Resumo
O presente trabalho tem por escopo suscitar uma discussão, que tanto atormenta estudiosos do direito, qual seja a exigência da Garantia do Juízo para a oposição de Embargos à Execução Fiscal é legítima ou constituiria um óbice ao livre acesso à justiça estatuído na Constituição Federal. Far-se-á uma análise de tal exigência à luz da Constituição Federal da República, da legislação infraconstitucional pátria, sobretudo da Lei n° 11.382/06 e da tendência hodierna da doutrina no enfrentamento da questão.
Palavras-Chave: Execução Fiscal e Direito Processual Civil; Garantia do Juízo.
A Garantia do Juízo atualmente
A Lei n° 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) estatui que não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução[1]. Isso significa que, em sede de execução fiscal, faz-se necessário a garantia do juízo para a apresentação dos embargos, instrumento processual apto a efetivar a defesa, em sentido amplo, em processo de execução.
A garantia do juízo consiste na exigência do depósito prévio do valor executado. Constitui numa prerrogativa processual conferida à Fazenda Pública e decorre da supremacia do interesse público sobre o particular, e, por isso, seria merecedora de privilégios que a confeririam uma posição vantajosa quando em juízo.
O ordenamento jurídico pátrio manteve incólume tal exigência, que constava do art.737 do Código de Processo Civil Brasileiro, até 06 de dezembro de 2006, quando da publicação da Lei n° 11.382, que alterou sistematicamente a dinâmica do processo de execução civil, abolindo a necessidade de se garantir ou segurar o juízo como requisito prévio para a admissibilidade dos Embargos à Execução Civil. A referida lei alterando o Código de Processo Civil, dispôs no aludido diploma que os embargos à execução poderiam ser opostos pelo executado independentemente de penhora, depósito ou caução.
A despeito da mudança introduzida no Código de Processo Civil, que tem aplicação subsidiária no processo de execução fiscal[2], a Lei n° 6.830/80 manteve a exigência da Garantia do Juízo como pré-requisito para a admissibilidade dos embargos à execução fiscal. Entretanto, essa exigência é legítima ou a mudança introduzida no ordenamento jurídico nacional em 2006 deveria se aplicar de imediato ao processo de execução fiscal abolindo esta medida?
Garantia do Juízo: Legalidade / constitucionalidade da medida
Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p.31), citando Norberto Bobbio, explica as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, dentre as quais se encaixa a Garantia do Juízo, à luz da supremacia do interesse público sobre o particular, como uma “idéia de que o todo vem antes das partes, remontando a Aristóteles o primado do público, resultando na contraposição do interesse coletivo ao interesse individual (...)”.
O referido autor lecionando sobre a necessidade de se conferir prerrogativas processuais à Fazenda Pública, cita José Roberto de Moraes (2007, pp.33-34), que sustenta que “quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. (...). É toda a sociedade que contribui para isso. (...)”.
Por outro lado, a Constituição Federal da República assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa e o livre acesso à justiça, princípios elevados ao status de garantia fundamental pelo art. 5º da Magna Carta, respectivamente pelos incisos LV e XXXV.
Neste prisma, a exigência de depósito ou penhora prévia antes da oposição dos embargos, constituiria nítido óbice ao acesso pleno ao Judiciário, derrogando parcialmente em favor da Fazenda Pública, direitos e garantias que não podem ser alterados sequer por emenda constitucional[3].
O Código de Processo Civil foi instituído pela Lei n°5.869 de 11 de janeiro de 1973, antecedendo assim, em mais de sete anos a Lei de Execução Fiscal – Lei n° 6.830, que foi publicada em 22 de setembro de 1980, entendendo emergente doutrina que o art.16, § 1º desta última lei, simplesmente reproduziu a redação do Código de Processo Civil e que por não ter regramento próprio, deveria sempre acompanhar a tendência do estatuto processual. Neste sentido obtemperam Leandro Paulsen, René Bergman Ávila e Ingrid Schroder[4], citando Leonardo José Carneiro da Cunha, que ensina que “a exigência de prévia garantia do juízo para a oposição de embargos à execução – feita no parágrafo 1° do art. 16 da Lei 6830/1980 – não decorre de detalhes, vicissitudes ou particularidades da relação entre o contribuinte e a Fazenda Pública. (...). A Lei n° 6830/1980 cuidou, nesse ponto, de copiar, reproduzir, seguir a regra geral; a segurança prévia do juízo como exigência para o ajuizamento dos embargos era uma regra geral, e não uma regra que decorresse da particular relação havida entre o particular e a Fazenda Pública. (...)”.
Fredie Didier Júnior (2010)[5], por seu turno, ensina que: “O art. 736 do CPC, na atual redação que ostenta, dispensa a prévia garantia do juízo para o ajuizamento de embargos à execução. Questiona-se se tal regra é aplicável a execução fiscal. Tem sido comum, no particular, a afirmativa de que a lei geral não atinge a lei especial, de sorte que, na execução fiscal, continuaria a ser necessária a garantia do juízo, exatamente porque o §1º do art. 16 da lei n. 6.830/80 não foi modificado.”.
