A tutela penal em relação à proteção do consumidor antecede ao Código de Defesa do Consumidor. Já no Código Penal de 1940 o legislador tipificou onze condutas que se relacionam com as relações de consumo. Posteriormente, outras legislações indiretamente também definiram tipos de proteção ao consumidor.
No entanto, somente em 1990 com o Código de Defesa do Consumidor houve a definição específica de condutas penalmente praticadas contra as relações de consumo e contra o consumidor em prejuízo dos direitos enumerados e assegurados na parte inicial do Código.
O Código de Defesa do Consumidor tipificou como infração penal contra as relações de consumo os Artigos 63 a 74, sendo certo que o Art. 61, do CDC dispõe que além das condutas descritas no Código, também constituem crimes contra as relações de consumo aquelas descritas no Código Penal e demais legislações especiais.
Os delitos descritos no CDC punem o agente que pratica alguma das condutas descritas nos Artigos 63 a 74 com penas de multa, detenção ou restrição de direitos, nos termos do Art. 78, do mesmo Código. Tais condutas típicas visam proteger o consumidor contra a nocividade e periculosidade de produtos e serviços, fraudes publicitárias, publicidade enganosa e abusiva e práticas abusivas.
Nessa modalidade de infração penal o bem jurídico protegido é são os direitos do consumidor reconhecidos no Artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor e nos capítulos que o sucedem e que disciplinam a qualidade dos produtos e serviços, a prevenção e a reparação de danos sofridos pelo consumidor.
Assim, por exemplo, ao descumprimento da obrigação do fornecedor constante do Artigo 21, do CDC que trata do fornecimento de serviços de reparação de produtos, incide a tutela penal da norma do Artigo 70, também do CDC.
A análise da classificação de cada delito penal constante do Código de Defesa do Consumidor irá demonstrar que os Artigos 63 a 74, disciplinam crimes de perigo que não exigem para sua configuração, a efetiva ocorrência de dano ao consumidor.
É certo, ainda, que o legislador consumerista houve por bem estabelecer lá no Artigo 61, que além dos delitos descritos nos artigos 63 a 74 também constituem crimes contra as relações de consumo todas as normas constantes da legislação extravagante que não colidam com as disposições normativas do Código de Defesa do Consumidor.
Deste modo, em se tratando de legislação de proteção ao consumidor, por exemplo, a Lei nº 1.521/51 que define os crimes contra a economia popular, bem como o Código Penal e a Lei de Economia Popular nº 8.137/90.
Passemos a seguir a análise individualizada das infrações penais constantes do CDC, sob o seu aspecto difuso e coletivo.
Importante, antes de analisarmos o aspecto difuso e/ou coletivo das infrações penais descritas no Código de Defesa do Consumidor, conhecer melhor os conceitos de uma modalidade e de outra de direitos.
Inicialmente partiremos do conceito legal de direitos difusos e coletivos. O Art. 81, do CDC define esses conceitos nos termos seguintes:
“Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;(...)” (g.n.)
Sob esse olhar, o Prof.º Rizzatto Nunes ensina que “Os chamados direitos difusos são aqueles cujos titulares não são determináveis. Isto é, os detentores do direito subjetivo que se pretende regrar e proteger são indeterminados e indetermináveis. (...) O termo difuso significa isso: indeterminado, indeterminável. Então, não será preciso que se encontre quem quer que seja para proteger-se um direito tido como difuso”.[1]
No que tange aos Direitos Coletivos, novamente nos socorremos das lições do Prof.º Rizzatto Nunes que os define assim: “Nos chamados direitos coletivos os titulares do direito são também indeterminados, mas determináveis. Isto é, para a verificação da existência de direito coletivo não há necessidade de se apontar concretamente um titular específico e real. Todavia, esse titular é facilmente determinado, a partir da verificação do direito em jogo”[2].
