RESUMO
Juntos somos mais fortes, com uma filosofia similar o processo coletivo avança no sistema jurídico brasileiro e cada vez mais ganha espaço, de tal modo que transforma-se numa nova ordem processual. Veremos no presente trabalho a aplicação do atual direito coletivo tomando por base o problema da falta de vagas em creches e a nova perspectiva do direito coletivo.
Palavras-chave: Educação, Direito Coletivo, Processo Civil.
ABSTRACT
Together we are stronger, with a similar philosophy in the collective process progresses Brazilian legal system and increasingly gaining ground, so that becomes a new procedural. We will see in this study, the application of current law while building on the collective problem of lack of places in nurseries and new perspective of the collective right.
Keywords: Education, Law Collective, Civil Procedure.
1. INTRODUÇÃO
Juntos somos mais fortes, com essa linha de raciocínio o processo coletivo vem para dar mais força e maior eficácia as demandas que tem em jogo o direitos da coletividade.
Neste compasso, está ganhando força em nosso ordenamento jurídico a tutela coletiva, que vem evoluindo ao longo dos anos, tendo como marco a edição da lei da ação civil pública, normas fundamentais de defesa de interesse coletivo e agora com um audacioso projeto de lei que visa criar um Código de Processo Coletivo.
Apontada como uma das formas de solução da grande demanda judicial e ao mesmo tempo de efetividade, a tutela coletiva abraça toda a coletividade e evita uma enxurrada de ações idênticas buscando o mesmo objetivo.
Para trazer estes conceitos para realidade, utilizaremos o grave problema encontrado em Bauru – SP, onde faltam vagas em creches e sobram grandes filas de espera para conseguir um lugar para as crianças estudarem.
As demandas individuais se proliferam na justiça, sendo que segundo informações veiculadas em site de notícias regional (TV TEM – afiliada Rede Globo[1]), em trinta dias, entre janeiro e fevereiro de 2011, a Defensoria Pública Estadual em Bauru conseguiu 61 liminares para obtenção de vagas em creches municipais.
Para comparar com os dados acima, vamos utilizar a Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Estadual em 2003, também em Bauru – SP, que também versava sobre o problema de falta de vagas em creches.
Através de demandas individuais e a ação civil pública, passaremos a tecer comentários e trazer ao enfoque do leitor o atual sistema processual coletivo, bem como sua importância para o futuro.
Ressaltamos que o presente trabalho não tem a intenção de questionar a política municipal ou o modo de emprego das verbas destinadas a educação, mas apenas traçar um paralelo entre as demandas individuais e a tutela coletiva, o que passamos a apontar.
2. O DIREITO À EDUCAÇÃO E O PROBLEMA BAURUENSE.
A educação é base de um pais, impulsiona ao crescimento e desenvolvimento. Pesquisas sempre apontam países mais desenvolvidos como exemplos no sistema educacional e que o investimento em educação de qualidade faz crescer consideravelmente o PIB.
A nossa Magna Carta traz a educação como direito social, no rol do artigo 6º[2], bem como garante a educação como direito de todos e dever do Estado e da família[3]. Ainda, garante a gratuidade da educação para alunos entre 4 e 17 anos, e para aqueles com idade superior que não tenham condição de arcar com os custos educacionais[4].
No que concerne a divisão de responsabilidade entre os entes da Federação, cabe ao Município atuar de forma mais efetiva na educação infantil e fundamental, nos termos do parágrafo segundo do artigo 211 da Constituição: Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
Regulamentando o disposto na Constituição, vem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9.394 de 1996), no seu artigo 11, onde traça diretrizes aos Municípios, esclarecer que compete aos Municípios oferecer a educação infantil em creches e pré escolas[5]. Em âmbito municipal, a Lei orgânica do Município de Bauru, em seu artigo 113, estabelece que o Município atuará com prioridade de atendimento à crianças de zera à seis anos[6].
Conforme se verifica, a legislação é clara em disciplinar a competência do município em fornecer a educação infantil, assim, sendo direito de todas as crianças a matrícula em creches e pré-escolas, não podendo ser mitigado seu direito pela simples alegação de falta de vaga.
