Resumo: Discute a validade da prerrogativa de requisição da Defensoria Pública como direito absoluto, indicando as distorções constitucionais e procedimentais existentes. Estabelece comparação com as funções do Delegado de Polícia, do Representante do Ministério Público e do Magistrado.
Palavras-chave: defensoria – prerrogativa – direito – constituição – processo – inquérito – autoridade policial – magistrado – ministério público – controle – administração pública – perícias – diligências – laudos.
A Defensoria Pública cada vez mais se fortalece, no âmbito federal ou estadual, como instituição de garantia ao direito de acesso à Justiça por parte dos insuficientes de recursos. Não se tem limitado à função de defesa do réu pobre, no processo criminal, mas a sua atuação tem-se estendido a outras áreas, onde devam prevalecer os princípios constitucionais de igualdade entre as partes e a efetivação das liberdades fundamentais dos idosos, da criança e do adolescente, dos portadores de necessidades especiais, das mulheres vítimas de violência, das minorias raciais e étnicas, além de inúmeras outras. Realmente se apresenta como um vigoroso instrumento estatal na proteção das pessoas carentes para fazerem valer seus direitos na mais complexa estrutura do Estado Democrático.
A Defensoria tem como suporte legal de sua organização funcional a Lei Complementar de nº 80/94, alterada pela LC nº 132/2009, que institui, inclusive, suas prerrogativas legítimas e necessárias para o desenvolvimento de um mister de indiscutível relevância jurídica, política e social.
Especificamente, um dos direitos do Defensor Público tem gerado dúvidas e polêmicas junto à Administração Pública, em seus níveis federal, estadual ou municipal, mormente na seara policial. Vale transcrever o inciso X, do artigo 128, da lei referida, que autoriza o defensor: “requisitar da autoridade pública ou de seus agentes exames, perícias, certidões, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências;”
Leis Complementares Estaduais, com a mesma finalidade, repetem as garantias referidas, como a LCE nº 65, de 16 Jan 2003 (artigo 74, IX), de Minas Gerais.
Há que se entender que o verbo requisitar, segundo a maioria esmagadora dos dicionaristas, significa solicitar providências, com natureza mandamental, imperativa, em caráter de ordem de que o requisitado não pode, sem justa causa, frustrar o atendimento, conforme acontece com as demandas oriundas dos Magistrados e dos Promotores de Justiça.
Quanto à obtenção de informações dos bancos de dados da Administração, tais como certidões, documentos, informações, esclarecimentos, nada mais lógico e justo, no sentido de contribuir com a celeridade e agilidade dos procedimentos em que operam. No que diz respeito, entrementes, a exames, perícias, vistorias, diligências – a não ser que se tratem de atividades já realizadas e de que se esteja requerendo apenas cópias ou extratos – criar o procedimento novo na alçada policial sugere a necessidade de avaliação meticulosa e sensata a respeito de sua validade jurídica.
O entendimento de que essa prerrogativa se constitui em direito inconteste e prevalente dos defensores já é, por si próprio, equivocado, posto que nenhuma garantia constitucional tem validade absoluta – nem a defesa da vida - , dependente do contexto em que é invocada, conforme ensina Kildare Gonçalves Carvalho[1]
“Não existe direito absoluto. Assim, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados. Existem limitações na necessidade de se assegurar aos outros o exercício desses direitos, como têm ainda limites externos decorrentes da necessidade de sua conciliação com as exigências da vida em sociedade, traduzidas na ordem pública, ética social, autoridade do Estado etc.”
Em algumas Unidades da Federação a Defensoria requisitou sponte propriae ao IML exumação de cadáver, ou ao Instituto de Criminalística e Identificação outras perícias criminais, exames balísticos, confrontos papiloscópicos, inusitados, à revelia da Autoridade Policial ou Judiciária, posto que os procedimentos não se referiam a nenhum inquérito, nem a processo cível ou penal devida e legalmente inaugurados.
Consentir que tais práticas tenham prosseguimento, aceitação ou validade jurídica é minimamente desconhecer o funcionamento legal do Sistema de Justiça Criminal. O jus puniendi estatal, segundo preceitos basilares de nossa Carta Magna e do regramento adjetivo penal em vigor, tem início na pré-fase de investigação, através de inquérito, sob a presidência do Delegado de Polícia, que deve adotar todas as medidas necessárias à elucidação do fato e apontamento de sua autoria. Para isso, sim, deverá requisitar exames, perícias e laudos (artigo 144, §§ 1º e 4º CF e artigos 4º a 23 CPP).