E ainda complementa o Ilustre Prof.º Rizzatto: “Em matéria de direito coletivo são duas as relações jurídicas-base que vão ligar sujeito ativo e sujeito passivo: a) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados entre si por uma relação jurídica (...) b) aquela em que os titulares (sujeito ativo) estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica”.[3]
Ainda, visando esclarecer os conceitos de direitos difusos e coletivos, trago na seqüência as definições de Ada Pellegrini Grinover, constantes de Dicionário Jurídico coordenado pela Professora Maria Helena Diniz, veja-se:
Direitos Coletivos “São os relativos aos interesses da sociedade simples, de partidos políticos sindicatos ou entidades associativas ou de classe, que podem defender seus filiados ou membros, movendo ação em juízo, sem que haja litisconsórcio, como, por exemplo, mandado de segurança coletivo, havendo direito liquido e certo. São interesses comuns a uma coletividade de pessoas e a elas somente, quando exista um vínculo jurídico entre os componentes do grupo (a sociedade empresária, a família, os entes profissionais, o sindicato). São interesses comuns, nascidos em função de uma relação base que une os membros das respectivas comunidades e que, não se confundindo com interesses estritamente individuais de cada sujeito, merece sua identificação”.[4]
Por sua vez, a Prof.ª Ada Pellegrini Grinover, entende por Direitos Difusos “Aqueles que, sendo indivisíveis e indisponíveis, podem ser usufruídos por um número indeterminável de pessoas, por recaírem sobre bens de toda a coletividade, como o meio ambiente, o patrimônio cultural, etc. São os que, não se fundando em vínculo jurídico, baseiam-se sobre dados de fatos genéricos e contingentes, acidentais e mutáveis: como habitar na mesma região, consumir iguais produtos, viver em determinadas circunstâncias socioeconômicas, submeter-se a particulares empreendimentos”.[5]
Feitas as considerações acima, partimos agora para o estudo das infrações penais constantes do Código de Defesa do Consumidor.
Analisando mais detidamente cada uma das infrações penais constantes do CDC, em seus aspectos difuso ou coletivo, é possível chegar ao seguinte resultado:
ART. 63 - Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena - Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
§ 1º - Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.
Neste tipo penal a intenção do legislador foi proteger os direitos do consumidor de proteção da vida, segurança e saúde dos riscos possivelmente provocados no fornecimento de produtos ou serviços perigosos.
Teve, ainda, a intenção de assegurar ao consumidor o recebimento de informações adequadas e claras sobre os riscos que determinados produtos ou serviços podem apresentar.
A infração penal em comento guarda relação com os Artigos 8º e 9º, do Código de Defesa do Consumidor, que constituem regras de proteção à saúde e segurança do consumidor.
Estabelece o Artigo 8º: “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Parágrafo único - Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto”. E, dispõe o Artigo 9º: “O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”.
Com base nos conceitos acima apresentados, entendemos que o delito descrito na norma do Artigo 63, do CDC, trata da proteção de interesse ou direito de natureza difusa, vez que os consumidores potencialmente lesados pela infração não estão ligados por uma relação jurídica base, mas sim por uma situação fática (consumir determinado produto ou serviço que não contenha informações adequadas sobre a nocividade ou perigo decorrente do consumo ou que não contenha advertência escrita e ostensiva sobre a periculosidade do serviço prestado).
O Artigo 63 trata da segurança das relações de consumo sob o aspecto difuso e abstrato. Note-se que não é necessário a comprovação do nexo causal entre a conduta tipificada e a efetiva nocividade à saúde ou segurança do consumidor.
A conduta típica é a omissão de dizeres e sinais na oferta e apresentação do produto. Deste modo, ao se distribuir no mercado determinado produto ou serviço sem observar a periculosidade e a nocividade constitui dolo eventual, capaz de caracterizar o crime descrito no artigo em comento.
ART. 64 - Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado:
Pena - Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
Parágrafo único - Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo.
Pela norma do Artigo 64 protege-se a segurança do consumidor e penaliza o fornecedor que se omitir em comunicar para a autoridade competente acerca da nocividade ou periculosidade de produtos, após a sua distribuição no mercado de consumo.
A dificuldade em aplicação dessa norma reside na identificação temporal do termo “posterior”, uma vez que colocado o produto no mercado inicia-se o transcurso do tempo para que o fornecedor possa comunicar a autoridade competente e os consumidores acerca de eventual nocividade ou periculosidade do produto. Referido tempo pode ser minutos ou anos.