Apesar do especificado acima, a cidade de Bauru vem ao longo dos anos enfrentando o problema de falta de vagas para crianças, tendo a população que socorrer ao Poder Judiciário para garantir o primeiro passo da educação.
Conforme foi apurado no Inquérito Civil n. 01/2000, prova utilizada na Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual em face do Município de Bauru, apurou-se que no ano de 2000 faltavam 2.236 (duas mil, duzentos e trinta e seis) vagas em creches e pré escolas, no ano de 2001 a incrível quantia de 4.190 vagas, em 2002, nos seis primeiros meses do ano a quantia de 929 vagas e em 2003, nos 3 primeiros meses a quantia de 379 vagas. Hoje, quase 8 anos após os dados apontados pelo Ministério Público, foi identificado que existe fila de espera de 1.000 (mil) crianças para creches que são mantidas pela prefeitura e 963 em creches municipais[7], ou seja, a situação continua a mesma.
Desta forma, para evitar que os filhos fiquem fora das creches e pré-escolas, o que leva diversas mães a abandonarem seus empregos para cuidar dos crianças, a população procura o auxílio da Defensoria Pública e através desta, em demandas individuais, conseguem liminares para que seus filhos sejam matriculados e freqüentem creches municipais ou com convênio com o município.
Segundo dados veiculados na mídia regional, em 30 dias, no período compreendido entre janeiro e fevereiro de 2011, foram deferidas 61 liminares[8], o que tende a aumentar visto a divulgação das informações e o bom trabalho prestado pelos Defensores locais.
Este é o contexto encontrado em Bauru, uma demanda reprimida de quase 2.000 (duas) mil crianças guardando vagas em creches e as que procuram auxílio jurídico conseguindo de forma individual sua matrícula e freqüência.
3 - O DIREITO COLETIVO E SUA EFETIVIDADE
A tutela coletiva ainda necessita de maior atenção em nosso cenário jurídico atual (muito embora seja classificada como uma das melhores do mundo – ver tópico 4 parte final), precisamos de normas que disciplinem as ações coletivas, procedimentos que levem a uma efetividade plena e mais uma alternativa para diminuir a demanda do judiciário e melhorar a prestação do serviço.
Tais considerações não são recentes, pois a tutela coletiva foi apontada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth como uma das formas eficazes de garantir o pleno acesso à justiça, estudos que resultaram no livro de mesmo nome – Acesso à Justiça[9].
Os autores enumeram as soluções em ondas e no caso específico, dedicou a “segunda” onda para a representação dos direitos difusos como forma de solução do acesso à justiça. Basicamente, os autores explicam que a tutela de direitos de forma individual apenas iria inchar o judiciário com ações voltadas para o mesmo objeto e que via de regra teriam a mesma decisão, porém a partir do momento que se criou mecanismos para a tutela coletiva, diversas demandas individuais deixariam de ser propostas, sendo substituídas por ações coletivas.
Por tal concepção podemos concluir que uma ação coletiva, como no nosso caso, poderia “abraçar” todas as 2 mil crianças que esperam uma vaga e não seria necessário a entrada de 2 mil ações individuais.
Para completar os estudos de Cappelletti, o autor ainda traçou como primeira onda a assistência judiciária, que no presente caso verifica-se pela atuação da Defensoria Pública e do Ministério Público e como terceira onda a criação de juizados especializados, o que ainda não temos em nosso pais (Juizados especializados em demandas coletivas).
Após a Segunda Guerra Mundial, o “mundo” passou a ver seus cidadãos de uma forma coletiva e a proteger seu ambiente. Foi nesta filosofia que no Brasil começaram a surgir os primeiros estudos e legislações sobre direitos coletivos, estes na classificação do renomado autor Pedro Lenza, constituem a terceira dimensão dos direitos fundamentais, que pode ser definida como os direitos difusos e coletivos, surgindo daí a noção preservacionista do meio ambiente e as dificuldades para proteção dos consumidores[10].
