situação, artificial ou excepcional.
Válido destacar ainda que a medida conservatória da conversão substancial não se apresenta como mecanismo de manutenção de negócio jurídico inválido, mas trata-se de uma medida sanatória onde na maioria das vezes o negócio jurídico viciado se transformará em um novo, totalmente distinto, conservando apenas o fim que visavam as partes.
Desta feita, tem-se que conversão substancial deve ser mais utilizada na comunidade jurídica, tanto pelos advogados, quanto pelos membros do Ministério Público e da Magistratura para que se possa promover a justiça atendendo-se aos fins que pretendiam as partes em detrimento do rigoroso formalismo legal, que na maioria das vezes não traz qualquer benesse à lide.
CONCLUSÃO
O breve artigo possui o escopo de alertar a comunidade jurídica acerca das benesses jurídicas sociais e econômicas do instituto da conversão substancial do negócio jurídico, visto que através deste se pode conservá-lo no todo ou ao menos em parte, resguardando a boa-fé das partes que almejavam a celebração válida de um negócio jurídico.
Referências.
DONIZETE, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 15ª Edição. São Paulo: Atlas. 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol. I. 13ª Edição. São Paulo: Saraiva. 2011.
GUERRA JUNIOR, Celso Souza. Negócios Jurídicos: à luz de um novo sistema de Direito Privado. Curitiba: Juruá, 2005.
LARENZ, Karl. Derecho Civil. Parte General. Revista de Direito Privado. 1978.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral: Validade, Nulidade, Anulabilidade. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001.
PACHECO, José da Silva. Da Conversão em Face do Novo Código Civil, in COAD, Informativo, Boletim Semana 41, 2003, p. 611-613, publicado no endereço eletrônico <http://www.gontijo-familia.adv.br/tex134.htm>. Acesso em: 29/04/2011.
[1] O presente artigo refere-se tão somente à conversão substancial, a qual diz respeito apenas ao conteúdo do negócio jurídico em si, não da conversão simplesmente formal ou legal, visto que esta seria a aceitação de uma conversão por determinação legal sem a existência da vontade das partes, não se igualando em nada à figura tratada neste breve estudo.
[2] O art. 170 do Código Civil menciona apenas os negócios jurídicos nulos, não consagrando os atos anuláveis. Há, entretanto, uma forte tendência doutrinária no sentido de que a conversão deva se estender também aos negócios jurídicos anuláveis.
[3] Neste sentido é o enunciado 13 da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal: “Art. 170. O aspecto objetivo da conversão requer a existência do suporte fático no negócio a converter-se”.
Advogada pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná e em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Vice-presidente da Comissão de Ética e Fiscalização da OAB/PR - Subseção de Arapongas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Karina Alves Teixeira. A conversão substancial do negócio jurídico: um mecanismo de aproveitamento de negócios jurídicos nulos ou anuláveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2011, 08:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24268/a-conversao-substancial-do-negocio-juridico-um-mecanismo-de-aproveitamento-de-negocios-juridicos-nulos-ou-anulaveis. Acesso em: 23 dez 2024.
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