Um típico exemplo dessa norma é o recall com previsão no Art. 10, do CDC. Estabelece o Artigo 10, em seus parágrafos 1º e 2º:
Art. 10 - O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
§ 1º - O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
§ 2º - Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
A norma penal do Art. 64 é de natureza difusa, pois envolve interessados (consumidores e fornecedores) que se relacionam em razão de mesma situação fática, por exemplo, compradores de mesmos automóveis em que seja constatado vício em um de seus componentes passível de comprometer a segurança do consumidor ao utilizar o produto (veículo).
A intenção do legislador in casu, é evitar a ocorrência de acidentes de consumo. No entanto, tendo-se em vista tratar-se de um delito de perigo abstrato não será necessária a consumação da infração penal para que o fornecedor seja responsabilizado pela sua omissão.
Art. 65 - Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente:
Pena - Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.
Parágrafo único - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte.
A norma penal do Artigo 65, do CDC tem como objeto jurídico material a saúde e integridade física do consumidor contra a prestação de serviços de alto grau de periculosidade assim classificado por autoridade competente.
A grande crítica que se encontra na doutrina é acerca da imprecisão da intenção do legislador que não indica quem é a autoridade competente, tampouco o que é serviço de alto grau de periculosidade.
No meu entendimento essa norma analisada sob o seu aspecto difuso ou coletivo, pode ser entendida como norma de natureza difusa, pois visa proteger consumidores que contratem eventualmente um serviço de alto grau de periculosidade que não seja em conformidade com determinações de autoridade competente.
Art. 66 – Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo:
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.
O Artigo 66 do CDC tipifica como crime “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”.
O objeto jurídico protegido neste tipo penal é a confiança e a segurança a que deve prevalecer nas relações de consumo.
Trata-se de tutela de natureza difusa, por força do disposto no Art.29 do CDC, pois o consumidor suscetível de sofrer a lesão descrita na norma do comentado Art. 66, é aquele consumidor de fato, isto é, o atingido pela prática comercial ou qualquer outro que possa ser determinado.
Para que se configure a conduta típica deste artigo são necessárias duas situações, uma com a omissão de informação relevante sobre a característica do produto ou serviço e outra de omissão destas características.
Deste modo é preciso atenção para não confundir os tipos penais, de maneira que se os dados relevantes disserem respeito à periculosidade ou nocividade do produto ou serviço, a conduta típica é a do Art. 63, que é mais grave. Por outro lado, se a afirmação falsa ou enganosa, ou a omissão relevante, ocorrer em mensagem publicitária, o crime será do Art. 67, que estudaremos a seguir.
No entanto, se houver efetivo prejuízo para algum ou alguns consumidores, aplica-se o art. 7º, VII, da Lei 8.137/90 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, para tanto, importante ressaltar que a afirmação falsa ou enganosa descrita no tipo, deverá ser feita na oferta e apresentação do produto ou serviços e não através de publicidade.
Art. 67 – Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Por esta norma pratica crime contra o consumidor o fornecedor que faz ou agencia anúncio publicitário enganoso ou abusivo.
Trata-se de norma que sofre enorme crítica da doutrina em razão da dificuldade de harmonização com as demais normas constantes do CDC, em especial, com a disciplina do Artigo 37 e parágrafos do mesmo diploma.
É a redação do artigo 37:
Art. 37 - É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade,propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.§ 2º - É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3º - Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.
A problemática para a efetiva aplicação do tipo penal do Art. 67 está em identificar-se o consumidor enganado em decorrência do anúncio, isto é, para configurar-se o delito a vítima deve ser identificada.
Essa necessidade contraria a primeira parte do CDC que não se preocupa com o resultado decorrente da ação do fornecedor, qual seja mensagem ou publicidade enganosa, pois a responsabilidade deste é objetiva e está vinculada ao risco da atividade.
Este crime possui como objetividades jurídicas tutelar as relações de consumo e proteger a integridade psíquica de todos os consumidores.