Antes mesmo da segunda guerra mundial terminar (ocorreu entre os anos de 1939 à 1945), no Brasil entrou em vigor, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, que previam legitimidade para os sindicatos brigarem por interesses de seus associados (primeira forma de tutela coletiva encontrada), sendo que, a ação popular foi prevista já na Constituição de 1934, disciplinada em 1965 pela lei n. 4.717 e em 1977, acrescentado novas concepções, nos termos da lei n. 6.513 de 1977.
Após, a ação popular, diversas leis começaram a surgir para defesa do coletivo, tais como a lei 6.938 de 1981 (Dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente), Lei 7.347 de 1985 (Disciplina a Ação Civil Pública), a Constituição Federal em 1988, em 1990 o Código de Defesa do Consumidor, Lei de Improbidade Administrativa, Estatuto da Criança e do Adolescente, Proteção à Ordem Econômica, estatutos do Idosos e do Torcedor, dentre outras diversas normas.
Em que pese algumas normas fundamentais possuírem uma característica de auto executoriedade, para se efetivar as tantas disposições legais, necessário foi disciplinar meios de se levar tais conflitos ao judiciário e assim podemos citar como instrumentos: Ação Popular, Mandado de Segurança Coletivo e Ação Civil Pública.
Com relação à Ação Popular, segundo Gregório Assagra de Almeida, depois da promulgação da Constituição Federal em 1988, houve uma ampliação de seu objeto, sendo que agora constam no rol dos assuntos discutíveis o meio ambiente e a moralidade administrativa, além do patrimônio público em seus aspectos econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, já tutelados anteriormente[11].
No tocante ao Mandado de Segurança coletivo, previsto no art. 5, LXIX e LXX[12], da CF de 1988 e art. 21[13], da Lei 12.016 de 2009, o objeto é o mesmo do Mandado de Segurança individual, ou seja, a proteção de direitos líquido e certos, não amparados por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso do poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de suas atribuições do Poder Público[14].
Atentando para o problema questionado neste artigo, a solução individual para as mães que não conseguem matricular seus filhos em creches é a impetração de Mandado de Segurança individual, pois somente assim, garantirá o direito líquido e certo da criança estudar.
Na Apelação interposta pelo Município de Bauru (Apelação 994.09.229745-8 – TJ/SP), nos autos do Mandado de Segurança impetrado pela Defensoria Pública de Bauru em favor de um menor (Defensora Pública Roseleine Aparecida da Silva), decidiu em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime, negar provimento ao recurso, sendo que na fundamentação foi utilizado o REsp .n 753565/MS – 1ª Turma – Rel. Min. Luiz Fux, nos seguintes termos:
A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não á discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 8. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.
Não caberia no presente caso um Mandado de Segurança coletivo, pois haveria problemas na legitimação ativa, haja vista que o rol taxativo não constou a Defensoria Pública ou o Ministério Público, sendo que eventual mandadus coletivo só poderia ser impetrado por alguma associação de mães com filhos sem estudo, o que é pouco viável existir e por causa do interesse previsto nesta ação coletiva, no caso da substituição do individual pelo coletivo, o legitimado vai defender aqueles que estão em igualdade de situação, no caso de um sindicato, seus filiados, associados e demais da categoria.
O remédio mais adequado para solucionar tal situação é a propositura de uma Ação Civil Pública, que vem disciplinada na Lei 7.347 de 1985 e tem como objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer[15], bem como visa a proteção de danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; economia popular e à ordem urbanística, nos termos do artigo 1º[16].
O procedimento de uma Ação Civil Pública é basicamente o mesmo prescrito no Código de Processo Civil, conforme art. 19[17], sendo que peculiaridades aparecem no sistema recursal, onde a regra é o recebimento dos recursos apenas no efeito devolutivo, mas com a possibilidade de conferir efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte, nos termos do art. 14.
Outra peculiaridade encontra-se na execução, pois haverá diferença nos procedimentos dependendo do direito coletivo protegido.