Na etapa judicial, o Magistrado é o condutor do processo, mediando e organizando a solução do conflito penal, visando o julgamento do(s) acusado(s), em situação de equidade e proteção dos direitos que se discutem na lide. Ele, Juiz, pode determinar realização de novas perícias, refazimento ou complementação de laudos, por pedido das partes, Ministério Público ou Defesa, mantendo o seu poder de veto, sob a ótica da oportunidade e necessidade, evitando-se os deploráveis expedientes meramente protelatórios. Independentemente de provocação, pode, também, determinar produção de provas, dentro do que lhe garante o princípio da busca pela Verdade Real[2].
O melhor entendimento deverá ser, por isso, de que o Defensor Público, representante da parte, possa requisitar, sim, diligências novas, as mais diferentes, desde que esse pedido seja endereçado à Autoridade Policial, durante a persecutio criminis ou ao Juiz do feito, nos procedimentos processuais, sob pena de ferir direitos e prerrogativas dos últimos, sedimentados também em normas constitucionais conforme exposto.
Além disso, conferir ao Defensor Público, no exercício de postulação de direitos de qualquer pessoa, poderes diferentes dos que são deferidos ao Defensor Constituído – advogado profissional – patrocinado pelo interessado na causa, é contribuir para o desequilíbrio da relação processual, quebra do princípio do contraditório e da paridade de armas, seja em procedimento de natureza cível ou criminal, como enfatiza NUNES[3]:
“Em relação às partes, o contraditório aglomera um feixe de direitos dele decorrentes, entre eles: a) direito a uma cientificação regular durante o todo o procedimento, ou seja, uma citação adequada do ato introdutivo da demanda e a intimação de cada evento processual posterior que lhe permita o exercício efetivo da defesa no curso do procedimento; b) o direito à prova, possibilitando-lhe sua obtenção toda vez que esta for relevante; c) em decorrência do anterior, o direito de assistir pessoalmente a assunção da prova e de se contrapor às alegações de fato ou às atividades probatórias da parte contrária ou, mesmo, oficiosas do julgador; d) o direito de ser ouvido e julgado por um juiz imune à ciência privada, que decida a causa unicamente com base em provas e elementos adquiridos no debate contraditório.”(grifamos).
O Promotor de Justiça detém autoridade para requisitar, investido do múnus de seu cargo, como parte no processo penal, representando o Estado/Acusação. O Defensor, por outro lado, a despeito de também integrante da estrutura administrativa do Estado, não representa a Administração, mas sim a parte interessada na lide, pessoa estranha à primeira.
Aceitar placidamente o inteiro teor do disposto no inciso “X” da lei em comento é admitir invasão indevida de competência institucional do Magistrado, do Ministério Público[4] e do Delegado de Polícia, posto que inclusive, a atividade de requisição da Defensoria Pública, fora dos parâmetros do inquérito ou processo regulares, escapará ao sistema de checks and balances[5] imprescindíveis à organização, funcionamento e controle da Administração Pública, especialmente do Sistema de Justiça.
[1] CARVALHO, Kildare Gonçalves. In Direito Constitucional. Del Rey. 2005
[2] TOURINHO FILHO. Fernando da Costa – Manual de Processo Penal – p 17 – 11ª ed – Saraiva - 2009
[3] NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático – p 230 – Ed. Juruá – 2008 –
[4] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil – artigos 127 a 129.
[5] PENAL. Correição Parcial. Cor 20604 Rs 2007.04.00.020604-6 – “No sistema de freios e contrapesos que preside o processo penal, a legalidade impõe que as decisões do titular da ação penal sejam controláveis pelo titular da jurisdição e vice-versa.”
Delegado de Polícia (apos). Mestre em Administração Pública/FJP - Especialista em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal - Professor do Centro Universitário Metodista de Minas - Assessor Jurídico da Polícia Civil. Auditor do TJD/MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, João. Defensoria Pública: Direito de Requisição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2011, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25107/defensoria-publica-direito-de-requisicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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