Assim, considerando a relação do Artigo 67 com o Artigo 37, parágrafos 1º, 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, sob a ótica que conduz o presente trabalho, entendemos que se trata de tipo penal de natureza difusa, pois para a aferição do caráter enganoso da publicidade, o aplicador e o interprete ao avaliar o caso concreto deve considerar o consumidor em abstrato, isto é, o consumidor ideal e não real.
Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa
Novamente, o legislador demonstra a preocupação com a saúde e segurança do consumidor. Este dispositivo penal pune quem faz ou veicula propaganda que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde.
Trata-se de uma publicidade abusiva que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança, de modo que o presente dispositivo somente será ativado quando a propaganda induzir o comportamento do consumidor de maneira tal que coloque em risco a sua saúde ou segurança.
Também estamos diante de um tipo penal com dois objetos materiais tutelados, quais sejam, as relações de consumo e a saúde e segurança de todos os consumidores.
Nesse passo, o delito tipificado no Art. 68, do CDC é de natureza difusa, pois o sujeito passivo são todos os consumidores difusamente considerados, bem como aquele no qual a publicidade seja capaz de induzi-lo a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde.
Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa
O Artigo pretende punir quem não organiza dados fáticos, técnicos, e científicos que dão base à publicidade. Essa tipificação tem por objetivo assegurar a efetiva garantia que o Código de Defesa do Consumidor dispõe no Artigo 36, parágrafo único: “O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”.
Na verdade, o tipo penal do Art. 69 traz dupla proteção, à medida que protege o consumidor que com justo motivo queira a confirmação dos dados constantes do anúncio publicitário e garante ao fornecedor que, uma vez arquivando os dados técnicos que embasaram o anúncio, não poderá sofrer acusação de publicidade enganosa e terá como provar que anunciou fato verídico.
Há na doutrina quem afirme que o Artigo 69 não possui bem jurídico tutelado, pois trata-se de provas para resguardar o fornecedor acerca da veracidade das informações anunciadas.
O professor Rizzatto Nunes afirma que “É o mesmo que criar tipo criminal para punir o cidadão que pagou seus impostos, mas não guardou o comprovante do pagamento, ou puni-lo porque não guardou os dados que comprovam a receita...” [6].
No entanto, analisando formalmente o tipo penal em comento, temos como tipo objetivo as relações de consumo e a veracidade da publicidade e sob a ótica que norteia o presente trabalho, trata-se de tipo penal de natureza difusa, pois o sujeito passivo é a coletividade de consumidores.
Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa
Pelo presente dispositivo penal será punido aquele fornecedor que na reparação de produtos, utilizar peças ou componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor.
Esta norma guarda relação e protege o direito do consumidor assegurado no Artigo 21, do CDC que possui a seguinte redação: “No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor”.
No entanto, no artigo penal o legislador apenas disciplinou a proibição de utilização de peças usadas para reparar produtos, sem que haja autorização do consumidor. Importante ressaltar que a autorização deve ser prévia e expressa, no entanto a lei não faz nenhuma exigência de que seja escrita.
Trata-se de crime comum que visa proteger o patrimônio do consumidor que for enganado.
Considerando a vítima imediata ou principal do tipo penal o consumidor ludibriado ou prejudicado, podemos concluir que a natureza do tipo não é difusa e nem coletiva, pois para a consumação do delito é necessário a identificação do consumidor lesado, o que implica em possibilidade de afirmar que trata-se de um delito de natureza individual.
A doutrina em entendimento diverso na pessoa do Professor Antonio Herman Benjamin[7], ensina que o sujeito passivo do tipo descrito no Artigo 70 é “... a coletividade de consumidores como um todo” e não o consumidor individual.
Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa
Por esta norma, a intenção do legislador não é impedir a cobrança pelo credor em face do consumidor inadimplente, mas apenas estabelecer limites para o exercício deste direito de cobrar.
Assim, a ação regular do credor em face do devedor não é proibida, apenas a cobrança abusiva é vedada.
Analisando a norma do Artigo 71, temos que o consumidor inadimplente ao ser cobrado pelo credor tem o direito de não ser exposto ao ridículo, nem submetido a qualquer constrangimento ou ameaça.