Ao tratar da Lei de Execução Fiscal, o aduzido professor prossegue: “O legislador entendeu ser necessário haver uma disciplina própria para a cobrança da Dívida Ativa do Poder Público, conferindo-lhe algumas garantias ou benefícios não presentes na execução civil, regulada no CPC. (...)”, e encerra concluindo que “não se deve, portanto, exigir mais a garantia do juízo para a apresentação dos embargos à execução fiscal – de resto, como visto no capítulo sobre as defesas do executado, a dispensa de prévia garantia para o oferecimento da defesa pelo executado é providência que favorece o credor, impondo assim, a sua aplicação também à execução fiscal.”.
Este entendimento está em consonância com as Súmulas Vinculantes 21 e 28 do Supremo Tribunal Federal que entenderam, respectivamente, ser inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de recurso administrativo e de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.
Apesar de a Lei n° 6.830/80 ser lei especial e a hermenêutica jurídica nos ensina que lei especial não pode ser derrogada por lei geral (Código de Processo Civil), conforme supracitado, a exigência de tal garantia não tem como pilar especial relação entre a Fazenda Pública e o credor, mas tão somente a LEF se limitou a reproduzir uma norma estatuída no Código de Processo Civil e a edição da Lei n° 11.382/06 parece ter tornado inócua a manutenção de tal exigência quanto às execuções fiscais, que não possuem regramento próprio.
Julgados recentes, comprovando a lenta, porém perceptível mudança na tendência doutrinária acerca da matéria, já admitem a possibilidade de se embargar a Execução Fiscal, sem necessidade de Garantia do Juízo[6][7][8].
Conclusão
Pelo exposto, depreende-se que notória corrente doutrinária e julgados atuais mostram uma nova tendência do panorama da execução fiscal, qual seja a de lenta e progressivamente se abandonar a exigência da Garantia do Juízo para a oposição de Embargos à execução fiscal, vez que incompatível com o modelo processual constitucional, em voga hoje, e até mesmo pela mudança da sistemática operada pela legislação infraconstitucional, especialmente a Lei n° 11.382, que aboliu a necessidade de tal garantia em relação à execução civil.
Faz-se mister, no entanto, que regulamentação legal venha a balizar essa tendência, que atualmente se encontra em plano de discussão e controvérsia e enquanto não há tal disposição, continua em voga essa exigência, incompatível com a sistemática processual moderna, que só cria óbice ao livre acesso à Justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5.ed. Ed. Dialética, 2007.
· ÁVILA, René Bergman; PAULSEN, Leandro; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário; processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. 6 ed. Ed. Livraria do Advogado, 2010.
· DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil – Vol.5 – Execução. 2 ed., Ed. JusPodivm, 2010.
· JÚNIOR, Humberto Theodoro. Lei de execução Fiscal. 11 ed. Ed. Saraiva, 2010.
· BRASIL. Lei n° 11.382 de 06 de dezembro de 2006. Altera dispositivos da Lei 5869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução e a outros assuntos.
· BRASIL. Lei n° 6.830 de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências.
· BRASIL. Constituição Federal da República, promulgada em 05 de outubro de 1988.
· BRASIL. Lei n° 5869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
[1] Art. 16, § 1° da Lei n° 6.830/80: Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.
[2] Art.1° da Lei n° 6.830/80: A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
[3] Art. 60, § 4°, IV, da CF/88: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais.
[4] ÁVILA, René Bergman; PAULSEN, Leandro; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário; processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. 6 ed. Ed. Livraria do Advogado, 2010.
[5] Didier Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil – Vol.5 – Execução. 2 ed., Ed. JusPodivm, 2010.
[6] AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. GARANTIA DO JUÍZO. A NOVA REDAÇÃO DO ART. 736 DO CPC ESTABELECE, DE FORMA EXPRESSA, QUE O EXECUTADO, INDEPENDENTEMENTE DE PENHORA, DEPÓSITO OU CAUÇÃO, PODE SE OPOR À EXECUÇÃO POR MEIO DE EMBARGOS. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70028951457, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 09/03/2009).
[7] AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO SEM GARANTIA DO JUÍZO. POSSIBILIDADE. CURADOR ESPECIAL. (Agravo de Instrumento Nº 70024880064, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 10/09/2008).
[8] A nova redação conferida a artigos do CPC prevê que os embargos do executado serão recebidos independentemente de garantia (736, caput), porém desprovidos de efeito suspensivo, em regra (art.739-A, CPC). Assim, inclusive os embargos à execução fiscal sofrerão a incidência da regra do art.739-A do CPC, pois a LEF não tem regramento próprio. (...). (Despacho proferido pelo Juiz Federal Substituto Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves, nos autos dos Embargos à Execução Fiscal n. 2006.72.05.005782-8/SC em 08.02.07)”.
Acadêmico do curso de direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Gabriel Caetano. Análise da exigência da Garantia do Juízo para a oposição de Embargos à Execução Fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2011, 00:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24452/analise-da-exigencia-da-garantia-do-juizo-para-a-oposicao-de-embargos-a-execucao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
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