Conforme bem ensina o autor Hugo Nigro Mazzilli, em se tratando de condenação por danos a interesses individuais homogêneos, devemos nos atentar as disposições do Código de Defesa do Consumidor, onde a vítima e seus sucessores podem promover a liquidação da sentença na parte que lhes toque; apenas se não o fizerem, é que os co-legitimados à ação civil pública poderão fazê-lo em benefício de todo grupo[18].
Na condenação por danos a interesses coletivos em sentido estrito, a regra do parágrafo anterior também é aplicada, por analogia, pois se a vítima ou seus sucessores têm ação individual suspensa na forma do art. 104 do CDC, podem ter interesse na execução individual do julgado coletivo que as favoreça.
No que concerne à sentença condenatória que verse interesses difusos, porém, só os co-legitimados à ação civil pública ou coletiva podem promover sua liquidação; o indivíduo não poderá requerer a liquidação da sentença nessa hipótese, salvo apenas se, como cidadão, detiver legitimidade para propor ação popular com o mesmo objeto.
Dessa forma, caso haja condenação em pecúnia em ação de interesse coletivo, o valor será revertido para um fundo gerido por um Conselho Federal ou Estadual, dependendo do âmbito da ação, onde haverá a fiscalização do Ministério Público e membros da sociedade, sendo os valores destinados à reconstituição dos bens lesados[19].
Ao procedimento de liquidação aplicam-se as disposições da execução, presentes no Código de Processo Civil, sendo que quando depender de simples cálculos aritméticos, o credor requererá o cumprimento com base no artigo 475, J, do CPC. Caberá liquidação por arbitramento quando isso tenha sido determinado pela sentença ou convencionado pelas partes, ou ainda, quando o exigir a natureza do objeto da liquidação. Por fim, será por artigos quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fatos novos.
Como visto, o procedimento coletivo é regido por aplicação de diversas leis, porém, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.139/2009, de autoria do Poder Executivo[20], onde cria-se um código próprio para regulamentação do procedimento coletivo, o que vai gerar uma estabilidade neste ramo do direito e evoluir nosso sistema processual, para aquela que será a nova ordem processual.
4. A TUTELA COLETIVA COMO NOVA ORDEM PROCESSUAL
Tratar a tutela coletiva como nova ordem processual não é simplesmente aguardar a entrada em vigor de um código de processo coletivo ou a mera opção de propor demandas coletivas em face de demandas individuais, mas sim enxergar neste novo procedimento uma solução para o crescente número de demandas ajuizadas, combater abusos de grande vulto e dar uma efetividade maior ao sistema judiciário.
Essa nova ordem não é algo que vai ser imposto do dia para noite, mas requer um tempo de amadurecimento da população, dos legitimados, juízes, doutrinadores e deputados, pois é um processo que vem ao longo dos anos ganhando cada vez mais força e que começa a aparecer no nosso dia-a-dia.
Neste diapasão, relembramos que em Bauru, num período de 30 dias foram deferidas mais de 60 liminares concedendo vagas em creches para crianças, vê-se que ao menos 60 ações foram propostas e que via de regra as decisões foram as mesmas, e ainda, verifica-se que é um problema de “temporada”, pois as vagas são mais requisitadas no começo e final de ano, pois é quando está aberto o período de matrícula.
Apontamos ainda o fato de ser um problema contínuo, que segundo os dados apurados no inquérito civil utilizado como embasamento para propositura da ação civil pública, o problema já existia no ano de 2.000 (dois mil) e ainda persiste, quase que nas mesmas condições.
A título de exemplo, vamos utilizar os acórdãos proferidos nas apelações cíveis n. 994.09.229745-8 e 182.454-0/0-00 – ambos proferidos pelo TJ/SP em mandados de segurança impetrados em Bauru – SP – ementas na ordem:
Ementa: Mandado de segurança. Reexame necessário. Educação infantil. Obtenção de vaga em creche mantida pela Municipalidade. Direito indisponível da criança que é assegurado pela Constituição Federal, cujas normas são ainda complementadas pelo ECA e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Repartição constitucional de competência que impõe ao Município o dever de atuar prioritariamente na educação infantil mediante a oferta de vaga em creche. Jurisprudência do C. STF, do C. STJ e desta Câmara Especial. Ordem bem concedida. Recurso improvido.
