Você sabe o que é caviar?Nunca vi, nem comi
Eu só ouço falar
Você sabe o que é “Estado Democrático de Direito”?
Nunca vi, nem comi...Eu só ouço falar...(Zeca Pagodinho)
Sempre que o Brasil se encontra em tempos de eleições, os candidatos empunham a bandeira da democracia, sobem ao palanque e bradam em seus discursos invocando o Estado Democrático de Direito, as vezes nem eles sabem o que estão dizendo.
A ideia do Estado Democrático de Direito da maneira como hoje é conhecido é em decorrência de um extenso processo da evolução da forma como as sociedades foram se organizando ao longo dos séculos, como bem lembrou a professora Terezinha Seixas em suas aulas magnificamente ministradas no inicio do curso de graduação em Ciências Sociais e Jurídicas. Explanava a referida professora que as origens do Estado Democrático de Direito é oriundo dos antigos povos gregos e seus inesquecíveis pensadores, que já no século V a I a. C. dentre eles citava Sócrates, Platão e Aristóteles que criou a teoria do “Estado Ideal”, pensadores que refletiam sobre a melhor forma de organização da sociedade para o atendimento do interesse comum.
Entretanto, foi no final do século XIX que as grandes bases do Estado de Direito foram consolidadas.
No término do século XVIII, observamos nos livros de História a queda dos Estados absolutistas, modelo de Regime político que superou o modelo feudal e que concentrava todo o poder nas mãos dos reis soberanos, considerados representantes de Deus na Terra.
Nos Estados absolutistas, os reis passavam a ter poderes plenos, reunindo em suas mãos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do controle espiritual dos súditos.
Assim, eles, os reis, governavam de forma arbitrária e despótica, gerando uma série de injustiças e desequilíbrios sociais e prejudicando, sobretudo, os interesses de uma nova classe social que então ascendia – a burguesia.
O abuso de poder por parte do rei absolutista revoltou a burguesia, classe econômica, política e social ascendente na época, que buscaram novos modelos de organização social onde o poder do rei fosse restrito e controlado.
A revolução burguesa, segundo o professor José Jobson Arruda, culminou com o fim do absolutismo monárquico e da política econômica mercantilista, onde a burguesia favorecida pelo crescimento econômico pretendia mais liberdade para ampliação dos negócios[1][1].
Alguns filósofos e teóricos passaram a refletir sobre as melhores formas de organização política e social que poderiam ser adotadas para a proteção da coletividade e das liberdades individuais.
Nestas reflexões refutaram a tese de que o poder político derivaria de dádiva Divina, pois concluíram que o poder da sociedade deveria vir das pessoas que a formavam.
Então, o homem, e somente ele, estaria incumbido de descobrir quais seriam os direitos básicos de todo ser humano e como deveria se organizar socialmente para que esses direitos fossem respeitados.
Com essa racionalização dos direitos naturais, os quais até então eram divinos, foram surgindo movimentos que reduziram o poder do rei absolutista.
Além de outros embasamentos para os direitos naturais do homem e aqueles fundamentados meramente na fé e em Deus acelerou o rompimento definitivo entre Estado e religião.
Foi aí que surgiu o conceito de jusnaturalismo, ou seja, de que existem direitos que são naturais ao homem e que fluem da própria natureza humana os direitos básicos para que o ser humano pudesse viver de forma digna.
Dentre os filósofos e teóricos que se destacaram na procura dos direitos naturais e irrenunciáveis do homem, convém destacar alguns que ofereceram suas contribuições, cujas ideias permanecem atuais.
Thomas Hobbes defendia, já em 1651, que somente o direito de amparar-se a si mesmo era irrenunciável, sendo todos os outros direitos decorrentes deste[2][2], o que serviu de fundamento à reivindicação das duas conquistas fundamentais do mundo moderno no campo político: o princípio da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios nasceu de fato o Estado liberal moderno[3][3].
Já John Locke, teórico do liberalismo, destacava três direitos naturais básicos: a liberdade, a propriedade e a vida, defendendo, até mesmo, o direito de qualquer povo destituir o poder que não garantisse tais direitos.
Jean - Jacques Rousseau, em fins do século XVIII defendia que todos os homens nascem livres, e a liberdade faz parte da natureza do homem e os direitos inalienáveis do homem seriam a garantia equilibrada da igualdade e da liberdade, é dele também aquela idéia de que a organização social deve basear-se em um contrato social firmado entre todos os cidadãos que compõem a sociedade e a partir do contrato social surgiu a vontade geral que é soberana e que objetiva a realização do bem geral[4][4].