Para entendermos melhor a intenção da norma não podemos esquecer que o fato de alguém ser cobrado por uma dívida seja pessoalmente, por carta ou telefone é fato constrangedor, no entanto, ser inadimplente também é.
De outra sorte, sofrer ameaça do credor de que será movida ação judicial para a cobrança da dívida ou de que o nome será negativado, não constitui necessariamente uma conduta ilegal do credor.
O direito de ter preservado e não ser violado na vida privada honra e imagem é direito constitucional. Dessa forma, o exercício regular de um direito de cobrança praticado sem abusos é ato absolutamente permitido ao credor, inclusive no Art. 188, do CC.
Esse dispositivo veio para garantir e reforçar o que está disposto no Artigo 42, do CDC que estabelece o seguinte: “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.
Dessa forma, o consumidor não pode ser constrangido, indevidamente, ao pagamento de suas dívidas, sob pena do fornecedor praticar a infração penal descrita na norma do Art. 71 do CDC que possui natureza difusa, pois possui como sujeito passivo do delito qualquer consumidor exposto a ridículo de forma injustificada, quando da cobrança de dívida de sua responsabilidade.
Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena – Detenção de seis meses a um ano ou multa
A infração penal descrita na norma acima não diz respeito à veracidade ou não das informações, mas apenas está adstrita a conduta de impedir ou dificultar o acesso por parte do consumidor.
Dessa forma, o fornecedor não poderá cobrar pelas informações consultadas, no máximo poderá solicitar um prazo para disponibilizar as informações ao consumidor.
Esse tipo penal procura proteger o que já consagra o mesmo Código no Artigo 43, parágrafo 1º, que estabelece o seguinte: “Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos”.
O crime do Artigo 72, em comento, é de mera conduta, isto é, que se consuma na ação do agente de impedir ou dificultar. Por essa mesma razão não admite o fracionamento da conduta, logo, não pode ser tentado e só admite a modalidade dolosa, bem como é de natureza difusa, visto que possui como sujeito passivo qualquer consumidor interessado nos dados existentes a seu respeito e que constem de bancos de dados e cadastros administrados pelos fornecedores.
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.
A infração penal deste artigo consiste em deixar de corrigir informação cadastral sobre o consumidor, que sabidamente sabe ser inexata, implica em pena de detenção de um a seis meses ou multa.
É direito do consumidor exigir que qualquer informação inverídica sobre seus dados cadastrais seja corrigida imediatamente pelo arquivista que terá cinco dias para comunicar as alterações aos eventuais destinatários.(art. 43 ,§3º, CDC).
Na hipótese de dúvida ou conflito acerca do dado apontado pelo credor e constante do cadastro e aquele dado que o consumidor entende correto, não poderá ser caracterizada a conduta criminosa por parte do arquivista, uma vez que este aponta dados de um consumidor com base em documentos válidos e oferecidos pelo credor. Ex: um título de crédito vencido e não pago ou um contrato inadimplido.
É direito do credor negativar seus clientes inadimplentes, no entanto, as informações levadas ao serviço de proteção ao crédito deverão estar corretas.
Este delito só admite a modalidade dolosa, visto que, a expressão “deveria saber” afasta qualquer possibilidade de culpa, em respeito principalmente ao principio constitucional previsto no inciso XXXIX do Artigo 5º, CF e do princípio da excepcionalidade constante do Artigo 18, parágrafo único, do Código Penal.
Não admite a modalidade tentada por ser um crime de omissão própria, cuja característica e conduta típica é a não-ação, ou seja, Deixar de corrigir é a omissão típica que constitui a pratica do crime do artigo 73, CDC.
Esse delito é uma forma de desdobramento do delito previsto no Art. 72, acima analisado e pune o fornecedor ou qualquer pessoa que seja responsável pelas informações e que não corrigir imediatamente informação sobre consumidor difusamente considerado que conste em cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber não estar correto.
Nesse tipo penal o legislador preocupou-se em proteger os parágrafos 3º, 4º, e 5º do Artigo 43, que estabelecem o seguinte:
“...§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores”.