Ementa: MENOR - Mandado de Segurança - Creche municipal - Garantia de vaga à criança - Concessão da segurança amparada pelo ECA e pela CF - Recurso oficial improvido.
Como bem podemos verificar, a sentença via de regra é favorável aos impetrantes e o recurso de ofício é improvido, haja vista que o que está em jogo é direito líquido e certo à educação, por conseqüência à vaga em estabelecimentos de educação infantil.
No ano de 2003 foi proposta ação civil pública em Bauru (Ministério Público Estadual – Promotor Dr. Lucas Pimentel de Oliveira), sendo que tal demanda coletiva teve como embasamento um inquérito civil público, onde o Ministério Público apurou o problema e instruiu a ação coletiva, cujos pedidos eram:
a) na obrigação de fazer, consistente na disponibilização, de vagas em creches e pré-escolas para os próximos anos letivos, e também no letivo em curso – 2.003, às crianças de 0 a 6 (seis) anos e 11 (onze) meses de idade, inseridas ou não nas listas de espera, de sorte que todas sejam atendidas nas proximidades de suas moradias, sendo possível, o deslocamento das mesmas à escola sem a necessidade de transporte coletivo, sob pena de pagar multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia e por criança que esteja fora da creche ou pré-escola, e responder por crimes de desobediência e de responsabilidade;
b) na obrigação de não fazer, consistente na não concessão de autorização para construção de novos conjuntos habitacionais sem a previsão de construção de creches e pré-escolas para atender crianças de zero a seis anos – educação infantil, sob pena de, em caso de autorizar, pagar multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por autorização concedida, contado da data desta.
c) na obrigação de fazer, consistente na inclusão de verba na proposta orçamentária destinada ao efetivo cumprimento do pedido de disponibilização de vagas em creches e pré-escolas, encaminhando-a ao Poder Legislativo nos prazos estabelecidos em lei, sob pena de pagar multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), contados da data fixada em lei para tanto.
A sentença foi procedente em parte, onde não acolheu apenas o pedido “c”, porém aceitou os demais pedidos, sendo que houve recurso de ofício (Apelação Cível n. 120.673/6), que julgou parcialmente procedente os recursos interpostos (houve além do recurso de ofício por parte do Município recurso do Ministério Público).
A parcial procedência foi no sentido de acolher os pedidos de recenseamento escolar e chamada pública, e julgar improcedente o pedido de obrigação de não fazer consistente em não entrega de casas em núcleos habitacionais.
Em que pese a parcial procedência, verifica-se que obteve êxito a ação civil no ponto que era principal, a destinação de vagas para crianças, problema que emergia na época, o que por sua vez substituiu inúmeras demandas individuais e deu maior efetividade e prestígio ao Poder Judiciário, que realmente solucionaria um problema de grandes proporções (hoje voltamos ao mesmo ponto).
O processo coletivo tem a força de sanar grandes problemas e assim explica Gregório Assagra de Almeida:
É portanto no direito processual coletivo comum, como via potencializada de resolução de conflitos, que o Poder Judiciário terá como eficazmente cumprir a sua missão constitucional e contribuir efetivamente para a transformação positiva da realidade social rumo a uma sociedade mais justa, humana, solidária e livre de preconceitos que impedem a efetivação de uma ordem constitucional adequadamente democrática[21].
Pelo que o conceituado autor citado acima diz, podemos entender que o direito coletivo é potencializado pela própria natureza dos direitos coletivos tuteláveis, de forma que a certeza jurídica nela visada pode atingir milhares ou até mesmo milhões de pessoas por força de uma única decisão.
Assumindo esta importância, temos que o Poder Judiciário tem de deixar de assumir uma posição neutra e distante da problemática social para assumir o papel de instituição de resolução de conflitos massificados, que exigem por si só uma postura diferente, um modo de pensar no coletivo e não apenas no individual, buscar solucionar problemas que afetem toda coletividade.