Charles de Montesquieu (1748) contribuiu com essa racionalização quando lançou as sementes da ideia de separação dos poderes (tripartição das funções do Estado), obra de importância fundamental na defesa dos direitos individuais: “existem as leis da natureza, assim chamadas porque decorrem unicamente de nosso ser. Para conhecê-las bem é preciso considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades” [5][5].
Nas ultimas linhas demonstramos a transição do mundo medieval para o mundo moderno, representada pelo nascimento e pela queda dos Estados absolutistas, onde os fatos históricos contribuíram definitivamente para a consolidação do Estado moderno e de direitos naturais do ser humano, na geração do que hoje conhecemos como direitos humanos. Tais fatos históricos produziram documentos que até hoje fundamentam os direitos humanos no mundo.
Na Inglaterra, país que durante o século XVII foi palco de importantes movimentos em defesa das liberdades individuais e contra arbitrariedades do Estado, dentre os quais destacamos os seguintes:
I - Revolução Puritana, 1628
– PetitionofRights, que institui a necessidade de aprovação parlamentar de tributos e a proibição de punição de súditos sem amparo na lei;
II - Habeas Corpus Act – 1679, em proteção à liberdade e ao devido processo legal;
III - Revolução Gloriosa – 1689 – Bill ofRights, obrigatoriedade de aprovação das leis pelo Parlamento, garantia de liberdade religiosa[6][6].
Aproveitando a maré de reviravoltas que ecoavam da metrópole, os Estados Unidos da América declararam, em 1776, sua independência, afirmando em sua Carta de Independência valores como os da igualdade de todos os homens e a existência de certos direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a busca pela felicidade[7][7].
Mas o marco principal e mais significativo acontecimento histórico na edificação dos direitos humanos e consequentemente do direito, foi a Revolução Francesa de 1789, da qual derivou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um dos principais documentos históricos que marcam o início do Estado moderno.
A Declaração de 1789 assegurava que “todos os homens são iguais pela natureza e perante a lei” e que “a finalidade da sociedade é a felicidade comum – o governo é instituído para garantir a fruição de seus direitos naturais e imprescritíveis. Esses direitos são a liberdade, a segurança e a propriedade”
Já Hans Kelsen, no século XX, também conceituou o Estado como sujeito artificial como a personalização da ordem jurídica, e como a lei passa a ter a partir de então um papel essencial na organização das sociedades, sendo o instrumento por meio do qual o poder do povo se manifesta e que vincula a todos de forma igualitária: governantes e governados são igualmente sujeitos às determinações da lei.
A lei passa a representar a vontade dos cidadãos, pois a partir do comportamento destes que influencia o desenvolvimento das sociedades, devendo assim por todos ser respeitada, não importando a sua condição, implicando finalmente a ideia de Estado de Direito.
O Estado de Direito nos dias atuais tem um significado de fundamental importância no desenvolvimento das sociedades, após um amplo processo de afirmação dos direitos humanos, sendo um dos fundamentos essenciais de organização das sociedades políticas do mundo moderno[8][8].
Mesmo assim continuamos no Século XXI com o objetivo de buscarmos mecanismos de aperfeiçoamentos para o modelo do Estado para que o mesmo atinja o quanto antes o equilíbrio entre a liberdade e igualdade dos seres humanos e possa proporcionar o ideal de oportunidades de desenvolvimento com saúde, segurança, habitações dignas, educação para todos.
NOTAS
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AQUINO. Rubens Santos Leão de; FRANCO, Denise de Azevedo & LOPES, Oscar Guilherme Campos. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico. 2006.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda. 2006.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 9ª ed. São Paulo: Ática, 1997
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril Nova Cultural (Coleção Os Pensadores), 1994.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 5. ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 2004.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Editora Cultrix Ltda.2008.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 2004. Coleção "Os Pensadores": Rousseau, v. 2.
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Bacharel em Direito pela Unicastelo - Universidade Camilo Castelo Branco; Servidor Publico Federal, atuando na área de Gestão de Pessoas do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde em São Paulo.; com Formação Profissional em Educador Social pela PUC/SP em parceria com Fundação Orsa e Obra Dom Guanella e Licenciatura em Literatura Brasileira.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Adairson Alves dos. O Estado Democrático de Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24951/o-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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