O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, em novembro de 2010, a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666, de 1993, em julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16, ajuizada pelo governador do Distrito Federal em face do Enunciado (súmula) 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, contrariando o disposto no parágrafo 1º do mencionado artigo 71, responsabiliza subsidiariamente tanto a Administração Direta quanto a indireta, em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer serviço de terceiro especializado.
Os votos que fundamentaram o julgamento do STF ainda não foram publicados em seu inteiro teor, mas já gerou a alteração de entendimento antes consolidado no âmbito do TST, inaugurando uma nova fase de discussões acerca do tema.
Com a publicação do julgamento, o que se visualizou foi uma movimentação de parte dos magistrados trabalhistas com o intuito de buscarem novos fundamentos para a garantia do trabalhador terceirizado que se socorre do Poder Judiciário para receber seus direitos e, não obtendo resultado da empresa empregadora, parte na busca da satisfação pelo tomador daquele serviço.
O reconhecimento da responsabilidade subsidiária do tomador do serviço trata-se, é notório, de uma garantia extra conferida àquele trabalhador terceirizado. Contudo, em que pese ser comum o julgamento pela Justiça Laboral visando a proteção do trabalhador, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, seguido por muitas Turmas de Tribunais Regionais e magistrados de primeira instância, ultrapassava os limites de interpretação da norma jurídica, revelando verdadeiro afastamento da aplicação da norma, sem a devido procedimento para tanto.
Não se apontava, de forma válida, outra norma que justificasse o afastamento da aplicação do art. 71, parágrafo primeiro da Lei nº 8.666/93 e, para a questão constitucional, não se utilizava do procedimento adequado para a declaração da inconstitucionalidade no âmbito do Tribunal (art. 97 CF).
Assim, o posicionamento do TST criou, na prática, uma hipótese de responsabilidade objetiva da tomadora do serviço que não só não era prevista em Lei, como contrariava norma legal expressa.
Com efeito, conforme analisou o Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADC 16, a condenação subsidiária da Administração Pública era constantemente fundamentada no § 6º do art. 37 da CF e no § 2º do art. 2º da CLT. Contudo, a aplicação de referidos dispositivos para o embasamento da condenação carecia de pertinência, posto que, em relação ao primeiro, é certo afirmar que se refere à hipótese de responsabilidade extracontratual do Estado (Min. Carmem Lúcia), além do que não se constatava “ato do agente público causando prejuízo a terceiros que seriam os prestadores do serviço” (Min. Marco Aurélio). Com relação ao segundo dispositivo, a ausência de direção, administração, ou controle da empresa prestadora de serviços também afastava a validade de sua aplicação.
Portanto, diferentemente do que constantemente decidia a Justiça Laboral, considerando os termos legais, a tomadora somente poderia se ver validamente responsabilizada pelo inadimplemento por parte da empresa contratada se agisse com culpa ou dolo na relação mantida com a prestadora de serviço (responsabilidade subjetiva).
Seguindo essa linha de raciocínio, o STF, no julgamento da ADC, foi enfático em ressaltar que, em nenhuma hipótese, a responsabilização da Administração Pública tomadora poderia se dar automaticamente, mas que somente poderia ocorrer se visualizada a culpa da contratante (“culpa in vigilando” ou “culpa in eligendo”).
E na esteira do julgamento do STF, o TST modificou a redação do enunciado da Súmula 331 para os seguintes termos:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional(art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Portanto, partindo dos termos do julgamento do STF e da nova redação da Súmula 331 do TST, conclui-se que a existência de culpa deve ser não só alegada pelo reclamante (uma vez que não caberia ao juízo conhecer de eventual negligência que não restou aduzida pela parte reclamante), mas também comprovada nos autos (ainda que por indícios que revelem a inexistência do cuidado necessário na contratação e naexecução do contrato).
E quando estaria demonstrada a culpa da Administração?
Neste aspecto, cumpre salientar que os atos da Administração devem ser pautados na lei, de modo que, uma vez observada a Lei nº 8.666/93 para a licitação e contratação da prestadora, impossível se falar na “culpa in eligendo”.
No que tange à culpa “in vigilando”, a questão é um pouco mais delicada.
O dever de fiscalização do contrato encontra-se previsto no art. 67 da Lei de Licitações. Ocorre que o descumprimento de obrigações contratuais identificado na fiscalização, somente gera conseqüências se adotado um procedimento próprio, muitas vezes tido por burocrático, conforme se identifica nos artigos 77, parágrafo único e artigo 87 da Lei nº 8.666/93. Neste contexto, convém convocar os magistrados a se atentarem para o fato de que, em se tratando de poder público, as providências a serem adotadas em caso de verificação de irregularidades requerem atenção ao interesse público envolvido (uma vez que o órgão ou entidade não poderá carecer de condições para continuar atuando), bem como não prescindem de procedimento próprio que assegure o contraditório e a ampla defesa
Portanto, somente será o caso de condenação da Administração por culpa “in vigilando” se o reclamante alegar e demonstrar, ainda que por indícios, que a Administração deixou de fiscalizar o contrato (quando, por exemplo, a Administração não diligencia perante a contratada para a comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias) ou que, identificado o problema, o Poder Público não adotou qualquer providência para saná-lo ou para, se o interesse público permitir, rescindir o contrato com as consequências previstas na Lei nº 8.666/93.
Portanto, após a recente decisão do STF e a alteração do enunciado da Súmula 331 do TST, a Administração Pública somente poderá ser condenada pelas verbas trabalhistas devida pela empresa contratada, se alegado e comprovado que o Poder Público descumpriu as normas para a licitação e contratação da prestadora ou que houve omissão na verificação e regularização de eventuais irregularidades no cumprimento das obrigações contratuais. Essas questões devem, portanto, ser evidenciadas no processo, o que significa dizer que devem enfrentadas de forma expressa no julgamento (sentença ou acórdão), de acordo com as provas constantes nos autos, não bastando a indicação genérica de negligência do Poder Público para a condenação.
Por fim, e apenas a título de incrementar o debate do tema, vale questionar acerca da competência da Justiça Laboral para conhecer da responsabilidade subsidiária da Fazenda Pública, posto que, uma vez que esta se insere no âmbito do direito civil (e não trabalhista, de modo a escapar da previsão do art. 114 CF), parece que a Justiça Especializada carece de competência para o julgamento, devendo a matéria, nos termos do art. 109, inciso I da Constituição, ser decidida pela Justiça Federal.
REFERÊNCIAS
- BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm. Acesso em 20/06/2011.
- Informativo nº 610 do Supremo Tribunal Federal.
Procuradora Federal, professora universitária, especialista em direito público e interesses difusos e coletivos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MECELIS, Adriana. Os novos caminhos da condenação subsidiária da Administração Pública: o julgamento da ADC 16 e a alteração da Súmula 331 do TST Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25007/os-novos-caminhos-da-condenacao-subsidiaria-da-administracao-publica-o-julgamento-da-adc-16-e-a-alteracao-da-sumula-331-do-tst. Acesso em: 23 dez 2024.
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