Ao falarmos em Poder Judiciário, não devemos ter em mente apenas atuação dos magistrados, mas de todos os envolvidos na lide, ou seja, os legitimados, a sociedade de forma geral, o Poder Público e todos aqueles que estão envolvidos na questão.
Como já ressaltado, este processo de coletivização foi e está amadurecendo ao longo dos anos, com a criação de leis, legitimação de órgãos, novas doutrinas, etc...
Exemplo deste amadurecimento são as atribuições da Defensoria Pública, onde no artigo 1º da LC 80 de 1994, prescreve ser obrigação a defesa de direitos coletivos, no seu artigo 4º, promover a ação civil pública, e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes[22], exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal[23].
Em se tratando de defensoria, a Lei Complementar n. 988 de 2006, que instituiu a Defensoria Pública de São Paulo disciplina que é atribuição institucional da defensoria estadual promover a tutela do meio ambiente, no âmbito de suas finalidades institucionais e ação civil pública para tutela de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo[24].
A Defensoria Pública exerce desta forma papel fundamental na defesa dos interesses coletivos e sua defesa não deve ser mitigada em caso de favorecimento de pessoas “não necessitadas”, pois os direitos são coletivos, ou seja, tanto de quem trabalha na busca por um salário mínimo ou quem recebe um bom salário (os direitos são iguais, porém os efeitos são sempre mais pesados aos necessitados). Tal conclusão é bem explicada no livro Legitimidade da Defensoria Pública na Ação Civil Pública, de Mariana Mezzavilla Verri:
O caráter indeterminável e a grande amplitude dos interesses difusos tornam sua tutela imprescindível para toda a sociedade, uma vez que os prejuízos oriundos de eventual lesão alcançariam inúmeras esferas jurídicas, dentre as quais a de pessoas, cuja tutela judicial foi atribuída à Defensoria Pública. Ora, não pode a Defensoria escusar-se da defesa desses interesses sob a alegação de eventual benefício a pessoas não necessitadas, em decorrência da indivisibilidade que caracteriza o interesse difuso e torna impossível o exercício de sua defesa em proveito de apenas uma parcela da coletividade atingida, alcançando sempre todas as pessoas inseridas em sua titularidade... Qualquer conclusão em contrário, incorreria em grave inconstitucionalidade, pois representaria a negação ou restrição indevida do direito à assistência jurídica integral e gratuita – assegurado aos necessitados – uma vez que excepcionaria os interesses difusos dessa garantia, colidindo frontalmente com o mencionado dever de se extrair das garantias constitucionais a maior carga possível de eficácia e de efetividade[25].
Pela legislação citada e pela brilhante explicação, temos que a prestação jurisdicional de uma assistência jurídica integral e gratuíta extrapola os limites financeiros de atuação da defensoria e transcendem para toda a coletividade, como numa visão mais surreal, a camada de ozônio protegendo o planeta terra, tanto aqueles que o preservam quanto os que poluem.
Por fim, o que pode animar nosso país é o fato de nossa legislação coletiva ser exemplo mundial, pois afirma José Carlos Barbosa Moreira, que em relação aos direitos de massa, a Constituição brasileira de 1988 assumiu proporções inéditas, consagrando-se com um realce que não encontra paralelo nas Constituições anteriores e até mesmo no direito constitucional comparado, ainda, segundo Gregório Assagra de Almeida, a legislação brasileira está exercendo influência sobre ordenamentos jurídicos de outros países, como a Argentina e Uruguai, bem como a Corte Suprema de Portugal, em setembro de 1997, entendeu possível a tutela via ação popular de direitos individuais homogêneos, utilizando na sua interpretação a legislação e doutrinas brasileiras[26].
5. CONCLUSÃO
Após levar aos olhos dos leitores uma síntese de toda a sistemática envolvida na defesa de interesses coletivos, com a utilização de um triste exemplo real, a falta de vaga em creche, desta feita, passamos a tecer considerações finais sobre o presente artigo.