Deste modo, o Artigo 73 tem por objetivo proteger as relações de consumo e a dignidade do consumidor diante da proteção ao crédito e que possui natureza difusa já que as possíveis vítimas podem ser qualquer consumidor que esteja interessado na correção de informações inexatas a seu respeito.
Art. 74: Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo.
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa
Finalmente a ultima infração penal contra as relações de consumo que descreve a conduta típica delituosa daquele fornecedor que deixa de entregar ao consumidor o termo de garantia preenchido e com especificações acerca do conteúdo do produto.
Para a doutrina o tipo penal do artigo 74 além de não trazer maiores garantias ao consumidor, viola a garantia constitucional do inciso XXXIX, do artigo 5º (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal).
Trata-se de uma norma que pune o esquecimento, que não quer dizer nem dolo e nem culpa do agente/fornecedor.
O oferecimento da garantia contratual é uma faculdade do fornecedor, conforme disposição do Art. 50, CDC. É certo que o consumidor já possui a garantia legal, sendo a garantia contratual de natureza complementar.
Assim, caso o fornecedor opte por oferecer a garantia contratual, terá de fazê-la por escrito mediante a entrega de termo escrito.
Deste modo, o questionamento que se faz é o seguinte: “como alguém pode cometer crime e ser punido por exercer um direito subjetivo, por esquecer de entregar um pedaço de papel?”
Via de conseqüência, se o consumidor não receber o termo de garantia, não perderá seus direitos em face do fornecedor. Para fazer seu direito a garantia, basta ao consumidor comprovar a realização da compra através da nota fiscal de compra.
É um delito que não admite tentativa, justamente por ser um crime de omissão. De modo que, seria ilógico admitir-se a tentativa de crime omissivo, visto que tentar não fazer ou tentar não agir implica logicamente em fazer, em agir.
Assim, in casu tentar deixar de entregar o termo de garantia preenchido ao consumidor, na verdade quer dizer que o agente não deixa de fazer e, portanto, entrega o termo de garantia.
Esse delito não admite culpa, somente pode ser doloso e possui natureza difusa, pois conforme a maioria dos delitos acima analisados tem como sujeito passivo o consumidor difusamente considerado, juntamente com a coletividade.
O presente estudo não tem o objetivo de esgotar o tema, mas espera contribuir aos seus leitores de modo a incentivar a busca pela pesquisa e melhoria do conhecimento.
Em síntese, podemos concluir que a grande maioria das infrações penais de consumo é de natureza difusa em razão dos sujeitos passivos de cada uma das infrações penais, com exceção feita ao delito descrito no Art.70, do Código de Defesa do Consumidor que no entendimento desta autora é de natureza individual em razão da possibilidade de identificação do consumidor eventualmente lesado.
5. BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993.
BENJAMIN, Antonio Herman. Crimes de consumo no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo. N.3, set/dez. 1992.
DINIZ, Maria Helena. Dicionario Jurídico Universitário. 1ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. ver. - São Paulo: Saraiva, 2009
PASSARELLI, Eliana. Dos crimes contra as relações de consumo: Lei Federal nº 8.078/90 (CDC). São Paulo: Saraiva, 2002.
[1] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. ver. - São Paulo: Saraiva, 2009, p. 759/760.
[2] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. ver. - São Paulo: Saraiva, 2009, p. 762.
[3] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. ver. - São Paulo: Saraiva, 2009, p. 762
[4] DINIZ, Maria Helena. Dicionario Jurídico Universitário. 1ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010, pg 211.
[5] DINIZ, Maria Helena. Dicionario Jurídico Universitário. 1ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010, pg 211.
[6] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4.ed. ver. - São Paulo: Saraiva, 2009, p. 708
[7] BENJAMIN, Antnio Herman. Crimes de consumo no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo. N.3, set/dez. 1992, p. 109.
Mestre em Direito. Especialista em Direito e Processo Civil e em Direito e Processo do Trabalho. Advogada. Professora na UNINOVE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Juliana Pullino. Infrações penais nas relações de consumo: Aspecto Difuso e Coletivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2011, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24749/infracoes-penais-nas-relacoes-de-consumo-aspecto-difuso-e-coletivo. Acesso em: 26 dez 2024.
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