O direito à educação deve ser visto não com um fundamental direito à criança, mas como uma chance de se criar um cidadão altamente capacitado, inteligente e pronto para viver e impulsionar sua vida e seu país, pronto para brigar por seus direitos, elevar o nível tecnológico da nação, aumentar sua renda interna, ou seja, criar um super circulo virtuoso e por conseqüência vitorioso.
Enquanto não chegamos neste ponto, que esperamos não ser um jusnaturalismo social, a sociedade ainda briga por uma vaga no ensino, sendo garantido o acesso à justiça à aqueles que não conseguem, porém, é mais forte e mais eficaz quando a busca pela justiça é feita de forma coletiva, somando forças.
Neste sentido, o processo coletivo vem evoluindo ao longo dos anos e toma forma de uma nova ordem processual - a tutela dos direitos de massa - sendo que necessário se faz a mudança de pensamentos, sair do conservadorismos e do comodismo e enfrentar problemas de frente, buscando soluções globais, sejam elas em face de empresas poluidoras ou do Poder Público, mas enfrentando e buscando as soluções para a coletividade.
A tutela coletiva será a forma de desafogar o judiciário, causar temor naqueles que flagrantemente violam os direitos coletivos, dar um prestígio maior ao Poder Judiciário num todo, pois teríamos decisões que causariam uma satisfação na sociedade e trariam a justiça mais perto da população.
Assim, concluímos que a tutela coletiva vem como uma nova ordem processual, que tende a crescer e se tornar cada vez mais efetiva e justa, como bem espera toda a sociedade.
REFERÊNCIAS:
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LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
MAZZILLI, H. N, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio públicos e outros interesses. 21ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008
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_______. LEI No 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7347orig.htm>. Acesso em: 10 abr. 2011.
_______. LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp80.htm>. Acesso em: 09 abr. 2011.
_______. Lei Complementar nº 988, de 9 de janeiro de 2006. Disponível em: <http://www.legislacao.sp.gov.br/dg280202.nsf/589653da06ad8e0a83256cfb0050146b/c0d6d0e646a70b99032570f30071f083?OpenDocument>. Acesso em: 11 abr. 2011.
_______. Falta de vagas em creches dificulta vida profissional de mães em Bauru. Disponível em: <http://tn.temmais.com/noticia/8/36763/falta_de_vagas_em_creches_dificulta_vida_profocument>. Acesso em: 28 mar. 2011.
_______. Projeto de Lei n. 5.139/2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=432485>. Acesso em: 09 abr. 2011.
[1] In, http://tn.temmais.com/noticia/8/36763/falta_de_vagas_em_creches_dificulta_vida_prof
[2] Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
[3] 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
[4] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
[5] Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
[6] Art. 114 - O Município atuará, prioritariamente, no atendimento às crianças de zero a seis anos de idade, em creches e pré-escolas e no ensino fundamental.
[7] In, http://tn.temmais.com/noticia/8/36763/falta_de_vagas_em_creches_dificulta_vida_prof
[8] In, http://tn.temmais.com/noticia/8/36763/falta_de_vagas_em_creches_dificulta_vida_prof
[9] CAPPELLETTE E GARTH
[10] LENZA. fls. 740
[11] ASSAGRA. Fls. 398
[12] LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
[13] Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.
[14] GONÇALVES. fls. 47
[15] Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
[16] Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III – à ordem urbanística; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001) (Vide Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
V - por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
VI - à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
[17] Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições.
[18] MAZZILLI. Fls. 537
[19] Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
[20] In, http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=432485
[21] ASSAGRA. fls. 147
[22] VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
[23] VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
[24] Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre outras:
VI - promover:
e) a tutela do meio ambiente, no âmbito de suas finalidades institucionais;
g) ação civil pública para tutela de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo;
[25] VERRI. fls. 128/129
[26] ASSAGRA. fls. 156.
Pós graduado em processo civil e direito tributário - Gerente Jurídico do escritório Pinho Advogados Associados Cidade de domicílio: Bauru - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, André Luis. Tutela coletiva, a nova ordem processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2011, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24317/tutela-coletiva-a-nova-ordem-processual. Acesso em: 23 dez 2024.
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